Cidadanista 2

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ANO 1 | Nº 2

ISSN 2526-4079

R E V I S T A

P A R A

C I D A D Ã O

Edição gratuita e sustentada por doações. A contribuição é livre e ajudará a financiar os custos da próxima edição.

Vida nova na floresta

Primavera periférica

Bem Viver

Carta de um novo homem

A periferia está perto

“Pensemos no plural”

por MARCELO LUNA

por IVAN ZUMALDE

com ALBERTO ACOSTA

Ensino médio

Movimento negro

Por uma vida sem catracas

Ocupe a reforma!

Rumo à próxima jornada

Era uma vez em 2013...

por DÉBORA MINIGILDO

por DENNIS OLIVEIRA

com LÚCIO GREGORI

Política renovada

Frente Cidadã

Entrevista

Conheça o mandato coletivo por VITOR TAVEIRA

Vamos nos encontrar? por CÉLIO TURINO

“O jovem vai assumir a história” com LUIZA ERUNDINA

CONHEÇA A RAIZ MOVIMENTO CIDADANISTA EM RAIZ.ORG.BR


_ O problema não é a política. É a falta que você faz nela.

CONHEÇA A RAIZ MOVIMENTO CIDADANISTA EM RAIZ.ORG.BR


CARTA CONVITE | por IVAN ZUMALDE

POR UMA FRENTE CIDADÃ

Movimentos sociais, uni-vos. É chegada a hora de uma Frente Cidadã.

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xistem apenas dois caminhos para a crise social e política que vivemos. Nos juntarmos no que nos une ou continuarmos em mesas opostas. E existe apenas uma solução: nos juntar. A velha máxima de que a união faz a força é mais atual e urgente do que um governo ou um sistema. É tempo de sentar lado a lado e na mesma mesa para fazer a inquietude de viver em um país desigual ser a motivação para buscar um caminho único de cidadania. O inimigo é maior do que um Estado que caça direitos sociais, o inimigo que nos desafia é a nossa própria desunião em não fazer frente ao sentimento de desalento do povo. Faz-se necessário mais que uma autocrítica, faz-se necessário uma frente. Uma Frente Cidadã capaz de mobilizar os diferentes movimentos sociais em prol de um protagonismo maior da sociedade civil que, organizada e forte, lute contra os interesses do capital e reconquiste a cidadania para todos. É hora de remar contra a maré do mercado e a favor da justiça social construída com democracia, que é o norte que nos une. É hora de dar o pontapé inicial lá na várzea da periferia e chamar os manos e as minas, as associações de bairros, os coletivos de arte e cultura, as comunidades, os sindicatos, os trabalhadores e trabalhadoras, as igrejas, os movimentos por moradia e terra, os estudantes, os negros e as negras, os índios e as índias, a população LGBT, as minorias e as maiorias, os intelectuais, as ONGS, enfim, o povo representado por todos e todas que queiram conversar com a humildade que a situação pede e com a vontade que o cidadão precisa. É hora de fazer uma Frente Cidadã. É hora de chegar junto e trilhar um caminho sem volta para tomar o que é de todos nós, a nossa cidadania. Vamos juntos? Participe da Frente Cidadã. Estamos te esperando.

EDITORES CIDADANISTAS CIDADANISTA

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SUMÁRIO | Ano 1, nº 2 - março 2017

Sumario 03_Carta do editor 04_Sumário e expediente

06_Uma São Paulo (Re)nascente 08_Um homem novo na floresta 10_Entrevista: ALBERTO ACOSTA 14_O futuro é olhar para trás

MOVIMENTOS

20_REPORTAGEM ESPECIAL A Primavera Periférica

08

Jerome Sainte Rose

BEM VIVER

30_Por uma vida sem catracas com LÚCIO GREGORI 36_Os dilemas do movimento negro por DENNIS OLIVEIRA 42_Reforna no ensino médio por DÉBORA MINIGILDO

POLÍTICA

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Divulgação

CIDADÃO

60_Vamos nos encontrar? por Célio Turino 62_Teko Porã por Cristine Takuá 64_Sociedades resilientes por Thomas Enlazador

66_Raiz Partido Movimento 67_Raiz pelo Brasil

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Weslley Tadeu/ Coletivo Dicampana

FRUTOS

Ivan Zumalde

46_Jovem Guerreira com LUIZA ERUNDINA 56_Mandato Coletivo 59_O que é Sociocracia?


EXPEDIENTE

Felipe Paiva

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CONSELHO EDITORIAL:

Célio Turino Ivan Zumalde Vitor Taveira

EDITOR: Ivan Zumalde (MTB 29263)

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Divulgação

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A revista Cidadanista é uma publicação independente vinculada a RAIZ Movimento Cidadanista e ao círculo Sampa - Para falar com a redação, ligue: 11 983 166 642 - Todos os artigos e conteúdos veiculados nesta publicação refletem as opiniões de seus autores e não necessariamente dos editores da revista Cidadanista ou da RAIZ Movimento Cidadanista.

Depositphotos

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Felipe Lorozza

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO:

Célio Turino, Luiz Filho, Renata Monken, Susanne Sassaki, VItor Taveira, Cristine Takuá, Thomas Enlazador, Dennis Oliveira, Débora Minigildo, Acauã Rodrigues, Ronaldo Torre, Marcos Costa, Cesar Branco Borges, Marcelo Luna, Gessé Silva, José Cícero da Silva, Léu Britto, Naná Prudêncio Zalika ,Weslley Tadeu, Felipe Paiva, Felipe Lorozza, Luciana Cavalcanti, Jerome Sainte Rose, Catia Matsuo

CIDADANISTA

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divulgação/reprodução

BEM VIVER | Existe água em SP

PRAÇA CIDADÃ Moradores se reúnem na praça: convívio social em torno de um projeto ambiental

UMA SÃO PAULO (RE) NASCENTE Conheça a Praça da Nascente, uma das iniciativas da cidadania que vêm questionando o valor e a forma de uso da água na maior metrópole do Brasil

por VITOR TAVEIRA

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uitos podem nem imaginar, mas São Paulo é repleta de rios e nascentes. Porém, eles estão ocultos, canalizados, encobertos. Nos últimos anos, uma série de iniciativas começou a questionar o sistema de manejo e a relação da população com a água. Uma praça virou um dos símbolos desse processo. Em 2013, o coletivo Ocupe e Abrace surgiu em torno da Praça Homero Silva, no bairro da Pompeia, recuperando as nascentes localizadas na mesma e promovendo atividades sociais, ambientais e culturais. Assim, o local passou a ser conhecido como Praça da Nascente. A água das nascentes foi canalizada para formar pequenos lagos e ajudou a dar vida e ampliar o uso do espaço, que estava quase abandonado, e que agora passou a ser uma área de convívio do bairro. “Ao longo do ano fazemos mutirões abertos na praça para cuidar das nascentes. Hoje os moradores também cuidam da praça mostrando que não é preciso esperar uma ação do poder público para melhorar o lugar e ter mais qualidade de vida na cidade, basta se reunir com os amigos e pôr a mão na massa!”, diz o corretor de imóveis Adriano Sampaio, integrante do Ocupe e Abrace. A cada estação do ano acontece ali o Festival da Praça da Nascente, que reúne outros coletivos e iniciativas da cidade que também estão buscando uma São Paulo mais humana e ecológica, ocupando áreas verdes com hortas comunitárias, plantios de árvores, recuperação de nascentes. “Estas iniciativas de coletivos e cidadãos comuns são bons exemplos de que a prática da cidadania é muito importante para ter uma qualidade de vida maior dentro dos centros urbanos”, afirma Sampaio. E a luta continua. O coletivo está se mobilizando contra a construção de prédios num terreno próximo, que poderia afetar nascentes do próprio terreno e da praça. Saiba mais em: www.pracadanascente.minhasampa.org.br


Acesse: cidadanista.com.br e leia conteúdo cidadão

_Revista _Portal _Seminários


BEM VIVER | Um novo homem

CARTA ABERTA À FAMÍLIA

(UMA FORMA DIFERENTE DE VIVER)

Marcelo foi um bem-sucedido executivo de banco de investimentos. Estudou em renomadas instituições dos EUA, trabalhou no berço financeiro do mundo e foi mentor de startups. Esse carioca deixou tudo para começar a viver com mais plenitude e, hoje, desde Alter no Chão no Pará, escreve uma carta à sua família onde compartilha sua forma diferente de encarar a vida. Leia ao lado a carta que Marcelo divide agora com os leitores da Cidadanista.

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ãe e pai, saudades! Mudei muito desde nosso encontro um ano atrás. Talvez não reconheçam seu filho nesta carta, mas apreciarão as novidades. Conto sobre as transformações que vivi nos seis meses longe da cidade grande, em Alter do Chão, Pará, na Amazônia brasileira. Ao deixar São Paulo, viajei pelo Norte até chegar aqui, em agosto de 2016. Planejava ficar 10 dias em Alter e seguir visitando escolas inovadoras pelo país, mas não pude partir. Hoje entendo a influência da natureza sobre mim e confio nas energias que me movem.

INTENÇÃO E ATITUDE DE MUDANÇA Os trabalhos de autoconhecimento que fiz por anos – meditações, budismo, Processo Hoffman –, simultâneos às carreiras individualistas em finanças e startups, provocavam reflexões. É possível sentir felicidade plena? Que propósito tem minha vida na Terra? Que possibilidades não materiais – emocionais, de consciência, energéticas, espirituais – tenho durante e após essa passagem aqui? De me relacionar com outros seres mais profunda e poderosamente? Me conectar a outras dimensões do cosmos? Incomodado por dúvidas e inspirado por histórias de renovação, deixei o “emprego dos sonhos” e recomecei a vida em 2014, viajando por alguns meses para regiões de montanhas. Lembram-se? Eu precisava me afastar de influências que contribuíam para minha identidade no “sistema” 1. Também queria me reaproximar da natureza, a paixão de infância esquecida na vida adulta, e experimentar outros estilos de vida2. Nessa jornada, visitei locais de natureza energizados, como Conceição de Ibitipoca e São Tomé das Letras, e já havia estado em Fernando de Noronha, Marrocos, Índia... Só não imaginava o que estava por vir. UM LUGAR DIFERENTE A natureza na Amazônia é encantadora e intimidadora, por sua energia e força espiritual. Alter do Chão, rodeada pela Floresta Amazônica e às margens do imenso Rio Tapajós, é uma vila de menos de 5 mil habitantes. O encontro das

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Jerome Sainte Rose

INSPIRAÇÃO DA FLORESTA Marcelo vive no meio da Amazônia e longe do sistema. Nas imagens cenas de Alter do Chão

areias brancas com o rio forma praias deslumbrantes. Hoje vivo numa cabana em um grande terreno 95% coberto por floresta e percorro as ruas de barro a pé ou de bike, e há um pouco de urbanização. A vila atrai mochileiros da América do Sul e de partes da Europa, como França. Assim, o dia a dia mistura culturas locais e externas: cerimônias e medicinas ancestrais indígenas, como ayahuasca e kambô; práticas como permacultura e bioconstrução; artistas de rua, músicos e malabaristas de circo; chefs e cozinheiros de diferentes origens; muitas línguas... e mais. TRANSFORMAÇÃO Esse caldeirão de vida tem me inspirado a experimentar. Viajo pela região à base de caronas; faço trabalho voluntário como educador, cozinheiro e até agricultor, recebendo em troca hospedagem e alimentação; peço doações de alimentos na feira, o que supre metade de minhas necessidades; reduzi minha dependência de dinheiro e me desapeguei de coisas, mantendo cinco camisetas, um par de jeans, um short e um par de tênis, além do laptop, que é minha biblioteca e bloco de notas; passei semanas dormindo em uma rede pendurada em árvores, sem moradia fixa; e há seis meses não tiro fotos ou utilizo celular, que deixei de lado após pifar. Tenho vivido uma nova espiritualidade. Estive em uma cerimônia de ayahuasca, tradição indígena

que envolve, entre outras coisas, a tomada de um chá. Senti uma forte conexão ao cosmos e aplico essa energia me voluntariando na proteção da floresta e das águas. Também leio e assisto a documentários sobre o tema. Nos passeios, sinto em cada inspiração e na água o amor da terra e da flora. O planeta me dá o dom da vida. A natureza é parte de mim e sou parte dela. Me afastei do que não é natural, como álcool, cigarro e alimentos processados. Estou com 78 kilos. Tinha quase 100 há alguns anos. Também mudaram minhas relações humanas e as pessoas com quem escolho estar, com base nas energias que sinto, nos valores e no amor. Essa curta estada na Amazônia me transformou demais. É como um renascimento. E é libertador. Sinto no coração que é um caminho sem volta, pois não desejo voltar. Escolho cada passo com carinho e vivo a vida maravilhosa que o universo me oferece. Esse novo caminho diz respeito ao ser único da natureza que sou. Imagino ser de difícil compreensão, mesmo para alguém tão conectado a mim como minha mãe. Mas qualquer um pode experimentar um novo caminho. Basta dar o primeiro passo. A natureza e o universo te acolherão. 1- Ken Robinson aborda essa questão no livro “O Elemento Chave” 2 - O livro “A Canção da Terra”, de M. Harland e W. Keepin, é iluminador

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BEM VIVER | Entrevista Alberto Acosta

Um dos maiores especialistas em Bem Viver do mundo, o equatoriano Alberto Acosta Espinosa tem currículo extenso. Formado em economia, o político de esquerda foi presidente da Assembleia Constituinte do Equador, além de ministro de Estado do seu país. Colaborou com o início do governo do ex-presidente Rafael Correa – com quem rompeu depois – e o movimento Alianza Pais. Acosta também acumula carreira acadêmica, é autor de livros e nesta entrevista exclusiva à Cidadanista, fala sobre o Bem Viver e suas lições para o mundo.

por VITOR TAVEIRA

O que é o Bem Viver e quais suas influências? Seu livro lançado no Brasil o sugere como “uma oportunidade para imaginar outros mundos”. O que quer dizer com isso? Mais do que conceitos ou teorias, o Bem Viver sintetiza vivências. Surge desde as comunidades indígenas. Nutre-se de seus valores, de suas experiências e sobretudo de suas múltiplas práticas. Não provém da academia ou de algum partido político. E na medida em que promove a vida em harmonia dos seres humanos vivendo em comunidade e destas vivendo em harmonia com a natureza, nos oferece há centenas de anos uma série de lições de como se poderiam imaginar outros mundos em que caibam todos os mundos, sempre assegurando a justiça social e a justiça ecológica. O que podemos considerar como a comunidade indígena, em termos amplos, tem um projeto coletivo de futuro com clara continuidade desde seu passado. Uma evidente demonstração de responsabilidade com a vida. Essas utopias andinas e amazônicas, junto a outras formas similares de vida ao redor do planeta, se manifestam de diversas formas em seu discurso, em seus projetos políticos e sobretudo em práticas sociais e culturais, inclusive econômicas. Aqui radica uma das maiores potencialidades do Bem Viver. A tarefa então é apreender das experiências dos povos que têm sabido viver com dignidade e harmonia desde tempos imemoriais, isso sem chegar a idealizar a realidade indígena. Você propõe o Bem Viver como uma alternativa ao desenvolvimento e não como um “desenvolvimento alternativo”. Em que o Bem Viver se diferencia essencialmente da proposta do desenvolvimento, considerada como uma grande ideologia do século XX? Estas cosmovisões, ligadas a territórios específicos, propõem opções diferentes à cosmovisão ociden-

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fotos: divulgação Horyou

POR UM OUTRO MUNDO POSSÍVEL

ACOSTA Alberto Acosta é autor do livro “O Bem Viver – Uma oportunidade para imaginar outros mundos, publicado no Brasil pela editora Autonomia


“O mundo está buscando e lançando uma solução criativa de

ilustração sobre foto de divulgação/reprodução

economia solidária e capitalismo consciente. A Spotlight é isso”

tal, ao surgir de raízes comunitárias não capitalistas, harmonicamente relacionadas com a natureza. A partir desta leitura, o Bem Viver propõe uma transformação de alcance civilizatório ao ser biocêntrica, já não mais antropocêntrica (na realidade se trata de uma trama de relações harmoniosas vazias de qualquer centro); comunitária, não só individualista; sustentada na pluralidade e na diversidade, não unidimensional, nem monocultural. Para entendê-la é preciso um profundo processo de descolonização no político, no social, no econômico e, com certeza, no cultural. Um ponto deve ficar claro, ao falar de Bem Viver, pensemos no plural. Ou seja, imaginemos bons conviveres e não um Bem Viver único e homogêneo, que resulta impossível de cristalizar. O Bem Viver, definitivamente, não poderá tornar-se um mandato global único como aconteceu com o fracassado conceito de “desenvolvimento” desde meados do século XX.

A Constituição do Equador inclui algumas novidades em nível internacional, entre elas a inclusão pela primeira vez do Bem Viver e dos Direitos da Natureza. O que significa para o país e o mundo? Como estes princípios se relacionam? Esses avanços de conotação revolucionária, alcançados na Constituição de 2008 no Equador, ficaram plasmados simplesmente numa série de dispositivos constitucionais. Os Direitos da Natureza, que nunca foram compreendidos pelo ex-presidente equatoriano, foram empregados por ele para colher aplausos em nível internacional, mas na prática não são respeitados. E o Bem Viver, esvaziado de seus conteúdos transformadores, se converteu em um instrumento de propaganda para consolidar o poder do caudilho do século XXI: Rafael Correa. Algo similar acontece na Bolívia com Evo Morales. Então não se pode cair na armadilha da propaganda do Bem Viver dos governos desses países. Nesses casos, terminou-se por vampirizar esse conceito para colocá-lo a serviço de seus apetites de concentração de poder e de disciplinamento de suas sociedades. Assim, o Bem Viver funciona como um dispositivo de poder para modernizar o capitalismo. Uma verdadeira aberração. Sua interrelação, para atender à segunda parte da pergunta, é evidente. O Bem Viver propõe uma vida em harmonia dos seres humanos entre CIDADANISTA

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BEM VIVER | Entrevista Alberto Acosta

si e destes com a natureza. Nesse contexto entram os Direitos da Natureza. Seu potencial de superar as fronteiras equatorianas, se projeta em nível global. Este reconhecimento constitucional começa a ser motivo de amplas reflexões e debates, inclusive começa-se a trabalhar no que poderia ser num futuro não distante uma Declaração Universal dos Direitos da Natureza. Igualmente tem sido proposta a criação de uma institucionalidade internacional que julgue os crimes contra a natureza; outra iniciativa que abriu as portas é o Tribunal Ético Permanente dos Direitos da Natureza, colocado em marcha há alguns anos por parte de várias organizações da sociedade civil e que já teve sessões em vários continentes (e no qual eu tenho a honra de participar como juiz). Outro pilar apontado para permitir um Bem Viver seria o Estado plurinacional. Que diferenças esse teria em relação ao modelo tradicional de Estado na América Latina? E qual seria o papel do Estado em um projeto político baseado no Bem Viver e na plurinacionalidade? Um ponto-chave: não se trata de conquistar e modernizar o Estado como conhecemos para a partir daí, de cima para baixo, tentar mudar o mundo. Esse foi outro dos graves erros do progressismo: concentrar-se no fortalecimento do Estado, acreditando que essa era a única ferramenta adequada para impulsionar as mudanças que desejavam. Cada vez estamos mais convencidos que é preciso pensar em outro tipo de Estado – talvez um Estado plurinacional, como propõem os movimentos indígenas da Bolívia e Equador –, que possa contribuir para a construção de uma sociedade não autoritária e que esteja controlada desde a base. Ou seja, desde as instâncias de autogoverno, comunitárias em essência, cujo poder compartilhado vai subindo em níveis, os quais se sustentam sempre na base de comunidades diversas. Nessas estruturas não há espaço para caudilhos iluminados e autoritários. Não se trata de dar resposta à equação de mais Estado ou mais mercado. Essa é uma aproximação falsa em sua essência. A base das transformações se encontra nas comunidades, essa seria uma leitura acertada do Bem Viver. O que não implica desconhecer ou descuidar de outros âmbitos de ação estratégica, incluindo também o internacional. 12 CIDADANISTA

Há diferenças e contradições de fundo entre povos indígenas e posições da esquerda tradicional, mais especificamente das vertentes marxistas. Em seu ponto de vista, há como superá-las no sentido de construir unidade entre as esquerdas ou são contradições insuperáveis no campo teórico e na prática política? Assim como há pontos de coincidência, há outros que os mantêm em margens opostas. A busca da justiça social poderia ser o grande ponto de união. Entretanto, as grandes diferenças aparecem quando se constata que as esquerdas tradicionais ainda estão presas à Modernidade, de alguma maneira são suas filhas. Basta ver que muitas delas continuam atadas a promessas do progresso em sua direção produtivista e do desenvolvimento, sobretudo em sua visão mecanicista de crescimento econômico. O Bem Viver, como alternativa ao desenvolvimento, tem essas premissas. Portanto, o socialismo, se é que pretende se manter em sintonia com suas origens transformadoras, deve necessariamente superar essas lógicas próprias do progresso e aquelas posições antropocêntricas. E isso implica, por exemplo, caminhar para a desmercantilização da natureza se realmente quer aprofundar os processos de emancipação da humanidade. Se se propõe superar a exploração da natureza em função da acumulação de capital, com maior razão haverá que deixar para trás a exploração do ser humano. Particularmente, haverá que valorizar e entender tanto o que representam a justiça social como a justiça ecológica, intimamente inter-relacionadas, pois não há uma sem a outra, e vice-versa. É indispensável, então, erradicar a pobreza, o que só será possível se simultaneamente se combater a excessiva concentração da riqueza. O que interessa, então, é conhecer as diferenças para superar democraticamente as distâncias existentes enfrentando a civilização capitalista que, definitivamente, sintetiza a soma de civilizações fundamentadas na dominação sobre seres humanos e natureza. No Bem Viver, ao contrário, se poderiam reunir todas aquelas visões que propõem a emancipação dos seres humanos e de todos os seres vivos de toda forma de dominação e exploração. Além disso, as esquerdas deverão ser simul-


“ É PRECISO PENSAR EM OUTRO TIPO DE ESTADO – TALVEZ UM ESTADO PLURINACIONAL, QUE POSSA CONTRIBUIR PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE NÃO AUTORITÁRIA E QUE ESTEJA CONTROLADA DESDE A BASE. “ taneamente socialistas, ecologistas, feministas, descoloniais, laicas, em essência, democráticas. Que contribuições acredita que um olhar desde o Bem Viver pode contribuir para pensar a realidade brasileira, que por um lado acompanha a crise do ciclo desenvolvimentista e por outro acaba de assistir à tomada do poder pela direita? Um primeiro passo que se deve dar no Brasil e em outros países em que os limites dos governos progressistas demonstram seu esgotamento é a autocrítica. Ainda que surpreenda algumas pessoas, o certo é que o retorno das forças de direita tradicional ao poder se deve, em primeiro lugar, ao fracasso dos progressismos. Que o império e a CIA, assim como as grandes corporações, conjuntamente com os grupos oligárquicos de poder internos, tenham trabalhado a favor do retorno das direitas tradicionais ao poder é algo óbvio. O contrário seria algo que surpreenderia. É um fato que esses governos progressistas, apesar de terem prezado pela modernização do capitalismo, não foram cômodos aos grupos de poder transnacionais e locais. O lamentável é que o neoliberalismo e inclusive a restauração conservadora estejam de volta junto a governos progressistas no Brasil com Dilma Rousseff, na Bolívia com Evo Morales ou no Equador com Rafael Correa. No caso brasileiro resulta muito indispensável reconhecer que o atual presidente Temer e seu partido político corrupto foram estreitos aliados do governo do PT durante muitos anos. Um governo que não conseguiu cristalizar os ansiados e muito indispensáveis clamores pela reforma agrária. Um governo que forçou como nunca antes os extrati-

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vismo, atropelando as comunidades indígenas e a natureza; o que explica, além do mais, a reprimarização e inclusive a desindustrialização da economia brasileira. O governo de Dilma, sobretudo em sua última etapa, se reencontrou com as práticas econômicas neoliberais. Os governos do PT, além disso, não foram capazes de evitar ou neutralizar a reprodução da corrupção. Esses governos do PT, como os outros governos progressistas da região, não questionaram o Estado como forma de organizar e exercer a autoridade pública, ou seja, o poder. Simplesmente se empenharam em modernizá-lo, buscando também conseguir mais ingressos fiscais para impulsionar obras públicas e uma maior redistribuição do ingresso. Ou seja, são governos estatistas que reforçaram o estatismo existente nessas sociedades. E, ao reforçar o estatismo, frearam os processos emancipadores que surgem no seio da sociedade. Não se pode minimizar o fato de que estes governos (sobretudo o equatoriano e o boliviano) têm tratado de subordinar os movimentos sociais, e ao não conseguir, têm buscado sua divisão e inclusive sua desaparição. A ampliação dos extrativismos nestes países com governos progressistas, assim como acontece naqueles com governos neoliberais, se dá com base na perseguição e criminalização de quem defende a natureza e os Direitos Humanos. Não nos esqueçamos de que a violência não é uma consequência dos extrativismos, a violência é uma condição necessária dos mesmos. Então, se pretende encontrar respostas desde as cosmovisões do Bem Viver, resulta indispensável repensar as alternativas superando essas práticas falidas dos governos progressistas. É preciso assumir como ponto de referência os principais elementos do Bem Viver: o comunitário, a relação harmoniosa com a natureza e aquelas questões que sintetizam a alma dos povos vivendo em comunidade. Há que enfrentar o capitalismo, não conviver com ele e menos ainda tratar de modernizá-lo. Esse empenho demanda sempre mais democracia, tanto na organização das agrupações políticas e suas frentes de luta, como na construção de propostas transformadoras. Não se trata simplesmente de reconquistar o poder perdido, como parece ser a ânsia das forças políticas progressistas deslocadas do governo no Brasil e Argentina. CIDADANISTA

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BEM VIVER | Permacultura e Bem Viver

O FUTURO É OLHAR PARA TRÁS Saiba como a permacultura e o Bem Viver podem ser as chaves para a convivência entre nós humanos e o planeta. Uma lição de resistência frente ao capitalismo e ao individualismo da sociedade atual.

Ivan Zumalde

por CESAR BRANCO BORGES

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uitos estudiosos têm denominado como “antropoceno” o período no qual as atividades humanas tomam o caráter de uma força geológica significativa, alterando sobremaneira os sistemas que dão sustentação à vida no planeta causando danos irreparáveis ao meio ambiente e impondo dificuldades intransponíveis aos grupos mais vulneráveis no que diz respeito à manutenção das condições mínimas de existência, acarretando diminuição em sua capacidade de dar sustentabilidade a seus modos de vida. O antropocentrismo, a razão instrumental, a técnica e a ciência ampliaram de modo nunca antes visto a capacidade de os seres humanos intervirem na natureza, servindo de suprimento à crença moderna de que seria possível sua dominação completa. Nesse contexto a humanidade se defronta com uma difícil tarefa: a de criar um nicho que seja viável no longo prazo para si, que simultaneamente leve em consideração a prosperidade dos demais seres que juntos conformam a teia da vida na Terra.

COMUNIDADE ANDINA O Bem Viver, ou Sumak Kawsay em quéchua, está arraigado na cultura indígena da América do Sul, como nas populações da Bolívia e do Peru, originárias da antiga civilização Inca. Na foto, mãe carrega filho no povoado de Ollantaytambo no Peru, que preserva cultura ancestral.

A MODERNIDADE INSUSTENTÁVEL E O CAPITALISMO PREDATÓRIO Vivemos em tempos de crises. Tempos de concretude cruel e desesperança, no qual os laços comunitários que durante milênios garantiram a coesão, unidade e permanência de diversos grupos espalhados pelo planeta, deram lugar ao individualismo, a fragmentação social e ao consumismo. As relações entre seres humanos e o meio ambiente foram reduzidas ao cálculo utilitário, tendo em vistas ganhos materiais imediatos. O sistema capitalista, a partir de sua devastadora expansão para os quatro cantos do mundo, tem contribuído para a retirada da autonomia de grupos que antes foram capazes de arcar com a satisfação de suas necessidades por meio de culturas de permanência, focadas na reprodução das relações sócio-ecológicas em conjunto com práticas, ritos e mitos que, de alguma forma, ressaltavam CIDADANISTA

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BEM VIVER | Permacultura e Bem Viver

a interdependência entre todos os seres. A mercantilização da vida social e da natureza, ademais de seus efeitos no mundo da produção, passa a operar também no nível das subjetividades, colonizando as relações econômicas antes marcadas pela solidariedade, ao ponto de retirar-lhes seu conteúdo ético. Ao mesmo tempo, este processo contribui para a instrumentalização das relações entre humanos e não humanos, resultando na impossibilidade em atribuir aos últimos valor intrínseco, negando-lhes consideração moral, restando apenas sua utilidade para servir às necessidades e desejos humanos. Como consequência, o predomínio da racionalidade moderna impôs, dentre outras coisas, a perda da capacidade de ação e autodeterminação, individual e coletiva, e a condenação de pessoas e grupos sociais a viverem vidas pouco criativas, carentes de significado. Contudo, a partir dos anos de 1960 começam a surgir movimentos de contestação à ordem que se consolidava, e novos personagens entram em cena. Dos movimentos de mulheres aos ecologistas, passando pela postura decolonial que se fez presente nos países periféricos, o combativo movimento indígena, o movimento negro, os que lutavam pela efetivação dos direitos civis. Em meio a essa efervescência, a cena política se diversifica e a esfera pública passa a ser disputada por uma pluralidade de vozes que começam a questionar não só as estruturas da civilização moderna, mas o estilo de vida uniformizador, imposto de forma autoritária e intransigente. PERMACULTURA: AUTONOMIA E INTERDEPENDÊNCIA Acompanhando a onda de contestação e o espírito libertário que deram a tônica destes novos movimentos, já no início dos anos 1970, a partir de experimentação e reflexão crítica, surge, das mentes dos australianos Bill Mollison e David Holmgreen o conceito de “permacultura” como uma resposta ao sistema industrial e agrícola convencional, poluidor das águas, dos solos e do ar. Derivado da contração das palavras cultura e permanente, inicialmente entendido como um modelo de agricultura ecológica, o conceito evo16 CIDADANISTA

lui para se transformar em um método concebido para subsidiar a construção e manutenção de assentamentos humanos sustentáveis, constituindo um caminho alternativo à extinção em massa das espécies animais e vegetais, à redução dos recursos não renováveis e ao sistema econômico predominante, tido como altamente destrutivo. Um projeto permacultural tem como principal objetivo o planejamento, a implantação, a execução e a manutenção consciente de ecossistemas produtivos, altamente diversos e por isso, estáveis e resilientes. Grosso modo podemos dizer que a permacultura se divide em dois conjuntos de princípios, são eles: os princípios éticos e os princípios que regem o planejamento permacultural, ou design. A ética da permacultura é composta por três pilares que, de acordo com seus criadores, foram destilados a partir de conhecimentos e costumes ancestrais. 1-Cuidado com a Terra 2-Cuidado com as pessoas 3-Distribuição dos excedentes Ancorada também nos fundamentos da ecologia moderna, a permacultura privilegia a observação e a experimentação envolvendo as inter-relações entre organismos e sistemas de organismos em um determinado local, de modo a identificar suas dinâmicas e padrões de interdependência, com o objetivo de potencializar a vida e ao mesmo tempo minimizar a degradação social e ambiental. É comum entre permacultores ouvir que se trabalha com e não contra a natureza. Esse talvez seja o princípio que mais reflete a essência do planejamento permacultural. É correto dizer, pois, que a permacultura sintetiza práticas e conceitos tradicionais com ideias inovadoras, unindo antigos conhecimentos tribais com algumas das mais importantes descobertas da ciência moderna de modo a dar viabilidade aos assentamentos humanos, independente do clima e ecologia local 1. No Brasil, a comunidade de permacultores tem crescido a passos largos nos últimos vinte anos, com a proliferação de centros de pesquisa, ensino e experimentação. Em consonância com esse processo, houve também considerável aumento no


número de pessoas que decidem abandonar seus modos de vida tóxicos, nas cidades médias e nos grandes centros urbanos, em busca de comportamentos menos destrutivos. Há também grande interesse por parte de movimentos sociais que reivindicam a posse e o uso da terra, no Brasil e América Latina, pela incorporação dos conhecimentos da permacultura, como é o caso do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e Via Campesina. O aumento no número de comunidades intencionais, que em sua maioria se utilizam da permacultura para manejar seus espaços, é outro indicativo da expansão deste movimento na região. Empoderamento, autonomia e trabalho criativo são aspectos comumente relacionados à prática da permacultura. Isso ocorre na medida em que seus conhecimentos são acessíveis a qualquer um, não existindo barreiras quanto ao sexo, idade, religião, educação ou cultura. Além do mais, o que se privilegia na construção de espaços guiados pelos princípios éticos e de design é a capacidade de observação, entendimento e conexão entre padrões naturais de modo a satisfazer as necessidades locais, priorizando o uso dos recursos que se encontram disponíveis no próprio lugar. Para muitos permacultores e estudiosos do meio ambiente, a divulgação e apropriação das tecnologias e conhecimentos permaculturais podem ter a capacidade de mobilizar comunidades

em movimentos autogestionários, contribuindo para a recuperação da autoestima do grupo, reconstruindo laços de solidariedade comunitários e ativando o potencial para a articulação de projetos políticos viáveis 2. Entretanto, há que se levar em conta a imensa capacidade da qual dispõem atualmente o sistema capitalista, seus principais atores e burocracias; seus meios de dominação material e cultural que, por sua vez, operam na legitimação da barbárie ecológica e social. Não é raro nos depararmos com cursos e projetos permaculturais que não guardam relação alguma com os princípios éticos enunciados por seus criadores, ou que são deliberadamente arquitetados para servir às classes mais favorecidas tendo como principal objetivo o lucro. BEM VIVER E A CRÍTICA AO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA Paralelamente ao surgimento da permacultura, os debates em torno do conceito de Bem Viver aparecem com força no cenário político latino-americano a partir da década de 1970. Fruto de intensa mobilização por parte dos movimentos indígenas, que passam a ganhar protagonismo em meio ao impulso decolonial em intenso diálogo e aprendizado mútuo junto a movimentos ecologistas e ONGs comprometidas. O Bem Viver, ou Teko Porã em tupi-guarani, CIDADANISTA

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BEM VIVER | Permacultura e Bem Viver

Sumak Kawsay em quéchua, Suma Qamaña em aimará, é um conceito ancestral, compartilhado por povos ameríndios que significa viver bem, viver em plenitude. Como categoria central que compõe a cosmovisão de incontáveis comunidades tradicionais espalhadas pelas Américas, remete holisticamente aos diversos âmbitos da vida, perpassando assim sua dimensão política, econômica, social, cultural e espiritual. De modo sintético é possível relacionar elementos comuns às visões de Bem Viver, como o apreço pela vida comunitária e o respeito pela Mãe Terra e demais seres não humanos, ambos entrecortados por um forte sentido de interdependência e reciprocidade. Tais elementos, além de integrar a visão de mundo destes povos, implicam em práticas concretas engendrando modos de vida autênticos em relacionamento íntimo com a ecologia local. 3 Grande parte das concepções atuais de Bem Viver tomam o conceito de “desenvolvimento”, e aqui implícito o sistema capitalista, como alvo de críticas. Diversos grupos têm apresentado a ideia de Bem Viver não como mais uma alternativa de desenvolvimento, mas como alternativa ao próprio desenvolvimento. Nesse sentido, o desenvolvimento é visto como uma ideia neocolonialista que privilegia a acumulação material, o tecnicismo, a competição e a separação entre natureza e socie18 CIDADANISTA

dade. A crítica discorre também sobre a concepção de progresso linear, como se todas as civilizações estivessem “atrasadas” em relação àquelas de matriz europeia. Por outro lado, os discursos do Bem Viver se colocam enquanto portadores de um potencial emancipatório ao passo que dão considerável importância às relações de equilíbrio e harmonia entre todos os seres, à complementaridade, à interdependência e à cooperação. Além disso, questionam também o produtivismo e o consumismo ocidentais, bem como a fixação moderna pelo crescimento econômico infinito, ao apontarem para o fato de que grande parte dos recursos disponíveis no planeta é finita. A colonização de modos de vida e o ataque às subjetividades não ocidentais, ocasionadas, via de regra, pela expansão do mercado e aumento da regulação estatal, também são postas em xeque, quando são denunciadas as transformações degradantes no mundo do trabalho, na família e na educação. Assim, o Bem Viver é geralmente apresentado em oposição à ideia ocidental de viver melhor. Nas palavras de Eduardo Gudynas: El debate sobre el Buen Vivir es mucho más que considerar el bienestar o la felicidad, al obligar a repensar las vivencias y sentires de pueblos indígenas,


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cuestionar qué se entiende por desarrollo, o llegando a rediscutir cómo organizar la economía y producción nacional. 4 Desse modo, é importante mencionar que as discussões em torno do Bem Viver têm suscitado importantes debates envolvendo a concepção de novos arranjos econômicos como: economia solidária, cooperativas, mutirões, descentralização da produção e consumo, juntamente com a transformação dos indicadores sócioeconômicos, dentre eles, o Produto Interno Bruto (PIB) e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de modo a refletirem os objetivos sócio-ambientais. No campo da política têm prosperado as discussões sobre novos arranjos participativos no sentido de promover um resgate da democracia direta, a valorização dos espaços públicos, a descentralização dos órgãos de tomada de decisão e o empoderamento comunitário. A luta contra a mercantilização do meio ambiente também ganha destaque com a ampliação do debate sobre os direitos da natureza e atribuição de considerabilidade moral a seres não humanos, o que não implica em uma concepção preservacionista de natureza intocada, mas sim que esta tenha seus ciclos vitais respeitados. A conservação dos processos biofísicos é tida como condição para a pluralidade e existência de diferentes modos de vida. FUTURO ALTERNATIVO Como podemos perceber permacultura e Bem Viver, além de despertarem a possibilidade para que possamos vislumbrar concepções alternativas de sociedade, através da combinação de conceitos e práticas modernas e pré-modernas, compartilham traços em comum: o resgate do sentido e importância da vida comunitária e dos laços de solidariedade local, a reintrodução da ética na economia e na relação com o meio ambiente e a crítica ao consumismo atrelada à degradação ambiental são pontos de afinidade entre os dois conjuntos de princípios. Outro fator de aproximação, ainda pouco mencionado, é que tanto um quanto outro têm origem em regiões colonizadas e radicalmente transformadas pela civilização ocidental. Carregam, pois, em sua essência, a crítica à colonização e à im-

posição dos padrões difundidos pela racionalidade moderna. Aqui, é válido mencionar que nenhum dos dois casos trata de uma rejeição acrítica do projeto civilizacional moderno, mas, ao contrário, procuram promover um resgate de costumes, valores e conhecimentos tradicionais que foram postos de lado durante os processos de colonização. Pese as similaridades destacadas, a permacultura, ainda que não se proponha a tanto, carece de aprofundamento crítico e teórico que a permita fazer frente ao sistema capitalista e aos valores destrutivos que o acompanham. Já o Bem Viver, em contrapartida, por ser uma categoria abrangente, ganha lugar de destaque nos foruns de discussão política como alternativa plausível ao modelo de desenvolvimento hegemônico, alcançando dimensões mais amplas de nossa vida social. O Bem Viver pode ser um complemento ao conhecimento e as práticas permaculturais, na medida em que leva em conta os aspectos estruturais do “desenvolvimento capitalista”, ampliando o escopo dos projetos de transformação territoriais, indo além do local e fornecendo um arsenal teórico que permite superar e se contrapor às subjetivações resultantes das ideologias da modernidade, dentre elas o antropocentrismo, o cientificismo e o capitalismo. Essa forma de conceber a permacultura atrelada à postura decolonialista fornece as bases teóricas para que se possam formular projetos e políticas que tomem em conta a comunidade e a natureza enquanto categorias relevantes e, ao mesmo tempo, contribuir com a resistência ao sistema sócioeconômico vigente, fornecendo elementos para que possamos vislumbrar um novo horizonte utópico. 1-Para saber mais sobre permacultura ver: MOLLISON, B; HOLMGREEN, D. - Permaculture One: A Perennial Agriculture for Human Settlements. Diversas edições. 2-BONZATTO, E. Permacultura e as tecnologias de convivência. São Paulo: Cone, 2010. p.25. 3-Para uma compreensão mais detalhada sobre o Bem Viver, ver: ACOSTA, A, (2012), El Buen Vivir: Sumak kawsay, una oportunidad para pensar otros mundos, Icária, Barcelona. 4- Plurinacionalidad y Vivir Bien/Buen Vivir. Dos conceptos leídos desde Bolivia y Ecuador, de SALVADOR SCHAVELSON. Quito: Abya Yala-CLACSO, 2015. Introdução por Eduardo Gudynas.

CIDADANISTA

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A PERIFA ESTA PERTO

MOVIMENTOS | A rua é nóis

GERAÇÃO PERIFERIA Os anos 90 viram o rap nascer. Hoje, uma nova geração se prepara para viver seu protagonismo.

Naná Prudêncio

por IVAN ZUMALDE | fotos COLETIVO DICAMPANA


José Cícero da Silva

REPORTAGEM ESPECIAL

Conheça a primavera periférica que se aglutina nos extremos de São Paulo e entenda por que a próxima onda de transformação social virá dos rincões nada esquecidos da metrópole. A periferia está perto. Perto de conquistar seu território.

Weslley Tadeu

VIELAS DA PAZ Entre vielas e becos, uma vida pulsante bate forte na periferia de São Paulo.

A periferia pede passagem. E não é de hoje. São vários coletivos, movimentos e personagens que fazem a Primavera Periférica bater mais forte de dentro para fora. É o processo final de um empoderamento de décadas que vem com força, cor e língua própria. Seja através da cultura ou do ativismo, os lados marginalizados por séculos juntaram forças das múltiplas e diversas regiões mais populosas da cidade e formaram um caldo social organizado que ganhou protagonismo e legitimidade. A maioria nunca se sentiu minoria e as valas do esquecimento estão com os dias contados. A periferia sempre existiu e agora vai ocupar a história e o território subtraído. A periferia é centro ontem, hoje e sempre. A periferia é nóis. CIDADANISTA

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MOVIMENTOS | A rua é nóis

Léu Brito

BRUNO E A LAJE

“ EU ACHO QUE AQUI É O VALE DO SILÊNCIO. PORQUE OS TALENTOS ESTÃO SILENCIADOS. É SÓ SAIR PARA VER. TEM MUITO TALENTO. ” BRUNO CAPÃO

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O Sol forte não deixa sombras na laje de Bruno, 27 anos, morador do bairro do Capão Redondo, zona sul de São Paulo. É próximo do meio-dia de um domingo típico de verão e o terraço será o palco do encontro de um grupo de jovens que se prepara para se reunir em círculos e falar sobre a periferia. A paisagem do entorno é bem conhecida com seus morros, vielas e casas sem reboco, mas a imagem preconceituosa sobre a região precisa ser mudada e isso é o objetivo da reunião. E também o sonho de Bruno, que quer mudar a imagem das pessoas sobre o Capão e a periferia e não a periferia. “Dá vertigem olhar para a periferia; precisamos olhar mais de perto; uma realidade do que é bom”, afirma Bruno, que vive em um cômodo sobre parte da laje de um padaria artesanal comandada por seu irmão José Carlos na comunidade do Jardim Valquíria. “Que sentido a gente dá para esse espaço?, questiona Bruno enquanto puxa caixotes de bebidas para as pessoas sentarem atrás da caixa-d’água. “É muito interessante pensar um ambiente como a laje para entrar em alguns temas e assuntos”, responde o morador da rua Mario Pederneiras e que adotou o Capão no próprio sobrenome e é conhecido como Bruno Capão. O sonho de ressignificar o espaço e falar sobre temas mais ásperos é o que moveu Bruno a reunir jovens em seu próprio quintal. O encontro deste domingo foi o quinto do grupo e reuniu 15 pessoas da comunidade, além de outros bairros da cidade. O desafio de Bruno é também conectar o centro com a periferia. “Você tem uma sinapse grande quando junta os diferentes. E eu chamo gente de fora para isso”, afirma. Mas o foco mesmo é fazer com a própria comunidade jovem encare e reflita sua realidade. “Como eu chamo um moleque para falar de violência? O jeito que eu encontrei foi arrumar minha laje e chamar para tomar um café, sem rotular um assunto. A gente quer falar de cultura de paz, discutindo violência que o Estado comete”. Essa foi a maneira que Bruno encontrou para, por exemplo, falar da letalidade policial que faz vítimas em sua maioria jovem, negra e periférica, nas mãos da polícia militar de São Paulo. “A gente precisa de uma política pública de segurança para manter as pessoas vivas. A desigualdade social é um vetor


Weslley Tadeu

de violência”. Os encontros também extrapolam o debate e vão para a prática, como ocorrreu com Jonatan, que em um encontro passado dividiu seu dilema pessoal por ser um trabalhador do tráfico de drogas e, após entendimento e acolhimento do grupo, conseguiu fazer uma transição para o mercado de trabalho. Bruno ainda traz para os encontros exemplos de inspiração, como o de Emerson, 28, um ex-detento e que estava no encontro deste domingo. Ele ficou quatro anos preso, se recuperou e conseguiu se reinserir na sociedade mesmo com um forte preconceito por ter ficado no sistema prisional. “Existe uma cultura do medo e do preconceito que a mídia faz. É importante quebrar a ideia de que isso é falso. Que existem muros invisíveis e que precisamos fazer pontes” afirmou Emerson. O próprio Bruno é também uma inspiração embora não goste muito deste rótulo. “Eu sou mais um sobrevivente”, referindo-se à ausência de oportunidades de educação, cultura e trabalho que atinge jovens do Capão Redondo e que o próprio também sentiu na pele quando mais jovem. “Acho que um grande caminho para aproximar periferia e centro hoje é assumir que nós não somos iguais. Que as oportunidades são diferentes”. Quando as oportunidades faltaram, Bruno teve apoio de uma ONG que o ajudou a se capacitar e investir em educação. Formado em gestão ambiental e sustentabilidade, já trabalhou como lixeiro, profissão

que fala com muito orgulho, e hoje toca diversos projetos, como os encontros da “Laje” e o “Lado B do Capão”, além de liderar um laboratório de inovação na região. Bruno gosta de ser chamado de “embaixador da rua” e quando questionado como será o Capão daqui 20 anos, responde pensativo: “Daqui a 20 anos eu não sei, mas espero que em 2020 a ONU volte aqui e reconheça o Capão Redondo como um patrimônio cultural da humanidade”, referindo-se ao estigma deixado pela organização que considerou o Jardim Ângela como a região mais violenta do mundo no distante 1996. É justamente essa esperança em ver o Capão e a periferia terem seu espaço reconhecido que faz esse jovem, negro e periférico, sair das estatísticas associadas à violência e se tornar um filho da Primavera Periférica que as grandes urbes vivem hoje. “Eu acho que a grande transformação do país vai emanar da periferia. E isso já aconteceu de alguma forma. Eu só estou somando a minha voz aos expoentes que já militam faz tempo e já estão na caminhada ressignificando a narrativa”. Bruno sabe que a maior riqueza da periferia é sua gente e por isso luta para que toda a comunidade saia de suas vielas escondidas e casas sem reboco e ocupem as milhares de lajes para enfim se fazer ouvir de todos os morros e colinas da periferia. “A gente vai contar a nossa própria história”, finaliza. CIDADANISTA

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MOVIMENTOS | A rua é nóis

Estar atento. De olho, cauteloso. Esperto em todo movimento, registrando tudo que acontece: DiCampana. Há centenas de periferias espalhadas pelo mundo. São milhares de pessoas residindo nesses locais que, em muitos casos, abrigam a contradição econômica e cultural de uma grande metrópole, como mansões e favelas dividindo praticamente o mesmo espaço, mais a violência que é colocada na conta da periferia. O cotidiano destas regiões ultrapassa o estereótipo midiático reforçado por clichês e estigmas que cativam o povo. No entanto, a cultura, o lazer, a rotina e a vida do nosso povo são diferentes. Entendendo que a narrativa do nosso povo vem sendo registrada praticamente pelos mesmos meios há décadas, a proposta do DiCampana é fazer uma cobertura introspectiva e contínua do cotidiano das periferias através da fotografia realizada por periféricos, favelados. A construção de um outro imaginário na perspectiva cultural e a denúncia de violações de direitos humanos conduzirão a nossa produção, visando contribuir para a construção de um novo imaginário, que contemple os múltiplos recortes da periferia. FOTÓGRAFOS: Gessé Silva, José Cícero da Silva, Léu Britto, Naná Prudêncio Zalika e Weslley Tadeu @dicampanafotocoletivo 24 CIDADANISTA

Naná Prudêncio

As fotos desta reportagem foram produzidas pelo coletivo DiCampana e representam uma nova forma de olhar para a periferia. Abaixo, o manifesto do grupo.

Gesé Silva

OLHAR PERIFÉRICO

ISSO NÃO É UM REVÓLVER Você pode olhar uma favela de várias maneiras. Pela ótica do preconceito ou pelo peso que colocaram na mão da periferia

TICÃO E A ESCOLA Do alto da colina de onde se pode ver o bairro de Ermelino Matarazzo e boa parte do extremo leste de São Paulo, habita um homem chamado Ticão. De estatura alta, Antonio Luiz Marchiori faz tanta coisa e para tanta gente que suas ações extrapolam a região e deixam difícil uma descrição simples sobre quem ele é. Mas sua liderança é marcante, assim como sua vontade de ajudar o povo. E é isso que ele faz há mais 40 anos. Ticão ajuda as pessoas fazendo escolas, arrumando empregos, ensinando saúde, elegendo políticos, praticando democracia, acolhendo trabalhadores, publicando jornais e, sobretudo, evangelizando. “O pessoal falava: esse padre aí não é padre, é político”, brinca o Pe. Ticão da comunidade católica de S. Francisco de Assis quando recebeu a revista Cidadanista para uma entrevista.


José Cícero da Silva

A multiplicidade de ações e resultados impressiona aos que imaginam uma igreja passível e com poucos fiéis. “Isso aqui é um vulcão” ao falar dos projetos como, por exemplo, o grupo de Whats App com rede de oportunidades para desempregados ou os encontros sobre saúde preventiva onde distribui sementes da Moringa Oliefera, uma planta medicinal originária da África. “Nós queremos doar de 30 a 40 mil sementes até o final do ano”. Os jovens também têm atenção especial com um convênio firmado entre a igreja e o curso Poli da USP, onde professores dão aulas em uma escola pública do bairro. “Um problema grave aqui é da juventude, sem trabalho, sem estudo”. Completam o portfólio social cursos de manicure, “É o bairro que tem mais portinha de cabeleireiro. Sabe como é, em época de crise, é preciso autoestima”, cuidadores de idosos e doação de livros. “Nós entregamos cerca de 15 mil livros nos últimos 10 anos,” pontua orgulhoso Pe. Ticão, que em todas afirmações, não deixa de lembrar da importância da fé e do evangelho. Da

escola de D. Angélico é adepto de uma igreja mais transformadora que conscientize o povo e o liberte. “A Igreja católica se dedica muito à devoção, mas tenho a esperança de que a Igreja precise dar um tom diferente, as pessoas precisariam se abrir mais, precisariam avançar mais”. Pe. Ticão critica o excesso de mercantilização atual das comunidades. “A fé faz milagres, não negócios”, e acolhe movimentos políticos como o MCC, movimento de Mandatos Coletivos Comunitários, além de estimular candidaturas de líderes da comunidade. Nas últimas eleições municipais, três candidatos tentaram se eleger, mas perderam. “A gente está em um momento de baixa muito grande e não temos referências ou lideranças para entusiasmar o povo. Nós estamos em uma situação muito dramática”, afirma em tom de desânimo. Mas o desalento com a política logo cede espaço ao ânimo em falar sobre uma das grandes vedetes da comunidade, a escola de Cidadania (com unidades aqui e em outros bairros). “Isso aqui virou um point. Porque a gente fez uma canti-


Léu Brito

Gesé Silva

MOVIMENTOS | A rua é nóis

na e no começo tinha até cerveja”, sorri o padre. “A gente se reúne todas as sextas-feiras, de março a novembro, e no final do curso a Universidade Federal de São Paulo dá o certificado”. A próxima turma começou no último 3 de março e terá exigência de apresentação de trabalho de conclusão de curso e espera mobilizar 500 pessoas neste ano. A escola foi lançada há seis anos com o objetivo de debater a cidadania. “O povo começa a entender que cidadania é uma conquista, uma luta”. Na grade curricular, são convidados líderes, professores, cientistas políticos e o próprio poder público para fazer refletir os direitos e oportunidades das pessoas. Pe. Ticão adianta que um dos eixos temáticos do primeiro semestre será o Plano de Metas para a Periferia 2017-2020 e que vai discutir o direito pela cidade. “O mundo vai acabar em reunião”, brinca o sorridente Pe. Ticão na esperança de ver seu trabalho fazer nascer a consciência da política voltar a ter seu real significado na periferia, onde o poder deveria emanar do povo.

TONY E A POLÍTICA Fazer política nunca esteve nos planos de Tony. Morador do Campo Limpo, Tony Marlon é empreendedor social da periferia e criador do Escola de Notícias, um projeto que ensina e capacita jovens em comunicação para que eles próprios contem suas realidades e narrativas por meio do jornalismo. “Eu desenvolvi uma metodologia para ensinar comunicação para jovens”, conta Tony ao chegar para entrevista na redação da Cidadanista em São Paulo. Sempre muito elétrico, ”Se eu fugir 26 CIDADANISTA

da sua pergunta, você me traz de volta”, Tony se considera um privilegiado por ser branco e homem na periferia, mas é consciente das condições adversas do meio em que vive e teve que correr atrás do seu. Como todo empreendedor, é um ser inquieto e grande parte da sua trajetória se deve a esse questionamento com o status quo. “Eu descobri que a lógica de educação formal não funcionava para mim. Eu era do fundão e sempre achei que a escola não falava com a minha realidade. Quando eu cheguei à universidade eu não sabia o que era ditadura militar”. Essa busca fez Tony crescer e buscar seu próprio caminho. E assim ele criou novos projetos, formulou modelos de negócios e empoderou novos líderes comunitários. Tudo isso acabou por gerar um reconhecimento na formação de jovens da periferia e o tornou uma referência e uma liderança. E foi exercendo essa liderança e atuando com educação e comunicação que, sem perceber, Tony fazia também política. E hoje esse é o terreno que merece suas atenções. “Quando saí da escola de notícias, decidi que queria fazer coisas que mexessem em estruturas. Quero me dedicar a isso agora e a bancada mexe em estrutura”. Tony fala da Bancada Ativista, um movimento que ajudou a fazer nascer desde o início, em 12 de junho de 2016, em São Paulo, e que tem como lema a frase: ’se você não gosta de política, vai ser governado por quem gosta dela’. A Bancada Ativista tem como objetivo levar cidadãos para dentro da política, elegendo candidatos que representem efetivamente os eleitores e que renovem a política institucional, fujindo dos vícios da


VAI UMA FEJUCA AÍ? A capa do guia e os jovens jornalistas que degustaram e escreveram sobre restaurantes fora do eixo Pinheiros-Jardins

Conheça o Prato Firmeza, guia gastronômico que traz os melhores lugares para comer na quebrada, projeto editorial realizado por jovens bolsistas da escola de jornalismo da agência de conteúdo É Nóis

Entrevista com AMANDA RAHRA Por favor, nos conte sobre o Guia Gastronômico Nós ficamos muito orgulhosos do livro e também muito espantados com os outros guias que só conseguem mapear restaurantes no entrerios. O Prato Firmeza ampliou o mapeamento e o olhar sobre os restaurantes da cidade e se tornou referência para que os jovens que vivem na periferia conhecessem seus lugares. E para os restaurantes também foi muito legal, foi um incentivo para os seus negócios. E como foi o processo de construção do Guia? Foram envolvidos dez jovens que cursam a escola de jornalismo aqui na É Nóis e que recebem uma bolsa de R$ 500,00 por mês. Como alunos, eles devem entregar uma produção jornalística a cada três meses e o Prato Firmeza foi o produto final dessa atividade. Ao total, foram mapeados 40 restaurantes envolvendo degustação dos pratos e produção fotográfica. Como funciona a escola de jornalismo? Ela prepara os alunos para contarem suas próprias histórias e usarem o jornalismo como metodologia de conhecer o mundo. O curso

Divulgação Énóis conteúdo

COMIDA E JORNALISMO DA QUEBRADA faz o aluno desenvolver um senso crítico sobre as coisas e qualifica os jovens na construção do debate. A escola de jornalismo também prepara os alunos para o mercado de trabalho. Temos ex-alunos que estão atuando em seus territórios, como, por exemplo, um aluno que se formou e hoje dá aula de design na Casa do Zezinho. E como o trabalho da É Nóis consegue mudar o preconceito das pessoas sobre a periferia? Fazemos isso por meio do jornalismo. Quando a gente democratiza a produção do conteúdo jornalístico, histórias que antes não eram contadas sobre as periferias acabam sendo narradas para o mundo. Em relação ao preconceito, os próprios alunos e alunas chegam e relatam as dificuldades em se identificar com o próprio lugar quando só ouvem falar sobre morte e assassinato onde moram. Então, a partir do momento em que eles começam a fazer as produções jornalísticas e a trazer narrativas de vizinhos e de pessoas que estão nessas diversas periferias, eu acho que isso expande o discurso para a sociedade e mostra para ela mesma o quão diversa ela se apresenta. A gente fala que não trabalha com minoria, a gente tá falando de maioria. E a maioria da população brasileira é mulher, é negra e é periférica. E isso é importante para a sociedade se reconhecer mais diversa do que sua elite é.

Para conhecer mais, acesse: enoisconteudo.com.br CIDADANISTA

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Luciana Nascimento/facebook Humbalada

MOVIMENTOS | A rua é nóis

DIVULGAR PARA FORTALECER Conheça o Periferia em Movimento, projeto que nasceu no Grajaú em 2009 e que tem a missão de falar de cultura periférica para fortalecer os movimentos sociais através da comunicação

Entrevista com ALINE RODRIGUES Como o surgiu o Periferia em Movimento? Surgiu de um TCC do final de curso de comunicação da universidade e que tratava o genocídio da população negra e periférica como tema do projeto. Depois decidimos lançar o blog e continuar. Por que vocês criaram o projeto? Porque tem muita atividade na periferia e às vezes uma está do lado da outra, mas as partes não se conheciam. Muito menos o público que elas queriam atingir. A gente surge para divulgar e conectar as ações. Quais são as atividades principais? Produzimos reportagens semanais e notas diárias da periferia sempre direcionadas para o direito de acesso à cidade. Quem é que está acessando os serviços da cidade e quem não está e por que não está. E o que esperam conseguir com o portal? Fortalecer iniciativas e inspirar a criação de outros coletivos. Acreditamos que, se você fortalece os movimentos e dá visibilidade, você fortalece a luta deles. O viés cultural é o foco das ações? Nas perifeiras, a maioria dos grupos que surgem, de dança, música ou teatro, acabam levantando uma bandeira e por meio da arte levantam uma causa. O Humbalala, por exemplo, é uma companhia de teatro do Grajaú que luta pelo acesso à arte, pela democratização do teatro. Eles valorizam a cultura local e nós divulgamos isso. Para conhecer mais, acesse: periferiaemmovimento.com.br 28 CIDADANISTA

TEATRO NAS RUAS DA PERIFA Encenação da peça “Grajaú conta Dandaras, Grajaú, conta Zumbis" da cia Humbalada. O portal Periferia em Movimento ajuda a divulgar e disseminar a arte e a cultura para fortelecer o movimento periférico

política tradicional. É um movimento suprapartidário que elege ativistas e lideranças para ocupar o Legislativo. Na última eleição, a Bancada aglutinou diversos candidatos e conseguiu um total de 73.355 votos para os 8 candidatos que se filiaram em diferentes partidos, como a REDE e o PSOL. Todos tinham linhas programáticas que conversavam com a periferia e as minorias. Conseguiu eleger a atual vereadora Samia Bonfim pelo PSOL para a Câmara de Vereadores de São Paulo e tem planos de atuação para a bancada federal em 2018. Mas segundo Tony, além de eleger candidatos, um dos grandes objetivos da Bancada é fazer as pessoas se reencantarem pela política. “O lançamento foi propositalmente no dia 12 de junho e todo o diálogo era pelo: “reapaixone-se pela política”. E deu certo, o discurso do “Isso que está aí são os políticos, não é política” é a estratégia que Tony e a Bancada usam para diferenciar a atual crise política de representatividade da necessidade de atuação de todos para mudar a realidade. Como não poderia deixar de ser, Tony está usando o ferramental que conhece bem, a comunicação e a educação, para poder ser compreendido pelas pessoas. “A gente tem falado que a Bancada Ativista é um processo pedagógico”, finaliza o esperançoso Tony, que em princípio não tem planos para candidatar-se a algum cargo eletivo, mas sabe do movimento que representa, um movimento maior que ele, o movimento periférico. Uma onda e uma força que emanam das margens da cidade para ocupar o território e o protagonismo e assim fazer o impoderável acontecer: a Primavera Periférica florescer e dar frutos na quebrada.


Renato Nascimento

“Pense Grande” por Mel Duarte

O MEL DA QUEBRADA

Hey, você! Já parou pra pensar qual a sua contribuição nessa sociedade? O que faz pelas pessoas que vivem ao seu redor, pela sua cidade? Qual a sua habilidade? Tenho certeza que dentro de você pulsa alguma vontade Um querer em fazer diferente, ir além da margem... Há tempos já deram a letra, há três tipos de gente: As que imaginam o que acontece As que não sabem o que acontece E as que fazem acontecer. Você pode escrever pra sua história um melhor roteiro, Recolher ideias do seu pensamento canteiro Acreditar no seu potencial é um começo Foque num ideal pra não ter retrocesso. Quer saber do futuro? Mas o que tem feito no presente? Querer mudar o mundo tem que começar primeiro na gente. Então vai, se movimenta Obstáculos são postos em nossa vida para que a gente os vença! Sagacidade é saber lapidar o que tem na mão, é uma questão de essência! E no quesito sobrevivência: gueto, favela, periferia sempre teve o maior grau de competência!

A poetisa e voz da periferia Mel Duarte fez um poema especial para quem vive na quebrada

Peraí! Tá ouvindo esse som? Se liga! É o beat do seu coração, essa batida orgânica que te dá a direção Então confie nela, acredite no seu dom! Uma vez me disseram que a comodidade é a degradação do homem. Logo, ficar parado não fará com que o jogo vire, nem matará sua fome E não é preciso planejar algo grandioso pra fazer a diferença Acredite, a sua pequena parte é mais importante do que você pensa. E pras minas, manas, monas que vivem a se autosabotar Que acreditam ser impossível sua história protagonizar E digo isso por experiência própria Sempre há pelo que lutar! Busque a sua fonte de resistência, Use sua criatividade, estabeleça metas, prioridades Saia da zona de conforto e vá pra zona de confronto Perceba: você é a única responsável por sua felicidade! Não deposite no outro sua projeção de liberdade Sei que é difícil ter coragem, mas você dá conta Entenda, mulher já nasce pronta! E quando menos perceber Terão outras inspiradas em você. Pense Grande!

CIDADANISTA

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2013-2017

por LUIZ MILLER | fotos FELIPE PAIVA - R.U.A Foto Coletivo

Por uma vida sem catracas

As manifestações de junho de 2013 vão completar 4 primaveras e o país é outro. A revista Cidadanista entrevistou o criador do conceito de tarifa zero, Lúcio Gregori, para traçar um panorama do que foi e significou aquele movimento iniciado pelo fim das catracas e que culminou em algo que ninguém previa.

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PULA, GALERA Os terminais de transporte público e as ruas foram ocupadas por todos sem distinção

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ra começo de junho de 2013 quando, em São Paulo, o prefeito Haddad e o governador Geraldo Alckmin resolveram em conjunto anunciar que as passagens de ônibus, trens e metrô aumentariam de R$ 3,00 para R$ 3,20, desencadeando uma onda de protestos violentos que se espalhou por diversas cidades brasileiras. Na linha de frente das manifestações estava o MPL (Movimento Passe Livre), com suas tradicionais faixas pretas com os dizeres “Se a tarifa não baixar a cidade vai parar” e “Abaixo as tarifas”. Mas o que é o MPL? O movimento surgiu em 2005 durante o Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, e reuniu jovens que tinham o mesmo objetivo – a luta por um transporte público gratuito. No documentário “Junho, o mês que abalou o Brasil” o filósofo Vladimir Safatle sintetizou o movimento de forma feliz ao dizer que o MPL não é uma organização anticapitalista com lemas ultrapassados e genéricos, ele vai direto ao ponto da mobilidade urbana demonstrando a vulnerabilidade do sistema e quão segregacionista é essa questão. Um dos principais articuladores e criador do conceito da tarifa zero para o transporte público, o engenheiro Lúcio Gregori atesta que é possível sim uma política que faça com o que o transporte público seja gratuito. Gregori foi secretário de transportes na gestão da prefeita Luiza Erundina em São Paulo (89/93) e abaixo ele explica em entrevista exclusiva à Cidadanista o conceito de tarifa zero, mobilidade urbana, MPL e como anda a nossa esquerda. Qual o conceito da tarifa zero? É possível a gratuidade do transporte público nas cidades? O conceito é o do pagamento indireto, via impostos e taxas cobradas de forma progressiva, ou seja, proporcional à renda, valor de patrimônio etc. É tão possível quanto outros serviços públicos pagos indiretamente, como coleta de lixo, iluminação pública, saúde e educação, sinalização viária, conservação e pavimentação de ruas etc., etc. Só assim se pode falar que, de fato, o transporte é público e de acesso universal. A aprovação da PEC55/241 (que congelou investimentos em saúde e educação) vai di-

ficultar esse debate pela tarifa zero? O que representa esse avanço conservador para a sociedade como Temer no Brasil ou Trump no EUA e a possibilidade de um governo de ultradireita na França? Claro que vai dificultar. Sobretudo a aplicação plena do transporte como direito social, que desde 2015 consta do artigo sexto da Constituição. O avanço conservador é o resultado de mais uma crise cíclica do capitalismo, agora em sua etapa financeira, e o fracasso, por conservadorismo ou, como diz Nancy Fraser a propósito de Trump, dos governos ditos de esquerda tanto na Europa como por aqui e que enveredaram para o que chama de neoliberalismo-desenvolvimentista. Além da queda de produção industrial, fruto da especulação financeira. Daí as reformas tipo PEC55. Mas observe que Benjamim Steinbruch e, pasme, Paulo Skaff já estão reclamando da política econômica de Temer e o economista André Lara Rezende questiona a política de juros para controle da inflação. Talvez não seja, ainda, a última crise do capitalismo. Terá de haver disputa política para garantir direitos já existentes e melhorá-los e ampliar, como no caso do subsídio à tarifa e a tarifa zero, no limite. A disputa capital-trabalho é permanente em nosso modo de produção. O MPL (Movimento Passe Livre) surgiu em 2005, mas foi nas Jornadas de Junho de 2013 que o movimento teve seu maior protagonismo, quando começou a luta pela redução dos 20 centavos em São Paulo. O que é o MPL? E qual sua análise sobre as Jornadas de Junho? Após sua formalização no Fórum Social Mundial de 2004 e além de adotar a luta pela tarifazero em 2006/2007, o MPL teve vários protagonismos, a exemplo da Revolta da Catraca em Florianópolis em 2004/2005, que também resultou num primeiro instante, em cancelamento do reajuste. O MPL é um movimento focado na questão da mobilidade urbana e na questão do modo de pagar o serviço público de transporte coletivo. Diferentemente de outros movimentos, ele não reivindica algo para uma determinada classe ou fração de classe, mas, sim, faz uma reivindicação para todos. Diferente, pois, do MST e do MTST, por exemplo. Diferentemente desses movimentos, é majoritariamente CIDADANISTA

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2013-2017 | Entrevista Lúcio Gregori

divulgação: Lúcio Gregori

prefeitura. Ele poderia ter saído como herói. Mas em 2014, ano eleitoral, não teve reajuste nenhum, nem pela prefeitura nem pelo governo do estado. Estranho, não é? Quanto às acusações e à posição de certos setores do PT é porque, sobretudo depois de 2003, só sabem entender e fazer política no âmbito das instituições e na perspectiva de disputa eleitoral. Já em 2011, quando o prefeito não era do PT, vereadores e vários filiados ao partido participaram das manifestações do MPL. COM A PALAVRA, LÚCIO GREGORI O engenheiro e ex-secretário de transporte de Luiza Erundina, fez uma aula pública em 2013, próxima a Prefeitura de SP

constituído por jovens e muito jovens, daí uma permanente renovação da militância, o que pode resultar em altos e baixos no protagonismo do movimento. Em resumo, o MPL trouxe a discussão da mobilidade urbana para o campo da política, ao qual de fato pertence, ao invés de como sempre foi colocado, como questão técnica a ser resolvida por “especialistas”. Quanto às Jornadas de Junho, a melhor síntese interpretativa que conheço é do Vladimir Safatle, que diz que elas significaram o fim do pacto de transição da ditadura e do modelo de governabilidade então estabelecido. O que virá é uma disputa que pode levar um bom tempo para se resolver. Estamos assistindo exatamente a uma parte desse processo, cujo final não se sabe qual e quando será. Dependerá das várias disputas, correlação de forças e das condições históricas. Na época foi um erro a falta de diálogo do ex-prefeito Haddad com o MPL? Ele chegou a criticar, dizendo que o movimento estava fazendo o jogo da direita, tanto que algumas pessoas ligadas ao PT chamaram o movimento de fascista. Na época, entendo que a reação do então prefeito Haddad foi desastrosa. Entrou em rota de colisão com os manifestantes, se associou ao superconservador governador Alckmin, que reprimiu com a PM de forma violenta e se escondeu, deixando todo desgaste para o prefeito. Ao final, teria um custo de 200 milhões de reais se cancelasse o reajuste. Muito pouco num orçamento de cerca de 50 bilhões da

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O modo de organização do MPL, horizontal e autônoma, é muito mais democrático que a formação tanto de partidos, sindicatos e outros movimentos sociais. Como você vê esse tipo de organização? Acredita que dá para se governar dessa forma? A questão da organização do MPL, horizontal, sem lideranças e chefias, aponta para a necessidade de se repensar o modo de organização das democracias ocidentais capitalistas. Na Grécia antiga chegou-se a ter a indicação dos que iriam cuidar do governo, feita por sorteio. Isso em tese obriga a sociedade a dar as condições mínimas a qualquer cidadão, pois ele pode ser um dos sorteados. Curioso observar que nos tribunais de justiça, não há hierarquia nos processos decisórios e nas decisões. Todos votam igualmente. Idem no Congresso, com algumas diferenças. O presidente do tribunal tem funções, basicamente, operacionais. E muda pelo sistema de revezamento. Nem por isso é uma bagunça. Já no extremo oposto, nas organizações militares, a hierarquia é absolutamente rígida. Mas não conheço motim em tribunais de justiça mas, sim, nas organizações militares e nas de hierarquia rígida. Veja-se a revolta da PM em Vitória, ES. Eis um bom tema para discussão e reflexão. Possivelmente se poderá encontrar novos modos de governar, que não sejam dependentes de hierarquias rígidas etc. Um exemplo disso é o Partido Pirata da Islândia, que quer um governo com maior participação popular ao usar o mecanismo dos referendos. Dá para se implementar isso no Brasil? Claro que dá e, ao mesmo tempo, mantidas as condições históricas de dominação das nossas chamadas elites, não dá. Aliás, o Brasil é extremamente


DE TUDO UM MUITO 2013 viu todos os tipos de manifestantes e pessoas ocupando as ruas. A repressão policial culminou em mais violência.

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SEÇÃO | Matéria

MUITO MAIS QUE BALA DE BORRACHA A PM de SP repreendeu as manifestações com força, ocasionando mais violência

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atrasado no uso dos mecanismos de plebiscito e referendo. Além de não ter o “recall” da Presidência pelo voto direto, que evita os golpes como o que tivemos em 2016. Em resumo, temos uma democracia, se é que se pode chamar assim, superatrasada. Em seu poema “Que esquerda é essa” há uma clara crítica quanto à proteção ao capital. Os governos de esquerda falharam? Afinal, que esquerda é essa que temos hoje no Brasil? Quando fiz uma adaptação da letra do samba Que Rei Sou Eu? em 2009, quis fazer de modo jocoso uma caricatura da chamada esquerda que ascendeu ao poder em 2003, com o aval dos dominantes, pedido através da “Carta aos Brasileiros”. Recomendo sua leitura. De resto, as chamadas esquerdas ocidentais, em geral, inclusive no Brasil, procuraram se adaptar ao neoliberalismo e ao capitalismo financeiro e suas diversas variantes, sobretudo os partidos de esquerda europeus como, por exemplo, o de Tony Blair na Inglaterra. Tá dando no que está aí. No Brasil a tal da governabilidade nos presenteou, por exemplo, com um vice-presidente, que após o golpe, faz na Presidência um dos governos mais conservadores e reacionários de nossa história recente. Mesmo certos setores de esquerda às vezes têm posição praticamente conservadora quando defendem, por exemplo, certos empregos sem fazer, ao mesmo tempo, uma discussão mais abrangente sobre o atraso que eles mostram do nosso capitalismo e de nossa sociedade. Assim, o Brasil tem empregos absolutamente atrasados como, por exemplo, frentistas em postos de combustíveis e cobradores de pedágio. Mas temos muitos movimentos de esquerda extremamente consistentes e que não têm nenhuma visibilidade na mídia. Pela nossa história, não é fácil ser de esquerda em nosso país. Creio que a esquerda está por encontrar meios e modos de disputar o imaginário da grande maioria do povo brasileiro, que está condicionado pelas narrativas feitas pelos dominantes a partir do forte domínio da mídia, pelos padrões educacionais que distinguem a educação para produzir da educação para pensar, e pela necessidade da contenção da “violência dos despossuídos”, para dar alguns exemplos. Como se vê pela nossa história, não é fácil ser de esquerda por aqui. Durante a gestão Erundina na cidade de São Paulo (89/92) houve um boicote tanto das em-

presas como do governo federal em relação ao sucateamento da frota de ônibus. Como o senhor vê essa relação Estado/corporações ou Estado/mercado? O boicote foi de todo tipo e espécie e não, somente em relação ao sucateamento da frota de ônibus. Esta estava paralisada no nível de 7600 ônibus desde 1976. A principal fonte de boicote foi da mídia. Não mostrava o que havia de bom e mostrava e mentia sobre falsos problemas, como sujeira, falta de coleta de lixo etc. A mídia desempenha papel fundamental para criar um imaginário de que o Estado e os serviços públicos são ruins e mal administrados, vis-à-vis às “virtudes” e eficiência do mercado. Isso é ideologia pura. De resto, com a nossa mídia televisiva dada sem concorrência, não é possível se avançar muita coisa no país. No Brasil a mídia não é o quarto poder. É o primeiro! Quanto à relação Estado/corporações, permeada por “sacanagens”, para usar uma linguagem grosseira, isso é inerente ao Estado ocidental nas democracias capitalistas e quiçá em outros países. Não é só no Brasil. Pode ser que nossa escala seja maior do que muitos outros lugares, mas isso pode ser uma boa discussão. A Lava Jato é de um lado positiva, pois manda pra cadeia políticos e empresários, por outro lado acena para uma irrealidade que é uma sociedade capitalista com um Estado completamente isento de promiscuidade com variados setores do capital. Pode, por isso mesmo, pavimentar o caminho para formas disfarçadas ou não de fascismo e autoritarismo. Aquilo que Eduardo Costa Pinto chama de weberianismo-messiânico. O lema “Por uma vida sem catracas” define bem as diferenças sociais. Qual a amplitude disso? Esse lema genial cunhado, creio, pelo MPL, resume de maneira brilhante o significado da luta política contida na questão da mobilidade e na tarifa zero. Ou seja, a quantidade de catracas colocadas no caminho da mobilidade social tem tudo a haver com a mobilidade física e vice-versa. Não bastasse isso, o design da catraca mecânica revela toda sua feiura, seja a real , seja a simbólica. Já que falamos de música em outra pergunta, me lembro da letra de Plataforma com letra de Aldir Blanc: “Não põe corda no meu bloco/Nem vem com teu carro-chefe/Não dá ordem ao pessoal/Não traz lema nem divisa/Que a gente não precisa/Que organizem nosso carnaval/ Não sou candidato a nada”. CIDADANISTA

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RACISMO| História do movimento negro

RACISMO

por DENNIS DE OLIVEIRA foto LU CAVALCANTI

Ruas e gabinetes, realpolitik e ação cultural Os dilemas do movimento negro brasileiro 36 CIDADANISTA


MULHER E NEGRA Mulher durante manifestação do último dia 8 de março em São Paulo. O Dia da Mulher ganhou relevância e contornos de resistência

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RACISMO| História do movimento negro

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o ano de 1988 foi promulgada a nova Constituição brasileira, a qual no seu inciso 42 do artigo 5º define o racismo como crime inafiançável e imprescritível sujeito a pena de reclusão. No ano seguinte, em 1989, por proposição do deputado federal Carlos Alberto Caó, foi aprovada a lei 7716 que regulamenta este dispositivo constitucional. A importância destes fatos reside em que um país que sempre se escondeu sob o mito da democracia racial reconhecia a existência de práticas discriminatórias e as criminalizava. A legislação anterior, a chamada Lei Afonso Arinos, considerava o racismo meramente como uma contravenção. Os anos 1980 foram um momento de importante avanço dos movimentos sociais que se expressaram, na Assembleia Constituinte, em vários direitos sociais assegurados. Daí sai a chamada Constituinte Cidadã. Foi um momento em que os movimentos sociais derrotam a ditadura militar e se reorganizam. O movimento negro mostra sua força particularmente durante as celebrações do centenário da Abolição em 1988. O dispositivo constitucional e a lei Caó são expressões disto. Porém foi um momento também de embates ideológicos mais fortes. O paradigma neoliberal do capitalismo se fortalece mundialmente, principalmente com a debacle dos regimes do Leste Europeu (queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim da URSS em 1991). Os Estados Unidos saem vitoriosos da Guerra Fria e impõem um padrão civilizatório mundial baseado nas premissas do modelo da democracia liberal, da economia de mercado e do livre fluxo de capitais e mercadorias. As eleições presidenciais de 1989 expressam estes dois movimentos: um de caráter conservador, de adequação da sociedade brasileira a estes paradigmas; e outro que representava as forças dos movimentos sociais em ascensão nos anos 1980. Venceram os conservadores e a economia brasileira foi adequada ao paradigma global hegemônico.

No início dos anos 1990, a população negra brasileira começa a sentir os efeitos desta adequação. A brutal concentração de renda, o desemprego e a redução das políticas públicas geraram uma grande massa de excluídos. O racismo, como elemento estruturante do capitalismo brasileiro, é o principal legitimador destes mecanismos de exclusão, que têm na violência nas periferias a sua principal manifestação. Foi com base nisto que o movimento negro brasileiro organiza, em 1991, o I Encontro Nacional de Entidades Negras (ENEN) no ginásio do Pacaembu, em São Paulo, denunciando o extermínio da população negra e pobre no país por meio do assassinato de crianças e adolescentes por parte de forças de segurança oficiais e extraoficiais, da esterilização indiscriminada de mulheres negras, prática financiada por organizações internacionais e por políticos de direita, entre outros. Na ocasião, foi denunciado um documento da Escola Superior de Guerra, a mesma instituição que formulou as doutrinas da ditadura militar, que apontava a necessidade de se conter, via a repressão e o extermínio, os cinturões de miséria e os “menores” abandonados. O racismo se expressava como o principal elemento legitimador deste processo de exclusão e extermínio. Contra isto, além de algumas entidades do movimento negro organizado, rebelam-se também jovens negros das periferias das grandes cidades por meio do movimento hip-hop, definido pelo jornalista e ativista Joselício Junior como o “grito da periferia contra a violência”. O movimento hip-hop, principalmente em São Paulo, passa a se organizar por meio das chamadas “posses” – coletivos de jovens manifestantes desta expressão cultural – que não só denunciam a violência por meio da sua arte, mas criam canais próprios de organização e discussão nos seus bairros. Este movimento conseguiu trazer para o centro da agenda política a discussão da violência e do extermínio e se transforma em novos

“ O RACISMO, COMO ELEMENTO DO CAPITALISMO NO BRASIL, É LEGITIMADOR DE MECANISMOS DE EXCLUSÃO QUE TEM A VIOLÊNCIA NAS PERIFERIAS A SUA MANIFESTAÇÃO “

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sujeitos coletivos da luta contra o racismo. O que ficava nítido neste período é um descompasso entre um ordenamento jurídico-político oriundo dos movimentos que protagonizaram a luta pela democracia nos anos 1980 e que se cristalizaram com a Constituinte de 1988 e a realidade das periferias profundamente marcada pelas políticas econômicas recessivas dos governos Collor e, mais tarde, de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). O TRICENTENÁRIO E A CONSTRUÇÃO DE DUAS PERSPECTIVAS Em 1995, ano do tricentenário de Zumbi dos Palmares, dois grandes eventos foram realizados pelo movimento negro brasileiro. Um foi a marcha à Brasília, no dia 20 de novembro, ocasião em que entidades antirracistas produziram um documento que era o cerne de um programa político de combate ao racismo centrado na necessidade de implantação de políticas públicas específicas e construção de espaços específicos na esfera governamental para o gerenciamento e acompanhamento de tais políticas. Outro evento foi o Congresso Continental dos Povos Negros das Américas, que tinha como principal objetivo construir uma articulação internacional das populações vitimadas pelo neoliberalismo imposto pelo poder imperialista. Este congresso foi realizado no Memorial da América Latina e reuniu ativistas de vários países da América e da África. O extermínio das populações não brancas foi detectado como elemento estratégico de um projeto global imposto pelo capital e que vislumbrava a inclusão apenas de uma parcela da população. Como em 2001 a Organização das Nações Unidas (ONU) convocou a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, em Durban, na África do Sul, estas duas articulações tiveram papel importante nesta participação. A marcha à Brasília foi responsável pelo reco-

nhecimento oficial do racismo como problema nacional por parte do Estado brasileiro, principalmente pelo gesto simbólico do então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, de receber a executiva da Marcha e nomear um Grupo de Trabalho Interministerial para se pensar políticas públicas de combate ao racismo. O então presidente passa a tratar do problema como chefe de Estado em vários foruns internacionais que participava. Daí então se abriu espaço para construir canais de diálogo entre o movimento negro e o Estado, possibilitando que a preparação do documento oficial do governo brasileiro a ser apresentado na Conferência de Durban contasse com a participação do movimento por meio de seminários e pré-conferências realizadas pelo Itamaraty e a Fundação Palmares. A articulação internacional de movimentos sociais liderada pelo movimento negro no Congresso Continental permitiu que as agendas de combate ao racismo no Brasil se interconectassem com as lutas dos povos indígenas e camponeses na América Latina e Caribe, dos africanos contra as potências coloniais europeias, entre outros. A articulação da luta contra o racismo com a luta contra o capitalismo e imperialismo foi reafirmada em alguns encontros, destacando-se o Foro dos Movimentos Sociais realizado em Quito no ano de 2001. Naquela ocasião, o movimento negro se deparava com três perspectivas diante do neoliberalismo. Primeiro, intensificar os mecanismos de exclusão e extermínio. A obra ficcional de Susan George, Relatório Lugano, prevê que a única solução para a sobrevida do capitalismo é a “redução da população”. O Banco Mundial no início dos anos 2000, nos seus relatórios anuais, passa a tratar o problema da pobreza e miserabilidade como questão estratégica. Diante disto, o Banco Mundial passa a redirecionar os financiamentos de projetos de combate à pobreza e à miséria na perspectiva de políticas sociais focadas nos grupos mais vulnerabilizados em contraposição à concepção universalista de po-


RACISMO| História do movimento negro

líticas públicas. Por isto, o Banco Mundial defende que os financiamentos devem ser direcionados prioritariamente a organizações do terceiro setor (ONGs e fundações) e não a governos. E a terceira perspectiva é considerar os mecanismos de exclusão como estruturais e articular a luta contra o racismo com a luta contra o capital. No processo preparatório para a III Conferência Mundial, o movimento negro brasileiro se dividia entre a segunda e terceira perspectiva. As ONGs negras, muitas financiadas por fundações internacionais, não só se colocavam diante da segunda perspectiva como também atuavam em alianças e redes que não priorizassem as críticas estruturais ao imperialismo. Já algumas organizações, vinculadas a movimentos sociais, se aproximavam da terceira perspectiva. DAS RUAS AOS GABINETES: A LUTA ANTIRRACISTA APÓS 2003 Com a vitória da frente progressista nas eleições de 2003, com Lula à frente, descortinou-se um novo momento para a luta contra o racismo. Várias demandas apresentadas a partir de 1995 começam a se materializar, como o avanço nas políticas de ação afirmativa e a constituição de espaços próprios de gestão destas políticas no âmbito federal – a criação da Seppir (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) com status de ministério e a implantação da concepção de política pública transversal e participativa. Com isto, observa-se uma transição do movimento negro das ruas, dos enfrentamentos e das articulações com o movimento popular, para os gabinetes. Saem de cena as palavras de ordem, as pautas de reivindicação e, particularmente, as análises de estrutura da sociedade para entrarem as disputas pela ocupação de espaços na máquina governamental, a construção de parcerias Estado-organizações na execução de projetos e a formulação técnica de políticas públicas. Os foruns principais de participação das organizações do movimento negro passam a ser os espaços institucionais – conferências oficiais, conselhos, cargos na máquina – na expectativa que a participação na máquina governamental possibili40 CIDADANISTA

taria a execução de políticas e ações para enfrentar o racismo. Paralelamente a isto, a geração de jovens oriunda dos movimentos de periferia dos anos 1980 caminha para uma institucionalização via programas de fomento a ações culturais (destacando-se o Cultura Viva, o VAI e, mais recentemente, o Programa de Fomento às Periferias). Experiências realizadas pelo movimento junto a escolas e outras organizações voltadas para a formação educacional transforma muitos destes ativistas em educadores sociais. Vai-se, assim, constituindo uma rede de educação informal que se fortalece pela confluência de alguns fatores conjunturais: 1º.) O ingresso de vários destes jovens no Ensino Superior, intensificado principalmente pelas políticas de ação afirmativa voltadas para a população negra (cotas raciais nas universidades federais, ProUni, entre outros); 2º.) Uma melhoria relativa das condições sócioeconômicas da população da periferia por conta do crescimento econômico e ampliação das oportunidades nos governos Lula e Dilma; e 3º.) A ocupação paulatina da gestão de equipamentos sociais nos bairros periféricos por profissionais oriundos desta mesma periferia por conta da inserção destes jovens negros e pobres no Ensino Superior. Estas duas dimensões de expressão do movimento negro têm lugares distintos de realização. A primeira, de caráter mais institucional e que tem como objeto a participação nos espaços governamentais, se realiza particularmente dentro da esfera pública política oficial, cujos sujeitos principais são os partidos políticos. Daí observa-se uma confluência grande de dimensões partidárias e dimensões das entidades do movimento negro. As organizações do movimento negro se transformam, então, em pilares de pressão junto às direções dos partidos políticos para ampliar sua participação. A segunda, oriunda deste processo organizativo singular dos jovens da periferia e que dialoga com as estruturas governamentais via os programas de fomento se


expressa a partir de uma geração de negros, e negras de nível superior e que gerencia equipamentos sociais nos bairros periféricos. Enquanto a primeira pleiteia maior participação na máquina governamental, a segunda age no sentido da educação sócio-política. A primeira prioriza eleições e campanhas eleitorais; a segunda, os projetos e suas realizações. A primeira considera os ativistas da segunda dimensão como “basistas e despolitizados”. A segunda considera os da primeira como “correias de transmissão de partidos políticos e eleitoreiros”.

que o movimento negro brasileiro desenvolveu nos anos 1990 construiu esta divisão. E o mais preocupante é a manifestação mais cruel do racismo, que é a violência e o assassinato de jovens negros nas periferias, continuou crescendo mesmo nos governos Lula e Dilma e com todas as políticas de ação afirmativa e órgãos de gestão específicos implantados em nível federal não encontrou respostas efetivas. Os jovens ativistas na periferia, trabalhando com a ponta do problema, tentando resistir e encontrando imensas dificuldades dadas as limitações do alcance das suas ações; e as organizações mais partidarizadas e próximas ao governo não conseguindo dar nenhuma resposta a nível institucional e, pior, perdendo o seu poder de mobilização. O desafio para o movimento negro brasileiro contemporâneo é recuperar a dimensão de crítica política-ideológica construída tempos atrás para constituir uma reinvenção das eventuais participações nos espaços governamentais e institucionais e também potencializar as ações realizadas diretamente pelos ativistas na periferia junto às populações que são os principais alvos desta violência estrutural. Para tanto, é necessário construir espaços de reflexão política e ideológica sobre as relações raciais, combinados com a crítica ao capital e seus poderes instituídos. A participação eventual em um órgão governamental não torna o Estado menos branco, assim como a gestão de um equipamento social na periferia não transforma uma política pública em ação emancipadora, independente da competência e boas intenções de quem ocupa. Entender a articulação dialética entre as dimensões do que Gramsci chama de Sociedade Política (Estado stricto-sensu) e Sociedade Civil (Estado ampliado), entre guerra de posições (luta pela hegemonia) e guerra de movimento (luta pelo poder político) é fundamental.

“ A PARTICIPAÇÃO EVENTUAL DE UM NEGRO EM UM ÓRGÃO GOVERNAMENTAL NÃO TORNA O ESTADO MENOS BRANCO “

O QUE GERA ESTE CURTO-CIRCUITO Eduardo Bonilla, na obra Racism without racists aponta que o racismo, como lógica estruturante se sustenta a partir de quatro enquadramentos: a-) abstração liberal, que considera que a democracia burguesa oferece oportunidades iguais de participação e expressão a todos e que eventuais problemas decorrem de desajustes normativos que podem ser enfrentados com mudanças legais e/ou jurídicas; b-) a naturalização do racismo como fenômeno que não pode ser superado socialmente (não é à toa que observamos o retorno de pensamentos racialistas biologizantes); c-) a culturalização do racismo, evocando diferenças culturais como marcas ou clivagens que explicam as hierarquias; d-) minimização do racismo como problema central, colocando-o sempre na periferia da agenda.

Esta síntese de Bonilla demonstra que o enfrentamento ao racismo vai além da pressão pontual pelas suas manifestações. Ele se desenvolve como uma lógica sistêmica articulada com o padrão de acumulação de riquezas do capitalismo. Por isto, o afastamento da perspectiva político-ideológica

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EDUCAÇÃO | Reforma secundarista

ENSINO MÉDIO

por DÉBORA MINIGILDO fotos FELIPE LAROZZA

Giz passado, escola ocupada!

Incontesta e polêmica, a reforma do Ensino Médio foi aprovada sob críticas. A Cidadanista ouviu alunos e professores para saber as consequências das mudanças para a educação do país.

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CENAS DE UMA OCUPAÇÃO O movimento que começou no Paraná se espalhou pelo país e estudantes ocuparam escolas exigindo diálogo e participação na reforma. Acima, imagens de escolas e repartições públicas ocupadas pelos jovens na cidade de São Paulo.

esde que assumiu a Presidência da República, o governo de Michel Temer tem trabalhado para a aprovação de uma série de medidas de forte impacto econômico e social que dividem opiniões entre os diversos setores da sociedade. Não foi diferente com a Medida Provisória 746/2016, a MP do Ensino Médio. Publicada em 23 de setembro do ano passado, a medida instituía mudanças na última fase do ensino básico, como aumento da carga horária, disciplinas obrigatórias e flexibilização curricular. Segundo o governo, a rapidez em aprovar a MP se deve principalmente aos maus resultados dos estudantes no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), além do extenso tempo em que a pauta se encontrava em discussão no Congresso Nacional. A chamada reforma do Ensino Médio, após aprovada pelo Congresso Nacional no final do ano passado, não foi bem recebida por diversos setores da educação, movimentos sociais e entidades, e motivou o movimento de ocupação das escolas que levou alunos a ocuparem mais de 800 escolas no Paraná e outros estados, no ano passado. O texto da MP foi aprovado pelo Senado Federal na quarta-feira, 8 de fevereiro, por 43 a 13 votos e sancionada pelo presidente Michel Temer em 16 de fevereiro. Em seu discurso, Temer destacou que a reforma do Ensino Médio é debatida há mais de 20 anos e aprová-la significou uma demonstração de coragem e ousadia por parte de seu governo. A reforma aprovada permite que as escolas escolham como ocuparão 40% da carga horária dos três anos, o que será definido a partir dos “itinerários formativos” que cada escola deverá oferecer, sendo no mínimo um de cinco existentes: linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnico e profissional. Os outros 60% da carga horária serão CIDADANISTA

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EDUCAÇÃO | Reforma secundarista

ocupados pelo conteúdo mínimo obrigatório, de- a reforma não soluciona a questão da desmotivapendente da Base Nacional Curricular Comum, ção dos estudantes, uma vez que: “seguindo a lógiainda em discussão. As disciplinas de Português, ca adotada, o fracasso da escola deixa de ser pautaMatemática e Inglês serão obrigatórias, seguidas de do, uma vez que os, “itinerários formativos”, desviam Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física, sendo o foco da discussão. Se o estudante não aprende, a as quatro últimas inseridas como conteúdo, poden- culpa passa a ser dele/a, que não seguiu o caminho do assim, serem abordadas em outras disciplinas. mais adequado. E neste sentido, a desmotivação do Para entender a reforma sob outras pers- estudante é uma questão que permanece sem sopectivas, a Cidadanista ouviu professores da rede lução. Institui-se uma política de indução às Escolas pública, um especialista em educação e uma aluna de Ensino Médio em Tempo Integral, segundo um participante dos movimentos de ocupação. Os en- modelo que não contribui para a formação integral trevistados comentaram o teor autoritário da me- dos estudantes, mas que leva os jovens a continuadida, as dificuldades de implementação e o futuro rem seguindo por trilhas de exclusão.” acadêmico e profissional dos estudantes da rede Sobre o processo de implementação do pública de ensino. novo Ensino Médio, o professor de O Prof. Dr. em Educação, Sociologia Romário Hipólito comenJaime Farias Dresch, considera a ta que a proposta de mudança está reforma um retrocesso, critica a fadada ao fracasso, segundo ele. “A utilização do instrumento da MeMP desconsidera as condições de dida Provisória e rechaça a aprotrabalho do corpo docente. Não vação de um novo currículo para existe aluno valorizado com profeso Ensino Médio à revelia das dissor vivendo em péssimas condições, cussões sobre a Base Nacional Cotendo que pegar mais de um emmum Curricular (BNCC). Para ele, “a prego ou tendo como perspectiva urgência contrapõe-se ao caráter o abandono da carreira” e que “Difipedagógico das discussões sobre culdades estruturais permanecerão: o currículo, pois demonstra a preprédios por vezes sucateados ou ocupação em recuperar o caráter inadequados; professorado precaridual do Ensino Médio, como se zado; salas lotadas; ausência de funANA PAULA DE SOUZA, ESTUDANTE SECUNDARISTA estivéssemos assistindo a uma volcionários, tais como bibliotecários. ta ao passado.” Jaime destaca tamAbsurdo! A proposta é de que as bém que os problemas do Ensino Médio não estão coisas mudem para continuar do jeito que estão. (...) ligados apenas à falta de motivação dos alunos, diria que é pior para o professorado, para a demomas perpassam por outras problemáticas, como as cracia, para a formação dos jovens, enfim.” Romário desigualdades sociais: “(...) os chamados, “itinerários evidenciou também os prejuízos para a formação formativos”, funcionam tão somente como um eu- dos estudantes do ensino médio, destacando que femismo para a constituição de “trilhas de exclusão”, “(...) currículo fragmentado, formação parcelada e para usar uma expressão de Luiz Carlos de Freitas baixo investimento na área educacional, como tem (2008). Nesta etapa, o fracasso também está rela- sido regra, apresentará como resultado um jovem cionado aos efeitos das desigualdades sociais extre- sem saberes necessários para a inserção de modo mas de nossa sociedade. O estudante que ingressa adequado no mercado de trabalho.” no Ensino Médio hoje precisa superar as defasagens Já a professora Me. Joice do Prado Alves, no seu processo de escolarização, precisa superar a que leciona História na rede pública, destacou as falta de acesso aos bens culturais, dentro e fora da dificuldades para implementar o ensino integral escola, precisa lidar com a falta de perspectiva tanto e questionou as prováveis mudanças pelas quais no mundo do trabalho quanto no prosseguimento passarão os vestibulares e o ENEM. Para ela “Fisidos estudos em nível superior.” Além disso, para ele, camente todas as escolas terão que se adequar

“ QUANDO FOI QUE PERGUNTARAM O QUE GOSTARÍAMOS QUE A ESCOLA TIVESSE? “

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PODER OCUPADO A Assembléia legislativa deo Estado de São Paulo também foi ocupada por secundaristas. Os jovens se fazem ouvir para mudar o país.

ao que hoje chamamos de “ensino integral” o que, evidentemente, necessitará de verbas. Entretanto, essas foram extremamente limitadas com o fim dos royalties da Petrobrás e mais ainda agora com a aprovação da PEC 55. Além disso, como os vestibulares se adaptarão a essa nova forma de condensação das matérias? E o ENEM nesse contexto? Me parece que a grande dificuldade a ser vencida aqui é justamente a adequação rápida de todo um sistema educacional sem o tempo e sem diálogo necessário para que isso ocorra.” A Professora também comentou sobre os impactos na vida acadêmica e profissional dos alunos: “(...)o brasileiro que necessita da rede pública de ensino será preparado para o mercado de trabalho e não para a universidade. Apesar de ser um grande impacto para o cidadão, isso deve trazer uma solução positiva para um governo que precisa eliminar rapidamente o problema de uma sociedade diplomada e dispendiosa, mas desempregada. Suprindo principalmente a indústria, o Brasil reforça sua posição de terreno fértil para investimento estrangeiro por possuir uma sociedade que basicamente sabe trabalhar, mas que não sabe pensar abstratamente. (...) o Brasil quer formar aqueles que irão projetar um foguete que nos levará à Lua, ou irá fabricar eternamente as peças que outros países utilizarão em seus foguetes? Ao implementar uma reforma tão importante sem a devida discussão prévia, temo estarmos condenando toda uma geração de brasileiros”. COM A VOZ ELES, OS ESTUDANTES A estudante secundarista Ana Paula de Souza dos Santos, ativista do movimento estudantil que ocupou escolas em Porto Alegre-RS, comentou sobre as dificuldades no acesso ao ensino superior que, segundo ela, com a reforma irá agravar, uma vez que a disputa com os colégios particulares, que

não serão obrigados a se adequarem, será ainda mais desigual. Além disso, a estudante se indignou com a falta de diálogo do governo para com a comunidade escolar que não foi consultada para aprovação da MP: “Eu não quero ser apenas mais um número de matrícula, quero e devo ter o direito de opinar sobre o meu futuro. Ninguém foi na minha escola perguntar o que nós estudantes e nossos professores acham sobre a reforma. A reforma servirá para os tubarões da educação, mas não iremos aceitar nada sobre nós sem nós. Eles tem o poder e nós temos a luta. Queremos uma reforma que priorize a educação pública e que tenha consulta popular. Queremos uma educação emancipatória e igualitária”. Questionada sobre as ocupações, Ana Paula comentou sobre a experiência: eu sempre me questionei o que somos na escola, digo, somos alunos, mas qual nosso papel além de copiar do quadro e chegar no horário de entrada? Quando que tivemos espaço para debater o plano pedagógico? Quando foi que perguntaram o que gostaríamos que a escola tivesse? E todas essas perguntas foram respondidas quando ocupei a minha escola. (...) Falar sobre a ocupação é falar em superar medos e obstáculos, é falar sobre nosso empoderamento, é falar que nós e nossa escola nunca mais será a mesma. (...)Eu me senti eu mesma, coisa que no cotidiano da escola era muito difícil, digo, construímos um espaço livre de preconceitos e emancipatório, cada um podia ser o que era e ninguém iria falar nada. Debatemos sobre o machismo, racismo, lgbtfobia. E isso é necessário, não é bobagem. Para além disso, mostramos para o governo que não será fácil daqui em diante. Nós queremos debater sobre a educação porque ela nos pertence e é nosso direito ocupar esses espaços. A resistência segue sendo nosso norte.”

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Fotos divulgação

POLÍTICA | Entrevista Luiza Erundina

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ENTREVISTA EXCLUSIVA

JOVEM GUERREIRA No auge de seus 80 anos e com vontade de fazer política de fazer inveja a uma secundarista, Luiza Erundina fala sobre o prefeito de São Paulo, o movimento Raiz CIdadanista e de como a utopia dos velhos nas mãos dos jovens vai mudar nosso país.

por IVAN ZUMALDE

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POLÍTICA | Entrevista Luiza Erundina

O que a prefeitura atual está fazendo que você não faria? ERUNDINA: Olha, eu prefiro dizer o que eu faria, porque cada um tem o seu modo de ser, de agir, de se colocar como prefeito de uma cidade da importância, do porte e da responsabilidade dessa cidade. Mas, quando eu fui prefeita, há quase 30 anos, vou dizer o que fizemos... Primeiro, eu vim de um partido que não tinha experiência no Poder Executivo. E não era previsível a minha vitória eleitoral, nem o próprio PT acreditava que nós pudéssemos ganhar aquela eleição. Mas quando chegamos lá, nós tínhamos mais que um plano de governo. Nós tínhamos um plano de lutas, que era um plano de lutas de um partido de esquerda, que tinha nascido exatamente nas portas de fábrica, nos sindicatos, na periferia dos grandes centros urbanos, no campo, com a questão da reforma agrária. E do ponto de vista institucional, ainda tínhamos uma relação entre os Poderes que não era favorável para a instância local de governo com uma herança muito complicada que herdamos do governo anterior, e com uma demanda reprimida por serviços públicos, sobretudo nas áreas sociais. A partir dessa perspecitiva o que nós fizemos no início do governo – já entrando em paralelo com o que está se dando hoje – foi estabelecer um plano de 100 dias, tempo suficiente para que tivéssemos o conhecimento mais completo

e mais real do que tínhamos na mão para governar, seja do ponto de vista da sociedade, seja do ponto de vista do aparelho do estado e ainda com uma oposição na Câmara Municipal. Lembro que eu não consegui uma maioria na Câmara, governei os quatro anos sem muito apoio da Câmara. Portanto, ao invés de já lançar ações como o atual prefeito, que, ao meu ver, são muito mais factoides na tentativa de criar uma imagem, portanto, de criar uma coisa midiática, um marketing, a nossa proposta foi: vamos conhecer o tamanho da tarefa, vamos buscar dialogar com todos os segmentos da sociedade e também no âmbito interno de governo para construir unidade. Portanto, houve a necessidade de um tempo, com uma proposição muito concreta, bastante realista e dizendo: olha, nesses 100 primeiros dias, nós nos propomos a isto. E, no final dos 100 primeiros dias, nós fizemos uma plenária pública na Praça da Sé, prestando contas à cidade do que nós encontramos na Prefeitura, do que nós pretendíamos fazer e o que foi possível já implementar a partir dos 100 primeiros dias. Com isso, você estabelecia um canal de diálogo com a sociedade e, a partir daí, as decisões estratégicas, as decisões mais importantes de governo, tiveram a possibilidade de se fazer com ampla participação da sociedade civil, inclusive com o próprio governo contribuindo para a organização das próprias comunidades, inclusive a partir do marco do nosso governo, que era o método de gestão, um método de gestão realmente democrático, e para isso, nós criamos mecanismos de democracia direta e participativa propondo uma inversão de prioridades. Ou seja, ao invés de você focar os investimentos em grandes obras, tivemos que inverter as prioridades. Nós tivemos a coragem de interromper o funcionamento dessas obras, mas explicando à cidade por que nós estávamos interrompendo, que nós pretendíamos enfrentar determinadas metas, determinados compromissos da área da saúde, construindo hospitais, da área da educação, construindo escolas,

“ CRIAMOS MECANISMOS DE DEMOCRACIA DIRETA E PARTICIPATIVA “

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da área da cultura, da área de mobilidade. E foi exatamente o que fizemos no primeiro ano de governo, particularmente nos primeiros meses, dominar a máquina, o aparelho público, estabelecer organização interna e adequar as medidas de organização interna aos propósitos de um novo governo, que era diametralmente oposto às perspectivas de governo do governo do Estado . Acredita ser possível isso hoje? Um governo com uma gestão democrática mais direta e conectada com o cidadão? ERUNDINA: É sempre possível, depende da vontade do gestor de acreditar nisso e ser capaz de ousar. E ter paciência, não se faz via decreto: “faça-se isso” e se fará. Não é bem assim. Você tem que, inclusive, decidir as questões, no âmbito interno, dos atores que vão implementar aquela política. E aí, nós tínhamos uma prática intensa de reuniões com o primeiro escalão de governo. Todas as grandes decisões eram objeto de reuniões com todo o secretariado e, por sua vez, com os administradores regionais, que eram quem atuava na ponta das várias regiões da cidade, também tinham um nível de discussão, de participação, sem que isso atrapalhasse as decisões. E a responsabilidade de quem é o gestor, principalmente do que está na cabeça da gestão, é ser capaz de tomar uma decisão, tomar num momento certo e se responsabilizar por ela. E o que me dava segurança para tomar uma decisão, quando eu era obrigada a tomá-la, quase que individualmente, era me acercar de todas as informações, de todos os elementos, sobretudo dos especialistas em determinada matéria. Portanto, o governo tinha uma democracia interna muito forte, ao mesmo tempo que nós transferíamos tudo o que era possível transferir para as esferas locais, nas regiões administrativas da cidade, nós o fizemos. Inclusive, a proposta de reforma administrativa que nós encaminhamos à Câmara Municipal já criava as subprefeituras, mas com mais radicalidade, do ponto de vista de trans-

ferir para o poder local, ou seja, na instância regional, as decisões importantes para aquela região. Para que o cidadão pudesse ter participação e decidir diretamente sobre seu bairro? ERUNDINA: Exatamente. Principalmente na decisão das prioridades orçamentárias, na implementação das decisões, no acompanhamento da execução sanitária, na fiscalização e no controle das ações de governo naquela região. Enfim, fazer, por exemplo, o orçamento participativo em âmbito regional. Toda a gestão ocupada em decidir, ano após ano, o que fazer naquela região e, estabelecer, inclusive, a realidade para as pessoas: “olha, é possível fazer até ali, até ali não é possível fazer, não é possível atender a todas as demandas, o que vamos fazer primeiro e depois?” E, com isso, você empoderava o cidadão para que ele, ao opinar sobre uma determinada decisão ou questão da sua região, ele estava instrumentalizado, ele estava bem informado, ele era capaz de opinar com segurança e com capacidade de acertar na sua posição. E ao mesmo tempo, exercendo a sua cidadania, a sua cidadania participativa de exercício de poder.

“ É PRECISO TER SENSIBILIDADE PARA PERCEBER O QUE FOI BOM PARA A CIDADE “

E em relação a duas questões mais recentes da atual gestão, como a questão do grafite e a do limite de velocidade nas marginais. O que acha que ocorreu? ERUNDINA: Faltou diálogo e houve uma pressa muito grande, e uma negação daquilo que estava sendo executado na cidade, vivenciado na cidade, sem um julgamento mais criterioso a respeito daquilo que estava sendo feito. Isso é uma cultura muito antiga, de negar aquilo que o outro estava fazendo, o que as outras gestões fizeram, só porque você tá chegando agora e tem uma proposta melhor ou “a proposta”. Mas precisava de um respeito, porque as conquistas e os acertos não foram do prefeito que saiu ou da gestão que acabou. Também os erros não são só dele. É preciso ter sensibilidade para perCIDADANISTA

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POLÍTICA | Entrevista Luiza Erundina

ceber o que foi bom para a cidade e o que a cidade construiu. Acredita que o atual prefeito teve sensibilidade para ouvir as ruas durante a campanha? O que a candidata Erundina ouviu durante a campanha pela prefeitura de São Paulo? ERUNDINA: O resultado eleitoral, por exemplo, mostrou um grande número de abstenções, de votos em branco, de votos nulos. E o fato de que o prefeito foi eleito com menos votos em comparação ao número de votos dos que não firmaram sua posição na eleição, ou foram em branco, ou por abstenção ou por rejeição, revela um sentimento de absoluto descrédito, de absoluta falta de expectativa em relação às propostas que estavam em debate. E isso explica de certa forma o resultado, logo no primeiro turno, como alguém absolutamente desconhecido e dialogando com o senso comum encampou o sentimento de negação do político, da política. Ele ganhou porque incorporou esse discurso. Certamente tinha muitas pesquisas qualitativas sondando a opinião das pessoas, no curso mesmo campanha, durante as falas e debates e ele captou, evidentemente, um sentimento de rejeição, de ojeriza à política e de negação da política, de repúdio à toda figura pública que tivesse um passado político, por melhor que ele tenha sido, por mais positivo que ele tenha sido, ele entrava nesse rol da negação da política e do político. Eu enfrentei isso nos debates com o então candidato. Eu disse: olha, não é verdade que você não seja político. Até a sua atitude de negação da política é política. Mas essa foi a “marca” do que a gente constatou. É uma negação absoluta da política. É um descrédito absoluto, a desqualificação da política como sendo algo ruim, cheio de oportunistas e de interesseiros. Isso é ruim para a sociedade, quer dizer, isso é ruim para a democracia.

Como ex-petista, acredita que parte desse desalento da população pela política foi em razão da derrocada do PT? ERUNDINA: É um momento de “terra arrasada”, de experiências frustradoras e frustradas, inclusive em relação à força política que gerou muita expectativa, que foi realmente um sonho que alimentou muita gente, que é o caso do Partido dos Trabalhadores, que vem de uma trajetória muito importante do ponto de vista da construção de uma organização política de base, realmente de base popular, e que formou muita gente no curso de sua existência de 35 anos e formou lideranças políticas e sindicais populares, na cidade e no campo. Portanto foi algo de fato, genuinamente brasileiro incorporando o que tinha de melhor na sociedade brasileira da época e, de fato, conscientizando politicamente, educando politicamente, formando novas lideranças, e que isso representou uma verdadeira “primavera política” no país, convivendo, evidentemente, com as outras forças de esquerda, mais tradicionais, mais convencionais, como os ditos partidos comunistas ou mesmo o partido socialista. Mas o novo era aquela experiência que nascia após uma ditadura de 21 anos. Muitos dos que construíram o PT vinham da luta de resistência à ditadura, mas criando uma nova proposta de sociedade, uma nova proposta de governo, uma nova proposta de partido, uma nova cultura política, formando novos quadros e organizando esses segmentos populares nas suas bases, nos núcleos de base do PT, seja nos locais de trabalho, seja nos sindicatos, seja no local de residência.

“ VIEMOS DA LUTA DE RESISTÊNCIA À DITADURA, MAS CRIANDO UMA NOVA PROPOSTA “

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E hoje? Acha que o partido acabou se desarticulando e perdendo a conexão com sua história, com suas bases? ERUNDINA: Exatamente, e perdeu junto a ligação com outros segmentos, como as comunidades eclesiais de base da Igreja católica, que tiveram papel fundamental na construção do Partido


dos Trabalhadores. Perdeu também com o movimento sindical bastante combativo e revigorado da luta de resistência à ditadura que reconquistou a liberdade democrática na organização autônoma e independente dos trabalhadores. Havia de fato situação e oposição sindical verdadeira naquela época. Além disso, tem o fato de o Partido dos Trabalhadores ter assumido o poder institucional, não só no âmbito do Legislativo, elegendo vereadores, deputados estaduais, deputados federais, alguns senadores, mas também no plano do Executivo elegendo prefeitos, governadores, e chegando à Presidência da República com Lula. Tudo isso condicionou uma mudança. Eu acho que essa mudança, aliás, acelerou a perda daquele projeto democrático-popular com a vocação de esquerda, a vocação socialista que envolvia desde os cristãos até os que vieram do exílio. O PT tinha uma riqueza enorme que, quando optou pelo poder institucional, mobilizando todas as suas lideranças, todas as suas energias, todos os seus sonhos para eleger o Lula, isso contribuiu para que o partido se distanciasse de suas reais bases e lutas. E os governos Lula e Dilma, particularmente nos governos Lula, embora tivessem políticas importantes, conquistas importantes para o povo, tiveram também que fazer muitas concessões e essas concessões terminaram não contribuindo para preservar a base organizada que o Partido dos Trabalhadores havia construído. Eu costumo dizer que, desde o primeiro governo Lula, passando também pelos governos Dilma, mas sobretudo nos governos do Lula houve uma domesticação do movimento sindical. O movimento sindical, como passou a ter muita facilidade no diálogo com o governo, com o presidente da República, que também tinha sido uma liderança sindical, conseguiu negociar os interesses dos trabalhadores, mas sem que aqueles resultados viessem como fruto da luta. E, tanto foi assim que acabou com a oposição sindical. Hoje, não tem mais situação nem oposição sindical, o 1º de Maio representa grandes lutas, mas sem nenhuma palavra de ordem.

E mediante essa situação como enxerga o futuro para a esquerda? Sem sindicatos fortes, com a influência da mídia e a tendência de uma política neoliberal, qual seria, na sua opinião, uma saída para a “terra arrasada” de hoje? ERUNDINA: Essa realidade não é só do Brasil, embora o Brasil tenha as suas peculiaridades e seus aspectos muito próprios, singulares a nós. Mas acho que isso é uma realidade do mundo. O esgotamento de um modelo, inclusive do ponto de vista econômico, do ponto de vista social, do ponto de vista político, e da necessidade de uma outra cultura política, de outros paradigmas para a política. Daí, por que faz sentido as experiências que estão emergindo, na Europa como o Podemos e no Brasil, como a Raiz que é um embrião e que em razão disso encontra dificuldades na construção desse novo caminho, que é inspirado em uma outra ética, em uma outra filosofia e que bebe na fonte daquilo que há de mais civilizatório. O nosso drama é justamente trazer conosco esse padrão antigo, convencional, formalista e que dificulta essa nova visão. Talvez, os mais jovens, que são menos condicionados a essa visão da política convencional, da política tradicional, das instituições e da forma de convivência entre as pessoas, consigam trazer algo novo. Eu, que já vivi mais tempo, percebo como é que se dá a história na humanidade. São ciclos de histórias sociais e são ciclos que têm seu começo, meio e fim. Só que o fim não é um fim que termina no início desse ciclo, pela espiral dialética da história. Eu estou imaginando que nós estamos vivendo o fim de um ciclo, que não retorna ao marco zero dele, mas ele retorna potencializado para começar um novo, que a gente não nasceu ainda, mas ainda está muito pesado o ciclo anterior, não morreu ainda, está estrebuchando, e o novo ainda não remexeu, e o novo ainda vem ainda muito misturado com esse velho. E isso torna as coisas muito difíceis, e esse início da Raiz eu vejo bem isso. De repente,

“ NÓS ESTAMOS VIVENDO O FIM DE UM CICLO QUE NÃO RETORNA AO MARCO ZERO ”

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POLÍTICA | Entrevista Luiza Erundina

a gente ainda tá muito sensibilizado ou coagido inspirado por um vulto, por exemplo, o tempo projetado para uma sociedade socialista. O sonho do socialismo me alimenta ainda hoje, sempre me alimentou, não como uma perspectiva que eu realizasse no meu tempo de vida, porque o socialismo é um modo de existência, a meu ver. É um Ecossocialismo, é uma nova projeção do que poderá vir a ser como inspiração existencial, é um modo de conviver com o mundo, com a natureza, com os outros, com o diferente, com o diverso. É algo muito rico, muito esperançoso o que está nascendo, mas ainda é algo muito embrionário, muito misturado com o antigo. De repente, a gente está querendo impor padrões que já estão velhos demais e mistura-los com o novo que ainda não está em si mesmo explicitado. E, como não se exercitou suficientemente a generosidade, a capacidade de perceber no outro aquilo que é verdadeiro e aquilo que pode me enriquecer e me complementar, isso gera choques e conflitos. Por isso que a Raiz é, a meu ver, um sonho que a gente não vai alcançar a curto prazo e cuidado para a gente não misturar com a perspectiva velha, antiga e rançosa do poder. Porque o poder é uma das coisas que mais atrapalha o ser humano. Ele é necessário, é um teste de disputa para fazer valer aquilo em que a gente acredita. Mas o processo de disputa de poder e construção de hegemonia mata qualquer coisa que é nova, que é generosa, que é libertária.

quenos, generalizando os partidos menores só pelo número de mandatos que eles têm ou ainda para diminuir a representação dos partidos por agrupamentos. Mas não seria exatamente neste momento de crise e de necessidade da sociedade pelo novo que a Raiz poderia se tornar uma ferramenta institucional importante ao se legitimar como um partido? ERUNDINA: Eu defendi muito, no início, o partido. Porque acho que tem que disputar muito o poder; sem o poder, como é que você vai implantar a justiça social? E acredito que não tem que tirar do horizonte da Raiz a perspectiva de um dia se tornar um instrumento de disputa política, no sentido da conquista do poder, isso tem que ser preservado. Mas se a gente já se encastela, se estratifica, se amarra a um modelo de partido que, necessariamente, tem que corresponder aos marcos de uma legislação antiga, velha, que está sendo contestada, isto é, a gente corre o risco de fortalecer essa estrutura de partido, porque você está se subordinando às determinações legais que existem aí, podendo, com isso, matar o movimento popular, ou seja, a Raiz enquanto movimento.

“ A RAIZ É UM SONHO QUE A GENTE NÃO VAI ALCANÇAR A CURTO PRAZO “

Nessa linha de pensamento, você acredita que a Raiz deveria, pelo menos neste momento, ter um outro foco que não o da legalização como partido político? ERUNDINA: Eu acredito que sim. Até porque nós estamos para enfrentar uma reforma política, que é justamente no sentido da não renovação, de não deixar espaço para o diferente. É mais pela preservação do poder instaurado e hegemônico que já está ali... ERUNDINA: Exatamente, para eliminar os pe52 CIDADANISTA

E como acha que a Raiz vai crescer enquanto movimento? De que maneira? ERUNDINA: Eu acho que é mais com os jovens e com um viés cultural forte. Com o protagonismo do ponto de vista da cultura do lado do seu tempo, criando novos paradigmas, novos parâmetros de comportamento, novas formas de convivência. Radicalmente oposto a tudo o que está aí. Como enxerga alguns dos pilares da Raiz como a Carta Cidadanista, o Ecossocialismo, o Ubuntu e o Teko Porã sendo compreendidos e incorporados pelas pessoas? ERUNDINA: Tudo isso é uma filosofia. E esses valores são concepções, são ideologias, que precisamos incorporar naturalmente. Daqui a pouco,


a gente não precisa mais nem denominá-los, porque você está tão embebido deles, está tão identificado com eles, que os seus gestos, a sua forma de ser, sua visão de mundo acaba transmitindo essa filosofia. No final, se torna um princípio seu. Mas isso leva um tempo, né? Voltando à questão partidária, como foi sua experiência na filiação democrática entre a Raiz e o PSOL pela campanha municipal? ERUNDINA: Existiu uma mútua cobrança e eu vivi isso durante a campanha. A opinião pública me cobrava em todas as sabatinas pelas quais eu passei, primeiro perguntando: “como é que é isso? Você saiu de um partido, está entrando em outro, e teve um outro” e, ao mesmo tempo, na Raiz: “como é que é?, você não está vindo aqui ajudar a fazer a campanha de filiação?”, e eu vivia no meio. Portanto, não é que não vai ter um momento em que vai dar certo, se a gente, um dia, conseguir eleger alguém efetivamente com o espírito da Raiz, mesmo sendo num outro espaço, esse nosso espírito vai contaminar onde a gente estiver. Mas, ainda é tão recente, nós ainda não nos imbuímos com todos esses valores que estão na Carta Cidadanista, que é uma das coisas mais belas que a gente conseguiu construir e ainda pela forma como foi construída. Não foi uma meia dúzia em uma mesa que fez aquilo. Aquilo lá foi uma experiência de participação democrática, aberta, plural, sem se disputar nada, mas, ao mesmo tempo, construindo ideias, reformulando ideias. Aquilo foi uma experiência Ubuntu. Ao meu ver, a Carta Cidadanista é um produto de uma experiência Ubuntu, de uma experiência extemporânea. Por isso que ela subsiste, apesar das nossas diferenças, das nossas limitações, das nossas pobrezas. E eu estava junto construindo a carta e eu continuo.

um espaço, que nos possibilite inclusive, errar, que nos permita testar, sem estar preso a agenda, sem estar preso a determinados objetivos, sem estar preso a determinadas pessoas. Eu sei que não é fácil, mas a revolução que está na proposta da Raiz traz exatamente a possibilidade de romper com esses parâmetros, esses paradigmas, esse modelo velho que está incorporado a nós, independente da idade. Agora, nós, que somos mais velhos, temos muito mais dificuldades que os jovens, como despojar-se da segurança daquilo que acha que é verdadeiro, que é “a resposta”, que é “o certo”, é o modo certo, é o modelo certo, Não vamos ser o melhor para ninguém, nem o maior, nem o menor, nem o mais perfeito, nem o mais verdadeiro, não. É algo que a gente está buscando. Todos nós estamos buscando, quem não está buscando? E, de repente, milhares de pessoas em rede foram às reuniões presenciais para produzir aquela visão coletiva de algo muito belo. Todo mundo que lê a Carta Cidadanista fica tocado. Mas só quando chega na realidade, de como aquilo está se dando no concreto, aí, se frustra.

“ A CARTA (CIDADANISTA) É UM PRODUTO DE UMA EXPERIÊNCIA UBUNTU “

E como essa experiência pode determinar a relação das pessoas com a Raiz daqui para frente? ERUNDINA: Todos deveriam ver como uma oportunidade de aprender, tem que se permitir

Acredita que ainda não estamos prontos como indivíduos para colocar em prática um modelo como este? ERUNDINA: A proposta da Raiz nos forma individualmente e nos prepara para viver em sociedade, coletivamente, para construir modelo de governo, modelo de organização política, de organização social como algo desafiador. E vale a pena dedicar tempo nisso e eu estou aberta para participar. E como vê essa sua participação na Raiz hoje? Ir lá quando eu tiver possibilidade de ir, sem dúvida. Mas eu sempre resisti, quando quiseram me colocar em coordenação geral, “pelo amor de Deus, não me coloca em coordenação geral ou presidência de não sei o quê!” Porque com isso, você reproduz o velho, você só cumpre o velho quando você se nega a repetir o velho. CIDADANISTA

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POLÍTICA | Entrevista Luiza Erundina

Fale para nós sobre seu mandato como deputada federal pelo PSOL e como é sua atuação na bancada em Brasília? ERUNDINA: Eu tenho um mandato pelo PSOL e uma disciplina partidária a cumprir. Estamos isolados e tentando sobreviver lá em Brasília. Resistir, resistir e resistir para evitar o pior. Inclusive para sobreviver. Eu enfrentei uma disputa para Presidência da Câmara e ficamos só nós, o que é muito ruim na política. Mas você vai fazer o quê? Vai se juntar com o outro só pra não ficar isolado? Você não pode optar por uma posição só para não se ficar só, não, isso não pode. Não ser suficientemente forte e suficiente para justificar que você vá com alguém só para você não ficar só, o que é isso?

6º da Constituição diz: “a Constituição poderá ser emendada mediante proposta...” E o Parágrafo 4º diz “...a Constituição não poderá ser emendada na vigência de Interferência Federal, Estado de Defesa...”, enfim, tem várias situações. E o Parágrafo reforça claramente “...não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir”, e o artigo segue argumento o que uma proposta de emenda não pode abolir “...o voto secreto, universal e periódico, asseveração dos poderes, os direitos e garantias individuais”. Neste ponto faltaram os direitos sociais. Então, a PEC inclui o Inciso 5º no Parágrafo 4º do Artigo 6º, exatamente tornando os direitos sociais cláusulas pétreas.

“ ESTAMOS ISOLADOS E TENTANTO SOBREVIVER LÁ EM BRASÍLIA “

E seu projeto da PEC dos direitos sociais? Qual o objetivo? ERUNDINA: A PEC corrige uma deficiência do próprio dispositivo constitucional a respeito das cláusulas pétreas da Constituição, que são os direitos individuais e os direitos sociais. Quando a Constituição explicitou que a condição de que determinados direitos não podem ser alterados via emenda constitucional, quer dizer que não podem ser alterados por causa pró, são direitos fundamentais, são direitos individuais e são direitos sociais. Quando foi explicitado como garantia, não podem ser objetos de medidas, de alterações por via de regulações ordinárias ou regulações complementares, ficaram faltando os direitos sociais. O Artigo 6º da Constituição estabelece os direitos fundamentais, que são os direitos individuais e os direitos sociais e no Artigo 6º constam os direitos sociais, mas quando se disciplinou que esses artigos não podem ser alterados por outra via constitucional, só se colocaram os direitos individuais, isso no Artigo 6º. E essa PEC, inclui, não somente os direitos individuais, como inclui outro Inciso com os direitos sociais. Como são direitos fundamentais, são direitos considerados como cláusulas pétreas, não podem mexer. E as questões sociais não estão previstas aí. O Artigo 54 CIDADANISTA

E isso impediria, por exemplo, a PEC do teto que foi votada recentemente? ERUNDINA: Exato.

E como deve seguir o processo agora? ERUNDINA: Se essa PEC for aprovada, vai para a Comissão da Pessoa e Justiça. Está na mesa do diretor da casa desde dezembro quando encaminhei a entrada. É provavel que no mês de maio vá para a Comissão da Pessoa e Justiça, porque é até este momento que a comissão é constituída com as novas direções funcionando. A partir desse ponto, começa a tramitar e então passa pela Comissão da Pessoa e Justiça e depois é preciso passar pelo Plenário, com duas votações em dois turnos, tanto na Câmara quanto no Senado. Se a gente tivesse, por exemplo, a sociedade mais mobilizada, seria mais fácil aprovar. Acha que falta mobilização por causas concretas ou conscientização política do povo? ERUNDINA: Falta força de uma identidade, quer dizer, do povo como um coletivo em torno de algo que os una. A luta por moradia, por exemplo. Num dado momento nesse movimento, uma das propostas não era a conquista da propriedade individual, era a conquista da propriedade coletiva. Porque quando você conquista a propriedade


individual, você tem um papel que te dá a posse daquele pedaço de chão ou daquele barraco, ou da casa, você perde o interesse e você passa a concorrer com os seus companheiros numa visão individualista. Por isso é que a Raiz tem uma dimensão com essa compreensão da coletividade, da solidariedade, do comunitarismo que faz romper no cidadão comum os valores capitalistas e que acaba vivendo de acordo com esses valores capitalistas. Por isso que a força na Raiz é fazer chegar a essa dimensão da ética, da filosofia, da compreensão do outro, sobre o que o outro, sobre o Bem Viver, sobre como viver com o outro. E tudo isso é formativo, educativo, essa é a força que a Raiz tem que ser, um espaço de formação política, de orientação política, de educação política, em cima do concreto das coisas. Tem esperança que isso aconteça em breve? ERUNDINA: Eu sou uma pessoa muito otimista. Quando eu vejo que essa crise é uma crise de evolução da realidade humana, eu tenho esperança, porque nós não estamos negando essa realidade.

migo. É preciso compreender que continua, uma energia que é uma energia após a morte. O meu livro é muito pequenininho e quem já viveu muito como eu percebe como é efêmero, como é provisório, como é muito pequeno você se firmar como aquele que dá a esperança para os outros. Se eu ficar com esperança do tamanho de vida que eu tenho hoje, acabou a minha esperança. E eu não quero perder a esperança. A esperança está na cauda das gerações, por isso que eu tenho tanto anseio de ver os jovens protagonizando a história, assumindo a história, indo em frente. Por isso que às vezes eu me recuso a estar à frente, eu não quero estar na dianteira, senão eu atrapalho o passo do futuro e tenho consciência que o jovem vai assumir a história. Mesmo quando acham que eu tenho mais experiência, que tenho mais sabedoria. Não, não é nada disso. Eu tenho que empurrar os jovens, que são os que sempre sonharam, que são a utopia, que é a mesma que a minha, só que, agora, nas mãos deles.

“ TEM QUE SER UMA UTOPIA QUE SE PROJETE PARA ALÉM DO SEU TEMPO DE VIDA“

Mas não dá pressa de ver a realidade mudar? ERUNDINA: Pois é, dá pressa, mas, você não vive no tempo do seu sonho. Não se pode esgotar no seu tempo de vida, seja realizando ou frustrando esse sonho. Tem que ser uma utopia que se projete para além do seu tempo de vida. E isso vai te dando uma resiliência consigo mesmo em relação a esse sonho, um exercício de paciência. No final, se você consegue concretizar um sonho ou uma utopia durante o seu tempo de vida, então não é mais sonho ou utopia, é uma meta que você atingiu. E isso é muito pobre para a vida que a gente acredita. A transcendência da existência você não mede pelo seu tempo de vida, mede pelo tempo da história. O tempo da história é de séculos e milênios e é por isso que o sentimento de coletivo é muito forte dentro de nós; eu não vivo sozinha no mundo, o mundo não termina comigo. Aquilo que é vida, aquilo que é essência não acaba co-

Luiza Erundina foi prefeita da cidade de São Paulo e é cofundadora a Raiz - Movimento Cidadanista. Atualmente exerce mandato de deputada federal pelo PSOL. CIDADANISTA

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Fotos divulgação

POLÍTICA | Mandato coletivo

Um mandato coletivo

Num pequeno município de Goiás, cinco pessoas ocupam conjuntamente um mandato de vereador. Querem mudar a política por dentro do Legislativo e para além dele, promovendo a mobilização cidadã

T

por VITOR TAVEIRA

empos difíceis para os sonhadores. As eleições de 2016 sacramentaram uma derrota acachapante para o campo progressista. Mas também nos tempos de escuridão é que pequenas luzes podem brilhar mais e indicar caminhos até então desconhecidos. Um deles foi a iniciativa do Mandato Coletivo, que conseguiu ser eleito para a Câmara Municipal de Alto Paraíso, município de Goiás. Cidade conhecida pelas belezas naturais da Chapada dos Veadeiros e por atrair turistas e também novos moradores em busca da tranquilidade e misticismo da região, agora é berço de uma experiência que pode inspirar novas iniciativas Brasil adentro. A proposta política surgiu em São Paulo a 56 CIDADANISTA

partir do Movimento Ecofederalista, de caráter anarquista, e foi levada ao município goiano por João Yuji. “O Movimento Ecofederalista foi criado com a finalidade de ser um núcleo de coesão ideológica suprapartidário com princípios e diretrizes simples, objetivos pragmáticos e revolucionários, e que ocupe espaços em todos os partidos políticos”. Assim, João buscou pessoas com perfil que pudessem se interessar por uma experiência como essa. Ivan Diniz, artista e guia turístico, Luiz Paulo Veiga, empresário na área de turismo, a bióloga Laryssa Galantini e Sat Om, mestre em Química e pesquisador em Agroecologia da UnB Cerrado, toparam a empreitada. O grupo se juntou e cada um ficou responsá-


UM POR TODOS E TODOS POR UM O eleito foi João Yuji (de camiseta verde ao centro e no fundo), mas o mandato é de todos. Decisões compartilhadas, consenso e conexão com a comunidade são as premissas para renovar uma política desgastada e retrógrada.

vel por uma área, correspondente a seu campo de atuação e experiência: João na parte jurídica, Ivan em cultura e eventos, Laryssa em meio ambiente, Luiz em turismo e Sat em educação e agroecologia. “Estas áreas não foram definidas e sim foram incorporadas pelo reconhecido trabalho de cada integrante. Assim durante o mandato daremos continuidade às nossas antigas ações, de representação de segmentos (guias, pousadeiros, professores e educadores, ambientalistas, agricultores familiares, etc). e seus anseios”, explica o professor Sat. UMA GESTÃO COLETIVA A proposta do mandato coletivo de ampliar o conceito de representação política esbarra na rígida legislação eleitoral da democracia representativa brasileira. O desafio começou com a eleição de como seria a candidatura, no que o grupo foi pragmático e conseguiu se eleger numa coligação de partidos, concorrendo pelo PTN, partido que acolheu a proposta. No papel, a candidatura não diferia de qualquer outra, pois leva no registro o nome de João Yuji e o número designado no partido. Durante a campanha tiveram que preparar o material explicando que ao votar no número correspondente apareceria o nome e foto de João, mas que o voto era para o Mandato Coletivo.

Na prática, o grupo construiu e assinou um documento entre todos que regulamentou os trabalhos do grupo integrante do mandato: todas as decisões são tomadas coletivamente, buscando sempre o consenso e votando apenas quando esgotadas as possibilidades de alcançá-lo. “A tomada de decisões dentro do Mandato Coletivo tem sido de forma democrática, cada um tem espaço e tempo para expor suas colocações, dúvidas e encaminhamentos. Procuramos nos reunir semanalmente para ajustar as agendas, e fazer planejamento”, explica Sat. No caso da participação em comissões, debates e votações no plenário, João é quem representa o grupo, já que pela lei apenas ele seria o “portador” do mandato. Porém as decisões são feitas entre todos. Em caso de votações surpresa, sem tempo para reuniões prévias, os outros integrantes do Mandato Coletivo opinariam sobre o voto do mandato levantando a mão, já que acompanham as sessões da Câmara como é direito de qualquer cidadão. Segundo João Yuji, o grupo pretende legitimar no regimento interno da Câmara a oficialização do Mandato Coletivo, porém relata que logo de início há algumas dificuldades na relação com outros mandatários, mostrando que a proposta inovadora incomodou a política mais tradicional. “Os vereadores da legislatura anterior criaram entraves para nós no regimento interno no apagar das luzes, e os vereadores atuais nos tratam como inimigos, vetando nossa participação nas comissões importantes e nas reuniões dos vereadores fora das sessões”. O mandato atualmente ocupa a Presidência da Comissão de Participação Popular e a relatoria da Comissão de Obras, Serviços Públicos e Atividades Privadas. Para reverter a situação, o grupo pretende reforçar a participação popular, incentivado a presença da cidadania na Câmara durante as sessões. Além disso, o mandato promoveu em fevereiro um curso sobre elaboração de projetos de lei e funcionamento da Câmara Municipal. “O apoio popular, a pressão política do povo, e a instrução do povo sobre o funcionamento das instituições são imprescindíveis para o sucesso do mandato”, justifica Yuji. Laryssa Galantini aponta as prioridades definidas pelo grupo para sua atuação no ParlamenCIDADANISTA

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POLÍTICA | Mandato coletivo

Para ler a matéria completa, fotografe o código ao lado ou acesse raiz.org.br

to: “Nossos eixos de trabalho são principalmente aqueles voltados para o fortalecimento da Câmara Legislativa, aumento da participação popular nas sessões, elaboração de projetos de lei que fortaleçam iniciativas populares, diminuição da desigualdade social, endurecimento das leis ambientais e leis que favoreçam uma economia forte e sustentável”. Para dar apoio ao projeto, também estão sendo estruturados grupos de trabalho (GTs) para as áreas financeira e de comunicação. PARA ALÉM DA INSTITUCIONALIDADE Além de trazer a população para dentro do Parlamento, o Mandato Coletivo também planeja se expandir para além do institucional, apoiando e participando de iniciativas que fortaleçam a cidadania e a atuação conjunta de entidades da cidade em busca de um bem comum por meio de ações educativas, ambientais, culturais ou sociais. A primeira dessas ações ocorreu no dia 4 de fevereiro, com a realização do primeiro Mutirão do Paraíso, junto com outras organizações, com objetivo de revitalizar o espaço público por meio da reforma de uma das praças da cidade. Cerca de 100 pessoas passaram durante o dia para ajudar em alguma função, como pintar bancos, plantar mudas, revitalizar o coreto e os brinquedos das crianças. “Estabelecemos que todo segundo fim de semana de cada mês será realizado esse tipo de atividade. Ainda este ano, pretendemos revitalizar outros espaços, plantar mudas em áreas de nascente, realizar e apoiar eventos culturais para jovens e crianças. Portanto, temos muito trabalho pela frente!”, afirma Laryssa O grupo ainda realiza mobilização junto a diversas entidades buscando ampliar o diálogo com segmentos da sociedade civil para poder encaminhar suas demandas no Legislativo municipal e incentivar que assumam cadeiras como representantes nos diversos conselhos municipais. Em Alto Paraíso, o salário de vereador é de R$ 5 mil reais e não conta com verba para assessores. Como o trabalho é dividido e cada integrante do mandato continua em suas funções anteriores, o grupo trabalha de forma voluntária e destina esse recurso para apoiar e fortalecer as ações da cidadania. De acordo com João, além de cobrir alguns 58 CIDADANISTA

É DIA DE POLÍTICO CUIDAR DA PRAÇA Entre as ações junto à comunidade, estão atividades de revitalização do espaço público em praças da cidade.

custos operacionais dos projetos e as despesas necessárias para a boa comunicação do mandato, o foco do recurso é apoiar iniciativas que fortaleçam a autogestão popular das atribuições que são do Estado e das grandes empresas, com o intuito de extinguir a longo prazo sua necessidade. SUPERAR A VELHA POLÍTICA João Yuji afirma que o Mandato Coletivo de Alto Paraíso pretende se articular com outras iniciativas similares em outras localidades. Se tiver sucesso nesse pequeno município goiano, a iniciativa pode crescer em Alto Paraíso e o exemplo pode se expandir para outros lugares. “O espaço que abrimos instruindo o povo sobre o funcionamento da máquina pública o traz para mais perto da política, escancarando as mazelas da velha política, e a consciência sobre a forma de funcionamento da máquina atrai mais pessoas bem intencionadas para atuar neste meio”, considera Yuji. Para ele, o objetivo fundamental é manter a cadeira ocupada na Câmara e expandir este espaço em 2020, renovando os mandatários e mantendo a proposta do mandato coletivo. Para saber das ações do Mandato Coletivo, acompanhe a fanpage: facebook.com/mandatocoletivoaltoparaiso.


Inovação política

Você conhece a sociocracia?

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sociocracia é uma ferramenta de governança da engenharia social contemporânea que vem sendo utilizada em diversos processos de autogestão em organizações sociais, comunidades intencionais, redes. Recentemente foi lançado um manual em espanhol elaborado pela brasileira Henny Freitas, que é coordenadora no Brasil do Conselho de Assentamentos Sustentáveis da América Latina (CASA). Confira a entrevista concedida por Henny à Cidadanista. Atualmente vivemos uma crise muito grande de representação na sociedade. Que respostas a proposta da sociocracia pode dar a essa situação? A sociocracia vê as instituições políticas como organismos vivos e tal qual seus governantes também nascem, amadurecem e se transformam. Trata-se, portanto, de uma governança dinâmica que vai se adaptando e se moldando de acordo à sua utilização, permitindo que tanto um grupo de pessoas como instituições maiores e até mesmo multinacionais e organizações governamentais se auto-organizem e se autorregulem em base à inteligência coletiva para tomar decisões e serem retroalimentadas a partir da coparticipação e corresponsabilidade dos seus membros. Algumas propostas chamam a atenção, como organização circular, eleições sem candidato, decisões por consentimento. Poderia explicar as vantagens de adotar esses métodos?

Organizações circulares são mais antigas do que parecem. Comunidades tradicionais, a exemplo de algumas etnias indígenas, ainda se reúnem e tomam decisões sentadas em círculos. Para elas não existe hierarquia. Já para nós, ocidentais, essa é uma forma de inclusão social no que se refere à distribuição equitativa do poder, à transparência na forma com que as decisões são tomadas e à consequente eficácia dessas decisões. Decisões por consentimento, por sua vez, são aquelas onde já não existem mais objeções. Elas não precisam ser perfeitas, basta que sejam boas o suficiente para o momento e seguras o suficiente para serem implementadas. A vantagem dessa metodologia é que todo o processo se faz conjunta e colaborativamente e todos e todas têm voz ativa. Teria exemplos de usos práticos da sociocracia? Que entidades, organizações ou coletivos que conhece se articulam por meio dela e tenham experiências legais? A sociocracia é bastante praticada e difundida na Holanda, local onde primeiro foi trazida para o contexto da organização empresarial. No Conselho de Assentamentos Sustentáveis da América Latina (CASA), toda a rede latino-americana se articula através de círculos e trabalha com aspectos da sociocracia. Essa é a forma que encontramos para articular, fortalecer, criar e dar visibilidade às ações de redes nacionais e regionais latino-americanas com exemplos vivos que inspiram, promovem, investigam e difundem estilos de vida intencionalmente sustentáveis e regenerativos que resgatam e regeneram sistemas ecológicos, econômicos e sociais, considerados vitais para garantir a sobrevivência humana na Terra.

Para baixar o manual entre em raiz.org.br/manualsociocracia. CIDADANISTA

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FRUTOS | Vamos nos encontrar

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Célio Turino é historiador, escritor e gestor de políticas públicas. Foi idealizador e gestor do programa Cultura Viva e dos Pontos de Cultura, tendo exercido diversas funções públicas. É cofundador da Raiz Movimento Cidadanista

por CÉLIO TURINO

Vamos nos encontrar? CONVERGÊNCIA CIDADÃ

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rasileiros e brasileiras. Um encontro do povo: índios, negras, brancos, amarelas, pardos, mamelucas, cafuzos, mestiças; mulheres, homens, gays, lésbicas, gênero, cisgênero e transgênero, de todas as cores, idades e identidades. Um encontro do povo que trabalha, estuda, brinca, produz, sonha, luta, vive e ama. Vamos nos encontrar? Mais uma vez, nosso país vive um ambiente de insatisfação letárgica. Acordamos em protestos e logo retornamos ao sono profundo, em um claro sinal de letargia econômica, social, ética, política e cultural. Nós nos colocamos e deixamos que nos colocassem neste estado de prolongada inconsciência. Agora precisamos sair dele. Precisamos reagir! E temos meios para isso, temos força, inteligência, inventividade e coragem. Nada justifica seguirmos sendo moídos, estraçalhados e comidos. Por isso precisamos encontrar um rumo, um futuro. Precisamos nos encontrar! Mas jamais encontraremos um rumo se per60 CIDADANISTA

mitirmos que os mesmos de sempre continuem nos apontando o caminho. Esses já mostraram do que são capazes (ou incapazes). Não cabe segui-los novamente, nem os atuais, que estão nos governos, nem aqueles que estiveram nos governos passados. Afinal, apenas se revezaram em servir ao deus dinheiro, ao deus mercado, ao deus poder. E entregando o povo em sacrifício. Podemos nos encontrar? Por nossos próprios meios, por nossa própria análise, com nossa própria força. Só assim encontraremos um novo caminho. Com a nossa gente, com a nossa cara, brasileira, solar, misturada, compartida, solidária, justa e democrática. Um encontro da alegria! Em tempos de letargia e prolongada inconsciência, prosperam os aproveitadores e oportunistas, os brutos, os sem ética. Dos partidos políticos que se apresentam como força dominante, nenhum nos serve, só falam em privatizações e cortes de gastos sociais, louvando o mercado e mantendo privilégios. Estes e os demais são “Partidos Cupim”,


cuja razão de ser é seguir “cupinzando” o Estado e o povo, não nos servem, apenas se servem. Incompetentes e corruptos, seguem preocupados apenas com suas ganâncias. É isso que os une, por isso não devemos nos unir a eles. Com quem devemos nos unir? Com os que não se rendem, os que não se vendem, os que respeitam o próximo, os que respeitam o planeta, os animais, os vegetais, a água, o ar, o solo, a vida e o futuro. O Brasil precisa deste encontro. Encontro dos “de baixo”, dos que sofrem, dos desvalidos, dos que têm coragem, dos lúcidos e honestos. Somos muitos e muitas. Somos a maioria. Apenas não nos vemos. Precisamos nos encontrar e abrir nosso próprio caminho! O Brasil pode ser bom e justo para todos. E para já. Este tem que ser o objetivo de nosso encontro, nada menos que isto. Buscando convergência, união, força e desejo. Os movimentos sociais que nunca abandonaram a sua gente; os movimentos por moradia, os sem-terra, os trabalhadores das cidades e do campo, as mães da periferia, os jovens da periferia, a juventude rebelde, os intelectuais e artistas que dedicam seus estudos e suas artes à emancipação humana, os índios, os quilombolas, os sem trabalho, os que “se viram”, os empreendedores honestos e as empresas com boas práticas, os trabalhadores, os que estão perdendo emprego, os que já perderam emprego, os aposentados e todos aqueles que buscam o ganho justo, sem exploração. Este é o nosso campo. Também há pessoas (muitas) em partidos políticos (poucos) que precisam estar juntas; queremos nos encontrar com as que não se rendem e que seguem ao lado do povo. Sem sectarismo, com generosidade para reconhecer autocríticas sinceras, mas também com coragem para dizer o que esteve errado, com quem queremos estar e com quem não queremos estar. Nosso caminho é o do campo democrático, progressista, popular, cidadão. Se comprometidos, coerentes e sinceros, há que estar juntos, pois o momento é de firmeza sem sectarismo e todos que não compactuam com o pântano político em que colocaram o Brasil precisar caminhar juntos. Por um novo caminho, em que o povo esteja em primeiro lugar! Há tanto por fazer, tanto por resistir, e também tanta experiência acumulada. São tantos movimentos, tanta luta comum, não nos cabe seguir andando cada qual em seu lugar. Há que juntar e unir.

Unamo-nos! Por um Brasil melhor, sem preconceitos, em que todos possam viver em paz e da forma que melhor lhes convier, com boa moradia, bom transporte, boas escolas, ares e águas limpas, terra, pão, trabalho, arte e liberdade. Precisamos nos unir! Ativistas, militantes, sindicalistas, secundas, coletivos LGBT, ambientalistas, midialivristas, educadores sociais, feministas, ativistas pelos direitos humanos e também dos animais, jovens da perifa, das universidades; também os poucos parlamentares que seguem coerentes (há cada vez menos); as ocupações artísticas e generosas que se espalham pelo Brasil; as muitas e os muitos; as Comunidades de Base, as Igrejas progressistas; os Pontos de Cultura, a Educação Popular e a Economia Solidária; as ocupações por moradia, os assentamentos rurais; as aldeias e quilombos; as ruas, as fábricas e as universidades. Precisamos nos conhecer mais; nos encontrar mais; nos escutar mais! Temos tanto a dizer uns para os outros. Temos tanto a lutar ombreados. Um sentindo a dor do outro; um sonhando com o outro; o mesmo sonho, a mesma justiça, pois justiça só há quando há para todos. Há muito por fazer e não temos mais tempo a perder. Nosso país não pode seguir sendo governado por patifes. Que seja pelas gerações que estão por vir, não temos o direito de nos render, de nos prostrar. Por onde começar? Por um encontro simples e sincero, com troca de experiências e busca de convergência. Uma CONVERGÊNCIA CIDADÃ, ao mesmo tempo ampla e firme, com coerência programática e princípios sólidos, feita de baixo para cima, de dentro para fora, com horizontalidade, autonomia e protagonismo social. Uma convergência pelo Brasil, pela justiça, pela democracia, pela igualdade, pela liberdade e pelo futuro! Antes que não tenhamos mais tempo, vamos marcar este encontro? Quem se habilita a construir junto? Tem que ser para já! PS – Publiquei este pequeno manifesto em 14/07/2015 (http://outraspalavras.net/brasil/turino-a-ideia-de-um-encontro-por-alternativa-popular/ ), pena que não encontrou o eco necessário. Agora, quando inicio a coluna Convergência Cidadã na revista Cidadanista, considerei por bem republicá-lo, apenas com pequenas alterações na forma, pois quanto ao conteúdo segue ainda mais atual e necessário. Quem sabe desta vez haja mais eco, mais encontro, também mais luta. Afinal, nunca é tarde para nos encontrarmos e retomarmos o caminho. CIDADANISTA

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FRUTOS | Teko Porã

Cristine Takuá é filósofa, educadora indígena e integrante da RAiZ Movimento Cidadanista.

por CRISTINE TAKUÁ

Teko Porã, o sistema milenar indígena de equilíbrio

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atual modelo de sociedade em que estamos inseridos nos faz esquecer de quem realmente somos, não deixando olhar para o fundo de nossa essência, para conseguir atravessar as barreiras do desconhecido. Junto a isso a imensa fonte de informações na qual estamos mergulhados, os maus hábitos alimentares, o egoísmo, o desamor e a falta de bom senso estão nos conduzindo para uma vida insana. Sabemos que atualmente vivemos uma emergente e complexa crise social, política e ambiental, a qual nos leva a questionar e a repensar o ser e o saber, resultando numa conscientização de que temos que reaprender a pensar e agir no mundo. No entanto, os seres humanos, numa incessante busca de compreensão, dominação, ordenação e controle sobre o meio e sobre si mesmo, acabou por desestruturar a natureza e acelerar o seu desequilíbrio. De um modo geral, a civilização ocidental está percebendo que uma quantidade de pressupostos que a sustentaram por muito tempo está 62 CIDADANISTA

levando a uma situação totalmente insustentável da sobrevivência da espécie, notadamente no que diz respeito às condições ambientais. Uma das principais coisas que as sociedades indígenas têm e que as tornam seu pensamento valioso é justamente outra maneira de conceber a relação entre a sociedade e a natureza, entre os humanos e os não-humanos, uma outra forma de conceber a relação entre a humanidade e o restante do cosmos. A existência de um equilíbrio, onde todos os seres interagem e se respeitam, não só os mais velhos, os anciãos e pajés, mas todos; até os jovens e crianças. Para os povos indígenas, a natureza é quem dá sentido a vida. Tudo em seu equilíbrio. Como uma imensa teia, na qual tudo está interligado, um organismo vivo. O seu poder está em nos direcionar, nos mostrar o caminho de luz a trilhar em busca de sabedoria. Cada sinal que recebemos tem um significado para nossa vida. O canto de um pássaro pode indicar algo, os trovões que passam são sinal de que algo está pra acontecer, as


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formigas no meio do caminho, as formas das nuvens, a direção do vento, enfim, muitos presságios nos são transmitidos pelos sinais da natureza, que com sua delicadeza e sabedoria vão nos guiando e nos ensinando como bem viver, que em guarani se fala Teko Porã, um conceito filosófico, político, social e espiritual que expressa exatamente essa grande teia, onde vivemos em equilíbrio, respeito e harmonia; é a representação da boa maneira de ser e de viver. Porém, toda essa complexa crise de relações que os humanos hoje estão vivendo nada mais é do que reflexos de séculos de uma caminhada mal feita, pois antes quase todos viviam na natureza, com a natureza e da natureza. E hoje, as pessoas se desinseriram do meio, usam e abusam da natureza para sobreviver. Sem pensar que fazemos parte dessa imensa teia, que não deve e não pode ser separada. Para o povo Guarani, não há Tekó se não tiver Tekoá; ou seja, não tem modo de ser sem o lugar do ser. Sendo assim, é preciso ter terra, com floresta, com água e com toda a sua vida incluída para poder viver sua cultura e para ser Guarani. Vivenciar o sentido pleno do Bem Viver nos dias de hoje pode muitas vezes parecer algo contraditório, devido a diversas situações que nos afastam dele, e nos levam para o “Tekó Vai”, o Mal Viver, que está presente no consumo desenfreado e na esquisita mania de servidão voluntária onde muitos vivem escravos de seus quereres, está presente nas guerras, no individualismo, na poluição

dos rios, no empobrecimento, na depressão, enfim em diversas situações que colocam o ser humano numa incessante busca de Viver Melhor, na ilusão de que os bens materiais, o conforto, o luxo irão lhe trazer a delicada e profunda satisfação da experiência que penetra no próprio ser e no estar quando se alcança o Bem Viver nas ações diárias da Vida. Mas é possível aplicar esse sistema, esse hábito indígena do Bem Viver nas cidades, justamente como pressuposto para revolucionar, metamorfosear as relações, a própria democracia que está despedaçada em meio a tantos abusos e egocentrismos. Através desse amplo conceito, uma vez praticado, podemos equilibrar todo o caótico cenário de violências, poluição, intolerância religiosa que pairam sobre as cidades. Os povos indígenas, de um modo geral, resistem há séculos contra os mais diversos abusos e agressões cometidos contra eles, contra suas culturas, mas, mesmo assim, ainda hoje praticam o respeito, a tolerância, a igualdade, a participação política, a paciência com os mais velhos e com as crianças, enfim, praticam o Bem Viver em suas múltiplas faces. Porém, penso que ainda há tempo, de reconstruirmos e de nos harmonizarmos. Há alguns caminhos, como as práticas educativas do Tekó Porã. Mas as sociedades urbanas devem repensar as formas de educar suas crianças. Valorizando o potencial que jaz dentro de cada uma, e principalmente fazendo uma escola que seja útil para a vida das pessoas. Ouço muitos dizerem que a escola serve para nos tornar alguém na vida, muito pelo contrário, já somos alguém na vida, temos que usar das ferramentas escolares para nos tornarmos guerreiros. Guerreiros esses que possam compreender o complexo sentido do Bem Viver e transformar o mundo à sua volta. Penso que assim como os grãos, as pessoas precisam conhecer sua origem, a fala que habita em cada semente. Todo ser que consegue escutar a voz do silêncio ouve as suas verdades. Há uma ponte existente entre o conhecimento visível, letrado, e o saber que habita nas profundidades dos cantos, danças, trançados e em toda a complexidade da arte e espiritualidade dos povos nativos. Porém é necessário romper as barreiras da aparência, sempre penso nisso. Porque enquanto alguns ficarem se baseando e presos ao não ser das coisas (aparência), jamais chegarão à dimensão maior do verdadeiro conhecimento, da sabedoria dos que sabem e conseguem sentir sua própria sombra! CIDADANISTA

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FRUTOS | Permacultura

Ativista Sócioambiental, educador, escritor e Mestre em Gestão e Políticas Ambientais, Thomas trabalha com Permacultura e Design Social e é membro da Raiz Movimento Cidadanista

por THOMAS ENLAZADOR

Podemos fazer algo diante dessa crise sem precedentes? Um Interregno de Mundo e um Chamado para a construção de Sociedades Resilientes.

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eviano seria dar respostas que apontem soluções efetivas a curto e médio prazo. A sensação é de um vazio ativístico. Chega a furar nossa alma. Mas que diabos aconteceu para chegarmos nesse opaco Brasil que beira um conto de ficção, onde se estableceu uma política insólita e uma sociedade catatônica? VIVEMOS UM INTERREGNO e uma oportunidade de crescer no ápice da crise, um interregno de eras, o intervalo entre reinados, um momento onde tomar decisões ou prever o que irá acontecer não é prudente e possivelmente, será distinto daquilo que imaginávamos. Aliás, quem sonharia, no seu pesadelo mais medonho, com um cenário bizarro como este? Perdemos a curva da sustentabilidade, ela já passou, já foi ! O planeta e os seres viventes fundamentais para a manutenção da Biosfera, fauna e flora, agonizam e estão em plena marcha de extinção. Agora, nesse Interregno, e me refiro a 64 CIDADANISTA

esse (entre mundos) no contexto da sobrevivência com os recursos básicos que estão sobrando para as próximas eras, nosso desafio para mantermos pontos minimamente harmonizados para as próximas gerações será um constante, disciplinado e escalonado trabalho para à edificação de sociedades resilientes. Reflita agora e se pergunte se nessa temerosa conjuntura, temos alguma chance de transcender rumo a uma auspiciosa consciência coletiva e disruptiva? Os caminhos obscuros dos nossos referenciais neoliberais, baseados no medo e na luxúria, competição e posse, escassez, poder manipulador e dinheiro, precisam ser encarados e transcendidos gradativamente, substituídos por novos marcos de significância espiritual, humanitária, amorosa e cooperativa. Um novo projeto civilizatório rumo a uma Nova Era, Era essa que ainda não chegou, precisa ressonar. Mas como focar nossa energia nessa co-


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criação, sensibilizar políticos, cidadãos e cidadãs, coletivos, redes, partidos e movimentos de base social para abraçar e pôr em uma marcha prática e constante rumo à resiliência planetária ? Algumas ações práticas que uma parte significativa do leitor cidadanista já adotou mas faz-se necessário intensificar nesse Interregno: 1- Produção e armazenamento de energia renovável; 2- Produção de alimentos e armazenamento de sementes crioulas e, nas compras, consumo crítico e consciente boicotando as Tinrs - Transnacionais Involutivas Não; 3 - Ocupar, resistir e permaculturar terras férteis, com especial atenção às nascentes d’água 4 - Investir pesado e estudar profundamente as tecnologias, ferramentas e maquinários opensource; 5 - Mapear comunidades tradicionais, territórios indígenas e áreas de relevante biodiversidade, criando alianças e integrando as lutas de base para defesa e ocupação de territórios; 6 - Diluir o papel de determinadas lideranças (para evitar o mapeamento e ataques) e criar um novo design social mais inclusivo, conectado e participativo para coletivos que estão na resistência ativa; 7 - Fortalecer o espiritualtermundismo, conectando política com espiritualidade e propiciando que nossas crenças pagãs, xamânicas,-

crísticas, indígenas, macumbeiras, ayahuasqueras, amorismos, ufologistas, espiritualistas etc. possam se integrar e ajudar na proteção e edificação das nossas frentes mais auspiosas e desafiadoras de sincronização biosférica; 8 - Hackear o sistema nas mais distintas formas, seja na utilização de software livre, tecnologias sociais, cooperativas de crédito (enquanto existe) economias, moedas, bancos livres e outras ações que não convêm explicitar por aqui; 9 - Questionar, ocupar e resistir à lógica do capital privado, transformando espaços ociosos e especulativos em assentamentos humanos sustentáveis; 10 - Transgredir e desobedecer ações de desobediência civil são bem-vinda e necessárias em tempos que ditadores tomam o poder e que a democracia participativa vive o ápice da sua ruína; 11- Retomar diálogos e ações conjuntas entre movimentos das maiorias como sem-terra, campesinos, agroecologistas, midialivristas, hackers livres, ecossocialistas, indigenas, quilombolas, ribeirinhos, arte-educadores, Sem-tetos, LGBTs, negros, ambientalistas, permacultores, bioconstrutores e outras frentes que estão ocupando espaços de resistência e fazendo uma frente fundamental neste Interregno de Eras. Tem mais, muito mais..... Complete, difunda, pratique e fortaleça o que podemos semear e cuidar, instigando novos laços de cooperação em um possível reencontro de frentes mais amplas, organizadas, encantadas, resilientes e propositivas frente à crise paradigmática que vivemos. CIDADANISTA

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RAIZ | Giro pelo Brasil

O que aconteceu pelo país e onde a Raiz marcou presença

10ª Bienal da UNE FORTALEZA / Fevereiro-2017

ONDE HÁ MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTA, OS ENRAIZADOS ESTÃO LÁ!

Fórum Social das Resistências PORTO ALEGRE / Janeiro-2017 Por Ronaldo Torre

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uscando manter o legado do Fórum Social Mundial em seus primórdios dias, o Fórum Social das Resistências toma forma para a sua 1 edição. Ocorrendo no mês de janeiro de 2017, abre o ano como evento de resistência: político, social e cultural, respeitando os marcos e conteúdos construídos no Fórum Social Mundial. Sendo a contraposição direta ao Fórum Econômico Mundial, na cidade de Davos/Suíça. É uma iniciativa que busca contribuir para a construção da unidade do campo democrático e popular no apoio e solidariedade as resistências da classe trabalhadora, das mulheres, das juventudes, das pessoas em situação de rua, das pessoas defensoras dos direitos humanos, do meio ambiente e de todas causas humanistas que resistem pelo mundo. Deste ponto de vista, a metodologia do FSR 2017 pretende proporcionar momentos de reflexões coletivas através de seminários e debate de convergências, ao mesmo tempo, que deseja fortalecer e articular as atrizes e atores em resistência no Brasil, na América Latina e no mundo através das Plenárias de Resistência e da Assembleia dos Povos e Movimentos em Resistência. O Fórum contou com propostas do Comitê Local de apoio ao FSR 2017 e aquelas autogestionadas pelas mais variadas redes e movimentos sociais. Sendo esse um dos legados do FSM e demais foruns inspirados por um Outro Mundo Possível, a dinâmica autogestionada do Fórum Social permite que cada um realize as atividades que desejar.

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Por Marcos Costa

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10ª edição da Bienal da UNE aconteceu nos dias 29, 30, 31 de janeiro e 1ª de fevereiro de 2017 em Fortaleza, capital do Ceará, e teve como principais emblemas a resistência da cultura nacional e a luta política brasileira a partir da reinvenção. Aproximadamente cinco mil pessoas de todos os cantos do Brasil unidos e juntos com a população local prestigiaram este que foi o maior festival estudantil da América Latina. Os estudantes puderam conhecer a arte produzida por outros acadêmicos de diferentes estados da Federação e também debateram com convidados especiais, além de contemplarem grandes atrações da música, cinema e teatro. Uma das principais atividades da Bienal foi o debate sobre a conjuntura atual do país com figuras públicas nacionalmente conhecidas do campo democrático. Foram convidados para este debate: o ex-governador do Ceará Ciro Gomes, o governador do Piauí Wellington Dias, a senadora Vanessa Grazziotin, Márcio Cabreira, do PPL, Ricardo Gebrin, da Consulta Popular e a ex-deputada federal Luciana Genro. Além das falas dos debatedores, alguns dos mais de dois mil estudantes que estavam acompanhando puderam fazer o uso da palavra. Alguns se posicionaram e outros questionaram a mesa. Tivemos também uma excelente roda de conversa estudantil sobre a crise econômica e política, com a participação do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, além de marcantes momentos de resistência política nos shows de Emicida e Gaby Amarantos. A 10ª Bienal da UNE contou com mais de 100 atrações, durante seus quatro dias. Houve a inscrição de 1.140 trabalhos acadêmicos e os trabalhos selecionados foram expostos. Os estudantes ainda tiveram a oportunidade de conhecer projetos da periferia fortalezense. Uma experiência única e extremamente enriquecedora para mim e para todo o Brasil. Que os sonhos da juventude se tornem a realidade de todo o nosso povo!


RAIZ | Partido Movimento

movimento cidadanista

Como funciona a Raiz - Movimento Cidadanista ESTRUTURA DE FUNCIONAMENTO DO PARTIDO MOVIMENTO Por Acauã Rodrigues

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Raiz está estruturada no conceito de Partido-Movimento. Não é partido ou movimento, nem partido e movimento. A ideia é construir um partido que flua junto aos movimentos sociais, que esteja na retaguarda deles, ou seja, sempre em defesa deles, e que sua atuação se dê a partir da sua integração aos movimentos sociais. O Partido-Movimento Raiz é composto por Círculos Cidadanistas, cuja ideia central é ser um órgão de interface, de fluxo, com os movimentos. Uma prova disso é que no Círculo Cidadanista os não filiados têm pleno direito de participar, propor e votar. Isto para propiciar às pessoas ligadas aos movimentos a participação direta nos Círculos Cidadanistas, sem o compromisso de ser filiado à Raiz. Existe ainda um espaço deliberativo digital do círculo que prevê um cadastro prévio do colaborador para participação. Portanto, o Círculo, na concepção da Carta Cidadanista (documento que identifica a Raiz e apresenta suas raízes filosóficas e principais objetivos), seria formado inicialmente por ao menos três filiados e ligado diretamente a algum ativismo ou militância territorial (seu bairro, sua cidade, ou de atuação em determinado local), ou temático/identitário (atuação em movimentos, por exemplo, feminista, ecológico, LGBT, sindical etc.). Assim, o conceito do Círculo não é ser um “órgão partidário” na concepção mais tradicional, mas sim núcleos de atuação na sociedade. No outra esfera de atuação, o “eixo partido”, que é a estrutura que configura o formato partidário, a Raiz segue o princípio federativo: município, estado e nação. Em cada um desses níveis, há apenas duas estruturas: A Teia e a Esfera.

A Teia, em cada nível federativo, é a única instância deliberativa da Raiz e, diferentemente dos outros partidos, não tem “delegados”, o voto é universal para todos os filiados no formato de democracia direta. Ela pode ser tanto presencial como digital. A Teia Digital é um ambiente de constantes debates na busca de aprofundamento de entendimentos e busca de consensos progressivos. Até recentemente a Raiz usou a Plataforma Loomio para sua Teia Digital, mas agora já ocorre em plataforma própria e fica hospedada no endereço raiz. org.br. As Esferas, também seguindo os três níveis da Federação, são os órgãos executivos, compostos por Coordenações e vogais, que vão executar o que for decidido na Teia. Existem trabalhos que são apenas executivos, mas a qualquer tempo um filiado pode questionar determinada ação de uma Esfera ou coordenação, e levar o assunto para a Teia. A dinâmica deste desenho garante que os Círculos Cidadanistas sejam órgãos autônomos, de fluxo com os movimentos, e não são centralizados pelas Teias e Esferas, não são dependentes delas. Também não são deliberativos para além dos seus objetos de atuação. Eles são deliberativos totais para sua organização e atuação, e exclusivamente para isso. Mas, naturalmente, não podem se desviar dos princípios da Carta Cidadanista, e devem seguir o disposto no Estatuto. E quem regularia esta sintonia? As Teias, que são as únicas instâncias deliberativas da Raiz, e que devem zelar pelas diretrizes da Carta Cidadanista. Quer saber mais e participar da Raiz? Acesse nossos canais de comunicação em raiz.org.br ou nas redes sociais e conheça outros documentos como o Manual do Círculo Cidadanista, Regimento da Teia Digital Nacional e o Estatuto da Raiz Movimento Cidadanista.

CIDADANISTA

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Movimentos sociais, uni-vos! Se você participa de um movimento social, coletivo ou associação, venha construir junto a

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