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Tudo começou

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Daqui pra frente

Daqui pra frente

O início

O episódio que serviu de estopim para a criação do Centro Operário

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Lucas Schuina

Era um dia normal de trabalho em Cachoeiro de Itapemirim, no início do século XX: 1906. A cidade marchava com seus 22 mil habitantes. No Centro, a locomotiva da Estrada de Ferro Caravelas fazia a “roda viva” girar. Em dado momento, ouviu-se barulho de confusão vindo de algum canto de rua. Um operário da Caravelas, de nome Paulo, havia se metido numa briga com um desafeto. Nada de absolutamente incomum. No entanto, um soldado da polícia decidiu agirenergicamente. Armado de um sabre, levou o operário a tapas e pontapés para a Cadeia Municipal, na frente de todos. Oscompanheirosdaquele trabalhador humilhado observaram a cena com silenciosa revolta. Asviolações cometidas contra a classe trabalhadora não eram novidade, mas a truculência do soldado parecia ter ultrapassado o limite do suportável. Nos corações dos que assistiam, o grito de basta! Foi então que dois homens, Alexandre Silva e um operário chamado Athanagildo Francisco de Araújo, tiveram a ideia de criar uma associação de proteção aos trabalhadores em Cachoeiro. Athanagildo, em especial, empregou as suas forças e saiu a campo com uma folha de papel almaço recolhendo assinaturas. Assim estava escrito no documento: “’Associação de Proteção Mútua entre a Classe Operária’ –Aclasse operária do Cachoeiro de Itapemirim tem a necessidade de organisar uma Associação de Proteção Mútua entre todos aquelles que vivem de seu trabalho quotidiano e dos que por qualquer revez vivem ao desamparo da sorte”. No dia 13 de janeiro de 1907, na casa de número 10 da rua Araújo Machado, de propriedade de Manoel Rodrigues Ribeiro, foi realizada a sessãodefundaçãoda organização, com 31 membros. Estava criado o Centro Operário e de Proteção Mútua. Foi mais ou menos assim que tudo começou...

F O T O A R Q U I V O C O P M

Membros fundadores reunidos em 1957, no Jubileu de Ouro da entidade

Cobrador por gratidão

Desde a década de 90, Jucimar faz questão de exercer a função confiada por Nelson Sylvan

Felipe Américo Bezerra

Cobrar de alguém nem sempre é tarefa das mais fáceis. Seja dinheiro, amor, a devolução daquele livro emprestado desde o mês retrasado ou, mesmo, atenção no WhatsApp... Enquanto uns –porreceio ou por qualquer outra razão que, francamente, não vem ao caso – chegam a fugir dessa responsa, outros preferem encará-la. E fazem disso, inclusive, seu ganha-pão. É o caso de Jucimar Luiz Amaro. Morador do bairro Zumbi, em Cachoeiro de Itapemirim, ele tem 54 anos e é cobrador do Centro Operário e de Proteção Mútua há 25. Sua incumbência é receberdos associados a taxa de anuidade (liquidada em cota única ou em duas parcelas semestrais), o que, até pouco tempo atrás, era feito a pé –só recentemente, de2015 para cá, ele passou a contar com uma moto. “Não é ruim, não. No início, eu não tinha muito conhecimento. Hoje, sou amigo de muitos sócios. Quando me veem na rua, eles falam ‘passa lá em casa, tal dia, pra eu te pagar’. Mas tem sócio que não gosta que eu cobro. Geralmente, são os maisvelhos. Elessão mais‘firmes’, ‘rigorosos’. Depois, fica tudo bem”.

F O T O S M Á R C I A L E A L

Além dessa atividade, ele costuma ajudar o Seu Luiz, atual vice-presidente do Centro Operário, sempre que este o aciona. Em plena era de e-mails, Direct e Messenger, por exemplo, os convites formais para assembleias e solenidades festivas da instituição ainda são entregues via Jucimar. Em algum momento dessas duas décadas e meia, ele – que, nas horas vagas, complementa sua renda com alguns servicinhos por fora – poderia terabertomão de seu trabalho no Centro Operário, visto que chegou concluir dois cursos profissionalizantes: técnico em mineração e operador de empilhadeira. “Eu sou muito grato ao saudoso Seu Nelson [Sylvan, presidente mais longevo da entidade]”. Por esse motivo especial, Jucimar preferiu permanecer em sua função de cobrador, até hoje.

Uma dívida eterna com Nelson Sylvan: pra ninguém ficar devendo na praça, o dever de Jucimar é passar recolhendo as anuidades

F O T O S M Á R C I A L E A L

Ludymilla mostra álbum com algumas das fotos de seu acervo

Pela lente do amor

A história do COPM contada nas fotos de Ludymilla Paineiras

Felipe Américo Bezerra

Dos 112 anos de história do Centro Operário e de Proteção Mútua, os nove mais recentes são contados não só em palavras, mas também pelas lentes de Ludymilla Paineiras. Aos 26 anos, já registrou a entidade em aproximadamente 10 milfotos; quatro mil já catalogadas. O pai dela é José PaineirasFilho, antecessordo atual presidente da instituição, Rogério Luiz Machado. “Como diz uma música do Leoni, ‘o que vai ficar na fotografia são os laços invisíveis que havia’. Eu vejo esses laços

em todas essas fotos”. Sua predileta foi feita numa das primeiras reuniões em que atuou como “fotógrafa oficial” (o grifo é dela, orgulhosa da função): retrata Seu Hélio Bolzan, um dos sócios mais antigos, abraçado à sua esposa. “Essa expressa o amorque um sente pelo outro, mesmo depois de mais de 60 anos de casamento. Até hoje, os dois vão juntos para as reuniões”, conta.

JÁ REGISTROU A ENTIDADE EM APROXIMADAMENTE 10 MIL FOTOS

Para ela, o local é, em si, a própria representação desse sentimento. “O Centro Operário conta histórias de amor, e isso o torna muito maior”.

E ela relembra uma dessas histórias: DeusdeditBaptista, personalidade cachoeirense, foi presidente e orador do grupo. Inspirada pelo pai, é a advogada Moema Baptista, atualmente, a oradora oficial. Ludymilla conhece bem as histórias do Centro Operário. No início das reuniões, ocorre sempre uma breve retrospectiva, e é ela quem ilustra a explicação, apontando cada presidente nos quadros da parede. Sobre a possibilidade de chegar à presidência do grupo, assim como o

velho Paineiras, admite que jamais cogitou, e nem é associada. “Um dia, quem sabe, eu me filio”, reflete. “Sou mesmo é a fotógrafa oficial, mas talvez eu faça parte da diretoria, no máximo”, confessa, com indisfarçável amor ao Centro Operário.

F O T O S L U D Y M I L L A P A I N E I R A S

F O T O A R Q U I V O C O P M

Beneficência, educação e o papel das mulheres

A participação feminina é preponderante nas atividades sociais da entidade

Lucas Schuina

O Centro Operário e de Proteção Mútua sempre se esforçou em manter um forte viés social. A oferta de educação pública teve início logo nos primeiros anos: em 1917, entrou em funcionamento na instituição a Escola Reunida Nossa Senhora da Penha, com as professoras Palmira Wanderley Ribeiro e Dona Joana Paula das Dores – os irmãos Newton e Rubem Braga estiveram entre os primeiros alunos; de 1922 a 1925, abrigou temporariamente o Colégio Pedro Palácios, que mais tarde se tornaria o Liceu Muniz Freire; e em 1967, o ensino básico oferecido no Centro Operário passou a ser de responsabilidade do Governo do Estado, e a escola ali se manteve, com denominações diversas, até 1998.

Também havia, e ainda há, a oferta de ensino profissionalizante ou voltado para habilidades específicas: o famoso curso de Corte e Costura foi iniciado em 1944 e mantido até meados dos anos 90; de 1944 a 1953, o Conservatório de Música de Cachoeiro

A professora Virginia Fermo, que deu aulas e até morou no Centro Operário, recebeu homenagem na década de 70

de Itapemirim funcionou no prédio da instituição, ficando ali até 1953 – por volta desse período, ninguém menos que Roberto Carlos estudou no Conservatório; e desde 2013, é o Centro Cultural Nelson Sylvan, criado a partir de um comodato com a prefeitura de Cachoeiro, que oferece aulasdepráticasartísticasdiversas nas salas do COPM.

A COMISSÃO TEM SOMENTE MULHERES, MESMO SEM RESTRIÇÕES ESTATUTÁRIAS AOS HOMENS

No que diz respeito às ações de caridade, destaca-se a criação, nos primórdios da instituição, de uma caixa beneficente, alimentada com contribuiçõesvoluntáriasdesócios, para prestarauxílio financeiro aos mais necessitados. Parcerias com médicos – e, mais recentemente, com um plano de saúde – possibilitaram o acesso mais fácil a serviços de saúde aos membros do COPM. Aprópria diretoria conta com uma Comissão Hospitaleira, composta porsócias responsáveis por acompanhar a situação de associados enfermos.

Em todas essas tarefas, é forte a participação feminina nas atividades do Centro Operário. A Comissão Hospitaleira é composta somente por mulheres, mesmo que não haja restrições estatutárias à participação doshomens. Entre profissionaisde educação que mais atuaram no COPM, elas também se destacaram.

Entretanto, a presença feminina em cargos da diretoria é baixa: somente homens presidiram o Centro Operário em mais de um século em funcionamento.

Nas paredes do salão principal, existem apenas dois quadros com fotografias de mulheres –não por acaso, duas professoras: Maria Amélia Duarte e Virginia Fermo. Virginia, inclusive, morou nos fundos do prédio do Centro Operário por um período.

F O T O A R Q U I V O M U N I C I P A L D E C U L T U R A

As atividades do Centro Cultural Nelson Sylvan incluem oficinas, cursos e apresentações

Centro Cultural

Entidade cede espaço a atividades artísticas

articulista convidado Lucimar Costa

O Centro CulturalNelson Sylvan surge em outubro de 2007, como um novo capítulo na história cultural do município de Cachoeiro de Itapemirim, por apresentar à sociedade um novo espaço cultural, democrático e alternativo; um local apropriado para a cultura expor seu passado e seu presente; as formas de dispor as culturas material e imaterial, os processos de preservação e concepção do patrimônio público. Um espaço que promove, por meio de apresentações, oficinas, reuniões culturais, exposições temporárias de objetos, acervos e coleções, asrelaçõessociaisque os artistas e a sua cultura estabelecem entre si e com a memória, respeitando as diferentes culturas que influenciaram, e ainda influenciam, os cachoeirenses ao longo do tempo.

O Centro Cultural Nelson Sylvan é o espaço que abriga o Cineclube Jece Valadão, o Grupo ELA de Teatro e o Instituto Histórico e Geográfico de Cachoeiro de Itapemirim, através de um sonho artístico de Carlos Roberto de Souza e Lucimar Costa – responsáveis, respectivamente, pelas instituições culturais – e um grande expoente de nossa cultura, Nelson Sylvan, presidente por muitos anos do Centro Operário e de Proteção Mútua, que recebeu esta homenagem cedendo o seu nome ao Centro Cultural. Em setembro de 2008, a Secretaria de Cultura e Turismo entra para a parceria do CCNS com o apoio na sua manutenção física e administração.

A cultura é o elemento formador de nossa identidade, e a atividade cultural é essencial para a transformação humana. Isso acarreta, consequentemente, o crescimento social e econômico de um município e de sua comunidade.

HOJE, O ESPAÇO OFERECE VÁRIAS OFICINAS CULTURAIS ATRAVÉS DO PROJETO NOVOS TALENTOS

Com o CCNS, temos um espaço de fácil acesso para realizações de projetosculturais, como aconteceu através do Ponto de Cultura “Escola de Teatro Darlene Glória”, que atendeu 160 jovens cachoeirenses, com oficinas de teatro e dança oferecidas pela Associação Teatral de Cachoeiro (Asteca), projetos variados oferecidos pelo Grupo ELAde Teatro e pelo Cineclube Jece Valadão. Hoje, o espaço oferece várias oficinas culturais através do Projeto Novos Talentos, da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Semcult), além de receber projetos de vários artistas contemplados por editais da Lei Rubem Braga, de Cachoeiro, e do Funcultura, da Secretaria de Estado da Cultura (Secult-ES), fortalecendo, principalmente, a juventude e o surgimento de uma comunidade adulta e praticante da cultura de sua cidade e que esteja à espera de novos projetos de qualidade e de profissionalismo, sem precisar sair para outras cidades ou estados.

Ela, a cultura, potencializa a arte que existe nos indivíduos e nas comunidades, sendo, portanto, uma das estratégias de artistas ou do poder público para incrementar um processo de desenvolvimento fundamentado no serhumano e em suascapacidades criativas através de suas histórias e de sua vivência.

Em uma sociedade que carece de cultura, é importante que as artes que são produzidas sejam mantidas e fomentadas, de forma a promover um interesse artístico na população, como o habito de ir ao teatro, de ouvir boa música, de fazer artesanato e de apreciar obras literárias. Esse é o papel do Centro Cultural Nelson Sylvan.

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