Revista Cidade 38

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CAPA

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DO LADO DE CÁ Uma parte concreta desse mito chega a São Paulo, no Shopping Cidade Jardim, com a abertura da primeira loja Ralph Lauren no Brasil. Já era tempo: a loja pioneira do estilista em Nova York data de 1969, e até o ano passado ele tinha mais de cem casas espalhadas pelos Estados Unidos e por vários outros países. A longa espera brasileira foi compensada com uma filial de 850 m2, decorada com o cuidado e o charme exigidos por Lauren, a fim de criar aquele ambiente de compras inconfundível, sofisticado e acolhedor de seus principais estabelecimentos no mundo. Apenas as linhas mais luxuosas da marca estão disponíveis na loja de São Paulo. As mulheres poderão se regalar com a Collection, que reúne os looks apresentados a cada estação na fashion week nova-iorquina. Os homens, com

O L H A R M U LT I FA C E TA D O

DOS SPORTSWEAR À ALTA COSTURA, PASSANDO PELO DESIGN E A GASTRONOMIA, OS FATOS QUE MARCARAM A TRAJETÓRIA DA RALPH LAUREN

1970 Lauren vence o Prêmio Coty de moda, o primeiro de três

“DESENHO

1972 1971

ROUPAS

É lançada a primeira camisa feminina da marca e, no ano seguinte, uma linha toda só para mulheres

1967

PARA SEREM

O então vendedor de roupas Ralph Lauren lança uma linha de gravatas e batiza a marca de Polo. Em 1968, cria a primeira coleção, masculina, e, em 69, abre loja em Nova York

USADAS, E NÃO GUARDADAS NO CLOSET, À ESPERA DE

1977 Lauren cria a polo, que se tornaria marca registrada

1974 O estilista assina o figurino do filme O grande Gatsby, sua estreia no cinema

E repete o feito em Annie Hall (1977)

OCASIÕES ESPECIAIS. ELAS TÊM DE TER ELEGÂNCIA, HISTÓRIA E TRADIÇÃO. PARA MIM, ISTO É ESTILO: ALGO QUE INDEPENDE DE TENDÊNCIAS, MAS PERMANECE SEMPRE FRESCO E RENOVADO”

FOTOS DIVULGAÇÃO; LATINSTOCK/CONDÉ NAST ARCHIVE/CORBIS (LAUREN 1970)

m O grande Gatsby, o fulgurante romance de Scott Fitzgerald, um milionário excêntrico e solitário reencontra depois de décadas o grande amor de sua vida. A paixão antiga volta com mais força, e ele está disposto a tudo para ficar com Daisy, que, infelizmente, está casada. Em dado momento desse livro – um dos mergulhos mais profundos nas contradições do sonho americano – Nick Carraway, o único amigo de Jay Gatsby, aconselha o milionário a ir devagar com Daisy: “Eu não pediria tanto a ela. Não é possível repetir o passado”. Mas Gatsby não se conforma e responde: “Não é possível repetir o passado? Claro que é possível”. O sonho americano é um caminho que se bifurca em dois trajetos aparentemente opostos. O primeiro remete ao passado, como se o melhor dos Estados Unidos tivesse ficado lá atrás e precisasse ser resgatado para erguer ou justificar o presente. É o lado nostálgico e romântico da América. O segundo trajeto conduz vertiginosamente para diante, levando a alargar as fronteiras da civilização com novas invenções técnicas e novos modos de vida e comportamento. É o lado conquistador e futurista. Em mais de quatro décadas, o estilista Ralph Lauren tem encarnado esse duplo movimento do sonho americano

como poucos – e não foi por acaso que o convidaram para fazer o figurino de Robert Redford e Mia Farrow na terceira (e melhor) versão cinematográfica de O grande Gatsby, de 1974. Ele tem o dom de demonstrar em suas criações tanto a força que o passado exerce sobre o presente como as vantagens de abraçar a novidade. Esse talvez seja o segredo do charme inabalável de seu trabalho, capaz de fascinar tanto Michelle Obama quanto Sarah Jessica Parker, tanto Woody Allen quanto Kanye West, que declarou em uma entrevista famosa: “Ralph is the god”. Cumprimento que não passou indiferente ao estilista, que acabou convidando o rapper para assistir ao elogiado desfile de sua coleção de outono-inverno na semana de moda de Nova York, em fevereiro deste ano. “Isso é arte”, disse West, ao final do desfile. Ralph Lauren é hoje um mito americano. Em suas criações, parecem convergir muitas das fantasias de glamour dos Estados Unidos, que ele tem o dom de sintetizar num estilo sempre elegante, mas descontraído; sempre sofisticado, mas cool e contemporâneo.

a alfaiataria fina da Purple Label. E os rapazes e garotas poderão encontrar as peças esporte-chiques da Black Label. A loja conta ainda com as coleções de acessórios, óculos, fragrâncias e produtos para casa. Naturalmente, para fazer jus ao gosto de Lauren por automóveis antigos, miniaturas de carros estão à venda na loja. Os acessórios incluem bolsas, carteiras, calçados, cintos, joias e relógios – femininos e masculinos. Antigo sonho de Lauren, a coleção de relojoaria da marca só se materializou em 2009, depois de formada uma parceria com a Richemont, dona da Cartier e da Montblanc. Reúne peças em ouro branco ou rosa, platina ou aço, todas produzidas manualmente na Suíça. Algumas delas saem de lá cravejadas de diamantes. ESTILO PRÓPRIO Para Lauren, porém, não é um amontoado de pedras preciosas que define o luxo. “O luxo está nos detalhes. Coisas que são autênticas tendem a ser luxuosas porque são únicas e raras”, declarou ele a

Cidade (leia na página 25). E completou, referindo-se às suas coleções: “O que tento fazer é criar roupas com um sentido de elegância, um sentido de história e um sentido de tradição. Para mim, estilo tem a ver com qualidade, integridade e atemporalidade”. Ele sabe do que está falando. Sua própria história pessoal é feita de um misto de tradição e mudança, de mergulho no sentido da história e de busca do atemporal. Filho de judeus da Bielorrússia que se refugiaram nos Estados Unidos, Lauren nasceu em Nova York em 1939, o mesmo ano do início da Segunda Guerra. Com o crescimento da intolerância na Europa e a proximidade de um conflito mundial, a América pareceu um porto seguro para toda uma geração de europeus. Com aquela convicção típica de filhos de imigrantes, Ralph Lifschitz (seu nome de família) adotou o American dream para toda a vida. “Eu tive muita sorte de nascer nos Estados Unidos”, disse numa entrevista. Até hoje perguntam ao estilista por que ele resolveu mudar o sobrenome,

quando tinha 16 anos. Terá sido para ocultar sua origem judaica e estrangeira? A explicação é mais prosaica, e revela outro aspecto, bem americano, da personalidade do estilista: o pragmatismo. Ele não aguentava mais as chacotas relacionando o ancestral nome Lifschitz com a vulgar palavra americana shit. “Esse episódio faz parte de minha história, e eu não tenho vergonha dele”, disse em entrevista ao site Style.com no ano passado, para encerrar a conversa. Com o novo nome, Ralph Lauren fez serviço militar durante dois anos. Mal tinha deixado o Exército americano, em 1964, e se apaixonou por uma bela recepcionista de um consultório médico, Ricky Anne Loew-Beer. Casaram-se no mesmo ano – e continuam juntos até hoje, mais de cinco décadas depois, o que talvez seja a principal prova da fidelidade de Lauren aos seus próprios desejos. Recém-casado, empenhou-se na carreira de vendedor de roupas, até decidir criar uma linha de gravatas em 1967 e, um ano mais tarde, a sua própria empresa de roupas masculinas:

a Polo Fashions. Em 1971, o recém-estilista, que nunca tinha estudado moda, lançou sua primeira linha feminina. “Eu não sabia como fazer gravatas. Eu não conhecia tecidos nem medidas. O que eu sabia? Que eu era um vendedor. Que eu era honesto. E que eu queria qualidade”, revelou Lauren em 1982. O sucesso chegou rapidamente, graças ao faro de vendedor e à imagem de requinte transmitida pelo nome da marca e pelo estilo das roupas, que tinham como referência primordial os gostos e os hábitos da elite econômica americana – e de seus flertes com o estilo da aristocracia britânica. Apenas em 1972 sairiam da fábrica as multicoloridas camisas polo estampadas com o célebre emblema do jogador de polo, que selariam a fama da Ralph Lauren. Era o início de um império que, nas contas feitas pela revista Forbes, situa a marca no 84o lugar do ranking das mais poderosas do mundo. Lauren conta que, aos 24 anos, encontrou-se com um fabricante de cintos que perguntou a ele o que queria

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