O planeta Bergman

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as cores da bandeira sueca são o amarelo e o azul, e os filmes são complementares, juntando ao erotismo a política e a sociologia. As fitas denunciam a falta de consciência política e o desconhecimento da situação de outros países, por parte dos suecos. Mostra o cinismo dos que fazem política, interessados apenas em se manter no poder, sem qualquer ideologia. Lena, a jovem protagonista, dialoga com Martin Luther King, com Sjoman, seu diretor, trocando às vezes o papel da política pelo papel da atriz. O presidente dos E.U.A., Lyndon Johnson, é caricaturado num desfile contra a guerra do Vietnã; e os olhos de um retrato do generalíssimo Franco são apanhados por Lena num ataque de fúria. Há ousadíssimas cenas de sexo, uma das quais irreverente ao ponto de ter sido filmada no parapeito do Palácio Real numa provocação à monarquia sueca. Sjoman atravessou toda a década de 70 realizando filmes, mas foram raros os que chegaram ao Brasil. Blushing Charlie (1970), por exemplo, não chegou. Na cena inicial, um grupo de homens gordos se exibem nus em uma sauna. São as primeiras imagens de contestação contra uma sociedade acomodada, calma e silenciosa. Através da história de um chofer de caminhão, desiludido do amor de uma dançarina de cabaré, o diretor confronta política e erotismo num filme que os críticos consideraram confuso e que faz constantes alusões aos guerrilheiros da Revolução Cubana. Até que o sexo nos separe (1971) é a curiosa história de um casal que recusa o ato sexual, porque o considera como impuro e perigoso. Sjoman critica uma sociedade ainda repleta de tabus e hipocrisias. A garagem (1975), um filme que foi exibido no Brasil, mostra um relato nada estimulante do chamado paraíso nórdico, abordando um drama de infidelidades e homicídio em um triângulo amoroso. Linus (1979) passa-se em Estocolmo de 1937, e o personagem-título é um adolescente de 16 anos, pobre, ingênuo e ignorante. Sjoman o faz circular numa sociedade sórdida e vulgar, explorando o tema da baixeza humana, num filme muito elogiado e que marcou a volta ao cinema sueco de uma de suas grandes atrizes, Viveca Lindfords. May Zetterling foi a atriz de Tortura de um desejo, de Sjoberg, e de Música na obscuridade, de Bergman. Ela atuou na Inglaterra, destacou-se em Hollywood, mas preferiu retornar à Suécia, abandonando tudo para realizar seus próprios filmes. Começou fazendo 114 pequenos documentários para a televisão e estreou no longa-metragem de ficção, em 1964, com Casais amorosos, que tratava de problemas como a maternidade, o amor e o casamento, vistos sob a ótica feminina. Foi sentida a influência de Bergman nesta fita que demole o homem e o mundo que ele condicionou para as mulheres, fazendo com que estas descubram sua própria força, o sentido da vida e se libertem de uma tirania sistemática. Há cenas ousadas de homossexualidade feminina e de colegiais sexualmente reprimidas e revoltadas contra o regime autoritário de certos internatos para moças. Mas foi Jogos da noite (1965), o segundo filme de May Zetterling, que causou furor quando foi proibida a sua exibição para o público no Festival Internacional de Veneza de 1966. A fita provocou escândalo por suas cenas de perversão sexual, e no Brasil foi mutilada pela censura. O protagonista é Jan, incapaz de satisfação amorosa por culpa de traumas psíquicos do passado. O filme é estruturado por uma seqüência de flash-backs em que Jan é visto em momentos de sua infância, onde Ingrid Thulin aparece no papel de uma mãe sensual, dominadora e fútil, símbolo e produto de uma classe social apodrecida. Na verdade, a fita é quase um inventário completo das doenças, obsessões e perversões sexuais, inibição de infância, impotência sexual, homossexualidade masculina e feminina, incesto, complexo de Êdipo, que aparecem como um cancro carcomendo um mundo burguês de ociosos e ricos desocupados. O que causou mais polêmica foi o fato dessa amarga visão sueca do sexo ter sido colocada na tela por uma mulher. Doutor Glas (1968) relata a anatomia subjetiva de um crime, descrevendo um tipo mórbido na figura antipática do personagem-título. Há cenas oníricas ou passadas na imaginação do protagonista, mas o filme é arrastado e monótono, decepcionando bastante. As garotas (1969), que não chegou a ser exibido no Brasil, narra a situação de três mulheres, interpretadas por Bibi Andersson, Harriet Andersson e Gunnel Lindblom. Elas são atrizes ao longo de uma tournée, que representam Lisístrata, de Aristófanes. Como a heroína grega, elas decretam a greve do amor para punir os respectivos maridos. Trata-se de um estudo da condição feminina na Suécia. que coloca em questão o desejo da mulher de fugir da dependência e da tutela dos homens,


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