A Chernobyl brasileira

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Cristiane G. Sant´Ana

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E-mail: sinfoniadeletras@gmail.com Blog: http://cristianegsantana.blogspot.com.br

www.clubedeautores.com.br/book/127135--A_Chernobyl_brasileira

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Cristiane G. Sant՚Ana

Sumário AGRADECIMENTOS PRÓLOGO A DESCOBERTA DO MINÉRIO A POSSE DAS TERRAS SANTO AMARO DA PURIFICAÇÃO ESPINHOS NOS DIAS ATUAIS QUE PAÍS É ESSE? A RESPOSTA TUDO TEM UM PROPÓSITO A CHERNOBYL BRASILEIRA A VIAGEM A CONTAMINAÇÃO DO RIO SUBAÉ DOENÇA E MISÉRIA PRIMEIRO LAUDO O LITORAL A AUDIÊNCIA A PRIMEIRA SENTENÇA O TRATAMENTO LUZ NO FIM DO TÚNEL O CASAMENTO A DESPEDIDA DE UM AMIGO O ADEUS

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Agradecimentos

Primeiramente

gostaria de agradecer a Deus que tornou tudo isso possível, pois sem ele e sua aprovação, nada acontece! A pessoa que me inspirou a escrever sobre toda essa catástrofe ambiental, pois sempre falou muito a respeito de tudo o que aconteceu e sofreu naquele lugar, Sr. Juarez Sant´Ana. Sogro, pai e avô maravilhoso, atencioso com as pessoas e suas dores, líder comunitário, um dos bravos guerreiros brasileiro, que por ser honesto, integro e incorruptível, acabou pagando um alto preço. Ao ex-prefeito Eurípedes Bonfim, pois através de seu livro “Nem tudo está perdido”, tive a oportunidade de conhecer um pouco da sua história. Ao meu esposo e a minha filha, que me ajudaram dando-me incentivo para que eu conseguisse escrever. A minha mãe Dona Nildete, que sempre foi um instrumento nas mãos de Deus para me ajudar e socorrer nos momentos mais difíceis. Minha amiga Gení de São Caetano do Sul, pelo incentivo e força para continuar escrevendo. A Miriam que me ajudou a fazer uma breve revisão do texto, pois escrever um livro nunca foi uma missão solitária. As pessoas de Santo Amaro da Purificação - Bahia, que Deus os abençoe. Que esse livro, possa mostrar a situação em que vivem. Que o mundo volte seus olhos para esse lugar, que a justiça seja feita. E as autoridades se mobilizem para fazer o que deveriam ter feito há muitos anos.


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Prólogo

A vida é repleta de recordações. Algumas nos fazem sorrir, enquanto outras nos fazem chorar. Mas essas recordações nos fazem pensar e refletir sobre tudo o que aconteceu, pois com cada uma delas sempre podemos aprender alguma coisa. Hoje, a paisagem a minha volta acabou trazendo-me muitas recordações, que provocaram um saudosismo que chegava a ser doloroso. Naquele momento, minha memória era como se fosse um filme, onde buscava constantemente os momentos inesquecíveis que vivi ao lado de um homem, que marcou para sempre a minha existência. Sempre me recordo com saudade do dia em que nos casamos, pois apesar desse homem já estar doente, naquele dia a doença o havia abandonado completamente, parecia curado. Ele estava corado, saudável, havia recuperado seu peso e seus olhos tinham a cor acinzentada e cheia de vida de sempre. Olhando para essa fotografia, vejo que ela conseguiu captar a essência daquele momento, pois ainda posso sentir o cheiro de orvalho daquela manhã, ouvir o som das pessoas conversando e tudo misturado a um suave fundo musical. Ainda me recordo do sorriso de nossos amigos e parentes. Todos sabiam de nossa história e que o nosso amor, teria seus dias contados, embora pense que a maioria 4


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estivesse esperando por um milagre, assim como eu. Nosso casamento aconteceu exatamente como sempre havia sonhado, ao lado do homem certo e com todas as pessoas que eram importantes para nós. Essa foto sempre me trás sentimentos antagônicos, tristeza e alegria. Tristeza, por aquele momento ter ficado no passado e alegria por ter existido. Qualquer pessoa ao olhar essa fotografia, verá que o amor e a felicidade estão estampados no rosto de quem às compõem. Como podem perceber, não consigo parar de buscar o passado, pois nele encontrei a verdadeira felicidade. Já se passaram mais de vinte anos e ainda posso dizer que, amo esse homem com a mesma intensidade daquela época. Jamais consegui me interessar por alguém durante todos esses anos. Muitas pessoas não compreenderiam o que sinto, também não seria fácil explicá-las, só sei dizer que, tem pessoas que passam por nossas vidas e deixam marcas, boas lembranças e até podemos sentir seu perfume no ar... Além de uma imensa gratidão em nossos corações, por terem feito parte de nossa história. Acredito que todos já tivemos esse tipo de sentimento em algum momento de nossas vidas. Mas ainda existem pessoas que causam tristeza, dor, desapontamento e destruição. Essas com certeza serão lembradas com revolta, desprezo e ressentimento. São pessoas que não nos trazem saudades, pelo contrário,


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gostaríamos de nunca tê-las conhecido. Sentimo-nos assim, por todos os que tiveram culpa, direta ou indiretamente, pela catástrofe ocorrida em Santo Amaro da Purificação, estado da Bahia. As pessoas que causaram toda aquela catástrofe, penso que vivem com a marca da culpa, pois mesmo que seus valores e ética fossem diferentes, sua consciência os condenaria, pois me recuso a acreditar que o ser humano possa sentir-se vitorioso, sabendo ser culpado pelo sofrimento e morte de tantas pessoas. Às vezes pensamos que tudo o que fizemos no passado, será esquecido com novos acontecimentos e assim acabamos não dando a devida importância ao rastro que fazemos durante nossa caminhada. Todos nós deixamos rastros, não há os que não deixam. Não se engane quanto a isso. Todos deixamos nossas impressões no mundo, por menores que sejam e as pessoas sempre serão lembradas pelos sentimentos que despertam em nós. E você, que tipo de impressão deixará nesse mundo? Meu nome é Alexia e para que vocês entendam o que estou dizendo, vou contar a história desde o início.

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A descoberta do Minério

Em

1953 Padre Macário em suas andanças pelo

povoado de Boquira, notou em seu caminho algumas pedras brilhantes. Isso o deixou intrigado por semanas. Essas pedras não podem ser comuns, pois se parecem demais com Chumbo. Se meu pensamento estiver certo, serei um homem muito rico, pois essa área é cheia dessas pedras e com certeza, deve haver muito mais delas no subsolo. Mas como ter certeza de que realmente é Chumbo? Só há uma pessoa nessa cidade capaz de me ajudar, pensou enquanto caminhava por aquelas terras. Dirigiu-se à farmácia do Sr. Antenor, pois era considerado um dos homens mais inteligentes e cultos da região naquela época. Chegando à farmácia encontrou Antenor, homem de meia idade e bem sucedido na vida. Ele falava ao telefone e quando notou sua presença, fez um gesto para que ele o aguardasse. Logo em seguida, desligou o telefone, voltou-se para o padre e apertou sua mão com firmeza. - Bom dia, padre. Em que posso ajudá-lo? – indagou o farmacêutico. - Bom dia, Antenor – cumprimentou. - Encontrei uma pedra diferente no meio do caminho. Ela se parece com Chumbo, mas não tenho certeza. Você saberia me dizer se realmente é o minério? – perguntou ansioso.


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- Você está com a pedra, Padre? - Sim. – disse pegando a pedra e entregando ao farmacêutico. Após analisá-la com calma, o farmacêutico decidiu não opinar a respeito, pois não tinha nenhum conhecimento a respeito daquele assunto. - Não sei identificá-la, mas conheço um laboratório no Rio de Janeiro que poderá fazer a identificação - informou Antenor. - Não tenho outra saída, poderia me dar o endereço do tal laboratório? - O endereço está em minha casa. Faça o seguinte, apareça aqui à tarde e lhe entrego endereço – disse devolvendo-lhe a pedra. O Padre concordou e saiu da farmácia, satisfeito. Através do laboratório, finalmente teria condições de confirmar ou não suas suspeitas. À tarde voltaria novamente à farmácia. Naquele dia, não conseguiu concentrar-se em absolutamente nada do que fazia, pois seus pensamentos estavam voltados à descoberta feita naquela manhã. Se estivesse certo, sua vida mudaria da água para o vinho, pois deixaria de ser um simples padre, para tornar-se um homem poderoso e influente. Sentiu seu corpo cansado, mas sua mente não parava de pensar nas possibilidades que teria, caso sua suspeita fosse 8


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confirmada. Decidiu fazer uma boa faxina na paróquia, pois assim o tempo passaria mais rápido. Ao concluir a limpeza, fez a homilia que seria realizada naquela noite, mas não foi fácil, pois não estava conseguindo focar sua atenção em absolutamente nada, que não fosse aquelas benditas pedras. Quando a fome apertou, decidiu procurar por alguma coisa na velha geladeira. Tirou a faixa de pano que segurava a porta e abriu. Notou que em seu interior, havia uma panela com sobras de comida feita na noite anterior. Na geladeira, não havia nada que pudesse usar como mistura. Decidiu comer um pão adormecido que estava em seu armário. Após se alimentar, decidiu dedicar-se novamente a homilia daquela noite, pois ainda não estava satisfeito com a que havia preparado. Isso durou toda à tarde, até que finalmente olhando para o relógio, constatou que já estava na hora de ir até a farmácia, a fim de pegar o endereço do tal laboratório. Na farmácia, Antenor entregou-lhe o endereço. Mas Macário tinha consciência de que, não teria condições de arcar com as despesas daquela grande empreitada. Então decidiu propor ao farmacêutico uma sociedade. - Antenor, gostaria de lhe fazer uma proposta. – propôs olhando atentamente para o farmacêutico. - Se essa pedra for chumbo acabo de descobrir uma mina, pois onde a encontrei, existem milhares delas. Mas preciso de sua ajuda,


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pois não tenho dinheiro suficiente para investir em absolutamente nada. Gostaria de tornar-se meu sócio? - O que preciso fazer? – indagou interessado. - Pague as despesas necessárias, para que eu vá até o Rio de Janeiro e descubra se a pedra que encontrei realmente é chumbo. Antenor mal podia acreditar naquela proposta, pois não teria nada a perder. As despesas que o padre teria seriam ínfimas, visto a possibilidade de tornar-se um homem milionário do dia para a noite. Não sabia exatamente qual a classificação daquela pedra, mas não era preciso ser muito esperto ou mesmo um perito, para perceber que a pedra em questão, não era comum. - Está bem, todas as despesas ocorrerá por minha conta, Padre Macário. Pedirei a um funcionário que compre as passagens e entregue em sua casa. Eu farei as reservas do hotel onde ficará hospedado – disse dirigindo-se ao caixa, onde pegou uma grande quantia em dinheiro. – Pegue esse dinheiro para pagar as despesas que terá no Rio de Janeiro. Padre Macário saiu satisfeito daquela farmácia, pois tudo estava acontecendo melhor do que havia planejado. Amanhã iria até o Rio de Janeiro, com todas as despesas pagas e com o endereço de um laboratório que esclareceria de uma vez por todas, suas dúvidas. Após a missa daquela noite, um rapaz que trabalhava com Antenor, o procurou e entregou-lhe as passagens para o 10


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Rio de Janeiro. Sentindo-se cansado, o padre decidiu dormir cedo. Tirou a batina e vestiu o velho pijama que estava sobre sua cama e colocou o relógio para despertar às cinco horas da manhã. Deitou-se na cama, mas o sono não chegou, pois passou a noite inteira em claro, pensando sobre tudo o que estava acontecendo em sua vida. Na manhã seguinte, entrou no ônibus que o levaria até a cidade Maravilhosa. A viagem foi tranquila, conseguiu até dormir um pouco, já não fazia isso, desde a descoberta do minério. A ansiedade era sufocante, pois cada minuto era como se fosse um dia. Na janela do ônibus, avistou aquela magnifica cidade. Tudo no Rio de Janeiro era maravilhoso, parecia estar em outro país. Aquilo tudo era tão diferente de Boquira, lugar simples, onde todos se conheciam e o cheiro do progresso ainda nem dera sinal de vida por ali. Pegou um táxi e pediu que o levasse ao endereço que estava no papel. Quando o táxi parou em frente ao hotel, ficou deslumbrado e admirado com aquele arranha-céu. Em Macaúbas e Boquira, não havia nada parecido com aquilo. Chegando a recepção, disse seu nome como Antenor o instruíra e imediatamente lhe deram a chave e o número de seu quarto. Ao entrar, viu uma cama de casal com lençóis limpos, televisão e um telefone ao lado da cabeceira da cama. Aquilo


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tudo era realmente um sonho, diferente da pobreza com que estava acostumado. Se essa pedra for chumbo, serei um homem milionário, frequentarei hotéis tão bons como esse, ou melhor, me hospedarei em hotéis até mais luxuosos do que esse, pensou sorrindo. À tarde, pegou um táxi e seguiu em direção ao laboratório. Ao chegar ao endereço indicado pelo farmacêutico, percebeu que aquilo iria custar uma pequena fortuna, pois o lugar era muito luxuoso e com certeza, deveria ter os melhores profissionais da cidade. - Bom dia, eu sou Macário. Gostaria que vocês fizessem a avaliação dessa pedra – disse entregando a pedra ao rapaz. – Preciso que vocês descubram qual o nome desse minério. - Vejo que não é uma pedra comum – disse o perito analisando o minério. – Amanhã à tarde, o relatório estará pronto. Então saberá a que minério pertence sua pedra. - Muito Obrigado. Amanhã pagarei pelo serviço – disse abrindo a porta da saída. Saiu daquele laboratório imensamente feliz, pois em breve saberia o rumo que sua vida tomaria. No hotel ligaria para Antenor e lhe diria que amanhã, finalmente saberiam a que minério pertencia àquelas pedras. Resolveu almoçar, pois já passava das três horas da tarde e seu estômago estava começando a reclamar. Entrou 12


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num grande restaurante e decidiu pedir uma lasanha, pois em breve seria um homem muito rico e precisava melhorar seus hábitos alimentares, concluiu sorrindo. Decidiu conhecer o Rio de Janeiro e ficou encantado com o progresso daquele lugar. Jamais pensou que um dia poderia conhecer aquela cidade. Tudo ali era muito diferente do que estava acostumado... Cansado e ansioso para que chegasse o dia seguinte, achou que seria melhor ligar para Antenor, quando estivesse com o laudo técnico em suas mãos. Senão deixaria seu futuro sócio, tão ansioso e desesperado quanto ele. Naquela noite não conseguiu dormir novamente, pois amanhã, finalmente teria a resposta que mudaria sua vida e de toda aquela cidade. Amanhã descobriria qual seria o rumo de sua vida, seria apenas um padre de uma cidadezinha pequena e pacata, ou se tornaria o dono de uma mina de chumbo, com poder de transformar aquela cidade e a vida de seus moradores. Sua Mineradora iria gerar muitos empregos e consequentemente, o progresso para todos os habitantes dali. Seria um dos homens mais ricos da Bahia e teria tudo o que sempre desejou em sua vida. Na manhã seguinte, andou pela praia e sorriu ao imaginar que, nunca passaria por sua cabeça, colocar os pés nas areias de uma das praias mais famosas do Rio de Janeiro. Aquele lugar era tão bonito que merecia a fama de ser a


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cidade maravilhosa. Aquela bendita pedra precisava realmente ser chumbo. Teria que desistir de seus votos de padre e no início haveria muitos comentários negativos a seu respeito, mas isso logo seria esquecido, quando surgisse outro fato mais relevante naquela cidade. Logo depois, dirigiu-se ao laboratório pedindo a Deus que estivesse certo. Chegando, aguardou na recepção apenas alguns instantes, até aparecer o técnico que o havia recebido no dia anterior. - Macário, fizemos os testes e temos o laudo técnico da classificação de sua pedra. - Então diga, por favor. Que pedra é essa? - Esse minério é chumbo e tem altíssimo valor comercial – disse entregando-lhe a pedra e o laudo técnico. - O senhor tem certeza? - Certeza absoluta. Sua pedra é Chumbo! – garantiu o perito. Pagou uma quantia considerável pelo serviço prestado do perito. Mas aquela conta foi paga com enorme prazer, pois a partir daquele momento, sua vida mudaria para sempre. Arrumou as malas, pagou a conta do hotel e partiu em direção a rodoviária. Entrou no ônibus feliz, pois ele o levaria novamente a sua mina de chumbo. Daria a notícia ao sócio somente 14


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quando chegasse a Macaúbas. Queria ver a cara de espanto e alegria daquele farmacêutico. Ao colocar os pés em Macaúbas, imediatamente foi ao encontro de Antenor, que o aguardava ansioso. - Como foi à viagem, Padre Macário? Deu tudo certo? - Seremos milionários muito em breve, Antenor – disse abraçando o sócio. - Afinal, qual é o nome daquele minério? - Eu tinha razão, Antenor. O laboratório só confirmou minhas suspeitas, aquela pedra é chumbo. Segundo o técnico, tem um valor comercial muito alto – informou com satisfação. Ele estava feliz por confirmar suas suspeitas. Mal conseguia acreditar que havia descoberto uma mina de chumbo, naquele fim de mundo. A partir daquele momento Antenor seria o seu sócio, porque precisaria de sua ajuda para tomar posse das terras onde havia encontrado o minério, pois seus proprietários eram pequenos lavradores. Meses após a confirmação de o minério ser Chumbo, já havia comunicado a Roma que deixaria de ser um vigário. Celebrando sua última missa, disse aos fiéis da Igreja que, a partir daquele dia não seria mais um padre, pois decidiu largar a batina para trabalhar com mineração. Não ficou surpreso ao notar que algumas pessoas pareciam escandalizadas com a notícia, pois não era comum


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um padre largar seu oficio naquela época. Após a missa, precisava encontrar um lugar para morar, pois estava livre de obrigações com a Igreja Católica Apostólica Romana e vice-versa. Mas esse problema não era o foco de seus pensamentos, precisava pensar numa maneira de adquirir a posse das terras onde estava localizado o chumbo. Esse seria o maior desafio, pois quando fosse dono daquelas terras, tudo ficaria muito mais fácil. Macário e o farmacêutico precisavam encontrar uma maneira de por as mãos naquelas terras. Esse seria o maior desafio daquela jornada, o resto seria somente uma questão de tempo.

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A posse das terras Tabelionato Civil e Tabelião de notas por lei, do Distrito sede de Boquira Comarca de Macaúbas – BA.

Escritura

Pública de cessão de Direitos de propriedade para PESQUISA, que entre si em notas fazem, de um lado como cessionários, farmacêutico Antenor Alves da Silva e Padre Macário de Maia Freitas, como abaixo se declara: Saibam quanto dessa escritura que no dia 25 de março de 1954, em meu Cartório, perante mim, Escrivã compareceu os Senhores: Joaquim de Almeida Rodrigues, Antônio Rodrigues dos Santos, Leão Santos, Joaquim Ângelo de Souza e sua mulher Herculana Cursino, Rosendo Xavier dos Santos e suas mulheres, todos eles lavradores, elas prendas domésticas, todos brasileiros, casados e domiciliados e residentes em Boquira. ““... Perante mim, foi dito serem possuidores, com posse mansa e pacífica, continuada, por mais de trinta anos de uma área de terras secas de cento e dez Hectares, com partes cercadas e partes em abertos, com denominação de “Morro Pelado” da extrema, situado da Vila de Boquira-BA. Por este público instrumento, DE LIVRE E ESPONTANEA VONTADE, fazem Cessão plena e irrestrita, assim como sem condição, de todos seus direitos de proprietários de preferência para PESQUISA e LAVRA dentro das áreas descritas o que trata o artigo 153 da Constituição Federal.


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Saíram do Cartório, felizes. Tudo havia acontecido da maneira como haviam planejado. Olharam-se com um sorriso vitorioso no rosto. - Finalmente, conseguimos Antenor! – exclamou Macário abraçando o sócio fora do Cartório. - Sim, meu amigo. Agora precisamos pensar no próximo passo, o alvará de funcionamento da Mineradora. - Não se preocupe, não chegamos até aqui para morrermos na praia – disse Macário animado. – Agora as coisas serão mais fáceis, pois somos proprietários da terra onde construiremos a mineradora de chumbo. - Vamos para minha casa – disse Antenor abrindo a porta do carro. - Está convidado para almoçar conosco hoje. - Aceito seu convite meu grande amigo. Estou com muita fome, pois ser proprietário de uma mina de chumbo me abriu o apetite – revelou Macário sorrindo ao entrar no carro de Antenor. Finalmente consegui, pensou Macário. Não importa se omitiu dos lavradores que suas terras poderiam valer milhões. Mas o que aqueles pobres lavradores poderiam fazer? A maioria mal sabia ler e escrever. Não poderiam fazer nada para reaver a posse daquelas terras. Ficarei milionário com a extração de todo aquele chumbo e a cidade ganhará muito com essa aquisição. Esse empreendimento irá gerar muitos empregos e 18


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consequentemente o progresso da cidade. Isso jamais aconteceria se, aquelas terras continuassem nas mãos daqueles simples lavradores. Para surpresa de todos, aqueles pobres lavradores não aceitaram pacificamente perder suas terras, pois lutaram para consegui-las novamente. Alguns afirmam que jamais colocaram os pés naquele cartório, cedendo suas terras a quem quer que fosse. Agora Macário e Antenor precisavam correr atrás da autorização para o funcionamento da Mineração. Parecia uma maratona, mal venciam um obstáculo e logo aparecia outro. Mas seus esforços foram recompensados, quando conseguiram a posse das terras do minério. Agora, precisavam da bendita autorização para o funcionamento da Mineração Boquira Ltda.


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Santo Amaro da Purificação

Macário mal podia acreditar naquele papel em suas mãos, agora seria questão de tempo para o progresso chegar naquele lugar e ele se tornar um homem muito rico. Decreto nº 35.915, de 28 de Julho de 1954. Concede à Mineração Boquira Ltda. autorização para funcionar como empresa de mineração. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 87, nº I, da Constituição e nos termos do Decreto-lei nº 1.985, de 29 de janeiro de 1940 (Código de Minas), DECRETA: Artigo único. É concedida a Mineração Boquira Ltda., constituída por instrumento público de 27 de abril de 1954, lavrado no cartório do 4º Ofício de Notas desta Capital, com sede nesta cidade, autorização para funcionar como empresa de mineração, ficando a mesma sociedade obrigada a cumprir integralmente as leis e regulamentos em vigor ou que venham a vigorar sobre o objeto da referida autorização. Rio de Janeiro, 28 de julho de 1954; 133º da Independência e 66º da República. GETÚLIO VARGAS Apolônio Sales 20


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O coração de Macário batia forte. Olhou novamente para aqueles papéis, como para certificar-se de que ele realmente existia e não era apenas fruto de sua imaginação. Agora era uma questão de tempo, paciência e determinação, pois tudo estava dando certo. Sabia que ao adquirir a posse daquelas terras não ficaria rico, pensou sorrindo, mas seria um homem milionário. Foi correndo até a casa do farmacêutico e encontrou sua filha, Yeda. - Bom dia, Yeda – cumprimentou Macário. - Bom dia Padre, ou melhor, Macário – disse com timidez. - Seu pai está? - Sim, ele está – informou. - Entre, por favor. Macário entrou e sorriu ao notar que Yeda era uma moça muito bonita e educada. Ela seria a esposa perfeita, além do mais, era filha de seu sócio, uma mulher em que ele poderia confiar. Tornar-se-ia tão rica quanto ele, por que não investir naquele relacionamento? Ao entrar na sala, avistou o farmacêutico que sentado confortavelmente numa poltrona, lia seu jornal. Ele sorriu ao ver Macário adentrar a sala. - Bom dia, sócio – cumprimentou estendendo a mão para Antenor. - Bom dia, amigo. Tem alguma novidade? – indagou


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curioso. – Sente-se, por favor. Macário sentou-se naquele confortável sofá, pois tudo na casa de Antenor era de boa qualidade. Diferente dele, que não tinha onde cair vivo, pois morto, se cai em qualquer lugar, constatou com amargura. - Se prepare, porque nosso trabalho irá aumentar em gênero, número e grau – disse sorrindo. - O que quer dizer com isso? – indagou confuso. - Conseguimos a autorização de funcionamento da mineração. Agora teremos que encontrar sócios com capital para começar a mineração. Seu dinheiro não daria nem para o começo, Antenor. Precisamos de um investidor com muito, mais muito dinheiro mesmo. - Tem ideia onde encontraremos alguém com tanto dinheiro assim? – indagou preocupado. - Sim, precisamos encontrar algumas multinacionais que utilizam chumbo – constatou Macário convicto. - Já fez alguma sondagem a respeito disso? - Meu amigo, eu não durmo no ponto – informou Macário. - Já tenho algumas pessoas que se forem inteligentes, se juntarão a nós. Macário saiu da casa de Antenor cheio de planos. Pouco tempo depois, resolveu entrar em contato com uma empresa americana, a Cia. Acumuladores Prest-O-Lite que possuía sede em São Paulo. A Prest-O-Lite iniciou sua sociedade abrindo galerias 22


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nas terras de Macário, onde foi retirado no início: Galena, Cerusita e Carbonato de Chumbo. Em seguida, a Peñarroya Oxide S.A., empresa francesa, também fez parte desta sociedade porque conheciam bem a flotação, que na época, era uma operação de altíssima tecnologia. Com o tempo, foram saindo da sociedade da Mineração Boquira Ltda. a Prest-O-Lite e depois Macário, todos comprados pela poderosa Peñarroya, que criou a subsidiaria COBRAC - Companhia Brasileira de Chumbo. A COBRAC pertencia ao grupo francês Peñarroya e decide em 1960 iniciar a fabricação de ligas de chumbo. Então escolhe a Cidade de Santo Amaro da Purificação, estado da Bahia. A instalação da fábrica teria uma localização privilegiada, pois seu acesso seria através da Avenida Rui Barbosa, uma das principais vias de acesso ao Município de Santo Amaro da Purificação. E paralela a Av. Rui Barbosa, está o maravilhoso Rio Subaé. Os habitantes da cidade estavam felizes com a nova aquisição, pois a COBRAC no início trouxe inúmeras vantagens, como empregos e pagamento de impostos, isso fez gerar uma perspectiva de prosperidade ao povo santamarense. Mas aquela felicidade durou pouco, pois em 1961, apenas um ano após a COBRAC iniciar suas atividades em


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Santo Amaro da Purificação, estava estampada a manchete na primeira capa do Jornal O Archote de 16 de dezembro de 1961 – “COBRAC: FÁBRICA DE CHUMBO E DE MORTE”. “Os pecuaristas locais, tendo como cabeça, o Sr. José Andrade, preocupados com a grande mortandade de seu gado, contrata Dr. Hans K. F. Dittmar para investigar a causa. O técnico aponta a COBRAC como emissora de gases altamente venenosos. Esses gases seriam responsáveis pela morte de 250 burros, 200 cabeças de gado, além de grande quantidade de outros animais mortos. Consta ainda que pessoas também têm sido vitimadas. Tal fato foi denunciado pelo presidente da Câmara, Sr. Viraldo de Senna, que apresentou ao plenário, o relatório do engenheiro, tendo em vista, o perigo de vida que está submetida à população local.” Para remediar a situação, a COBRAC, “solucionou” o problema com a aquisição de todas as terras dos pecuaristas atingidos e os indenizou pelos animais mortos. Algumas medidas foram tomadas para o controle da contaminação atmosférica. Tudo parecia resolvido!

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Espinhos

Na década de 60 havia um conjunto famoso em Macaúbas, tendo como destaque os irmãos Sant´Ana. O baterista era Juarez Sant´Ana e como saxofonista, José Augusto Sant´Ana, mais conhecido como Chéu. O grupo era conhecido como “Os Cometas”. Costumavam tocar no Clube Social de Macaúbas, aniversários, leilões, e nas festas realizadas por Antenor, o farmacêutico. O grupo também tocou no casamento de Macário e a filha de Antenor, Yeda. Durante uma dessas apresentações, conheceram o Engenheiro Helder, que trabalhava na Mineração em Boquira. Juarez Sant´Ana foi convidado por Helder a fazer parte do quadro de funcionários da Mineração, assumindo o cargo de auxiliar de escritório e procurador da mineração junto ao I. A. P. E. T, hoje conhecido como INSS. No dia 28 de dezembro de 1963, sábado, era mais um dia tranquilo de trabalho na Mineração Boquira. De repente apareceu Manoel Dutra Seixas, mais conhecido por Nequinho, oferecendo aos funcionários do escritório, uma arma Taurus de calibre trinta e oito. Nequinho alegou precisar de dinheiro para comprar remédios para esposa, que além de grávida estava muito doente.


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Juarez Sant´Ana e outros funcionários do escritório, não demonstraram interesse em comprar o revólver, pois naquela hora, estavam se preparando para ir embora porque aos sábados, trabalhavam apenas meio-expediente. Vendo que não havia interesse de ninguém por ali, Nequinho se dirigiu a sala do gerente da Mineração, o português Carlos França Martins, queria apenas oferecer-lhe o revólver. O gerente ficou extremamente irritado e aborrecido, por Nequinho entrar em sua sala sem autorização e acabou expulsando-o da sala aos chutes e empurrões. Foi quando Nequinho, sentindo-se humilhado, sacou a arma atirando em França. Infelizmente o tiro foi fatal e os funcionários perplexos, acabaram chamando a polícia. Nequinho foi preso e o levaram para a casa do delegado, que ficou sob vigília de policiais. Após dois dias, o corpo de França foi velado na Igreja Nossa Senhora da Abadia, em Boquira. Naquele mesmo dia, o delegado achou melhor levar o preso para a cadeia pública e ao virar a rua da mineração, o Sr. Ladislau Kowalski, que também era funcionário da Mineração, incitou os operários que saiam do velório ao linchamento de Nequinho, uma cena triste de ser vista até mesmo em filmes. Com a morte de Carlos França, a mineração passou a ser chefiada pelo francês André Prieto. E como gerente, admirado por todos os operários, o Sr. Henry Granger 26


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também francês, conhecido por ser um homem sincero e preocupado com todos os empregados da mineração. O que o senhor Henry Granger tinha de bom, o outro francês tinha de maquiavélico, pois André Prieto era implacável com as pessoas que não se submetiam aos seus caprichos, costumava perseguir as pessoas com quem não simpatizava. Era conhecido por demitir pessoas sem qualquer motivo aparente. E esse foi o caso de Juarez Sant’Ana, no ano de 1966. Juarez Sant´Ana, ainda fazia parte do grupo musical “Os Cometas”. Isso o tornou um homem conhecido em toda a região. Por ser uma pessoa muito carismática e popular em toda cidade, foi convidado pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro, mais conhecido como PMDB, para ser um dos candidatos a vereador de Boquira. Naquela época a mineração obtinha todo o poder político e econômico da Região. Na cidade haviam somente dois partidos políticos: a Arena, dominada pela Mineração e o PMDB, que fazia parte da oposição. Dias antes da votação, bateram forte na porta da casa do Sr. Juarez Sant´Ana. Ele ficou muito assustado, ao notar que em seu relógio, marcava meia noite. Só pode ser notícia ruim! Ninguém incomodaria uma pessoa tão tarde, pensou Juarez. Ao abrir a porta, ainda sonolento, levou um susto ao ver Zezão e mais dois funcionários da Mineração.


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- Boa noite, Juarez. – cumprimentou Zezão, homem forte e conhecido por sua valentia. - Aconteceu alguma coisa? – perguntou preocupado. - Não aconteceu absolutamente nada, está tudo bem – informou Zezão sorrindo. – Estamos aqui em nome da Mineração, para lhe propor uma aliança que, será vantajosa para ambas às partes. - Que tipo de aliança tem a me propor? – perguntou Juarez desconfiado. - O que temos a lhe propor é muito simples. Você se aliará a mineração em decisões políticas e em troca terá seu emprego de volta – fez uma pequena pausa para avaliar a reação de Juarez e depois continuou. – Se tornará o Secretário da Arena e poderá até mesmo, chegar a Prefeitura de Boquira. O que me diz dessa proposta, Juarez? Juarez olhou incrédulo para aquele homem, que há muito tempo conhecia e respondeu indignado: - Eu me nego a participar dessas trocas de favores – respondeu irritado. – Minha consciência não permitiria melhorar minha situação financeira à custa da miséria desse povo. - Vamos lhe dar um tempo maior. Poderá refletir sobre as vantagens dessa proposta – concluiu um deles. – Não vejo em que, essa proposta poderia trazer miséria a esse povo. - Não tenho o que pensar – insistiu Juarez. 28


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- Sabemos que tem uma família grande – comentou Zezão. – Afinal, alimentar sete filhos não é uma tarefa nada fácil. - Meus filhos se alimentarão com o suor do meu trabalho. Durante toda minha vida, o alimento servido a minha mesa, foi e será de procedência limpa e honesta – disse Juarez irritado. Juarez notou que os mensageiros pareciam surpresos e confusos com sua atitude. - Diga a quem os enviou, que não alimento minha família com a miséria alheia. Apesar de ser um homem de poucos recursos, jamais me venderia a uma causa em que, não acredito e condeno. Aprendi desde criança, que um homem honrado possui as mãos e consciência limpa. - É isso o que tem a nos dizer? – perguntou Zezão. - Sim. Isso é tudo o que tenho a lhes dizer. Tenham uma boa noite – disse fechando a porta de sua casa. No dia das eleições, tudo ocorreu com tranquilidade. Mas na hora da apuração dos votos, Juarez acabou perdendo para o candidato da Arena. Novamente a cidade estava sob o comando e domínio da poderosa mineração. Chateado, resolveu procurar um velho amigo, para desabafar e falar de sua decepção. Professor Aroldo era um homem culto, inteligente e perspicaz. Era uma das raras pessoas que, de tudo conhecia um pouco.


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Frente a sua casa, bateu palma e logo viu o rosto sorridente daquele bom homem. - Juarez? – perguntou olhando pela janela. - Sim, sou eu mesmo. Abriu a porta e pediu que entrasse. - O que o trás aqui num momento tão importante? – perguntou curioso. - Perdi a eleição para um candidato da Mineração – disse entrando na casa. - Estou ciente do que ocorreu. Mas também soube que você foi o candidato mais votado de seu partido. - Do que isso adianta, se tudo vai permanecer como sempre foi. - Nem tudo está perdido – disse o professor Aroldo. - O que quer dizer com isso, professor? - Você foi eleito por voto em legenda. - O que significa isso? – perguntou interessado, sentando-se no sofá. - O voto em legenda é aquele em que o eleitor não indica um candidato para ocupar uma vaga, mas, sim, manifesta o desejo de que qualquer candidato daquele partido ou legenda possa exercer a função – sentou-se no sofá e depois continuou. – Como você foi o candidato do PMDB que mais obteve votos, então a cadeira é sua. - Cadeira? - Você tem direito a exercer o cargo de vereador, pois 30


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tem uma cadeira garantida na câmara dos vereadores. – disse sorrindo ao notar a alegria no rosto de Juarez. - O senhor tem certeza? - Claro que sim. Por isso estou confiante de que nem tudo está perdido nesse lugar – disse encorajando-o. Juarez agradeceu ao amigo e saiu para dar a notícia a sua família. No meio do caminho, encontrou o Juiz corrupto daquela cidade, que sorria ao vê-lo se aproximar. - Juarez, soube que perdeu a eleição. Sinto muito – disse sorrindo com desdém. - Excelentíssimo Senhor Juiz – disse com ironia. – Não fique triste, pois acabo de ser informado que fui eleito por voto em legenda. Já que sou o candidato mais votado do meu partido, tenho o direito à cadeira na câmara dos vereadores. Aquele sorriso debochado sumiu do rosto daquele homem, que apressadamente saiu sem se despedir. Juarez decidiu fazer a justiça funcionar naquele lugar. Iniciou sua empreitada tentando ajudar os lavradores que foram donos da terra da mineração. Foi buscar ajuda através de um advogado da região. Dr. Cistenas Oliveira, homem negro, alto e bem vestido, famoso por ser um excelente advogado em Caetité. Apresentou-o aos lavradores e pediu que os ajudassem a conseguirem ao menos os Royalties da Mineração em


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Boquira. Infelizmente, o advogado sumiu com parte do dinheiro que os lavradores haviam adiantado a ele. Mais tarde soube que outros advogados procederam da mesma forma, uns até melhoraram de situação financeira do dia para a noite. Após esse fato, a perseguição contra Juarez aumentou a ponto de proibirem qualquer funcionário da Mineração em Boquira, entrar em seu estabelecimento, sito a Rua Carlos França Martins, nome do gerente da Mineração assassinado. Ele recebia diariamente uma série de ameaças. Sentindo-se coagido e com medo que fizessem mal a sua família por causa dele, foi obrigado a fugir. Deixou a esposa e sete filhos na casa de parentes até possuir condições de trazêlos para São Paulo. Outra vítima foi o prefeito Eurípides Bonfim, homem que se recusou a submeter-se aos caprichos da tal mineração. Foi um candidato indicado pela própria mineração, porque fazia parte do quadro de funcionários. Como era uma pessoa pacata, pensaram que poderiam manobrá-lo como haviam feito com o antigo Prefeito, Dr. José Lins. Eles cometeram um ledo engano... Quando Eurípedes Bonfim se tornou Prefeito de Boquira, trabalhava na parte da manhã na Prefeitura e a tarde, na Mineração, como radiotelegrafista. Nos dois anos de sua administração, conseguiu trabalhar com tranquilidade, fez algumas obras muito 32


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importantes como a construção de um ginásio na cidade e várias escolas em municípios pequenos. Ao chegar o ano de 1969, data do terceiro ano de sua administração, os problemas começaram a aparecer quando o Sr. Prieto da Mineração, mandou seu motorista até a prefeitura, a fim de procurar o prefeito Bonfim. - Bom dia, Prefeito – cumprimentou educadamente o motorista. - Bom dia. Em que posso ajudá-lo? – perguntou o Prefeito. - Eu vim porque o Sr. Prieto pediu que o procurasse, para levar alguns documentos de registros de proprietários de terras inscritos no IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária). - Diga ao senhor Prieto que tais documentos não podem sair da Prefeitura – disse com firmeza. – Se ele realmente precisa de alguma informação, diga a ele que mande a informação que precisa, ou que me procure à tarde, quando eu for trabalhar na Mineração. O motorista saiu e logo em seguida estava de volta. - Prefeito, o senhor Prieto, mandou dizer que precisa mesmo é dos benditos documentos – disse constrangido o motorista. - Já lhe disse que os documentos não podem sair daqui – disse calmamente. - Mas o Prefeito José Lins, mandava esses registros


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para ele sempre que fosse preciso. - Certo. Isso pode ter acontecido em outra administração. Mas na minha administração, esses documentos segundo meu entender, pertencem aos legítimos donos das terras, não posso tirá-los daqui. Eles somente sairão da prefeitura, com autorização judicial ou com a autorização dos legítimos donos. Chegando a mineração, o prefeito procurou pelo Sr. Prieto. - Sr. Prieto, desculpa. Mas não posso entregar os documentos. Aquele homem ficou calado, não esboçou reação nenhuma, permaneceu estático e imóvel. O prefeito pediu licença e se retirou, pois não havia absolutamente mais nada a ser dito. Após esse dia, tudo ficou extremamente difícil para o prefeito e sua administração. O contador da prefeitura era o mesmo do antigo prefeito, esse começou a atrasar a contabilidade, após o ocorrido na mineração, sendo impossível continuar com seus serviços. O prefeito Bonfim decidiu contratar o Sr. Deslomar Galvão, contador do Departamento das Municipalidades de Salvador. No começo excelente profissional, mas depois, assim como o antigo contador, começou a encontrar jeitos de complicar as coisas. Como podem perceber tudo ficou 34


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complicado. Numa manhã, dois trabalhadores da Mineração, apareceram na prefeitura. - Prefeito Bonfim, viemos aqui para transmitir um recado referente a uma reunião onde participarão o exprefeito, o Sr. Prieto e dois vereadores. O senhor está convidado a participar dessa reunião também, informo desde já, que é de seu interesse participar dessa reunião. - Qual é o assunto da reunião? - O Sr. Prieto e Dr. José Lins (ex-prefeito) desejam aconselhar o senhor a renunciar o cargo de Prefeito. - Diga a eles que não participarei de nenhuma reunião, se é que podemos chamar uma baderneira dessas, de reunião. Não renunciarei ao meu cargo, pois nada tenho a temer. Devido a esse fato somado a alguns outros, tomei coragem e denuncie a Mineração e todos os corruptos daquela cidade, denunciei também o juiz de direito. Foram cinco ou seis folhas de papéis. Confiava plenamente no poder das Forças Armadas, enviei ao Presidente da República, Mal. Costa e Silva com cópias ao CSN “Conselho Nacional de Segurança”, órgão criado na época para assessorar o Presidente da República, ao SNI “Sistema Nacional de Informações” e a Policia Federal em Salvador, cujo delegado era o coronel Luiz Artur. O excelente delegado de polícia da cidade pediu demissão. Decidi ir até Salvador, para pedir ao Secretário de


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Segurança pública, a nomeação de um novo delegado para Boquira. Retornando a Boquira, Dona Áurea tesoureira da Prefeitura, veio até minha residência, tão logo soube da minha chegada. Parecia afobada e muito preocupada quando a olhei. - Prefeito Bonfim, infelizmente a notícia que tenho a lhe dar não é nada boa. – disse a tesoureira. - Que notícia é essa? – perguntei desconfiado. - O juiz requereu o livro caixa e levou para a Mineração Boquira – disse sentando-se à cadeira a sua frente. – Nos devolveu hoje, o livro completamente borrado. Pensei: “Quem tem Deus ao seu lado, não teme ao Diabo”. Sabia que nada havia feito de errado, tudo em minha administração era limpo e transparente. Estava com a consciência livre de culpa, sendo assim, não tinha porque temer. Na noite seguinte, me dirigi a Salvador para saber o que deveria fazer, me informei no Tribunal de Contas da União e quando retornei a Boquira, um amigo correu em minha direção. - Prefeito, o senhor sabe o que aconteceu na prefeitura? - Não. Mas então, me diga o que aconteceu? - Você não pode voltar lá, pois o Juiz e a Polícia Federal arrombaram a prefeitura e o cofre. Estão lá te 36


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esperando para prendê-lo. Fui preso. Vi até sair no jornal local: “Ex-prefeito de Boquira é preso, acusado por desvio de verbas da prefeitura pelo Juiz da cidade”. Agora perguntou a vocês: Pediria o apoio do Presidente da República, ao Conselho Nacional de Segurança, ao Sistema Nacional de Informações e até mesmo, a Polícia Federal se houvesse desviado verbas da Prefeitura? O meu maior crime foi confiar na justiça dos homens. Acreditei que não deveria temer por ser inocente, infelizmente acreditei na honra das pessoas a quem enviei minha denúncia. Não me vendi aos caprichos da Mineração em Boquira. Mesmo quando preso, não me senti envergonhado ou estúpido por ter sido honesto e honrado meus princípios, pois minha consciência não me acusa de absolutamente nada. Mas tenho orgulho em ser um homem incorruptível e honesto, mesmo pagando um preço altíssimo por isso. Ao sair da prisão, percebi que havia necessidade de abastecer o carro. Naquele dia estava junto com minha família, parei num posto e minha surpresa foi grande ao notar que, atrás do meu carro estava o juiz, a esposa, o filho e a babá. Aquele mesmo juiz que havia me condenado porque o denunciei. Mil ideias passaram por minha cabeça. Fiquei parado


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olhando para aquele homem que, de cabeça baixa olhava para o volante de seu carro. Ele parecia triste, não posso dizer com certeza se havia notado minha presença. Naquele instante não senti ódio ou raiva, somente pena, pois se eu fosse um bandido poderia matá-lo naquele exato momento. Soube tempos depois, que o tal juiz respondeu pela denúncia que fiz aos federais e houve a cassação de uma promoção a que teria direito. Não posso dizer com certeza se isso realmente aconteceu, pois são apenas boatos. "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto." Ruy Barbosa

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Nos dias atuais

Alessandro

estava completamente atônito com a

notícia que acabara de receber. Nunca imaginou que aquilo poderia acontecer com ele. Naquele momento não conseguia pensar e falar absolutamente nada, apenas permaneceu estático sem esboçar nenhuma reação frente a seu médico. - A medicina está muito avançada. Se fizer o tratamento corretamente, irá viver alguns anos, não dá para dizer exatamente quanto tempo – disse o médico. - Dr. Cláudio, se não é possível a retirada do tumor, então, não terá muito que fazer. Quanto tempo de vida terei? - Alessandro, como disse anteriormente a medicina avançou muito nos últimos anos. Se esse quadro clínico fosse há vinte anos, então seria um paciente com dias contados e em fase terminal. Não tenho como dizer, quantos anos poderá viver. Mas tudo irá depender de como seu corpo reagirá ao tratamento. - Que tipo de tratamento terá que fazer doutor? - Como já sabe, não poderemos retirar esse tumor, mas para diminuí-lo e evitar que se espalhe por todo o corpo, teremos que fazer a quimioterapia. - E quando iniciaremos o tratamento doutor? - O mais rápido possível – disse o médico com firmeza. - O ideal seria começarmos a partir de amanhã. Esse


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tratamento não será fácil, pois você precisa cooperar para que ele realmente funcione. E quanto mais rápido iniciarmos, maior a chance de dar certo. - E quais serão os efeitos colaterais? - Os medicamentos inicialmente serão muito fortes. Eles irão acabar completamente com seu paladar durante o tratamento, ou seja, deixará de sentir completamente o sabor dos alimentos. Os enjoos após as sessões de quimioterapia serão intensos, mas tentaremos controlar com alguns medicamentos – fez uma pequena pausa, olhou para Alessandro e continuou. – Sua parte será não faltar às sessões e se alimentar bem, só assim seu corpo responderá ao tratamento. Saiu daquele hospital sem saber o que deveria fazer, pois sempre ouviu falar daquela doença, mas nunca pensou que faria parte de sua vida algum dia. Alessandro aumentou o volume do rádio, como se aquele barulho, fosse capaz de desviar a atenção de seus pensamentos. O farol fechou e ele ficou pensando no que diria ao pessoal do escritório, quando seu cabelo começasse a cair, ou quando estivesse passando mal após as sessões de quimioterapia. De repente ouviu o barulho de buzina e notou que o farol já estava aberto, então partiu. Após chegar ao estacionamento do edifício, notou que 40


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o manobrista que guardar seu carro, estava com o sorriso de sempre no rosto. - Bom dia, doutor – cumprimentou o manobrista. - Bom dia – respondeu saindo do carro e dirigindo-se ao elevador. Será que ouviu direito ou aquele homem lhe respondeu? Trabalhava há dez anos naquele lugar e aquele homem nunca lhe dirigiu a palavra, nem mesmo para dizer bom dia. Isso é um verdadeiro milagre, pensou o manobrista. Alessandro entrou em seu escritório, cumprimentou a secretária e entrou em sua sala. Estava com a agenda lotada de compromissos, mas não teria condições para atender ninguém. Por sorte não havia nenhuma audiência marcada naquele dia. Resolveu pedir à secretária que remarcasse seus compromissos para outro dia, conforme a disponibilidade de sua agenda. Olhou para sua sala, ficou feliz ao notar que havia conseguido alcançar sucesso em sua carreira profissional. Seu escritório de advocacia era um dos melhores do Brasil. Ele se tornou uma lenda, por defender e ganhar causas praticamente perdidas. Hoje era dono de um escritório que ocupava três andares, num dos mais famosos endereços comerciais do Brasil, a Avenida Paulista. Ele pensou em tudo o que foi obrigado a abrir mão,


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para conseguir o sucesso profissional que havia alcançado. Assim que concluiu a faculdade, conseguiu uma vaga como assistente de um dos melhores advogados de São Paulo. No ano seguinte, conseguiu passar no exame da Ordem dos Advogados do Brasil e pediu uma chance para advogar em um dos diversos processos jurídicos daquele escritório, desde então nunca mais parou. Durante cinco anos, economizou todo o dinheiro que ganhava para junto com um amigo de faculdade, montar seu próprio escritório de advocacia. No início era apenas um escritório pequeno, mas bem localizado. Era somente uma espaçosa sala com um banheiro na Av. Paulista, pois o pai de seu sócio era o proprietário do imóvel e gentilmente cedeu aquele espaço, para ajudá-los a iniciar aquele empreendimento. Nos cinco anos seguintes, conseguiram juntar dinheiro suficiente para comprar dois andares inteiros num dos melhores edifícios da Avenida Paulista, nele havia até campo de pouso para helicóptero. O escritório de Advocacia Jordan & Marangoni, hoje era conhecido em todo o Brasil. Mas para chegar a ter sucesso, passou muitas noites sem dormir e finais de semana estudando vários processos. Não saía para se divertir como as outras pessoas, pois seu foco era a ascensão de sua carreira. Atualmente era um homem com quarenta e dois anos, com uma carreira profissional sólida e bem estruturada. Mas 42


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era completamente sozinho, pois seus pais haviam falecido há quinze anos, num acidente de carro. Nos últimos meses pensava em construir sua própria família, mas ao receber a notícia de sua doença, aquilo já não seria mais possível. Não teria coragem de se envolver com uma pessoa e fazê-la sofrer. Era um homem tão solitário que, nem mesmo teria alguém para deixar seus bens. Não gostaria que as pessoas se lembrassem dele como um homem amargo, não permitiria que o sofrimento, o levasse a se transformar numa pessoa revoltada e rancorosa. Seu foco seria aproveitar cada instante de vida que ainda lhe restava. Já não poderia se dar ao luxo do tempo, precisava aprender a viver cada dia, como se fosse o último. E agradeceria por cada minuto que Deus permitisse continuar vivo. Gostaria de fazer algo, que o fizesse sentir-se bem e orgulhoso de si mesmo. Algo que diminuísse a culpa por ter defendido, há anos o lado errado de muitas histórias, pois se tornou uma lenda, fazendo exatamente isso, o culpado tornar-se inocente. Abriu seu notebook para ler os e-mails do dia. Mas não havia nada de interessante, apenas respondeu os mais importantes. Precisava desabafar com alguém a respeito de sua doença, talvez assim, conseguisse sentir-se aliviado por dividir aquele problema com alguém.


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Pensou em seu sócio, mas logo mudou de ideia, quando lhe ocorreu que essa notícia o deixaria muito abalado. César era seu grande e único amigo, sempre tiveram os mesmos ideias e objetivos desde a época da faculdade. Após tornarem-se sócios e conviverem dia a dia, tornaram-se como verdadeiros irmãos. Estava desligando o computador, quando ouviu seu telefone tocar, atendeu e ouviu a voz de Maebi do outro lado da linha. - Dr. Alessandro, temos um grande problema, precisamos tentar resolvê-lo. - Qual é o grande problema que temos a resolver, Maebi? – perguntou sorrindo ao lembrar-se da notícia que havia recebido naquela manhã. Nada poderia ser pior do aquilo, pensou. - Rosana pediu demissão pela manhã, pois seu esposo foi transferido para Inglaterra e ela irá com ele. - Então precisaremos encontrar uma segunda assistente. Procure alguns currículos enviados através do site da empresa, selecione apenas oito currículos, para uma entrevista amanhã. Desligou o telefone e percebeu que já estava na hora do almoço. No elevador, apertou o botão do subsolo. Aguardou até que o manobrista trouxesse o carro. Nesse instante, percebeu que o sorriso habitual daquele homem havia 44


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sumido de seu rosto, parecia preocupado e inquieto. Suprimiu o desejo de lhe perguntar se havia acontecido alguma. Não conseguia entender o que estava acontecendo, não havia lógica estar preocupado com um simples manobrista. A partir da descoberta de sua doença, notou que tudo estava diferente em sua vida, começava a se importar com as pessoas, até mesmo com homem. Somente nesse momento, Alessandro percebeu que infelizmente, para se proteger do mundo e das pessoas havia criado uma barreira. Isso o ajudou a se proteger de coisas ruins, mas só agora se deu conta de que também afastava de si as coisas boas. Lembrou-se do tempo em que sua mãe trabalhava como cozinheira em boas escolas particulares. Ela fazia isso, para que ele ganhasse bolsa integral de estudos, pois seus pais jamais teriam condições de pagar uma escola. Trabalhando como cozinheira, poderia dar ao seu único filho uma educação de qualidade. Infelizmente quando seus amigos descobriam que sua mãe era a cozinheira da escola, começavam a ridicularizá-lo na frente de todos. Para se proteger das pessoas, ele escondeu que sua mãe era a cozinheira da escola e não fez mais amizade com ninguém, tornara-se uma pessoa solitária e aprendeu a não se importar com ninguém a sua volta, desse modo evitava sofrimento e decepção.


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Nunca sentiu vergonha de sua mãe, pelo contrário, sabia que ela era uma guerreira e poderia ter um emprego melhor. Mas sacrificava-se numa cozinha, para que ele tivesse condições de ter uma boa educação e consequentemente maiores oportunidades na vida. Ela costumava dizer que nada levávamos desse mundo, a não ser o “saber”, pois o saber morria com seu dono. Ele sempre soube aproveitar o que sua mãe lhe ofereceu. Sempre foi um aluno brilhante. Estudava muito para conseguir alcançar as melhores notas e talvez futuramente, conseguisse passar numa universidade federal. E aconteceu exatamente como havia planejado. Passou na melhor universidade federal de São Paulo. Ainda conseguiu recompensar os pais que já estavam aposentados. Deu-lhes uma belíssima chácara em Jundiaí. Sua mãe realizou o sonho de construir uma horta orgânica, onde durante algum tempo, conseguiu comer alimentos sem agrotóxicos. Mas Deus levou os dois num acidente estúpido, onde um caminhoneiro dormiu ao volante batendo no carro deles, que não conseguiu desviar a tempo da colisão. Todos morreram naquele acidente. Meses depois, processou a empresa culpada pelo acidente, que acabou com a vida de três pessoas. Essa empresa obrigava os funcionários a entregarem cargas num curto espaço de tempo, não dando 46


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as horas adequadas, para que seus caminhoneiros dormissem o suficiente, a fim de evitar acidentes como aquele. Ganhou uma boa indenização. Parte desse dinheiro conseguiu comprar trinta por cento da parte de seu sócio, tornando-se assim, sócio majoritário do escritório. Comprou também mais um andar naquele mesmo edifício. Agora seu escritório de advocacia possuía três andares e muitos advogados para conseguir cumprir os vários processos que entravam todos os dias naquela empresa. Seus pensamentos foram interrompidos pelo manobrista. - Doutor, seu carro está aqui – disse o manobrista. - Você parece preocupado, aconteceu alguma coisa? – indagou preocupado. - São as preocupações do dia a dia. Preciso aprender a esconder minhas preocupações. Afinal, ninguém tem culpa dos meus problemas. - Posso ajudá-lo? - Estou precisando entregar um trabalho na escola sobre Chernobyl. Não consegui encontrar tempo para ir a Lan House. Como estamos no final do mês, estou sem dinheiro para mandar imprimir o bendito trabalho. Mas vou dar um jeito nisso, sempre consigo. Deus sempre ajuda quem se esforça para vencer na vida – disse sorrindo com convicção. - Qual é o horário de seu almoço?


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- Às treze horas, doutor. - É o tempo em que estarei de volta. Quando chegar, subiremos até meu escritório para ver o que podemos fazer. Dr. Alessandro notou que aquele homem parecia aliviado, por saber que alguém o ajudaria. - Obrigado, doutor. Nem sei como agradecê-lo. Às vezes a ajuda vem de quem menos se espera. Saiu daquela garagem feliz por estar ajudando aquele pobre homem. Percebeu naquele instante, que se cada pessoa se importasse com seu próximo, todos viveriam num mundo mais acolhedor e justo. São pequenos atos do nosso cotidiano que fazem uma diferença incrível no final. São com pequenos gestos que podemos fazer uma grande diferença na vida das pessoas. Ao retornar do almoço, o manobrista guardou seu carro e depois os dois subiram até o escritório. Maebi parecia curiosa ao ver o manobrista entrar junto com o Dr. Alessandro em sua sala. - Você poderá usar aquele computador – disse apontando para um computador que estava encostado no canto da sala. - Obrigado, doutor. - Entre em algum site de buscas e escreva a palavra Chernobyl, terá várias opções a escolher. Depois de alguns minutos, aquele homem parecia espantado com algo escrito na internet. 48


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- Meu Deus! Há uma reportagem na internet com o seguinte titulo: “A Chernobyl Brasileira: Santo Amaro da Purificação - BA”. Já ouviu falar disso doutor? - Está me dizendo que existe um lugar no Brasil, com uma contaminação semelhante à de Chernobyl? - Está escrito na internet – disse confirmando. – O doutor já ouviu falar, que no Brasil tivemos uma contaminação igual à de Chernobyl? - Jamais ouvi falar a respeito dessa contaminação – disse preocupado. - Pois é doutor, também nunca ouvi falar a respeito desse assunto, mas pelo que vejo isso aconteceu. - Que tipo de contaminação houve nesse lugar? - Pelo que estou lendo na reportagem, os funcionários foram contaminados por chumbo e essa empresa foi responsável pela morte de milhares de pessoas. Nela havia a fabricação de lingotes de chumbo e foi fechada no ano de 1993, deixando a céu aberto toneladas de materiais tóxicos. Esses materiais provocou a contaminação do Rio Subaé. Para piorar a situação, esse rio abastece todo o município de Santo Amaro da Purificação, Bahia. Aquelas águas foram contaminadas por chumbo e cádmio, metais extremamente nocivos à saúde humana. - Nunca ouvi falar dessa história. Sempre ouvimos falar de fatos ocorridos em outros países, mas não me recordo dessa notícia. Provavelmente os noticiários não


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deram muita ênfase no caso. - Verdade. Estudamos sobre Chernobyl, mas nunca ouvimos falar ou estudamos a contaminação que houve em nosso próprio país. Às vezes pensamos que miséria como essa, acontece somente em outros países. Aquele homem terminou de imprimir seu trabalho escolar, agradeceu por sua ajuda e saiu. Sentia-se confuso, havia uma parte dentro de si muito triste, por causa da notícia que recebera a respeito de sua saúde. Mas a outra parte sentia-se satisfeita, porque ajudou aquele pobre homem vencer mais um pequeno obstáculo de sua vida. Decidiu buscar na internet, mais dados sobre o caso da contaminação por chumbo. Encontrou no portal G1 da globo.com, uma notícia com a data de vinte e nove de abril de dois mil e oito. Nessa reportagem, havia a informação do número de vítimas feita pelo chumbo daquele caso que, chegaram a duzentas e noventa e seis pessoas. A última morte fora registrada no sábado, dia vinte e seis de abril de dois mil e oito. Agora com certeza, deveria ter um número bem maior de vítimas.

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Que país é esse?

Encontrou

vários vídeos na internet que falavam

sobre a contaminação, mas um deles tocou seu coração de maneira especial. A história do Sr. José Silvério Figueroa. Essa é uma história muito parecida com a de muitos ex-funcionários daquela mineradora. “Durante vinte e cinco anos trabalhei duro naquele lugar. Minha única recompensa foi adquirir uma doença causada pela contaminação por chumbo no sangue, conhecida como saturnismo. Essa doença trouxe a perda do equilíbrio de meu corpo, perdi também a visão do olho esquerdo, sou hipertenso, tenho transtorno bipolar e por fim, a paralisia toma conta de meu corpo lentamente. Estou cansado de ver meus amigos morrerem, deixando esposa e filhos desamparados. A morte para muitos aqui, significava o término de anos de sofrimento. Essa doença acaba com a saúde das pessoas, pouco a pouco, dia a dia, lentamente. Muitos acabam seus dias, com a mentalidade de uma criança, usando fraldas, não sabem discernir o certo


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do errado, não tem noção de quem são e já não reconhecem as pessoas, enfim, vivem em seu próprio mundo, pois não são capazes de compreender o que acontece ao seu redor. Nessa cidade, estamos entregues a justiça divina, pois a justiça dos homens, há anos nos abandonou a nossa própria sorte. Promessas políticas, nunca se concretizam nesse lugar. Minha gente, um país bom para se viver é feito por um governo justo, que luta em favor de seu povo e pelo crescimento de seu país, nunca o contrário. O que temos é um bando de covardes que usavam de discursos inflamados de boas intenções, quando na verdade, em seus corações só há o desejo de enganar seu povo com falsas promessas. E são esses covardes que nunca fiscalizaram as atividades poluentes daquela empresa francesa, que durante décadas lucrou milhões com o nosso minério e como pagamento, deixou seus trabalhadores doentes e montanhas de lixo tóxico, como chumbo e cádmio expostos a seu aberto, ocasionando a contaminação do solo e das águas do Rio Subaé, rio esse, que abastece as casas de Santo Amaro da Purificação. 52


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Aqui há sobreviventes de uma carnificina, causada pela ambição de uma empresa francesa, que nunca considerou seus funcionários, ou até mesmo o povo local, como seres humanos. O pior de tudo foi o descaso do governo brasileiro com seu povo, que nada fez para impedir essa tragédia. Eu sei que minha saúde acabou, mas preciso gritar, para que o Brasil inteiro saiba: Existe um lugar onde pessoas estão morrendo contaminadas, como em Chernobyl. Essa contaminação é por chumbo e cádmio metais extremamente perigosa à saúde humana. Deixo a todos que estão assistindo essa reportagem, uma pergunta, para que pensem e reflitam: Que país é esse que, vendo seu povo morrer, permanece de braços cruzados? Aquele vídeo mudara completamente sua vida. A reflexão deixada por aquele homem humilde mostrava que todos nós temos uma pequena parcela de culpa, quando ignoramos o que acontece ao nosso redor. Decidiu ajudar aquele homem. Pegou o telefone e ligou para a secretária. - Maebi, preciso que me ajude a encontrar o telefone de uma pessoa. - Sim. Qual é o nome dessa pessoa, doutor?


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- O nome dessa pessoa é José Silvério Figueroa, mora na Bahia, numa cidade chamada Santo Amaro da Purificação. - Não se preocupe, não será difícil encontrá-lo. Ele desligou o telefone e pediu em oração, que Deus o enviasse uma assistente competente que o ajudasse com aquele caso, embora há muitos anos, não acreditasse mais em Deus.

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A resposta

Naquele

mesmo dia, Alexia estava feliz por

conseguir pegar seu diploma do curso de direito, que concluiu com muito sacrifício e determinação. Lembrou-se o quanto foi difícil ter que trabalhar e estudar. Durante o dia trabalhava com telemarketing. A noite atravessa a cidade pegando ônibus e trem lotado, para conseguir chegar à faculdade. Além de tudo isso, tinha que fazer milagre com o salário que recebia, pois com ele só conseguia pagar a faculdade e o transporte. Seu pai costumava ajudar com o dinheiro para comprar as apostilas e os livros que não conseguia encontrar na biblioteca da faculdade ou de seu bairro. Durante cinco anos, não havia dinheiro para comprar uma única peça de roupa ou sapato. Para dizer a verdade, não havia dinheiro sobrando, nem mesmo para comprar uma bala. Estava muito emocionada ao conseguir pegar seu diploma na secretaria da faculdade. Ficou um pouco chateada por não ter dinheiro para participar do baile de formatura. Mas já era uma grande vitória conseguir concluir aquele curso, sem deixar nenhuma pendencia. Agora a meta era passar no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, pois só com ele, poderia advogar perante um juiz. Se não


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conseguisse, teria que continuar trabalhando como assistente até alcançar essa meta. Ouvi o celular tocar e procurou por ele em sua bolsa. Foi difícil encontrá-lo, pois sua bolsa sempre andava muito de cheia e encontrar alguma coisa ali, era um verdadeiro sacrifício. Até que finalmente encontrou. - Filha, conseguiu pegar seu diploma? – ouviu a voz de sua mãe do outro lado da linha. - Sim. Ele está em minhas mãos nesse exato momento – concluiu sorrindo, sem acreditar que finalmente, tinha aquele diploma em suas mãos. - Parabéns, Alexia! Mas não estou telefonando por esse motivo. Nesse exato momento, tenho uma excelente notícia para lhe dar. - Diga logo mãe, pois estou curiosa. Qual é a notícia? - É sobre aquele escritório grande que você enviou um currículo. Uma mulher ligou e disse que terá uma entrevista amanhã às oito horas. Informaram que a vaga é para segunda assistente do Dr. Alessandro Jordan. - Mãe, você consegue recordar qual é o nome do escritório? - Sim. O nome é Jordan & Marangoni. - Tem certeza? – perguntou sem acreditar no que acabara de ouvir. - Claro. Eu até anotei o nome, pois não conseguiria lembrar-me de um nome tão difícil como esse. 56


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- Mãe, minha vida irá mudar muito a partir de agora – disse animada. - Parece um emprego muito bom. - Sim. É o maior escritório de advocacia de São Paulo. Minutos depois desligou o celular e caminhou até chegar ao ponto de ônibus. As coisas estavam começando a dar certo. Alexia havia passado por muitas dificuldades e seus esforços estavam sendo finalmente recompensados. Ela recordou de um dito popular que sua mãe sempre dizia: “Ninguém vence na vida comendo doce e para alcançar nossos objetivos, temos que correr atrás deles”. Ao chegar em casa, percebeu que sua mãe não estava na cozinha, como era de costume. - Mãe, onde você está? – perguntou em voz alta. - Na lavanderia, estou estendendo algumas roupas no varal – gritou a mãe. - Nem acredito que finalmente consegui pegar o diploma. E o melhor de tudo isso, é que amanhã tenho uma entrevista num grande escritório de advocacia. - As coisas estão começando a dar certo, Alexia. – disse a mãe sorrindo. - Onde está seu diploma? Vá buscar minha filha, pois quero vê-lo. Nesse momento, foi até a sala e pegou o diploma. Logo em seguida, entregou a mãe que já estava na cozinha preparando o jantar.


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- Tenho muito orgulho de você, sei que não foi fácil conseguir concluir esse curso – disse abraçando Alexia. – Mas nunca deixei de acreditar que você conseguiria. - Obrigada, mãe. Sei que não teria conseguido sem a ajuda de vocês – falou emocionada. - Preciso tomar uma ducha para conseguir relaxar um pouco. Foi ao banheiro e ficou meia hora debaixo do chuveiro, deixando que aquela água quente escorresse por seu corpo cansado. Sentiu que toda a tensão do dia estava indo embora. Agora era só saborear o apetitoso jantar que sua mãe havia preparado. Ela já havia colocado a mesa do jantar quando chegou à cozinha. Percebeu que sua mãe olhava para o relógio, pareceria preocupada. - Seu pai está demorando, foi ao mercado e ainda não voltou. - Hoje é o dia em que as pessoas costumam receber o salário do mês, o supermercado provavelmente deve estar lotado – informou Alexia encostada na geladeira. Alexia ajudou sua mãe a preparar uma salada para o jantar, quando seu pai finalmente chegou. Ele parecia cansado com aquelas sacolas nas mãos. Noel é era um homem com um coração maior do que a terra, pois sempre procurava ajudar as pessoas que o procuravam. Era capaz de dar a roupa que vestia se alguém precisasse. Sua mãe às vezes precisa chamá-lo a razão, pois às vezes, as 58


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pessoas acabavam se aproveitando dele. Apesar de serem pobres em sua casa nunca faltou absolutamente nada. Seu pai sempre foi um homem muito trabalhador. Alexia não se recordava de vê-lo faltar um único dia em seu trabalho. - Boa noite, minhas meninas – cumprimentou colocando as sacolas no chão da cozinha. - O supermercado estava lotado. As filas estavam imensas, pensei que nunca conseguiria sair daquele lugar – resmungou seu pai. - Boa noite, Noel. Alexia tem novidades para lhe contar. - Diga minha filha, conseguiu pegar o bendito diploma? – perguntou curioso. - Sim, peguei meu diploma e amanhã terei uma entrevista num escritório de advocacia. - As coisas estão começando a dar resultado. Vemos que valeu a pena tanto sacrifício! – concluiu. Naquela noite, a comida estava deliciosa como sempre. Alexia falou sobre suas metas durante todo o jantar, conversaram animadamente sobre o Corinthians que jogaria naquela noite. Seu pai e ela eram Corintianos, enquanto sua mãe era Santista. Hoje haveria uma guerra dentro daquela casa, pois o Santos jogaria contra o Corinthians, naquela noite. Após o jogo, decidiram parar de aborrecer sua mãe pela vitória do Corinthians, pois estava começando a ficar


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irritada com as piadinhas que seu pai dizia. Alexia resolveu escovar os dentes e em seguida foi para o seu quarto. Precisava escolher uma roupa adequada para a entrevista de amanhã. Ao abrir o guarda-roupa, observou que não havia muitas opções. Pensou em recorrer à ajuda de sua mãe, pois usavam o mesmo número de roupa e calçado. Eram muito parecidas: cabelo preto, olhos azuis, corpo esbelto e a altura de ambas, não eram muito comum em mulheres, mais de um metro e oitenta. - Mãe, você tem alguma roupa bonita para me emprestar? Em meu guarda-roupa, não vejo nada que sirva para colocar numa entrevista. - Alexia, dê uma olhadinha em meu guarda-roupa e escolha o que quiser. - Mãe o que poderia vestir para esta entrevista? – insistiu - Ajude-me, por favor! – disse em tom de súplica. - Veja se encontra uma saia preta justa e a blusa de seda branca. Acredito que irão ficar bem em você. Gostou da sugestão de sua mãe, pois aquela roupa ficou perfeita em seu corpo. Resolveu colocar um sapato preto de salto que havia ganhado de uma amiga. Pronto, a combinação ficou perfeita, pensou. Agora que estava tudo separado para vestir amanhã, dormiria mais tranquila, pois entraria em pânico se deixasse tudo para última hora. Tudo em sua vida tinha que ser pré60


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determinado, assim tudo ficava mais fácil e prático. Na manhã seguinte, acordou assustada quando notou o sol bater em sua janela. Estava atrasada para a entrevista, não daria tempo de tomar uma única xícara de café. Por sorte o ônibus não demorou a passar, apesar de extremamente lotado a ponto de não conseguir tirar o pé do lugar, caso o fizesse, teria que permanecer com somente um pé no chão até chegar ao seu destino. Subiu no elevador do suntuoso edifício da Av. Paulista. Sentiu um pouco de tontura, pois aquela era uma manhã quente e abafada, fazia dias que não chovia e a sensação térmica na rua era infinitamente maior do que o registrado nos termômetros espelhados por toda a cidade. Na recepção, disse seu nome e uma mulher a levou até uma espaçosa sala, ricamente mobiliada, com sete pessoas que também aguardavam serem chamadas. Quando Alexia entrou na sala, percebeu que chamou a atenção dos demais candidatos. Possuía uma estatura invejável, um metro e oitenta e cinco de altura, isso chamava atenção por onde passava. Era dona de um corpo esguio, não por ser adepta a malhação, mas por não ter facilidade em engordar. Detestava fazer exercícios físicos, mas costumava caminhar muito para economizar dinheiro, talvez isso a ajudasse a manter seu belo corpo. De repente uma porta se abriu e apareceu um homem alto e muito atraente. Parecia ter aproximadamente um metro


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e noventa e oito de altura e seu cabelo era preto, já começava mostrar alguns fios brancos, olhos acinzentados e um belíssimo corpo atlético. Era uma figura que exala poder, pois a secretária parecia pouco a vontade com sua presença. - Maebi, providencie o telefone do deputado Valdemar Kavinsky do estado da Ceará – disse de forma autoritária. – Preciso disso para ontem, pois quero falar com esse homem urgente a respeito de um dos processos que estou trabalhando – disse fechando novamente a porta. A secretária parecia perdida com o pedido feito por aquele homem. - Meu Deus, esse homem pensa que tenho bola de cristal. – disse em voz alta. - Ele nunca falou com esse bendito deputado na vida e eu tenho que dar conta desse telefone – disse indignada. Parecia nervosa e sem saber por onde começar. – Ele pensa que é fácil conseguir o telefone particular de um deputado – resmungou com indignação. Naquele momento, Alexia saiu daquela sala e ligou para um amigo que trabalhava na recepção da Câmara dos Deputados. Pediu a ele que conseguisse o telefone do tal deputado. Minutos depois, seu amigo retornou a ligação com o número do celular daquele homem. Parece que Deus está do meu lado, pois talvez esse 62


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fato me ajude a conseguir o emprego, pensou. Minutos depois, a secretária chamou por seu nome, passando-a na frente dos demais candidatos. Entrou na belíssima sala do entrevistador e percebeu que ele examinava seu currículo atentamente, até que finalmente voltou sua atenção para ela. - Soube que você conseguiu o telefone do deputado – fez uma pausa e continuou. - Sempre é tão eficiente? – perguntou com olhar examinador. - Tenho um amigo que trabalha na Câmara dos Deputados, resolvi pedir a ele o telefone. Parece que foi uma excelente ideia, pois agora estou aqui na sua frente. Aquele homem baixou os olhos para o papel que estava a sua frente e parecia examiná-lo atenciosamente. - Seu nome é Alexia – disse lendo o currículo. Acabou de concluir o curso universitário, trabalhou com telemarketing e não possui experiência alguma nessa área – olhou novamente ela. – Porque acha que a contraria para trabalhar comigo, já que não possui experiência nenhuma nessa área? Engoliu em seco sem saber o que dizer naquele instante, pois aquele homem a deixava sem ação, em sua cabeça havia somente uma enorme tela branca, não conseguia pensar em nada a dizer. Veio-lhe a mente o conselho de seus amigos de faculdade, ao desencorajá-la a enviar seu currículo para os


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grandes escritórios de advocacia. Eles diziam que o melhor a fazer, era começar com os pequenos escritórios para conseguir um pouco de experiência. - Então, me responda – insistiu aquele homem. Porque deveria contratá-la? – disse impaciente. – Você é uma mulher extremamente bonita, talvez seu lugar não fosse num escritório de advocacia e sim nas passarelas – concluiu com descaso. - Desculpe senhor, não estudei tanto tempo para andar em passarelas. Tenho certeza absoluta, que ao me contratar terá a melhor assistente que já passou por esse escritório. – disse fingindo ter uma convicção longe de realmente existir. Aqueles olhos pareciam querer intimidá-la, mas algo fez com que se acalmasse e tentasse manter o equilíbrio. - Posso não ter experiência, mas tenho alguns fatores a meu favor. Aprendo com extrema facilidade, busco a excelência em tudo o que faço – tirou a mecha de cabelo do rosto e prosseguiu. - Sou uma pessoa com iniciativa, detalhista e não costumo desistir das coisas facilmente. Acredito que fatores como esses são importantes para o cargo que tem vago. - Porque devo contratar você e não o outro candidato? - Além de tudo o que falei, darei o melhor de mim e não cometerei erros, já que existem outros candidatos que poderão me substituir, caso prove não ser merecedora de pertencer a essa empresa. 64


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Ele a olhou por um longo momento até que finalmente decidiu falar. - Parece ser uma mulher muito determinada, gosto disso – baixou os olhos e parecia pensar enquanto olhava os papéis sobre sua mesa. Finalmente voltou a olhar para ela e sorriu de maneira envolvente. - Devo estar louco, mas lhe darei uma chance – disse sorrindo mostrando dentes incrivelmente brancos. – Ao sair, diga a secretária para dispensar os demais candidatos. Aproveite e peça a lista de documentos que deverá trazer para sua contratação. Alexia suspirou aliviada, não conseguia acreditar que havia conseguido aquela vaga. - Muito obrigada, senhor... – ficou constrangida por não saber o nome dele, afinal não haviam lhe informado o nome do entrevistador. - Eu sou o Dr. Alessandro Jordan. Irá ser minha nova assistente a partir de amanhã – informou. – Agora vá e amanhã compareça às oito horas em ponto, não suporto atrasos – baixou os olhos novamente para os papéis em cima de sua mesa. Ao sair da sala, falou à secretária que o doutor havia pedido que dispensasse os demais candidatos e solicitou a lista de documentos que deveria trazer para a sua contratação. - Ele a contratou? – perguntou. – Doutor Alessandro é


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realmente uma caixinha de surpresas. - Sim, ele me contratou. Porque está tão espantada com a minha contratação? - Simplesmente porque havia pessoas com mais experiência que você. Seja bem-vinda, com certeza deve ser muito eficiente, pois o Dr. Alessandro é muito criterioso na escolha de seus assistentes. A secretária a levou até o Departamento Pessoal, onde preencheu a ficha de contratação e pegou a lista de documentos que deveria trazer no dia seguinte. Um rapaz simpático levou Alexia a outros andares, que também pertenciam à advocacia. Ele a apresentou a todos que ali trabalhavam. Quando já havia resolvido tudo, o rapaz pediu que o office-boy entregasse à ficha de admissão à secretária, para que fosse assinada por doutor Alessandro. Despediram-se e pediu que chegasse amanhã às oito horas e antes do almoço desse uma passadinha ao Departamento Pessoal, para entregar os documentos. Alexia caminhou em direção ao elevador e avistou o Dr. Alessandro que apertava o botão para chamá-lo com impaciência. Aquele homem se vestia com elegância e bom gosto, sem dúvida era o homem mais cheiroso que já conheceu em sua vida. Sua colônia cítrica possuía um aroma másculo que combinava perfeitamente com o poder que representava 66


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naquele escritório. Aquela colônia cítrica masculina era simplesmente marcante. O elevador chegou. Ele abriu a porta para que ela entrasse, apertou o botão do subsolo e perguntou em que andar ela desceria. Notou que não havia aliança alguma em seu dedo, pelo jeito deveria ser um solteirão convicto, mas não dava para ter certeza, pois grande parte dos homens de hoje, não costumavam usar aliança. No elevador havia um silêncio constrangedor até que chegaram ao andar térreo, onde Alexia desceu e o doutor prosseguiu até o subsolo. Seu celular tocou. Ela procurou por ele desesperadamente até que finalmente conseguiu encontrá-lo, dentro daquela bolsa cheia. Era sua mãe querendo saber se havia conseguido o emprego. Saiu daquele edifício, conversando com ela pelo celular. Quando de repente, ouviu um carro frear bruscamente parando quase em cima dela. Nesse momento sentiu sua visão escurecer e não enxergou mais nada. Após alguns segundos, abriu os olhos que estavam ligeiramente embaçados e notou que um homem muito alto estava chamando uma ambulância, pelo jeito, deveria ter desmaiado. - Senhor, não haverá necessidade de chamar uma ambulância, pois eu me sinto bem agora – disse levantandose do chão envergonhada ao notar o pequeno grupo de


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pessoas a sua volta. Seus olhos aos poucos voltaram ao normal. Notou que o homem alto, era o doutor Alessandro, parecia visivelmente aliviado ao vê-la levantar-se. - Meu Deus, você está bem? – perguntou intrigado. - Me desculpe doutor. O dia está muito abafado e quente, talvez minha pressão tenha baixado – informou constrangida. - Você comeu alguma coisa hoje? – perguntou preocupado. Lembrou que não havia tomado o café naquela manhã, pois havia acordado tarde. - Não comi nada pela manhã, pois hoje acordei atrasada. - Vamos almoçar agora e depois a levarei ao hospital, para ver se está tudo bem com você – pegou-a pelo braço e abriu a porta de seu carro para que entrasse. - Estou bem, não vejo necessidade de levar-me a nenhum hospital. Ele entrou no carro e deu a partida dispersando aquele pequeno aglomeramento de pessoas. - Quantos anos você tem? – perguntou visivelmente irritado. - Tenho vinte e seis anos – disse embaraçada. - Com sua idade as pessoas já deveriam saber que não pode andar por aí, sem olhar com atenção ao passar em 68


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frente a uma garagem. - Desculpe, eu estava falando com minha mãe no celular e acabei me distraindo – ela não sabia o que dizer, pois tudo o que dissesse, não justificaria sua atitude irresponsável e infantil. Olhou para as mãos que seguravam aquele volante, eram grandes, bonitas e bronzeadas e suas pernas pareciam musculosas sob o tecido da calça. Notou que seu nariz era levemente arrebitado e ainda havia aqueles irresistíveis olhos acinzentados. Dr. Alessandro era sem dúvida, um homem muito bonito. De repente ele virou o rosto em sua direção. Ela notou que aqueles olhos acinzentados a olhavam com uma expressão divertida, talvez tenham percebido que o estava observando atentamente. Tentou disfarçar, pois ele conseguia deixá-la totalmente embaraçada e insegura. - Chegamos – informou o doutor. Estava abrindo a porta do carro, quando ele a deteve abruptamente. - Espere – saiu do carro e em seguida abriu a porta para que ela saísse. Uma mulher simpática veio atendê-los na porta do restaurante. Ela os levou até uma mesa e informou que o garçom os atenderia em alguns instantes. O garçom realmente não demorou a aparecer trazendo o cardápio.


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Os olhos de Alexia saltaram ao observar os preços daquele lugar. O que faria? É muita miséria para um só dia. Primeiro, havia perdido a hora e precisou sair correndo porque estava atrasada. Depois, pegou aquele ônibus lotado, em seguida quase foi atropelada e desmaiou caindo dura no chão. Agora não tinha dinheiro para comprar absolutamente nada daquele lugar, constatou Alexia. Ele fechou o cardápio e olhou em sua direção, aguardando que escolhesse algo. - Vou ter que ir embora doutor, pois o dinheiro que tenho em minha carteira, não daria para pedir a sopa deste lugar – falou em voz baixa para que a pessoa ao lado, não ouvisse. Ele soltou uma gargalha espontânea e depois se conteve, ao notar que as pessoas olhavam curiosas em sua direção. - Não se preocupe com os preços e escolha o que desejar, pois hoje você é minha convidada – disse com um sorriso perturbador. A aparência da comida era maravilhosa, mas estava nervosa demais para conseguir sentir o sabor de qualquer coisa. Conversaram durante todo o almoço. Desde o início a conversa fluiu espontaneamente, parecia que se conheciam há muito tempo. Dr. Alessandro confessou que não nasceu rico como seu sócio, mas tudo o que conseguiu foi com muito 70


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esforço, dedicação e muito trabalho. Disse que havia perdido os pais num acidente há quinze anos, mas ainda sentia muita falta deles. Confessou que sua mãe havia trabalhado como cozinheira em escolas particulares, para que tivesse direito a bolsa de estudos. Assim estudou nos melhores colégios de São Paulo. Ela ficou encantada e impressionada com a história daquele homem. Comentou que as coisas para ela, também nunca foram fáceis, principalmente concluir a faculdade. Confessou que muitas vezes pensou em desistir. Sorriu ao comentar que muitas vezes passou fome, por não ter dinheiro para comprar um único lanche, só conseguia se alimentar quando chegava meia-noite em sua casa. - Minha mãe tem uma frase que sempre me ajuda na hora de tomar uma decisão e manter-me firme nas horas difíceis. - Qual é a frase? – perguntou Dr. Alessandro. - Na vida tudo tem um preço, nada é de graça. Precisamos decidir se vale a pena pagar o preço ou não. - Concordo com sua mãe, pois para conseguirmos alguma coisa nessa vida, precisamos de empenho e determinação. Precisamos estabelecer metas e nos esforçarmos para atingi-las. Nenhum sucesso é alcançado se não corrermos atrás daquilo que desejamos, pois as coisas não caem do céu. Quando saíram do restaurante, Alexia agradeceu o


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almoço e perguntou se havia alguma estação de metrô por perto. - Entre em meu carro. Eu a deixarei em frente a uma estação metrô. Após deixá-la na estação, Alexia resolveu passar na casa de uma amiga de faculdade. Gení era uma de suas melhores amigas, costumavam fazer todos os trabalhos de faculdade no mesmo grupo. Ela sempre a incentivava a não desistir de seus objetivos. - Alexia, sempre soube que você conseguiria um emprego como esses, pois você é persistente em tudo o que faz. Esse escritório com certeza fez uma excelente contração.

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Tudo tem um propósito

Ao

chegar à sua casa, Alexia sentiu um delicioso

aroma no ar. Sua mãe já havia preparado o jantar daquela noite. - Alexia, é você? – gritou sua mãe da cozinha. - Sim – respondeu. – Estou muito feliz por ter conseguido aquele emprego, mãe – sentou numa das cadeiras e olhou para sua mãe que parecia preocupada. – O que aconteceu, parece que está preocupada? - Seu pai ainda não chegou e não avisou que chegaria tarde hoje. Será que aconteceu alguma coisa? - Sabe que às vezes, não consegue avisá-la de que irá fazer hora extra - argumentou tentando acalmá-la. – Não tem porque se preocupar. Logo estará em casa. - Eu não consigo me acostumar com essa mania que, vocês têm de não avisar que irão chegar tarde – disse nervosa. – Você também tem essa mania, sabe que fico preocupada e não avisa. Alexia achou melhor mudar de assunto, pois sabia que acabaria ouvindo o mesmo sermão de sempre. - Hoje definitivamente foi o dia do mico – olhou para a mãe que parecia interessada no que tinha a dizer. – Você não pode imaginar o que aconteceu hoje. Alexia descreveu em detalhes, tudo o que havia ocorrido naquele dia. Sua mãe parecia cada vez mais


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pensativa, não sabia se estava analisando o que falava, ou se estava preocupada por seu pai não haver chegado. Ela era uma mulher diferente, tinha um sexto sentido aguçado. Conseguia prever algumas situações, mas nunca deu muita importância para aquilo, costumava dizer que analisava as coisas através do bom senso. Certa vez, alertou Alexia sobre uma amiga. Mas Alexia, não quis acreditar no que dizia sua mãe. Aborrecida, acusou-a de rogar praga em tudo o que fazia, porque tudo acontecia exatamente como havia previsto. Naquela época, sua mãe ficou extremamente magoada não lhe dirigindo a palavra, por uma semana. Pouco tempo depois, sofreu uma das maiores decepções de sua vida, pois essa amiga fez exatamente o que sua mãe havia previsto. Hoje costumava dar atenção ao que ela dizia, pois não sabia se realmente conseguia prever as coisas, ou se possuía bom senso ao analisar um fato. - Filha, sabe que as coisas não acontecem por acaso. Tudo na vida tem um propósito, nenhuma folha cai do céu, sem que Deus tenha um propósito para aquilo. - O que quer dizer com isso? – perguntou confusa. - Que este homem entrou em sua vida de modo diferente. Preste atenção, vocês tem uma ligação muito forte. - Mãe, a senhora sempre me assusta. Ela sorriu mudando de assunto. Conversaram sobre diversas banalidades até que 74


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finalmente seu pai chegou. - Boa noite, minhas princesas, antes que brigue comigo, – disse olhando para sua mãe - não consegui ligar porque meu celular está totalmente descarregado – disse pegando da mochila o celular completamente sem bateria. - Onde estava? – perguntou sua mãe aborrecida. - Estava fazendo hora extra, faltou uma pessoa e acabou atrasando todo o serviço. Então pediram para que eu ficasse até mais tarde. Noel olhou para Alexia e sentou-se a seu lado. - Filha, conseguiu o emprego? - Sim e já começarei amanhã. - Sinceramente, não estou surpreso. Você mandou tantos currículos que, com certeza alguém a chamaria. Alexia, quando corremos atrás daquilo que desejamos, o céu conspira a nosso favor. Andou a segunda milha, então os resultados serão maiores. Alexia lembrou-se que sua mãe costumava dizer que, era necessário andar a segunda milha porque enquanto as pessoas faziam apenas o convencional, os que andavam a segunda milha, faziam além do que era exigido, então obtinham resultados maiores, do que as pessoas que ficavam esperando as coisas caírem do céu. Costumava dizer que, ter fé em Deus é muito importante, mas depois de uma oração cheia de fé, você precisa: levantar, ir e fazer.


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Hoje foi o dia mais importante da vida de Alexia, pois iria começar a trabalhar na área de sua formação. Pegou uma das poucas peças novas que havia em seu guarda-roupa. Era um vestido preto de malha, que ganhara de sua mãe, quando fizera aniversário no ano anterior. Nunca tivera a oportunidade de vesti-lo. Pegou também um conjunto de bijuterias douradas para dar sofisticação a roupa. Decidiu usar um sapato de salto para quebrar a informalidade do vestido e optou por uma maquiagem leve em seu rosto. Estava feliz ao olhar-se no espelho, mas ficou preocupada com o que usaria amanhã, pois havia pouquíssimas roupas adequadas para usar em seu trabalho. Saiu do quarto, foi até a cozinha onde estava sua mãe. - Preciso do seu cartão de crédito para comprar umas roupas, não tenho o que vestir amanhã – pediu à mãe que estava lavando a louça da noite anterior. - Sim, estava pensando exatamente nisso ontem à noite – saiu da cozinha e voltou com o cartão de crédito. – Compre peças básicas que combinem com tudo. - Preciso ir embora, senão chegarei atrasada. Dr. Alessandro disse que não suporta atrasos. - Acha mesmo que um homem com todo aquele dinheiro chegará ao escritório às oito horas em ponto? – indagou sorrindo. 76


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- Não faço a menor ideia, mas não quero dar chance ao azar – pegou um pedaço de bolo e saiu em direção à porta. Mal chegou ao escritório e doutor Alessandro mandou chamá-la. Ao entrar em sua sala, notou que ele a olhou com admiração. - Gostaria que me ajudasse a montar um processo importante, teremos muito trabalho pela frente. O processo é sobre a Chernobyl brasileira já ouviu falar? – olhou para Alexia que, parecia tão surpresa quanto ele ao ouvir aquela notícia. – Estou falando da contaminação por chumbo de uma Mineração que contaminou a cidade de Santo Amaro no estado da Bahia. - Está me dizendo que existe um lugar na Bahia, onde pessoas foram expostas a contaminação? – indagou Alexia. - Sim. Existe a contaminação do solo e da água por chumbo e cádmio em níveis endêmicos além de outros metais. - Há quanto tempo existe essa mineradora poluindo a água dessa cidade? Nunca ouvi falar sobre isso. - Tudo começou em 1953, onde um Padre chamado Macário Maia de Freitas, encontrou um mineral diferente em Boquira. Desconfiado que aquele material brilhante fosse chumbo e o fizesse um homem rico, enviou a pedra para analise num laboratório do Rio de Janeiro e lá ficou provado que realmente era chumbo.


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O telefone tocou e Dr. Alessandro levantou-se para atender. Minutos depois, sentou-se novamente a seu lado, para explicar-lhe melhor aquela história. - Padre Macário e um farmacêutico, chamado Antenor Alves da Silva, compraram por uma bagatela as terras do minério que pertenciam a lavradores, embora alguns desses lavradores, afirmem nunca terem aberto mão de suas terras. - Que história estranha, um padre que larga a batina para se tornar dono de uma mina, parece até filme de Hollywood – disse sorrindo. - Quando terminar de contar a história verá que, não se parece um filme, mas um conto de terror – ironizou o doutor. Ele olhou para ela sorrindo e continuou. - Esse homem largou a batina e se tornou o primeiro proprietário da mina. Conseguiu a posse das terras juntamente com o farmacêutico que, mais tarde se tornou seu sogro. - Doutor Alessandro, esse tal Macário é um homem muito esperto, mas não parece ter dinheiro suficiente para colocar uma mineradora em funcionamento – olhou para ele, que aparentemente parecia compenetrado nos papéis a sua frente. – Estou contando como tudo ocorreu, para que você consiga entender todo o processo. - Sim, precisamos conhecer a história para entender 78


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como tudo ocorreu. - A usucapião que cedia direitos ao Vigário e ao sogro, foi comprovada no dia 25 de março de 1954 no Cartório e Tab. de Macaúbas e o Oficial Efetivo era o Sr. Bernardino Borges dos Santos e está no Livro de nº. Três fls. 46 a 49. - O que continua me intrigando nessa história é o fato de que, ele e seu sogro não possuíam dinheiro para fazer funcionar essa mineradora – insistiu nesse detalhe. - Onde eles conseguiram o dinheiro? - Exatamente. Eles não possuíam dinheiro – continuou Dr. Alessandro. – Ofereceram sociedade a multinacionais que faziam uso do minério. Primeiro a se juntar a eles foi a Cia de acumuladores Prest-O-Lite, depois a Peñarroya Oxide S/A. Essa última empresa acabou comprando toda a mina de chumbo. A Peñarroya fazia parte do poderoso Grupo Rothschild. Nesse momento ouviram o telefone tocar e ele levantou-se para atender, parecia bastante contrariado. Após a ligação, pediu à secretária, que não o interrompesse com nenhuma outra ligação naquele dia. Em seguida olhou em sua direção e disse: - Você gostaria de tomar uma xícara de café ou chá? - Não, obrigado doutor. Estou curiosa para saber o que aconteceu – disse pegando um bloco para anotar as informações. Ele a olhou demoradamente e voltou a sentar-se a seu


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lado. Meu Deus! Como gostaria de tê-la conhecido alguns anos antes, pois Alexia era a mulher que ele sempre havia procurado. Era simples, inteligente e autêntica, pensou com tristeza. Precisava se concentrar no que estava fazendo, olhou para ela com um sorriso triste e continuou. - A história realmente começa quando a Mineradora Boquira foi vendida a empresa francesa Peñarroya Oxide S/A. – disse o doutor. – Essa empresa faz parte do poderoso Grupo Rothschild que atualmente é líder mundial na produção de óxidos de chumbo. A Peñarroya, desde 1994, faz parte do Grupo METALEUROP que, atualmente, detém 60% do mercado europeu e 25% do mercado mundial em seu segmento de atividades. Ele parou por um momento, olhou para Alexia e sorriu. Será que realmente era a pessoa certa para ajudá-lo naquele caso? Precisa de alguém que se interessasse por aquele caso, tanto quanto ele. Teria que ser uma pessoa com sede de justiça, para ganhar aquele caso. Resolveu continuar relatando o que ele e Carla haviam descoberto dias antes. - Essa Peñarroya criou em 1958, para atuar no Brasil, a subsidiária COBRAC - Companhia Brasileira de Chumbo. A COBRAC operou em Santo Amaro-Bahia, no ano de 1960. Era uma fábrica que produzia lingotes de chumbo – 80


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interrompeu a leitura e virou-se para ver quem havia aberto a porta do escritório, sem ao menos bater. Alexia olhou em direção a porta e viu entrar uma linda mulher. Ela parecia aborrecida ao notar sua presença naquela sala. - Alessandro, precisamos conversar a respeito do processo da Mineração, pois descobri algo novo – disse olhando para Alexia. - Bom dia Carla – falou num tom irônico. Aquela mulher lhe lançou um olhar de ódio e desprezo que a fez engolir em seco. - Bom dia Alessandro. Quem é essa mulher? – perguntou com desdém. - Seu nome é Alexia – respondeu. – Ela será minha segunda assistente. - Seja bem-vinda, Alexia. Sou a primeira assistente do Dr. Alessandro. Meu nome é Carla Tamaris. - Obrigada, Carla. Será um grande prazer trabalhar com você. - Então, como estava dizendo, descobri algo interessante sobre a mineração – disse Carla. - Deve ser algo muito importante mesmo, pela maneira como entrou em meu escritório. – observou o doutor aborrecido. - Desculpe estava um pouco ansiosa, mas posso esperar até que você acabe o que está fazendo, depois


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falaremos sobre o assunto. - Decidi colocar Alexia como assistente nesse processo, pois você não demonstrou interesse desde o princípio. Você irá me auxiliar no processo de Goiás a partir de hoje. - Sinceramente, penso que esse processo não irá trazer lucro algum a esse escritório. Mas já que está tão interessado, resolvi buscar mais dados para terminarmos o mais rápido possível com esse processo. - Como já disse, Alexia irá me auxiliar no processo – afirmou com firmeza, para que não houvesse dúvidas a respeito de sua decisão. - Você é quem sabe – dirigiu-se a porta batendo com força ao fechá-la. Ele reparou que Alexia parecia constrangida com a situação. - Carla é uma excelente assistente, mas tem um temperamento extremamente difícil – disse tentando amenizar a situação. – Infelizmente nem tudo é perfeito disse balançando os ombros. Ela olhou para o relógio e percebeu que eram duas horas da tarde e estava começando a sentir fome. Ele observou que Alexia olhava para o relógio e sorriu. - O tempo passou tão rápido que acabei me esquecendo de sua hora de almoço. Peço desculpas, pois já são duas horas da tarde. – olhou para ela por um breve 82


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instante e levantou-se. - Precisamos almoçar, pois não a quero ver desmaiando pelo escritório – disse em tom de brincadeira. - Eu estou bem e se quiser podemos continuar durante o almoço. - Está bem, vamos almoçar e discutiremos sobre o processo durante o almoço. - Eu não tenho dinheiro para almoçar, mas trouxe uma fruta de casa para comer. - Você tem direito a vale alimentação, não lhe entregaram? – perguntou preocupado. - Não. O rapaz do Departamento Pessoal, pediu que fosse antes do almoço falar com ele, talvez esse fosse o motivo. - Vá pegar o seu vale alimentação e podemos pedir algo para comermos aqui no escritório. Tem certeza que deseja continuar falando sobre o processo durante o almoço? - Claro que sim. Estou curiosa para saber o final de toda essa história. Alexia saiu da sala e dirigiu-se ao Departamento Pessoal. Lá lhe entregaram o bilhete único e o vale alimentação. Foi até a sala de Maebi, pois precisava do telefone onde pudesse pedir um lanche. - Preciso de sua ajuda, Maebi – informou sorrindo. Você teria o telefone de alguma lanchonete que faça entregas


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de lanches por aqui? - Doutor Alessandro, mandou que fizesse o pedido dos lanches para vocês. Liguei em sua sala, mas não a encontrei – disse parecendo constrangida. – Pedi um x-salada e um suco de laranja para você, tudo bem? - Claro Maebi, nem sei como agradecê-la. - Doutor Alessandro está na sala esperando por você. Alexia bateu na porta e entrou. - Maebi fez o pedido dos lanches. Eles deverão chegar em quinze minutos – disse sorrindo. Ela olhou para aquele homem e percebeu que ele estava muito pálido. - Está cansado? Está um pouco abatido. – indagou olhando para o doutor que aparentava não estar bem. - Estou precisando tirar férias, mas temos tanto serviço por aqui, que isso parece até um sonho – informou sorrindo. O doutor começou a organizar a papelada que estava em cima da mesa e Alexia estava curiosa para saber mais detalhes sobre aquele processo. - Vamos continuar enquanto o lanche não chega? – perguntou Alexia, impaciente. Ele sorriu satisfeito ao perceber seu interesse no processo. Ele levantou-se e foi até sua mesa, pegou um papel e entregou a ela. 84


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- Esse papel conta a história da contaminação que nosso cliente sofreu, devido à falta de equipamentos de segurança, enquanto trabalhava na empresa. Alexia leu o papel e pareceu ficar bastante comovida com o depoimento que ele deu na entrevista. - Ele parece bastante consciente da omissão das autoridades nesse caso. - Sim. Ele é um homem muito inteligente e tem esperança que as pessoas se mobilizem, ao tomar conhecimento da situação em que foram obrigados a viver durante anos. - Vamos continuar com a história, pois estou interessada em saber, como ocorreu tamanha contaminação. - Paramos na parte em que a COBRAC iniciou suas atividades no ano de 1960, correto? – perguntou o doutor. Ela balançou a cabeça confirmando. - A mina de chumbo ficava em Boquira, enquanto a fábrica foi instada em Santo Amaro, Bahia – disse o doutor. Ouviram bater na porta e ele levantou-se para atender. Era o lanche que havia acabado de chegar. Ele pagou os lanches e voltou a sentar-se a seu lado. - Podemos continuar depois que comermos - entregou o lanche de Alexia e continuou lendo o processo, enquanto tentava abrir sua embalagem sem sucesso. - Como conseguiram o fechamento dessa bendita fábrica? – indagou Alexia.


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- Só conseguiram o fechamento dessa fábrica, quando um pesquisador da Faculdade de Química da Universidade Federal da Bahia, de nome Oscar Nogueira, foi testar o uso de um instrumento chamado “Espectrofotômetro de absorvição atômica”. Com aquele aparelho, percebeu que havia contaminação não só por chumbo, mas também por cádmio nas águas do Rio Subaé. - Seria muito importante, tentarmos falar com esse homem, pois sempre existem fatos que às vezes foram esquecidos ou não foram relatados – propôs Alexia. - Você tem razão Alexia – ele olhou-a de maneira tão carinhosa que fez seu coração acelerar. – Vamos pensar a respeito disso mais tarde. Terminaram de comer o lanche e Alexia recolheu da mesa as embalagens vazias, jogando-as no lixo. - Você fará uma viagem comigo a Bahia, ficaremos num hotel modesto, pois este caso pode não dar certo, afinal estamos mexendo com figurões do primeiro mundo. - Sabe doutor, parece que estamos voltando à época do descobrimento do Brasil. Onde já se passaram mais de quinhentos anos e a história continua se repetindo. O primeiro mundo continua extraindo as riquezas do Brasil e lucrando com o que é nosso. - Sim, passaram-se mais de quinhentos anos e ainda não aprendemos a defender o que é nosso. - Quando iremos à Bahia? - perguntou curiosa 86


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- Amanhã. – respondeu pegando o telefone. No telefone, pediu a Maebi que fizesse reservas para amanhã. Precisaria de duas passagens aéreas para Salvador e reservas para um bom hotel em Boquira ou Macaúbas. Ao desligar, sentou-se ao seu lado novamente. - Acho melhor você ir embora, pois precisa arrumar sua mala para a viagem. Iremos ficar por lá três ou quatro dias – informou. – Acredito que será tempo suficiente para levantarmos dados importantes para o processo. - Você tem o telefone desse pesquisador? - Ele trabalha na Universidade Federal da Bahia, acredito que não será difícil encontrá-lo. Alessandro olhou para a mesa e organizou os papéis dentro de uma pasta. - Antes de sair, peça a Maebi para tirar as fotocópias desse processo e leve para sua casa. Gostaria que estudasse o processo com calma. Ouviram o telefone tocar e Dr. Alessandro atendeu, era Maebi passando informações sobre a viagem. Após desligar o telefone ele informou: - O voo sairá às nove horas da manhã. Em Salvador teremos que pegar um avião particular até Boquira, pois existe um campo de pouso por lá. Assim não perderemos tempo – disse o doutor entregando-lhe a pasta do processo, para que as cópias fossem tiradas. - Aguarde até que as fotocópias do processo fiquem


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prontas e depois vá para sua casa, pois precisa se organizar para a viagem. - Em qual aeroporto devo me dirigir amanhã? - Aeroporto de Cumbica. Não se atrase, compareça meia hora antes. - Até amanhã, doutor Alessandro. Saiu de sua sala e notou que Maebi parecia aborrecida. Seus olhos pareciam marejados de lágrimas. - Aconteceu alguma coisa, Maebi? – perguntou a secretária. - Ninguém consegue ficar feliz, com os ataques de mau-humor de Carla – comentou pegando o lenço para enxugar suas lágrimas. - Posso ajudá-la? - Não. Estou bem, mas muito obrigada por tentar ajudar-me. – olhou para ela com simpatia e suspirou dizendo: - Tome cuidado, pois aquela mulher, quando está com ciúmes do doutor Alessandro, parece uma víbora pronta a atacar virou-se para atender ao telefone que estava tocando. Saiu da sala sem entender o que havia acontecido. Mas ao chegar a sua sala, Carla aguardava por ela sentada em sua cadeira. - Você irá com Alessandro para Bahia? – perguntou séria. - Sim, decidimos conversar com algumas pessoas para entender melhor o que aconteceu naquele lugar – informou 88


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sentando em uma cadeira. – Gostaríamos de juntar mais fatos importantes para o processo, talvez isso nos ajude futuramente. - Sério? – perguntou com desdém. – Todo o material que existe naquele processo, consegui por telefone e pesquisas na internet. - Excelente trabalho! – abaixei a cabeça sem saber o que dizer. – Acredito que podemos juntar provas importantes, se visitarmos algumas pessoas afetadas pela contaminação. - Esse processo pode não trazer um mísero centavo a este escritório. Esses fatos ocorreram a mais de vinte anos atrás, estamos mexendo com pessoas poderosas do primeiro mundo – informou com rispidez. - Mas ainda existe a possibilidade de encontrarmos algo novo, que dê força a esse processo – disse com firmeza. – Ainda podemos fazer algo para ajudar nosso cliente que foi exposto a toda aquela contaminação e fazer com que a justiça prevaleça. Eles precisam pagar tudo o devem a ele, pois não tem mais saúde para trabalhar. - Minha querida, aqui não é uma instituição de caridade – saiu de sua sala batendo a porta. Estava feliz demais para deixar-se aborrecer com alguém naquele dia. Ao chegar a sua casa, contou a sua mãe sobre a viagem e sobre a contaminação. Ela ficou perplexa ao saber que pessoas haviam sido


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contaminadas por metais perigosos a saúde e nada havia sido feito durante anos. - Filha, tome cuidado com a água daquele lugar. Não deve bebê-la nem sob tortura. - Mãe, nós ficaremos em Boquira e não em Santo Amaro, onde ocorreu o grande foco de contaminação – sorriu dando-lhe um beijo no rosto para acalmá-la. – Não fique preocupada, ficarei bem. - Por favor, me ligue dando notícias. Você sabe que eu morreria se acontecesse algo a você. - Eu te amo, mãe. Não saberia viver sem o seu amor e cuidado. Mas não precisa se preocupar, não tomarei nenhum gole daquela água – disse dando-lhe um beijo no rosto. Entrou em seu quarto e começou a arrumar a mala. Decidiu levar somente roupas leves e confortáveis. Sua mãe apareceu em seu quarto e sorriu ao notar sua indecisão diante do guarda-roupa. - Filha, vai precisar de algo emprestado? - Não mãe, pois naquele lugar é aconselhável usar roupas mais simples e confortáveis. Estou devolvendo seu cartão, não deu tempo para comprar absolutamente nada. Mais tarde fez uma rápida revisão daquele processo e depois acabou dormindo. Acordou com sua mãe chamando para jantar. Seus olhos estavam pesados, pois estava com muito sono e extremamente cansada. Decidiu tomar apenas um copo de 90


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leite e foi dormir.


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A viagem

Minha

mãe levou-me até ao aeroporto naquela

manhã. - Mãe pelo amor de Deus, presta atenção no que está fazendo! – olhou assustada para o carro que acabara de buzinar, pois sua mãe quase entrou na contramão. - Eu não vi que era contramão – disse nervosa. Quando Alexia chegou ao aeroporto, respirou aliviada. Sua mãe definitivamente não nasceu para dirigir, pois ninguém naquele planeta conseguia dirigir pior do que ela. Até seu pai que aceitava tudo com tranquilidade, recusava-se terminantemente a andar com ela dirigindo o carro. - Lembre-se de me ligar quando chegar – cobrou sua mãe, dando-lhe um beijo no rosto. Esperou que saísse do carro e partiu em seguida. No aeroporto, percebeu que havia chegado uma hora antes do combinado. Resolveu ir até o banheiro para retocar a maquiagem. Olhou-se no espelho e constatou que estava pálida e assustada. Recordou-se de sua mãe ao volante e não pode deixar de sorrir. Jamais conhecera alguém que dirigisse como ela, pensou sorrindo. A imagem do espelho refletia uma mulher bonita e bem vestida. Naquela manhã estava usando uma calça preta social e uma blusa lilás com um belo decote “V” que 92


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valorizava seus seios. Ela admitiu naquele momento, que o motivo de seus olhos estarem tão brilhantes naquela manhã, era o fato de que em breve, se encontraria com o doutor. Ele era o homem com quem sonhou a vida inteira, mas infelizmente não teria a menor chance. Aquele homem jamais se interessaria por uma mulher como ela. Ele era um homem bonito e importante, enquanto ela era apenas uma pobre moça do subúrbio sem experiência nenhuma de vida. Ao se preparar para sair do banheiro, notou que sua mala havia sumido do lugar onde havia deixado, entrou em desespero ao perceber que havia sido roubada. Saiu do banheiro na esperança de encontrar alguém carregando sua mala, mas não encontrou ninguém. Provavelmente a pessoa que lhe havia roubado, ficaria frustrada, pois mão encontraria nada de valor. Logo avistou Dr. Alessandro, que naquela manhã, usava uma calça jeans preta e uma camisa branca, parecia bem mais jovem, com aquela roupa menos conservadora. - Você chegou no horário – elogiou. – Onde estão suas bagagens? - Fui ao banheiro para retocar a maquiagem, quando fui pegar minha bagagem, percebi que havia sido roubada – disse com lágrimas nos olhos. - Acalme-se. – pegou o lenço do bolso e ofereceu a ela. – Havia alguma coisa de valor? - Não, somente minhas roupas – respondeu tentando


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se controlar. – Não trouxe cartão de crédito e minha mãe não conseguiria chegar a tempo de trazer outras roupas – disse desesperada. - Fique tranquila – disse tentando tranquilizá-la. – Infelizmente nos aeroportos esses roubos se tornaram constantes. Quando chegarmos à Bahia, você poderá comprar algo para vestir. - Mas não trouxe dinheiro suficiente para comprar roupas. - Eu pagarei, depois posso descontar de seu salário em várias prestações – disse piscando com sorriso encantador. - Desde que o conheci, não faço outra coisa a não ser lhe dar trabalho - falou olhando para ele, que parecia estar se divertindo com o comentário. - Sim, não consigo esquecer o dia em que quase a atropelei – comentou sorrindo. – A situação atual é menos preocupante, pois naquele dia, pensei que tivesse se machucado. Entraram no avião e acabaram sentando-se em lugares diferentes, pois Maebi havia conseguido sua passagem, somente após a desistência de uma pessoa. Alexia ficou satisfeita por sentar-se na janela, assim poderia apreciar a bela paisagem. O dia estava com uma temperatura agradável, quase não havia nuvens naquele céu, extremamente azul. A aeromoça deu as instruções habituais e após algum tempo, foi servido alguns petiscos. 94


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A viagem foi tranquila e sem nenhuma turbulência, conseguiram chegar às onze e meia da manhã. Ao saírem do aeroporto, doutor Alessandro resolveu dar uma volta pela redondeza. - Teremos tempo suficiente para comprarmos algumas roupas para você, pois conseguimos fretar um helicóptero para daqui a duas horas. Foram em algumas lojas próximas ao aeroporto e conseguiram comprar algumas roupas para Alexia. Ele era um homem paciente e discreto, pois na hora em que escolhia alguns lingeries, ele se manteve a distância, observando outros produtos na loja. Escolheu também alguns calçados e ainda sobrou tempo para que comessem alguma coisa. O helicóptero chegou e embarcaram para Santo Amaro – BA. Ela estava com tanto medo, que nem conseguia apreciar a bela paisagem. Dr. Alessandro percebendo que Alexia estava tensa sorriu de maneira encantadora e segurou sua mão carinhosamente. Tudo aconteceu de forma inesperada, ela sentiu um calor estranho ao sentir o toque de suas mãos. Já não sabia se era o medo, ou se aquele homem mexia com sua estrutura, através de um simples toque. Ela estava começando a se apaixonar por ele. Sabia que não deveria se apaixonar por um homem como aquele, mesmo porque, jamais conseguiria despertar seu interesse.


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Apaixonar-se por Dr. Alessandro não era algo lógico, aliás, aquilo não tinha a menor lógica. Quem disse que, existe alguma lógica no amor? Seus pensamentos estavam confusos e desordenados naquela manhã. Seus olhares se encontraram naquele momento, parece que aquele homem conseguiu ler seus pensamentos. Havia paixão em seu olhar, quando sentiu os lábios dele tocarem os seus num beijo macio, suave e inocente. Quando seus lábios se afastaram percebeu que estava perdida, pois jamais conseguiria esquecer-se daquele beijo. - Me perdoe, não acontecerá novamente – disse ele afastando-se visivelmente intrigado. Eu quero muito que aconteça novamente, pensou Alexia, mas não tinha coragem de dizer aquilo. Simplesmente concordou em silêncio. Ao descerem do helicóptero, já havia um táxi os esperando para levá-los até um hotel em Boquira. O hotel era pequeno e simples, mas tudo parecia limpo e organizado. Ela ficaria no quarto ao lado do Dr. Alessandro. Pegaram o elevador, que os levaria até o quarto. - Eu sei que deve estar cansada, mas precisamos encontrar o pesquisador. Pedirei a recepcionista que faça a ligação para a Universidade Federal da Bahia e com sorte, encontraremos o pesquisador por lá. - Dr. Alessandro, levarei minhas bagagens até meu 96


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quarto e em seguida irei até o seu, para fazermos a ligação – disse Alexia saindo do elevador. Ao entrar em seu quarto, observou que tudo ali era simples e organizado. Havia um pequeno banheiro, um guarda-roupa, uma mesa com um computador e uma televisão antiga. Apesar de não possuir requinte algum, aquele lugar era muito limpo e acolhedor. Olhou para sua cama e os lençóis estavam bem esticados e extremamente brancos. Aquele lugar não deixava dúvidas, quanto a sua higiene. Abriu a porta e foi até o quarto do Dr. Alessandro. Bateu duas vezes na porta e por fim ele abriu. - Desculpe, estava fazendo a barba – disse apontando para que entrasse - A recepcionista não conseguiu falar com o pesquisador, pois informaram que ele havia acabado de sair da faculdade. - E agora, o que faremos? – disse sentando-me numa cadeira em frente ao computador. - Podemos entrar no site da companhia de telefonia do estado da Bahia e tentarmos conseguir o telefone de sua residência através de seu nome. Ela ligou imediatamente o computador e entrou no site de telefonia, lá encontrou o número do telefone e o endereço do tal pesquisador. Dr. Alessandro pegou o número, que Alexia havia encontrado e discou imediatamente.


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- Boa tarde, poderia falar com Dr. Oscar Nogueira? Diga a ele que é um advogado de São Paulo, Dr. Alessandro Jordan. - Pois não, sou eu mesmo. Em que posso ajudá-lo? - Boa tarde, Dr. Oscar. Sou Alessandro Jordan, do escritório de advocacia Jordan & Marangoni de São Paulo – disse apresentando-se. - Tenho um caso contra a Mineração e gostaria de saber se, o senhor foi o pesquisador da Faculdade de Química da Universidade Federal da Bahia que usou o Espectrofotômetro para medir a quantidade de chumbo do rio Subaé? - Sim. Em que posso ajudá-lo? - Preciso saber o que exatamente descobriu em relação à contaminação por chumbo no Rio Subaé. - Claro, quando quiser é só marcar o dia e a hora para falarmos sobre o assunto. - Não ficarei muito tempo por aqui, por isso tenho urgência em falar com o senhor. - Se quiser falar comigo agora, estarei disponível. - Claro, onde podemos nos encontrar? Dr. Alessandro pegou o papel, anotou o endereço. Em seguida agradeceu e desligou. - Estamos com muita sorte, Alexia. – disse sorrindo. - Conseguiu falar com pesquisador? – indagou curiosa. - Sim, vamos nos encontrar daqui à uma hora em sua casa, pois não fica longe daqui. 98


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Pediram na recepção do hotel um táxi, pegaram a pasta do processo e saíram. Pouco tempo depois, o táxi parou em frente a um edifício de vidro muito bonito. Dr. Alessandro apertou o interfone para falar com o porteiro. Após identificar-se, o porteiro informou que, o doutor Oscar os aguardava em seu apartamento. Subiram de elevador e se olharam felizes por conseguirem encontrar aquele homem. Ele apertou a campainha e uma senhora veio atendêlos. - Boa tarde, o Dr. Oscar os aguarda em seu escritório – disse a senhora. O pesquisador era um homem de sessenta e poucos anos, magro, cabelo branco, estava sentado em uma cadeira frente a uma enorme mesa de vidro. - Boa tarde – cumprimentou-os. - Boa tarde, Dr. Oscar. É um grande prazer conhecêlo – disse Alessandro - Em que posso ajudá-los? – disse apontando para que sentassem junto a ele. - Temos um cliente que é uma das vítimas da Mineração. Precisamos de ajuda a fim de juntarmos fatos para montar o processo, gostaríamos de saber o que exatamente descobriu em sua pesquisa em relação ao Rio Subaé – disse sentando-se.


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- Isso faz tanto tempo... Fui testar o uso de um instrumento chamado Espectrofotômetro de absorção Atômica. Precisava da água de onde se suspeitava que houvesse presença de chumbo em suspensão. Usei a água do Subaé – informou o pesquisador. - Coletei, como termo de referência ou comparação, água do mar de Guaimbim, em Valença, na época totalmente despoluída. Quando eu colocava a água do Subaé no aparelho que media a concentração de chumbo, o medidor do Espectrofotômetro dava um verdadeiro pico. - Isso porque havia uma enorme concentração de Chumbo? – perguntou Alessandro. - Não poderia ser chumbo para dar um pico tão elevado, pensei que havia algo mais pesado do que chumbo – disse pegando uma pasta dentro de sua gaveta. Ele olhou atenciosamente para os papéis da pasta e sorriu ao encontrar algo. - Fiquei intrigado e fui consultar a biógrafa química, Tânia Tavares. Seu conhecimento acumulado a nível internacional indicou que, em casos como aquele, não havia presença de chumbo, mas sim, de cádmio, um metal pesado e extremamente perigoso para o ser humano e principalmente para as pessoas que viviam nas margens do rio. - E o governo foi notificado dessa descoberta? – perguntou Dr. Alessandro. - Meu amigo, isso foi uma verdadeira bomba. A 100


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imprensa divulgou isso a quatro ventos. - Pelo que sabemos a mineradora foi fechada porque se esgotaram os recursos naturais. - Isso é o que dizem, mas a primeira consequência do escândalo foi o fechamento da Mineradora, determinada pelo Governo do Estado. - Então a mineradora foi fechada quando descobriram o alto nível de cádmio nas águas do Rio Subaé? – perguntou Dr. Alessandro, anotando cada palavra daquele pesquisador. - Sim. As pessoas que usavam das águas do rio Subaé estavam adoecendo, sem falar das pessoas que trabalhavam naquela fábrica – respirou fundo e concluiu. – Se quiser saber o que realmente aconteceu naquele lugar, converse com os moradores da cidade, vai encontrar muito mais, do que eu estou lhe informando agora. - Obrigado. O senhor não pode imaginar como essa conversa nos ajudou. – apertou a mão daquele homem e saiu. Ao saírem da casa do Dr. Oscar, decidiram seguir seu conselho. Amanhã iriam procurar as pessoas que residiam próximas ao Rio Subaé. Alexia estava muito cansada de toda aquela viagem e seu corpo só pedia cama. Dr. Alessandro também parecia visivelmente cansado ao chegarem ao hotel. Entraram no elevador e Dr. Alessandro olhando para Alexia, disse que, já passava das seis horas da tarde. Precisavam tomar um banho e em seguida poderiam jantar


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em algum lugar. Ela aceitou o convite e entrou em seu quarto. Pegou o celular para carregar e notou que havia várias ligações de sua mãe. Acabou esquecendo-se de ligar para ela. Pegou o celular e discou o número de sua casa - Mãe? - Alexia, você quer me matar de susto? – perguntou preocupada. - Desculpe mãe, mas cheguei aqui e não parei um minuto – disse sentando-se na cama do quarto. – Ainda nem desarrumei as malas. - Você está bem minha filha? – perguntou preocupada. – Já visitou aquele lugar que tem a água contaminada? Não beba daquela água, pelo amor de Deus! - Mãe, ainda não fui até aquele lugar, mas amanhã estarei lá, bem cedo. - Preste atenção filha, não beba aquela água. - Fique tranquila, mamãe. - Boa noite, filha. Desligou o telefone e correu para tomar um bom e demorado banho. Pensou em como as coisas estavam dando certo em sua vida. Alguns meses atrás, jamais poderia imaginar que, um dia estaria trabalhando num dos melhores escritórios de advocacia do Brasil, principalmente com o famoso Dr. Alessandro Jordan e investigando fatos de um 102


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processo como aquele. Após o banho, resolveu organizar suas roupas no guarda-roupa e em seguida passou um bom hidratante em seu corpo. Vestiu uma calça jeans de lycra preta e uma blusinha decotada nas costas. Olhou-se no pequeno espelho do banheiro e notou que parecia uma menina de dezoito anos, com o cabelo preso num rabo de cavalo. Calçou uma rasteirinha e gostou do resultado, por fim, passou um famoso perfume feminino e saiu em direção à recepção do hotel. Decidiu sentar-se num sofá e ler uma das diversas revistas que estavam sobre a mesa, enquanto esperava pelo doutor. Instantes depois sentiu uma deliciosa fragrância sofisticada masculina que impregnava todo o ambiente, virou-se e percebeu que Dr. Alessandro estava se aproximando. Boa noite, Alexia – cumprimentou. – Descobri um pequeno restaurante a duas quadras do hotel, a comida pareceu-me boa, além de possuir também em seu cardápio, a comida típica baiana. - Meus pais são baianos e adoro a comida típica desse lugar. - Tem preferência por algum prato? - Na verdade, adoro acarajé. - Acarajé? – perguntou sorrindo. - Sim. É uma comida afro-brasileira feita de massa de


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feijão-fradinho, cebola e sal. Eles costumam fritar em azeitede-dendê e como recheio tem vatapá, com camarões. - Parece muito bom – disse sorrindo. Saíram do hotel e resolveram ir caminhando, pois o restaurante ficava a duas quadras de lá. - Que noite agradável! Em São Paulo a rua estaria cheia de gente, principalmente numa noite como essa – olhou para as poucas pessoas que andavam na rua. - Sim, apesar de o povo viver numa correria desenfreada durante o dia, sempre encontram tempo para sair à noite com os amigos. - Você costuma sair muito com seus amigos, Alexia? – perguntou interessado. - Não, pra dizer a verdade, eu nem tenho tantos amigos – lembrou-se que a maioria de suas amigas já eram casadas e algumas já possuíam até filhos. - Nesses últimos anos, foquei todas as minhas energias na faculdade e quase não saia de casa nos finais de semana. - Então é do tipo de pessoa caseira? – perguntou. - Sim, mesmo quando não estava fazendo faculdade, nunca gostei de muita badalação, som alto e pessoas bebendo. - E o namorado concorda em viver assim? - Eu não tenho namorado, aliás, faz um bom tempo que não tenho um namorado. - Parece difícil acreditar, – comentou ceticamente 104


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visto que é uma mulher lindíssima. – disse olhando maliciosamente para seu corpo. Olhou para ele e pensou em como seria a vida de um advogado famoso, jovem, bonito e rico. Recordou do leve beijo que ele havia lhe dado no helicóptero e sentiu um leve arrepio. - Me fale de você. É um homem bem sucedido, inteligente e rico. Acredito que deve ter muitos amigos e namorada para curtir a noite de São Paulo. - Eu sou parecido com você, Alexia. Nunca tive muitas amizades e no momento não tenho nenhuma namorada – disse sorrindo. – Não conheço nenhuma mulher que aceitaria ficar ao lado de um homem que, viaja muito e quando está em casa, tem pilhas de processos para estudar – parou por um instante e voltou a falar novamente. – Mulheres gostam de homens que as papariquem e as bajulem, não tenho tempo para essas coisas. - Você já foi casado, doutor? - Não encontrei ninguém que aceitasse o meu estilo de vida. - Eu não encontrei ninguém que gostasse das mesmas coisas que eu, adoro curtir um bom filme em casa, ir ao cinema ou jantar em algum lugar calmo. A maioria das pessoas quer sair todo fim de semana para as baladas, gostam de barulho e lugares onde não dá para conversar – confessou. - Somos parecidos – falou sorrindo.


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Chegaram ao restaurante. Dr. Alessandro perguntou se eles faziam acarajé, o garçom sorriu, confirmando. O Acarajé estava uma delícia. Dr. Alessandro estranhou quando perguntaram se desejava o acarajé quente. A resposta parecia obvia, fez um gesto afirmativo com a cabeça e ao dar a primeira mordida, quase tomou toda a água daquele lugar. Logo depois, descobriu que a palavra “quente” significava apimentada. Teve que pedir um segundo acarajé, dessa vez sem pimenta, para conseguir comê-lo. - Aproveite cada mordida, em São Paulo não encontrará nada parecido com esse – disse saboreando seu delicioso acarajé. Alexia comentou sobre a primeira vez que experimentou acarajé, foi paixão a primeira mordida. Sempre que sua mãe viajava para a Bahia, trazia pelo menos uns três acarajés, pois em São Paulo até conseguia encontrar, mas nunca era tão saboroso como o acarajé feito na Bahia. Comentou que sua mãe nascera em Ilhéus, lugar que ficou muito conhecido através das obras de Jorge Amado, que divulgou e imortalizou aquela cidade. - Em minha última viagem visitei a antiga residência de Jorge Amado – informou. - A casa foi construída pelo pai do escritor. É um palacete que ocupa uma extensa área, com piso de jacarandá e azulejos ingleses na varanda. Hoje aquele lugar é conhecido como Casa de Cultura Jorge Amado. 106


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Dr. Alessandro disse que sempre tivera o desejo de conhecer a Bahia. Gostaria de participar um dia, do carnaval baiano, pois era muito comentado por causa de seus famosos trios elétricos. Conhecia algumas praias paradisíacas em revistas, mas infelizmente nunca tivera a oportunidade de viajar à Bahia. Alexia estava muito feliz ao lado dele, gostaria que aquela noite nunca acabasse. Ele era simples e não havia nada de arrogante em seu modo de agir ou falar. - Poderíamos voltar aqui com mais tempo. O que acha? – indagou Alessandro observando a reação de Alexia. - Sim. Eu poderia levá-lo aos lugares que já visitei. A Bahia tem muita história, pois foi aqui que tudo começou – disse lembrando-se da época do descobrimento. - Tenho que agradecer a dica, Alexia – pegou a conta e entregou o dinheiro ao garçom – Jamais comi algo tão delicioso e diferente em toda minha vida. Essa comida é tão diferente que, chega a ser exótica! – disse sorrindo. - Eu adoro acarajé. Depois que você experimenta o verdadeiro acarajé baiano, nunca mais esquecerá. Voltaram conversando e em poucos minutos, chegaram ao hotel. Assim que entraram, a recepcionista os chamou. - Dr. Alessandro, o senhor recebeu uma ligação de São Paulo – disse pausadamente pegando sua anotação. – A Sra. Carla ligou e pediu que retornasse sua ligação.


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- Muito Obrigado. Mal entrou no elevador e o celular dele tocou. Antes de atender, ele observou o número no visor e sorriu. - Boa noite, Carla. Acabo de chegar do restaurante e me disseram que você ligou a minha procura. - Como está, chegou bem? – perguntou Carla preocupada. - Fique tranquila, pois eu e Alexia estamos muito bem. Acabamos de chegar de um restaurante e acabo de saborear um prato típico da Bahia. - Só liguei para saber se chegaram bem. Se precisar de qualquer coisa é só ligar. - Obrigada, Carla. - Boa noite. Instantes depois desligou o celular e desceram do elevador. Ele perguntou se gostaria de tomar alguma coisa, pois a noite estava muito quente. Resolvi tomar um refrigerante, pois não gostava de bebida alcoólica. Entraram no quarto e aguardou, enquanto ele fazia o pedido por telefone. Sentaram-se num pequeno sofá para conversarem sobre o que exatamente fariam amanhã. - Estou tão cansada que se, não colocar o celular para despertar, não conseguirei acordar amanhã cedo – olhou para ele, notou que estava abatido. – A propósito, qual é o horário que pretende sair do hotel amanhã, doutor? 108


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- Pretendo sair no máximo às oito horas da manhã, assim poderemos encontrar pessoas na rua. Ouvi dizer que o povo daqui não costuma madrugar como em São Paulo. Ouviram bater na porta e Dr. Alessandro foi atender. O rapaz do hotel viera entregar os pedidos. Dr. Alexandre ligou a televisão e tomou seu uísque calmamente, quando de repente, Alexia se engasgou com o refrigerante. Mas logo em seguida, conseguiu recuperar o fôlego. - Você está bem? – perguntou preocupado. - Estou bem, obrigada. Eu acho melhor ir dormir, pois amanhã precisamos acordar cedo – disse abrindo a porta do quarto. – Como é servido o café nesse hotel? - O café não será cobrado se for servido no restaurante até às nove e meia da manhã. Disseram-me que o café do hotel é excelente, pois tem várias opções que vão desde as mais diferentes frutas até os mais deliciosos pães e patês. - Amanhã precisaremos de um café bem reforçado, pois não saberemos quando teremos tempo para almoçar – olhou para aqueles lindos olhos acinzentados e sorriu. – Gostaria que o chamasse para tomarmos café juntos? Assim poderemos pensar no que exatamente faremos amanhã. - Seria perfeito. Entrou em seu quarto e lembrou-se da situação vexatória que acabou de passar na frente daquele homem.


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Dificilmente se engasgava e justamente na frente dele, isso foi acontecer. Se continuasse desmaiando em frente de seu carro e engasgando com um simples refrigerante, ele pensaria que era uma retardada, pensou sorrindo. Em seu quarto, Alessandro pensava em como havia sido produtivo ter vindo à Bahia. Precisava esclarecer alguns detalhes sobre o processo que ainda pareciam obscuros. Havia acertado na contratação de Alexia, pois além de inteligente era extremamente competente e humilde. Alexia era uma linda mulher, capaz de deixar qualquer cidadão de boca aberta. Ele sempre soubera que reconheceria sua esposa, assim que ela surgisse em sua vida. Finalmente ela apareceu, agora precisava conquistá-la. Conquistá-la? Não poderia fazer isso com ela. Não conseguia esquecer-se de seu impulso, ao beijá-la naquele helicóptero, ainda podia sentir o doce gosto daquele beijo e o calor de seus lábios. Havia se envolvido com Carla, sua primeira assistente. Era muito competente, mas não tinha o carisma e a humildade de Alexia. Carla era uma pessoa muito orgulhosa e sua arrogância às vezes incomodava não só a ele, mas todo o pessoal do escritório. Seu relacionamento com Carla durou apenas um mês e foi muito difícil fazê-la entender que havia acabado. Tanta coisa havia acontecido em sua vida! Pensou no 110


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dia em que pegou seu diploma. Estava com muita vontade de trabalhar na área jurídica e fez exatamente como Alexia arriscou enviando seu currículo a um escritório conceituado. Por sorte, começou como assistente de um advogado muito competente, com quem aprendeu tudo o que sabia. Agora era um advogado conceituado de prestígio nacional. Alexia era como ele, sagaz, sem medo de arriscar e determinada em alcançar seus objetivos. Gostaria de tê-la conhecido em outras circunstâncias, pois com certeza, se casaria com ela e construiriam uma bela família.


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A contaminação do Rio Subaé

Naquele

dia levantou-se bem cedo, vestiu uma

calça jeans confortável, camiseta e tênis. Prendeu seu cabelo num rabo de cavalo e passou apenas um batom claro, para manter os lábios hidratados. Bateu na porta do quarto do doutor Alessandro e aguardou até que ele abrisse. Sentiu seu coração disparar ao vê-lo. Ele vestia um roupão de banho escuro que mostrava seu tórax forte, seus cabelos estavam molhados e aquele cheiro de perfume masculino maravilhoso, pairava pelo ar. - Bom dia, Alexia – cumprimentou sorrindo. – Eu acabei me atrasando um pouco, mas pode descer que, em instantes estarei com você no restaurante do hotel. - Sem problema, estarei esperando pelo doutor no restaurante. Desceu ao restaurante e ficou satisfeita ao ver uma mesa gigantesca, contendo todos os tipos de pães, patês e bolos. Era um Self Service onde você pegava o que deseja e depois podia sentar-se numa das diversas mesas espalhadas pelo ambiente. Escolheu uma mesa e aguardou o doutor Alessandro, para que tomassem café juntos. Após alguns minutos ele desceu e deliciaram-se com a enorme variedade de alimentos que estavam sobre a mesa. Antes de saírem do hotel, o doutor conversou sobre o 112


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processo contra a Mineração com o gerente. Perguntou se ele podia indicar alguém que os acompanhassem até a fábrica. Por sorte, o gerente do hotel indicou um amigo que era ex-empregado da Mineração. Tão logo o gerente solicitou a ajuda desse amigo, o mesmo aceitou prontamente a guiá-los até a fábrica abandonada. - Doutor o que realmente pensa em fazer? – disse dentro do táxi. - Precisamos encontrar pessoas que estejam dispostas a falar o que sabem, esse será nosso maior desafio. - Entendo, acredito que o maior desafio é fazer com que alguém deponha caso necessário. - Seria muito bom, mas acho que a maioria das pessoas deve ter medo de depor. Estamos mexendo com figurões do primeiro mundo. Ao chegarem a Santo Amaro, esse senhor os esperava com um grande sorriso no rosto. Seu nome era Marcos, trabalhou na Mineração por três anos. Felizmente trabalhou na parte do escritório e o nível de contaminação foi menor. Ele nos levou até a entrada da fábrica que fica no “Beco da Plumbum”, localizada na Avenida Rua Rui Barbosa, que é uma das principais vias de acesso ao município de Santo Amaro. Encontraram uma extensa área abandonada, que em


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sua grande parte era cercada por arame. Dentro da vasta propriedade havia a antiga fábrica da Mineração. A fábrica estava abandonada, praticamente em ruinas, os maquinários estavam completamente enferrujados, grande parte da estrutura física daquele lugar, estava visivelmente condenada. O que mais chamou atenção foi à facilidade com que conseguiram entrar, pois apesar de ser uma área restrita às pessoas autorizadas, não havia nada, que os impedissem de entrar naquele local. Ao saírem da fábrica, Marcos os levou até uma enorme montanha de lixo perigoso, pois havia milhares de toneladas de escória (resíduos industriais tóxicos) que a Plumbum havia abandonado a céu aberto. - Vocês estão vendo essa escória? – disse Marcos apontando para uma montanha de pó escura, onde parte estava encoberta por vegetação. - Quando chove esse material é levado para o Rio Subaé, que abastece a cidade, que por fim, arrasta esses metais tóxicos para a Baia de Todos os Santos. - Vi uma reportagem na internet realizada pelo fantástico, acredito que foi no ano de dois mil e sete. O repórter revela que esse pó venenoso foi examinado por técnicos que constataram a existência de chumbo, cádmio e prata, além de outros metais nocivos a saúde – disse doutor Alessandro. 114


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- Agora vemos que a contaminação não só prejudicou as pessoas que trabalhavam na usina, mas também, as pessoas que fazem uso da água do rio Subaé, na cidade. – comentou Alexia, incrédula. - Sim, muitas famílias foram e continuam sendo contaminadas por esse material venenoso e nocivo à saúde. Dr. Alessandro agradeceu a ajuda de Marcos, exfuncionário da Mineração e solicitou que os ajudassem mais uma vez. Pediu que os apresentassem as pessoas que sofrem devido à contaminação da Mineração e das águas do Rio Subaé. Marcos aceitou ajudá-los mais uma vez. Combinaram de retornar na manhã seguinte para ver se havia convencido algumas das vítimas, falarem sobre os efeitos que a contaminação, havia causado em suas vidas. Retornaram ao hotel e ficaram satisfeitos com as informações coletadas naquele dia. Agradeceram ao gerente do hotel e resolveram subir para o quarto. No elevador doutor Alessandro quebrou o silêncio. - O tempo passou tão rápido que nem almoçamos – disse sorrindo. – Já são cinco horas da tarde e nem percebemos. Sempre nos esquecemos de almoçar quando estamos trabalhando. - Sim, isso tem acontecido com bastante frequência, mas estamos tão atentos no que estamos fazendo, que nem vemos o tempo passar. O que realmente importa, é que


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estamos encontrando fatos importantes para o processo. - Está feliz com as informações que conseguimos? - Estou muito feliz por conseguirmos avançar com o processo. Mas devo confessar que preciso de uma boa ducha para tirar aquela poeira do meu corpo. - Podemos nos encontrar para jantar mais tarde. O que acha de sairmos a sete horas da noite? - Então, nos encontraremos na recepção às sete horas em ponto. – disse Alexia entrando em seu quarto. Alexia sentiu-se aliviada quando tirou aquela roupa, decidiu mandá-la para lavanderia do hotel. Após o banho resolveu ligar o computador do quarto para ver se conseguia encontrar mais detalhes sobre a mineração. Encontrou três reportagens muito importantes. A primeira continha um depoimento da Professora Tânia Tavares e depois encontrou uma entrevista com o doutor Fernandes Martins de Carvalho. Essas pessoas trabalharam junto com o Prof. Oscar Nogueira, quando descobriu o Cádmio no Rio Subaé, e todos trabalhavam na Universidade Federal da Bahia. Decidiu ir até o quarto do doutor Alessandro, para revelar sua descoberta. Bateu na porta e logo em seguida ele abriu. - Doutor, descobri vídeos postados na internet, onde dois professores que trabalharam com o Doutor Oscar 116


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Nogueira, descreveram fatos ocorridos referentes à contaminação do Rio Subaé. - Você está me saindo melhor que a encomenda – disse sorrindo. – Entre no quarto para conversarmos melhor. - Disse que não se arrependeria por me contratar – comentou satisfeita com o que acabara de ouvir e entrou no quarto. - Agora me conte o que descobriu – solicitou sentando-se no pequeno sofá. - O primeiro vídeo que encontrei é de Tânia Tavares, professora do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia. – disse olhando para o rosto do doutor que parecia pálido e muito cansado. – Você está bem? - Sim, estou me sentindo bem. Só estou um pouco cansado. - Tem certeza? – insistiu. - Claro. Estou muito tempo sem me alimentar deve ser isso. - Então vamos jantar, podemos conversar no restaurante. - O que acha de pedirmos alguma coisa para comermos aqui no quarto, pois não estou me sentindo bem essa noite – constatou o doutor visivelmente abalado. - Não há problema algum, em jantarmos no quarto – disse. - Vou ligar para fazer os pedidos – olhou para ele e ficou preocupada. – Você não parece sentir-se bem hoje,


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gostaria que o levasse até um hospital? - Fique tranquila, eu nunca me dei bem com esse clima quente e abafado. Também pode ser o fato de que, me alimentei na hora do café e até agora não tomei um copo de água – disse sorrindo. Alexia sentiu que alguma coisa estava errada, em relação saúde do doutor, pois aquela palidez constante não poderia ser somente, problema de adaptação com o clima, ou até mesmo falta de alimentação. Algo dentro dela, dizia que era algo mais sério. O jantar chegou e eles sentaram-se numa pequena mesa, que havia no quarto do doutor Alessandro. - Por favor, não me deixe curioso. O que encontrou na internet? - Encontrei uma reportagem feita por um jornal local onde Tânia Tavares, professora do Instituto de química da Universidade Federal da Bahia, revelou que a escória da usina, era distribuída livremente para a população. – parou ao notar a indignação no rosto dele, prosseguiu. – Essa escória era doada para a população e a prefeitura. Existe escória nos quintais, jardins, chácaras, pátios escolares, embaixo de ruas, estradas e até serviu de lastro para o asfalto da cidade. - Meu Deus, isso é um ato criminoso. Como técnicos que trabalhavam nessa fábrica, permitiram que isso fosse acontecer! – levou às mãos a cabeça sem acreditar no que acabara de ouvir. – Isso é imperdoável, muitas pessoas 118


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sabiam da periculosidade desses metais e permitiram que fosse doada a prefeitura e as pessoas. Que tipos de seres são esses? - Isso ainda não é tudo, pior foi saber que o governo fez uso desse material doado, para fazer obras na cidade. - Quanto mais eu conheço o ser humano, mais eu gosto dos animais – disse cortando um pedaço de seu bife. - Já o segundo vídeo, é do Doutor da Universidade Federal da Bahia, Fernando Martins Carvalho – disse com calma. – Ele revela na reportagem que o Chumbo e o Cádmio são metais pesados, que tem longa permanência no meio ambiente. Ele enfatiza que essa longa permanência é de séculos e milênios para que haja a decomposição desses metais. - Séculos e milênios para se decompor? – indagou o doutor. - Na entrevista ele insiste que o Chumbo não degrada, não degenera e não dissipa e que o Cádmio ainda é mais resistente e eficiente. Ele ouvia tudo aquilo atônito, apenas esboçava tristeza e desprezo ao saber de tanta sujeira. Ele parecia melhor após o jantar, talvez não estivesse bem, por não ter se alimentado durante o dia, pensou Alexia. Aquela história era tão sórdida que, quanto mais mexíamos, mais descobríamos irregularidades. - O doutor Fernando Martins declarou que após trinta


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e três anos de funcionamento da fundição, essa gerou um passivo ambiental que remonta mais de quinhentas mil toneladas de escória de produto industrial deixado pela COBRAC. - Na entrevista, ele revela qual a quantidade de chumbo e Cádmio daquela escória? - Das quinhentas mil toneladas de escória, dois ou três por cento é de Chumbo e mais de quinhentas toneladas é de Cádmio puro. Esses metais são extremamente perigosos. - Sabe o que mais me revolta? – indagou perplexo. – Essas pessoas estão jogadas a deriva, pois não tem o menor respaldo das autoridades competentes. Isso me deixa nervoso e indignado. Posso não ganhar um mísero centavo, como costuma dizer Carla. Mas chega de ver tanta impunidade. Agora, precisamos acabar com a falta de respeito com o povo brasileiro é tratado. Vou jogar toda essa merda no ventilador e quero ver o cheiro impregnar por todo o Brasil. Só assim, alguém tomará alguma providência. - Aqui no Brasil, as coisas se resolvem somente quando há escândalos, doutor. - O que me enoja nessa história toda é que, a COBRAC e a Plumbum obtiveram altos lucros com o minério brasileiro e como presente nos deixou um rastro de destruição ambiental e acabou com a saúde de um município inteiro. Agora fica a pergunta: Quem vai pagar por isso?

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Doença e miséria

No dia seguinte, às oito horas da manhã saímos do hotel. Ao chegarem a Santo Amaro da Purificação, encontraram Marcos, ex-funcionário da Mineração com o semblante triste. - Bom dia, Marcos. Você não parece feliz essa manhã. Aconteceu alguma coisa? – perguntou doutor Alessandro. - Bom dia, doutor. Um ex-trabalhador da COBRAC faleceu ontem à noite. – informou com tristeza. – Era mais um que sofria com a contaminação, adquirida na Mineração. - Sinto muito – disse Dr. Alessandro – Existe alguma coisa que podemos fazer para ajudar? - A família é muito pobre e estão com dificuldade em conseguir um caixão da prefeitura. - Nos leve a uma funerária e ligue para a viúva dizendo que não se preocupe com o caixão. Ao chegarem à funerária escolheram um caixão simples e o doutor pediu que, entregassem no hospital em que estava o corpo. - Não sei como agradecer, mas o senhor não tinha a menor obrigação de fazer o que fez – disse com admiração. - Eu sei disso, mas alguém tinha que fazer alguma coisa – disse doutor Alessandro. Ele olhou para Marcos e sorriu por Deus tê-lo


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colocado em seu caminho. Marcos dispôs de seu tempo, para mostrar a injustiça, em viviam bravos guerreiros brasileiros. - Doutor, o levarei até a casa de três ex-empregados da Mineração. Seguiram Marcos até chegarem a uma casa bem humilde. A casa pertencia a um ex-forneiro da Mineração, seu nome é Gerson Baraúna. Entraram em sua casa e foram recebidos por sua esposa, a Sra. Gilda da Paixão. Uma senhora humilde, que sofria há anos com a doença do marido, esse não melhorava, pelo contrário, sua situação piorava dia a dia. Viram em seus olhos o sofrimento, pois não é fácil, ver a pessoa a quem amamos morrer naquele estado lastimável. Apesar da situação em que se encontrava o marido, Dona Gilda era uma pessoa doce e o sofrimento não fez dela uma pessoa amarga, pelo contrário, era uma mulher que aprendeu suportar as dificuldades com bravura e dignidade, enfim, estava diante de uma heroína, que lutava bravamente com os poucos recursos que tinha disponível. Levou-nos até o quarto em que ficava o marido, que se encontrava numa cama, usando fraldas descartáveis e estava visivelmente magro, abatido, pois aquela doença o matava dia a dia, enfim, acredito que ele já não entendia o que se passava ao seu redor, parecia ter perdido a lucidez. Em seguida, nos mostrou um extrato bancário, com 122


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data de dois mil e sete, onde constatamos que na época, ele recebia a aposentaria por auxílio doença, no valor irrisório de trezentos reais. Disse que com o dinheiro daquele benefício, conseguia comprar remédios, fraldas e pagar uma fisioterapeuta, que recebia sete reais por duas visitas semanais. Viviam da ajuda de filhos e amigos. - Meu marido sempre trabalhou quando tinha saúde e nunca faltou um dia em seu emprego. Agora está jogado numa cama, doente, vivendo da ajuda de amigos e parentes. O salário que recebe é tão pouco, que com ele, não dá para comprar o que comer. - Quantos anos ele tem? – perguntou Dr. Alessandro, comovido pelas condições em que se encontrava aquele homem. - Ele é um homem moderno – disse sua esposa. – Ele só tem cinquenta e cinco anos, embora pareça que tem mais. É muito difícil ver ele em cima dessa cama, sem poder fazer nada, pois não temos condições. - Há quanto tempo está de cama? - Há mais de três anos – disse limpando as lágrimas com a palma da mãe. – Quem trabalhou naquela fábrica de chumbo, a maioria morreu e os que não morreram, estão sofrendo. E acabarão morrendo por causa da contaminação. E não foram somente ex-funcionários que se contaminaram, mas todo o povo de Santo Amaro está contaminado com


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chumbo no sangue. Saíram da casa do Sr. Gerson Baraúna, inconformados com a situação daquele pobre homem e de sua esposa. Por não haver a fiscalização daquela empresa, agora muitos sofriam devido à omissão do governo brasileiro. Nos dirigimos à Av. Rui Barbosa, próximo à fábrica da Mineração, onde o Sr. Augusto Machado, ex-funcionário da Mineração, nos esperava num pequeno estabelecimento comercial. Aquele homem tinha consciência do abandono em que vivia a cidade contaminada pelo chumbo. Estava indignado pela irresponsabilidade com que o governo tratava aquele caso. - Há quanto tempo foi funcionário da Mineração? - Trabalhei naquela empresa por vinte anos. - Você também está contaminado pelo chumbo? - Me diga uma pessoa, que não tenha trabalhado naquele lugar, que não tenha chumbo no corpo? Fui internado várias vezes ao longo desses vinte anos. Até já fui afastado, por ter neuropatia com deformidade facial em consequência da intoxicação por chumbo. - Você saiu da empresa por causa da doença? - Não, eu fui demitido. Porque comecei ver as coisas erradas e decidi alertar o pessoal, acabei sendo demitido. - O senhor ainda tem chumbo no corpo? - Sim. Hoje não consigo emprego em lugar nenhum, 124


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pois quando as pessoas percebem que fui funcionário da Mineração, já sabem que sou uma pessoa contaminada por chumbo, sou doente. Ninguém me contrata, não arrumo trabalho em lugar nenhum. A gente só pode contar com a justiça divina, pois a justiça dos homens nos desamparou até socialmente. Despediram-se daquele homem que estava revoltado com a situação de abandono, tanto pela política brasileira como pela sociedade em geral. O próximo compromisso era com Adailson Moura, Presidente da Associação de Vítimas (AVICCA). - Trabalhei na Mineração por sete meses e com noventa dias já estava contaminado pelo chumbo. Meu corpo parecia levar choque de 220 volts, tão forte foi o efeito do chumbo em meu corpo. - Descreva para nós o que você chegou a presenciar naquela fábrica. - Doutor, os funcionários da fábrica eram obrigados a usar medicamentos que, nem faziam ideia para que serviam. Quando a contaminação era alta, eles sentiam cólicas tão fortes, que eram levados imediatamente ao ambulatório e acabavam ficando de quarentena, tomando injeções na barriga. As cólicas eram tão fortes, que muitas vezes presenciei muitos caindo no chão da fábrica passando mal. Tinha que usar os medicamentos, caso contrário, era demitido.


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- Criei uma associação onde procuro defender a causa dos cidadãos contaminados pela escória de chumbo, que impregna a cidade de Santo. Chega de tanta impunidade! Ao saírem, Dr. Alessandro parecia abalado com a situação em que aquelas pessoas foram e eram obrigadas a viver. Marcos nos levou a casa de uma viúva, pois ela havia perdido o marido e mais quatro filhos, contaminados pelo chumbo. - Boa tarde, Dona Marinalva. - Boa tarde, entrem, por favor. Entraram numa casa muito humilde, e sentaram-se em algumas cadeiras, que estavam dispostas na sala. - Dona Marinalva, fale para o doutor o que aconteceu com a senhora e sua família – pediu Marcos. - Moço, não só perdi meu marido por causa daquela fábrica. Eu perdi quatro filhos também. - Quatro filhos? – indagou Dr. Alessandro. - Sim, perdi meus quatro filhos. Agora a coisa piorou, descobri que também estou doente, pois contraí problemas respiratórios por causa do chumbo. Dr. Alessandro parecia penalizado ao ouvir o desabafo daquela mulher. - Como a senhora foi contaminada? - Nunca trabalhei naquele lugar, mas fui contaminada por lavar os uniformes do meu marido e filhos. Aqueles 126


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uniformes chegavam cobertos por um pó escuro. Ela tentava limpar as lágrimas, com a blusa que vestia. - Hoje sou uma mulher doente, não tenho mais meu marido e ainda perdi meus quatro filhos. – disse com lágrimas nos olhos. – Os donos daquela fábrica, continuam com sua família, todos saudáveis. Eles têm saúde para esbanjar todo dinheiro que ganharam aqui. Nós de Santo Amaro, perdemos a saúde, perdemos nossos familiares, sem falar dos que estão vivos e muito doentes. Pergunto ao senhor, isso é justo? Não tínhamos o que dizer, pois a justiça estava longe daquele lugar. Saímos daquela casa, pensando melhor na responsabilidade individual de cada cidadão, ao se deparar com uma situação como aquela. Marcos disse que gostaria de nos mostrar um vídeo que tinha em sua casa, onde a bioquímica da Mineração deu uma entrevista a um jornal local, perguntou se gostaríamos de assistir. Caminhamos até sua humilde casa e ele nos serviu um suco. Demos uma desculpa qualquer, para não tomarmos aquele suco. Confesso que ficamos assustados, pois a água daquele lugar não era só contaminada por chumbo, mas também por Cádmio, esse último, estava comprovado ser cancerígeno. O nome da tal Biomédica da Mineração é Maria Conceição dos Reis. Ela revela através do vídeo que os funcionários tinham


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níveis altíssimos de contaminação, principalmente onde começava a trituração. A Matéria prima eram pedras de chumbo tiradas do solo. Depois essas pedras passavam por uma trituração. Nessa fase os funcionários eram contaminados por aquela poeira muito fina. Mas se assustavam mesmo, é nas paradas de manutenção, pois os funcionários que faziam essa manutenção, ou seja, limpavam onde havia sido feita a trituração do minério, eram obrigados a fazer exame, para saberem o grau de contaminação que eles haviam adquirido. Marcos ofereceu a eles um livro que havia ganhado de um ex-prefeito chamado Eurípedes Bonfim, cujo título era: “Nem tudo está perdido”. - Gostaria que vocês ficassem com o livro, pois nele poderão encontrar mais irregularidades da mineradora. Poderão ver que as coisas não chegaram até esse ponto se não houvesse muita coisa errada por debaixo do pano. Alexia pegou o livro e colocou em sua bolsa, agradeceu aquele bom homem e voltaram para o hotel. Estavam revoltados com toda aquela situação. Era uma vergonha o que tinha acontecido naquele lugar. Dr. Alessandro estava pensando naquela maldita Multinacional Francesa que, em trinta e três anos de funcionamento, faturou naquele lugar, cerca de quatrocentos e cinquenta milhões de dólares, produziu e comercializou novecentas mil toneladas de liga de Chumbo. Agora o povo 128


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de santamarense sofria por causa de sua ganância e imprudência, pois nunca deu a seus funcionários equipamentos de segurança, para se protegerem da contaminação a que eram expostos. Lembrou-se do sofrimento de seu cliente mostrado naquele vídeo que encontrou na internet. Gostaria de conhecê-lo pessoalmente, pois conversaram somente através do telefone. Decidiu que amanhã iria até a casa dele. Alexia precisava voltar para São Paulo, pois ela teria que começar a montar o processo com as informações que haviam conseguido. No dia seguinte, Alexia partiu. Ele ligou para seu cliente, dizendo que estava na Bahia, juntando fatos para montar seu processo. - Doutor, seria um grande prazer recebê-lo em minha casa – disse o Sr. José. – Só não repare, porque a casa é de pobre. - Eu também já fui pobre um dia, isso não é problema para mim – disse sorrindo. Ao chegar ao endereço, ficou encantando com a simpatia com que foi recebido por sua família. Chamaram o Sr. José e ficou emocionado ao vê-lo a sua frente. Aquele homem lhe ensinou muito com seu depoimento. Era um homem simples, que caminhava com muita


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dificuldade, não tinha equilíbrio nenhum ao caminhar. Sua filha o segurava pelo braço para ajudá-lo a manter o equilíbrio. - Bom dia doutor. – disse sentando-se. – Fico muito feliz em tê-lo em minha casa. - Eu é que me sinto feliz por ter a honra de conhecêlo. - Honra em me conhecer? – disse sorrindo. – Quem deve sentir-se honrado aqui, sou eu. Minhas meninas ficaram desconfiadas quando disse a elas que, um advogado de São Paulo iria me ajudar contra a Mineração. Elas foram à casa de uma amiga que tem computador, lá descobriram que o senhor é um dos melhores advogados do Brasil. - Eu descobri muita coisa em relação aquela Mineradora. Quero que o senhor saiba, não será fácil, mas preciso que confie em mim e peça a Deus que nos ajude a derrubar as barreiras que iremos encontrar pelo caminho. - Doutor, o senhor não apareceu em minha vida por acaso. Deus o colocou em meu caminho. Agora eu sinto que posso ver a justiça ser feita. - Falei com seu antigo advogado, ele me disse que o senhor fez um exame pericial e teremos que apresentá-lo na audiência. Vamos aguardar para ver o que a perita descreve nesse exame. - Ela não poderá negar que sou um homem contaminado, pois estou tranquilo quanto a isso. 130


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Primeiro laudo

Alexia estava em sua sala analisando o processo da mineração, quando ouviu o telefone tocar. - Bom dia, Alexia – ouviu a voz de Maebi no telefone. – Acabou de chegar o laudo pericial do Cliente da mineração. - Que notícia maravilhosa – disse empolgada. – Dr. Alessandro já chegou? - Sim, pediu que viesse até a sala dele. - Por favor, diga-lhe que estou terminando de fazer as reservas do hotel na Bahia e em seguida estarei na sala dele. Ao terminar de fazer as reservas do hotel dirigiu-se até o elevador que estava demorando a chegar. Resolveu subir os dois lances de escadas, para chegar mais rápido. Chegando a sala do doutor, percebi que naquela manhã, ele estava ainda mais pálido e abatido. - Bom dia, Alexia – apontou para a mesa de reunião pedindo que sentasse. - Você está sentindo-se bem? – perguntou preocupada. - Sim. Só estou cansado de tanto trabalhar, pois não tiro férias a mais de dez anos. - Você precisa parar um pouco, senão acabará adoecendo. - Estou pensando em ir ao litoral, nesse fim de semana – olhou para ela por um momento, depois dirigiu o olhar para os papéis a sua frente - Gostaria de vir comigo?


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Aquele convite a deixou surpresa, em sua mente, havia de novo, aquela enorme tela em branco, não conseguia pensar em uma única resposta. - Entendo – disse sorrindo. – Já tem outros planos. - Não tenho nenhum plano, só fiquei surpresa com seu convite – admitiu. - Pode me dar a resposta amanhã – disse Alessandro. – Vamos abrir logo esse laudo? Pegou o laudo e entregou a Alexia para que abrisse. Peguei aquele laudo com as mãos trêmulas e abri com certa dificuldade, pois aquele simples pedaço de papel poderia comprovar, de uma vez por todas, que seu cliente era mais uma vítima da Mineração, pensou. Alexia sorriu satisfeita, com o que havia lido nas primeiras linhas do laudo pericial. - Por favor, leia esse laudo de uma vez – disse impaciente. - A doutora detectou níveis altos de Chumbo no sangue de nosso cliente. - Então isso tudo encerra o caso, agora temos a prova cabal, para que a justiça seja feita – constatou animado. – Essa é uma prova definitiva, não terão como escapar dela. - Se eu fosse você, não ficaria tão animado – disse olhando para o laudo em suas mãos. - Pelo amor de Deus, leia tudo, Alexia – disse nervoso. - A doutora revela que nesse exame pericial não deu 132


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para saber quando o cliente foi contaminado pelo Chumbo. - Devo estar ficando louco – disse consternado. – Se uma perita não pode dizer quando ocorreu à contaminação, então, quem pode fazer isso? - Precisa ter calma – levantou-se em direção a uma jarra com água. - Como posso ter calma com uma besteira dessas? – disse fora de controle. - Tome esse copo com água, você não parece sentir-se bem. - Por que é tão difícil às pessoas conseguirem ver a justiça ser feita nesse país? – irado sentou-se na cadeira. – Já a injustiça impera com extrema facilidade por aqui. - Doutor, confie em Deus. Se trabalharmos com paciência e determinação a verdade irá aparecer, cedo ou tarde. - Gostaria de ter um pouco da sua fé – disse cético. - Muitas pessoas se esquecem de que existe um Deus em cima de nossas cabeças. Um Deus que tudo vê um Deus honesto, justo e com poder para fazer a justiça aparecer. - Essas pessoas não acreditam em Deus, Alexia – afirmou Alessandro. – São pessoas que nem mesmo acreditam na justiça dos homens, pois se acreditassem nessa justiça, não teriam tanta facilidade em contaminar praticamente uma cidade inteira e continuar impune por tanto tempo.


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- Você tem razão não acreditam em nada, a não ser no poder de seu próprio dinheiro. Nunca conseguiremos entendê-los, porque nossos valores éticos e morais são diferentes dos deles. - Sim. Mas não consigo imaginar, como tiveram coragem de doar material altamente perigoso à prefeitura para fazer obras por toda a cidade – disse chateado. – Como pessoas com conhecimento técnico e cientifico, permitiram que doassem aquele material perigoso? Isso chega a ser imoral! - Acredito que foi a forma mais prática e barata para se livrarem daquele material tóxico. Doutor, como essas pessoas conseguem se olhar no espelho ou até mesmo dormir? Será que tem paz? - Já tivemos um ser pior do que eles, Adolf Hitler. – disse sorrindo. Ele parou por um momento, parecia estar pensando em algo. - Essa história mudou tudo o que pensava meses atrás. Aquelas pessoas são verdadeiros heróis e heroínas que, apesar de toda miséria a que são submetidas, ainda conseguem acreditar na justiça dos homens, pois existe mais de mil e duzentas ações contra a mineração. Muitas ações estão a mais de treze anos aguardando uma solução – desabafou Alessandro. Parou por um breve instante e olhou para Alexia. 134


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- Está gostando do seu trabalho? - Às vezes me sinto como um grão de areia perdido no meio do deserto – falou pensativa. – Mas estou adorando trabalhar aqui, pois tenho aprendido muito com o doutor. - Também estou aprendendo muito com você – disse com um sorrido irresistível. - O que poderia aprender comigo?- indagou surpresa. Sou tão inexperiente. - A ter fé na justiça de Deus. - Minha mãe sempre diz: Ore como se tudo dependesse de Deus e trabalhe como se tudo dependesse de você. Posso dizer que sempre funciona. Ele balançou a cabeça concordando. - Minha casa no litoral é excelente para descansar. Gostaria que fosse comigo, Alexia. Aquele homem a deixava totalmente sem ação. Estava na frente dele sem saber novamente o que dizer. - Aceito seu convite, afinal estamos precisando de um bom descanso. Semana que vem teremos aquela audiência onde fica difícil prever o que irá acontecer. - Precisamos descansar e nos prepararmos para o que irá acontecer. Essas audiências sempre são desgastantes. - Sim, precisamos recarregar as energias, nos prepararmos para o que aquela juíza irá decidir. Naquela noite, Alexia não conseguia parar de pensar


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no doutor Alessandro. Porque ele a convidou para passar o fim de semana com ele? Talvez desejasse falar mais sobre o processo e estivesse envergonhado em pedir para fazerem isso no fim de semana. A semana havia passado com uma rapidez assustadora, finalmente chegara sexta-feira. - Alexia, está levando tudo o que precisa? – perguntou sua mãe preocupada. - Sim. Quando chegarmos litoral, darei notícias, não quero que fique preocupada. - Boa viagem, filha – disse abraçando Alexia. Mal entrou no escritório e seu telefone tocou. - Alexia, o doutor Alessandro precisa falar com você, pode vir à sala dele agora? – perguntou Maebi ao telefone. - Sim, obrigada. Minutos depois estava na sala do doutor. - Bom dia, Alexia. - Bom dia, doutor. Notou que usava uma calça jeans e uma camisa de manga curta branca que o deixava bem mais jovem e saudável. - Sairemos do escritório às duas horas da tarde, assim não pegaremos trânsito. O que acha? - Perfeito. Levarei o processo para analisarmos melhor. - Não levaremos trabalho nenhum. Iremos descansar, pois na próxima semana, teremos uma viagem desgastante e 136


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uma audiência mais desgastante ainda. - Tem razão, doutor – disse sentando-se numa cadeira. - Você me havia dito que adorava filmes, estou levando alguns filmes para assistirmos. - Adoro filmes, se soubesse de seus planos teria trazido alguns filmes também – disse sorrindo animada. - Somos muito parecidos, Alexia – fitou-a por um momento e depois pareceu desistir do que ia falar. - Em que somos parecidos? - Sou um homem caseiro, adoro filmes, gosto de ler e não tenho muitos amigos. - Nunca imaginei que gostasse das mesmas coisas. Somos de mundos tão diferentes. - Não. Vivemos no planeta terra – disse sorrindo. - Sabe o que quero dizer. - Não sei. - Quero dizer que o doutor é um homem com uma carreira solida, experiente e dono de um dos melhores escritórios de advocacia do Brasil – olhei para ele e continuei. – Estou começando minha carreira, não tenho onde cair morta, e não possuo experiência alguma nessa vida. Ele parecia surpreso com a imagem que fazia a respeito dele. Permaneceu calado. Quando percebeu que estava ficando vermelha, diante do olhar examinador do doutor, pediu licença e saiu da sala. Porque aquele homem sempre a deixava sem palavras?


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Eu não posso me apaixonar por ele, pensei. Se isso acontecer não poderei continuar trabalhando nesse lugar. Ao chegar a sua sala ouviu o telefone tocar e atendeu. - Posso ir até sua sala agora? – ouviu a voz de Carla do outro lado da linha. - Sim, pode vir. – disse desligando o telefone. Carla acabara de chegar de Goiás, pois estava levantando dados para um caso milionário envolvendo um político famoso. - Bom dia, Carla – disse ao vê-la entrando. - Bom dia, Alexia. Estou cansadíssima da viagem. - Poderia ter ido direto para sua casa. - Alguma novidade, enquanto estive fora? - Nenhuma novidade. Como foi sua viagem, conseguiu o que desejava? - Sim, sempre consigo o que desejo. Mas devo confessar que não foi nada fácil. – disse olhando em direção as suas bagagens. - Percebi que sua sala está cheia de bagagens. Irá viajar? - Não é propriamente uma viagem, apenas irei ao litoral para descansar um pouco. - Com Alessandro? – indagou Carla. - Sim, precisamos estudar melhor o processo da Bahia, pois semana que vem teremos uma audiência. - Vou fingir que acredito – disse piscando. - Não é o que está pensando – retruquei. 138


A Chernobyl brasileira

- Não estou pensando em absolutamente nada, Alexia. Tenho que fazer algumas ligações – falou saindo de sua sala. Alexia ficou totalmente atordoada. Será que ela havia percebido que estava gostando do doutor? Morreria de vergonha se aquele homem soubesse que estava apaixonada por ele. Aquele homem não pertencia a seu mundo, era algo que jamais daria certo. O melhor a fazer era tentar esquecê-lo, pois ele jamais prestaria atenção, numa pobre coitada como ela, pensou. Fez algumas ligações e arquivou alguns papéis que pertenciam aos processos, que estava auxiliando doutor Alessandro. De repente, Carla entrou em sua sala novamente. - Alexia, vai almoçar aonde hoje? - Vou pedir um lanche, pois preciso organizar esse arquivo. Quero deixá-lo em ordem, pois se precisarmos de algum dado do processo da Mineração, tem que ficar fácil para que alguém encontre. - Então pedirei lanche para nós duas, assim podemos conversar um pouco. Detesto comer sozinha – disse pegando o telefone. - Eduardo? – indagou. – É Carla do Escritório de Advocacia Jordan & Marangoni. – disse devagar – Quero um sanduiche de picanha bem caprichado e um suco de laranja bem gelado. Olhou para Alexia e perguntou: - O que vai querer?


Cristiane G. Sant՚Ana

- Peça o mesmo para mim, por favor. - Eduardo, dois lanches de picanha bem caprichados e dois sucos de laranja bem gelados – disse desligando o telefone. - Como está o caso a mineração? - O exame pericial acusou alto nível de Chumbo no sangue do cliente, mas a perita arguiu, que nesse exame não foi possível detectar a quanto tempo, ocorreu à contaminação. - Com certeza, Alessandro irá pedir novo exame pericial, para comprovar a época em que isso ocorreu. - Carla, fiquei horrorizada ao ver o descaso com que aquela cidade foi tratada durante todos esses anos. - Vá se acostumando com o descaso com que, as pessoas menos favorecidas são tratadas pela sociedade em geral, pois essa profissão nos mostra isso a todo instante. - Me recuso a me acostumar com esse cenário, por isso escolhi essa profissão, para combater a injustiça. - Alexia, não seja inocente. – sorria com descaso. – Nessa profissão, somos obrigadas a defender o cliente, seja ele certo ou errado. - Infelizmente isso realmente acontece, mas nesse exato momento posso me sentir bem, pois estou defendendo uma causa justa. - Você e Alessandro estão se envolvendo demais com esse caso. 140


A Chernobyl brasileira

- Você não foi a Bahia, para ver a situação em que se encontram os ex-trabalhadores daquela carnificina, estaria envolvida com a situação daquelas pessoas – disse com tristeza. – O pior é que as autoridades competentes não fazem absolutamente nada, para diminuir o risco de novas pessoas se contaminarem com o chumbo e o cádmio, que invadem o Rio Subaé, através daquelas montanhas de lixo tóxico. Terminaram o lanche e Carla retornou a sua sala.


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