Volume 06 - Quebrada? Cinema, vídeo e lutas sociais

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olho da câmera, a “câmera caneta” – aquela que escreve a história. O vídeo tornou-se acessível ao sujeito mais comum. Machado aborda: O cinema novo brasileiro, herdeiro político de uma longa tradição de populismo que marcou a história do Brasil por cerca de meio século, jamais conseguiu dar palavra ao povo de cujos problemas ele tratava paternalisticamente. A multidão reduzida a uma condição de miséria era encenada pelos cineastas como uma massa amorfa, destituída de interior e de vontade (nos filmes de Ruy Guerra e Glauber Rocha, por exemplo), ou como uma coleção de indivíduos reduzidos a um estado de animalidade pura e simples (em filmes do tipo Vidas Secas/1963). Jamais passaria pela cabeça dos cineastas dos tempos utópicos do cinema novo que as pessoas simples e humilhadas pudessem ser dotadas de riqueza interior e capazes de colocar questões que muitas vezes nos deixam emudecidos.15

É natural que os vídeos produzidos no período se preocupassem com a interferência e a relação direta com os processos em curso de mobilização social popular, de lutas por demandas concretas, incorporando a utilização do vídeo como tática de intervenção. Era natural que o vídeo deixasse de lado suas “especificidades de linguagem” para tomar parte direta nas lutas, que estavam no cerne do horizonte da preocupação de determinados grupos sociais. A ficção e o romance, naquele momento, não faziam tanto sentido para os realizadores de vídeo popular. Por outro lado, deu-se um passo em relação ao vínculo social com o povo que o cinema novo pretendeu estabelecer. Como afirma Jean-Claude Bernardet, Em meados da década de 1960, algumas experiências cinematográficas ousavam não tratar do povo apenas enquanto temática e/ou realidade a ser documentada, apostando na participação de sujeitos provenientes das classes populares em algumas etapas da realização fílmica […] o trabalho em película

15

Idem, “A experiência do vídeo no Brasil,” in Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas (3a ed. São Paulo: Edusp, 2001) 266-267.

O AUDIOVISUAL COMO INSTRUMENTO DE MUDANÇA NA CIDADE E COMO CRIAÇÃO DE REDES...    29


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