Volume 04 - Mondo Tarantino

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realizando uma bricolagem cinematográfica. Não necessariamente a técnica da bricolagem impede a criação de algo novo. Muitas vezes, os diferentes recortes sobrepostos podem criar uma rede de significações original e profunda, em um processo de construção onde a recombinação dos signos cria novos sentidos. No entanto, não creio que seja este o caso. Tarantino vale-se disto com exagero para desenvolver algo como o superclichê: não há novidade, apenas o superlativo das convenções e um apelo sádico à violência. *** Em Pulp Fiction, vemos Jules e Vincent em uma cafeteria. Eles conversam amigavelmente sobre Mr. Wolf, um dos associados de Marcellus Wallace, e a “consultoria” prestada momentos antes por ele. Jules diz: “Mas ele era cool ou o quê? Era um cara cool pra cacete, totalmente no controle... ele nem ficou bravo de verdade quando você retrucou pra ele! Eu fiquei impressionado...”3 Mr. Wolf é o tipo de sujeito que está em todos os personagens de Tarantino: indivíduo descolado, que “pensa” e fala rápido, no controle da situação. Mantém a aparência tranquila, o bom humor, e permanece inabalável perante as circunstâncias mais adversas possíveis. Este atrevimento deve transparecer em uma espécie de orgulho demasiado, uma arrogante sensação de domínio da situação. Esta é uma característica fundamental da narrativa tarantinesca; é ela que permite a Tarantino cometer seus excessos de violência. Mas não apenas. É exatamente esta ironia descolada, o próprio cool, que confere a Tarantino a máscara da novidade; é isso que garante o “frescor” de sua obra, base da renovação que operou na indústria do cinema, como veremos adiante. Por ora cabe notar que “renovação” nada tem a ver com alguma herança ou característica da arte moderna; é algo próprio às indústrias culturais. Para evitar o tédio das massas, rápido com outra coisa. No entanto, ao contrário do radicalismo da vanguarda, o produto cultural se molda em fórmulas já experimentadas. Suas estruturas e conteúdos não podem ser separados da 3

trad. livre do autor.

Quando matar é cool: Tarantino e a estetização da violência

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