Tomo I Conceções e Reflexões Ana Paula Vilela
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FLEXIBILIDADE E INTERAÇÕES EDUCATIVAS PARA RUMOS (DES)IGUAIS Um olhar longitudinal até aos tempos de pandemia
Tomo I Conceções e Reflexões
Coordenação Ana Paula Vilela
Centro de Formação de Associação de Escolas Braga Sul Cadernos, Escola e Formação Braga 2021
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FICHA TÉCNICA
Título FLEXIBILIDADE E INTERAÇÕES EDUCATIVAS PARA RUMOS (DES)IGUAIS Um olhar longitudinal até aos tempos de pandemia TOMO I – Conceções e Reflexões Coordenação Ana Paula Vilela
Autora da Imagem da Capa
Quadro pintado a aguarela de Cidália Freitas (Polvo 1)
Organização Ana Paula Vilela
Revisão
Ana Paula Vilela
Edição
Cadernos, Escola e Formação. Centro de Formação Braga/Sul
Arranjo Gráfico Nuno Mendes
ISBN - 978-989-96569-7-0
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Dedico este e-book Ao meu grande amigo e companheiro de trabalho, o Dr. Virgílio Rego da Silva
Professor, um grande Educador, com gosto pela investigação em Educação, exAssessor do Centro de Formação Braga/Sul e ex-Diretor do Agrupamento de Escolas Frei Caetano Brandão. Um Homem bom, simples, de amplos consensos, com uma humildade intelectual indizível, coerente, de trabalho abnegado e comprometido, rigoroso, avisado, irrepreensível, inspirador, eticamente impoluto. Um escavador da liberdade criativa de ensinar e aprender, um tecelão de laços de amizade e de cultura profissional que nos deixa um legado de bons exemplos, amplamente reconhecidos por todos os que tiveram o privilégio de conviver de perto com ele. Ana Paula Vilela
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O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar, a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro. Mia Couto
Um agradecimento muito especial a todos os que colaboraram neste e-book. Ana Paula Vilela
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ÍNDICE FLEXIBILIDADE E INTERAÇÕES EDUCATIVAS PARA RUMOS (DES)IGUAIS Um olhar longitudinal até aos tempos de pandemia Ana Paula Vilela
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PARTE I AUTONOMIA, FLEXIBILIDADE, CIDADANIA E INCLUSÃO – CONCEÇÕES E SENTIDOS PARA UMA MIRÍADE DE EXPRESSÕES CURRICULARES .………………...…………………………………………………………………………………………………………………………………………………………….………...…......
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O valor de educar: sobre os limites da tensão educativa na urgência do agora-futuro António Joaquim Abreu da Silva e Fátima Braga
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A formação contínua como recurso inovador na produção e disseminação de conhecimento José Verdasca e Helena Fonseca
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Para uma leitura curricular do Decreto-Lei nº. 55/2018 José Augusto Pacheco
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Flexibilidade curricular e colaboração docente: Por que vale a pena trabalhar em equipa? Joaquim Machado
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Transformar conceções e práticas de avaliação: para uma agência do trabalho docente Eusébio André Machado
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O desafio da Cidadania na Escola: do enquadramento às práticas Isabel Baltazar e Beatriz Crespo
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A Rota da Inovação nas Práticas Avaliativas Olga Pinto Basto
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Aprender como se faz História – desafios e oportunidades da aula oficina Marília Gago
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O papel do professor no apoio tutorial Diana Passeira Torres
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Aproveitamento do erro na aprendizagem da matemática: o ponto de vista dos alunos Paula Vieira da Silva
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Estratégias de aprendizagem ativa para a flexibilidade curricular na era digital Adelina Moura
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54/2018: um olhar, um ano depois David Rodrigues
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Para uma Educação Inclusiva João Pereira e Luísa Campos …………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………...…
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Planos de Inovação: princípios orientadores Vanêssa de Almeida Reis Mendes
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Entre género e sexo, o papel da sociedade e o papel da biologia Zélia Caçador Anastácio
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FLEXIBILIDADE E INTERAÇÕES EDUCATIVAS PARA RUMOS (DES)IGUAIS. UM OLHAR LONGITUDINAL ATÉ AOS TEMPOS DE PANDEMIA
Temos a honra e a galhardia de apresentar o novo e-book do Centro de Formação de Associação de Escolas Braga/Sul (CFAEBS), da Coleção Cadernos, Escola e Formação, intitulado Flexibilidade e Interações Educativas para Rumos (Des)Iguais. Um olhar longitudinal até aos tempos de pandemia, constituído pelo Tomo I – Conceções e Reflexões e pelo Tomo II – Práticas e (Re)Ações. Este longo e-book é o corolário dos muitos Seminários, dos encontros habituais do Centro de Formação Braga/Sul das Sextas Ao Centro, Sextas Desiguais, encontros vários, apresentações pelos formandos dos trabalhos realizados em ações de formação em modalidades ativas e resulta de um longa e árdua recolha de artigos, textos e experiências de trabalho decorrentes dos normativos orientadores considerados pilares na Educação há uns anos a esta parte (Decreto-Lei n.º 54 e 55/2018, de 6 de julho, entre outros). A par desta recolha, fomos convidando e juntando outros autores que amavelmente acederam participar neste livro e que testemunham uma época de transição para uma outra escola e para uma outra Educação. Mas pretendemos ir mais longe, percorrendo um longo caminho transversal e longitudinal no tempo, até aos dias mais sombrios de hoje - referimo-nos à recente pandemia que nos assolou no ano de 2020 e que nos condenou, indelevelmente, e de forma intermitente, ao confinamento social. Queremos sublinhar nesta publicação que não obstante o cinzentismo da pandemia este não obstaculizou os docentes e as escolas na trajetória que vinham perseguindo de pugnar por aprendizagens de sucesso e escolas mais inclusivas, como ficou bem patente no engenho e na arte com que os docentes e as escolas, enquanto organizações aprendentes, encararam o desafio do ensino a distância, com muito trabalho e persistência, é certo, mas também com muita garra e criatividade na (re) invenção de uma nova escola, como nos dá disso testemunho este livro. Em jeito de parênteses, e para memória futura, o CFAE Braga/Sul na segunda semana após o fecho das escolas, a 16 de março de 2020, estava a organizar um grande seminário online sobre ferramentas digitais, plataformas de aprendizagem e estratégias de ensino/aprendizagem em regime a distância com formadores/oradores de renome, tendo estado inscritos cerca de 900 professores ávidos de conhecimento para poderem fazer face aos difíceis dias que se avizinhavam. Todos os testemunhos deste e-book fazem emergir novas possibilidades para as escolas - na organização dos espaços, dos tempos, na organização do currículo e do seu desenvolvimento, nas novas formas de trabalhar numa escola mais aberta, mais participativa, mais envolvente, mais colaborativa, mais cooperativa, com métodos e estratégias para
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ensinar, aprender e avaliar verdadeiramente pedagógicas, inovadoras, motivadoras, ativas, integradoras e, inevitavelmente, mais inclusivas. Mas ainda demorará o tempo necessário às mudanças que se esperam e que os investigadores em Educação 1 desde sempre previram concretizar-se, sensivelmente, dez anos depois de alguma mudança introduzida no sistema. É um facto que as escolas e os docentes ainda não estão todos à mesma velocidade e ao mesmo nível na acção da gestão e no desenvolvimento curricular - por isso, prevemos a longevidade da importância da informação veiculada neste e-book. Não despiciendas as capas dos dois Tomos. Servem as belas imagens do polvo estilizado neste panfleto, da autoria da professora e pintora plástica Cidália Freitas, do AE D. Maria II, em Braga, como metáfora desta edição. O cefalópode, um animal inteligente que se serve da sua argúcia e dos seus múltiplos recursos (os tentáculos) para aprisionar a sua presa, faz convergir todo o seu engenho com um fim único, bem delineado, estudado à minúcia e não escamoteado - referimo-nos à sua presa. No nosso caso, a nossa “presa”, é o nosso foco, o aluno, que não queremos aprisionar, mas libertar pela acção autonomizante e pela postura de empenhamento autoformativo que lhe propiciarmos, centrando nele os objetivos das nossas intervenções e ações, deitando mão aos múltiplos recursos combinados (como se fossem tentáculos), em perfeita sintonia, sentindo a necessidade de convergir para o mesmo fim. E é através destas múltiplas e diversas possibilidades, também de “leituras cruzadas” que é necessário estabelecer relativamente aos conceitos basilares de promoção das mudanças necessárias, que se chega à concretização de projetos de gestão e desenvolvimento curriculares nas comunidades escolares e educativas que garantam aprendizagens mais significativas, mais contextualizadas, mais avaliadas, também por processos de investigação/reflexão e acção nas escolas, com vista ao sucesso pleno dos alunos – este ebook também nos dá essas leituras. Na capa do Tomo II desta edição, a metáfora continua e a imagem do polvo estilizado está em processo de aparente desagregação, em metamorfose e adaptação, principalmente quando surgem o(s) novo(s) tempo(s) de pandemia, mas mais uma vez a sua argúcia e habilidades várias vão permitir resistir, submergir de tempos difíceis e (re)agir, (re)inventarse, (re)criar-se com sucesso, como podemos apreciar através dos artigos e textos vários deste livro. Alguns desses textos, tiveram lugar em pleno contexto de pandemia e decorrem de práticas de sala de aula totalmente por ensino remoto, em concomitância com contextos de modalidades de formação ativa, em regime a distância, pelo que queremos enfatizar também aqui o papel relevante e de excelência de acompanhamento dos formadores.
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Vide, Helen Simons (1981): “Avaliação e Reforma das Escolas”. In Albano Estrela e António Nóvoa, 1993, Avaliações em Eucação: novas prespectivas. Col. Ciências da Educação, Porto: Porto Editora. 10
Cremos que não é possível ignorar neste e-book o caminho trilhado no último ano e o que se foi construindo para responder à situação excecional de pandemia que vivemos. Apesar de todos termos constatado as inevitáveis e profundas desigualdades nas aprendizagens dos alunos verificadas neste período, não podemos deixar de sublinhar uma resignificação da escola e uma indelével transformação de práticas pedagógicas, naturalmente respaldadas pelos recursos digitais. E remontando aos primórdios do que consideramos a “mudança”, tudo começou com a criação do Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE) edificado com a resolução do Conselho de Ministros nº23/2016, assumindo-se a perseguição do objectivo de promover um ensino de qualidade para todos, valorizando-se a igualdade de oportunidades e do aumento da eficiência e qualidade das escolas. Partia-se do pressuposto que são as escolas e as comunidades educativas que melhor conhecem os seus contextos, dificuldades e potencialidades, sendo, por isso, quem estaria “melhor preparado para encontrar soluções locais e conceber planos de acção estratégica, pensados ao nível de cada escola, com o objetivo de melhorar as práticas educativas e as aprendizagens dos alunos” 2. Com a abertura que foi dada ao envolvimento das escolas, das suas lideranças, dos seus órgãos de administração e gestão de topo e intermédias e ao envolvimento sentido das comunidades educativas, naturalmente espoletou-se o impulso necessário à profunda diagnose efetuada à situação de cada Agrupamento de Escolas (AE). E veio depois o comprometimento com a mudança, pelas metas a alcançar e pela análise regular dos resultados a obter/obtidos, pelo acompanhamento das equipas de Missão do PNPSE e dos Centros de Formação, os quais tiveram, nesse contexto, um papel mobilizador crucial, para já não falar na rápida e eficiente formação que disponibilizaram e no incontestável e manifesto apoio do seus formadores às escolas associadas. Pela primeira vez na História recente da Educação, a política interna das escolas era conduzida de dentro para fora e prevaleciam as opções de bottom-up, escolhidas e trilhadas sem imposições do tipo top-down, respaldados nos planos de ação estratégica desenhados para os anos letivos 2016/17 e 2017/18. Com verdadeira assunção de responsabilidades e comprometimento total pelo acordado e delineado na comunidade educativa, os Agrupamentos de Escolas começaram verdadeiras inovações e experiências transformadoras nas escolas, a nível macro, meso ou micro organizacionais, concretizadas a nível do trabalho pedagógico e no compromisso com as aprendizagens dos alunos. Por outro lado, consubstanciaram-se práticas de trabalho diferenciadoras e completamente alicerçadas nas escolas e que clamavam por legitimidade, como é o caso do trabalho colaborativo em formas diferenciadas de organização dos contextos escolares. E foi assim que os resultados escolares alcançados em 2016/17 pelas escolas PNPSE, comparativamente ao histórico anterior (média 2014/15- 2015/16), registaram uma redução da retenção, em termos relativos, de 21% no 1.º ciclo, de 24% no 2.º ciclo e de 23% no 3.º ciclo. 2
Cf: “Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE)“ 11
E as escolas (re)começaram a aprender a refletir. A par deste programa, com o despacho n.º 3721/2017, de 3 de maio, “é autorizada a realização de projetos-piloto de inovação pedagógica, em regime de experiência pedagógica, durante três anos escolares, orientados para a adoção de medidas que, promovendo a qualidade das aprendizagens, permitam uma efetiva eliminação do abandono e do insucesso escolar em todos os níveis de ensino”. Decorrente desse despacho, há Agrupamentos de Escolas que veem respaldadas novas possibilidades, muitas delas já consolidadas no terreno, à revelia da letra da lei, e impulsionam na prática a implementação de medidas e estratégias nos seguintes domínios: diversificação e gestão curricular; articulação curricular; inovação pedagógica; organização e funcionamento interno; relacionamento com a comunidade. Em 2018, surgem normativos legais e referenciais absolutamente estruturantes na Educação que decorrem da produção legislativa do XXI governo constitucional, referentes ao processo de construção e desenvolvimento da Autonomia e Flexibilidade Curricular (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho). Possibilitam mudanças organizacionais e pedagógicas diferenciadas, com a finalidade de alcançar aprendizagens mais ativas, centradas nos alunos, mais significativas e contextualizadas, suportadas por documentos curriculares que definem as Aprendizagens Essenciais a realizar por todos os alunos, os processos cognitivos a ativar e o saber fazer associado, sugerindo ações estratégicas de ensino orientadas para as competências previstas no referencial a perseguir - referimo-nos ao Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. Este último, a nosso ver, talvez seja o referencial mais importante das últimas décadas na Educação em Portugal, pois assegura a convergência das decisões de organização e gestão curriculares nos diferentes percursos formativos, definindo princípios, valores e áreas de competências a desenvolver, não soçobrando os documentos norteadores e referenciais internos das escolas, nomeadamente o Projeto Educativo das escolas, mas antes permitindo aprofundá-los. A Educação Inclusiva, enforma e aglutina todos os outros e constitui outro dos pilares basilares nas mudanças que se preconizam (Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho), estabelecendo os princípios e as normas que garantam a inclusão, respondendo à diversidade, necessidade e potencialidades de todos os alunos e de cada qual. As novas medidas de abordagem multinível em educação e o desenho universal para a aprendizagem colocam desafios cruciais às escolas e aos profissionais da educação, justificando-se o reforço da articulação entre prática, a formação e o trabalho colaborativo em rede, como aliás está a acontecer nas nossas escolas associadas que voluntariamente aderiram ao repto da representante da Autonomia e Flexibilidade Curricular no CFAE Braga/Sul. A Educação para a Cidadania e as vivências cidadãs dos alunos, como um processo vivencial e ativo, é outro dos pilares fundamentais do currículo, de molde a formar cidadãos mais participativos, interventivos, críticos, reflexivos, responsáveis e adaptados às mudanças
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societárias do séc. XXI – o trabalho em rede, nas nossas escolas associadas, tem sido, de igual forma, de importância capital. Todos estes normativos conferem mais autonomia às Escolas para tomarem decisões que visem o sucesso escolar e educativo dos alunos, a melhoria do ensino e das aprendizagens, a efetivação da gestão curricular e do seu desenvolvimento, como garante de uma educação que se requer mais inclusiva. E como tivemos oportunidade de explanar, todas as virtualidades da nova gramática escolar e educacional estavam a acontecer a um bom ritmo desde 2016 e as mudanças continuaram, a partir dos Decretos-Lei n.º 54 e 55/2018 a ser entrosadas por todos os agentes educativos paulatinamente, com os atrasos e os avanços de uma reforma que não se quis apelidar de “reforma” mas que o é, pela força com que veio para ficar, possibilitando a inovação, a invenção e envolvendo tudo e todos, mobilizando, cativando e, principalmente, evidenciando as mudanças necessárias e urgentes. Mas como as mudanças não se fazem apenas pelos normativos decorrentes das políticas educativas, mas, fundamentalmente, pela (re)construção da cultura e da organização escolar, pelas práticas educativas produzidas pela vivência quotidiana de todos os que trabalham nas instituições educativas da educação pré-escolar, do ensino básico, do ensino secundário e do ensino superior, que ser trate de acções mais sustentadas em concepções e/ou mais sustentadas em práticas, este livro pretende espelhar reflexões, percursos, e (re)acções em torno dos primórdios dos novos conceitos da Autonomia e da Flexibilidade Curriculares e da sua implementação, inclusive em tempo(s) da pandemia. Dado o elevado número e diversidade dos contributos quer teóricos quer práticos, nestes últimos de todas as nossas escolas associadas, para além de outras com que nos fomos cruzando, este livro está organizado em dois Tomos. O Tomo I, denominado Conceções e Reflexões, gravita em torno de considerações mais teóricas e do foro mais académico que foram surgindo ao longo dos últimos anos integra a Parte I intitulada “Autonomia, Flexibilidade, Cidadania e Inclusão – conceções e sentidos para uma miríade de expressões curriculares”. O Tomo II, apelidado de Práticas e (Re)Acções é do foro mais teórico-prático e integra a Parte II, “Ações diferenciadoras e flexíveis nos meandros escolares” e a Parte III, “A Imperatividade das Mudanças em Tempo(s) de Pandemia”. O Tomo II exibe as (re)ações e (re) invenções das escolas aos novos conceitos da Autonomia e da Flexibilidade até aos tempos da pandemia, a adaptação das escolas ao recurso ao regime de ensino a distância, sem descurar os princípios basilares da mudança que se estavam a alavancar quando surge em março de 2020 o confinamento geral e o fecho das escolas. Daí o subtítulo deste e-book – uma visão longitudinal até aos tempos de pandemia - que não se pretende esgotar nas narrativas apresentadas mas perspectivar, com exemplos soltos, diferentes situações de organização e gestão curricular, a nível macro, meso e micro e de desenvolvimento curricular.
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A “coreografia” educativa e pedagógica percorrida em tempos de pandemia, o modo como todos se adaptaram, pensaram, (re)acriaram está também patente neste livro, sem termos a veleidade de pretendermos uma sequencia temporal dos textos, pois o leitor atento depreendê-la-á do contexto. Outro dos nossos desideratos neste e-book é “tocar” os professores relativamente aos grandes desafios dos tempos de hoje. Vivemos a época mais desigual dos últimos trinta anos e o sistema de educação tem veiculado dentro de si a réplica da desigualdade que se acentua em circunstâncias de grande imprevisibilidade, como aconteceu com a pandemia. E é verdade que o Mundo de hoje é muito mais perigoso e inesperado. Numa altura em que todos os dias percebemos que a harmonia e a paz são situações precárias, vulneráveis, estando a nossa época mais ameaçada do que nunca por fenómenos do mundo atual que todos conhecemos, problemas de sustentabilidade de recursos, de desequilíbrios económicos, e das mais diversas iniquidades sociais e humanitárias, parecendo-nos, às vezes, que o mundo pode sucumbir e desabar a qualquer instante, temos consciência que a nossa responsabilidade, enquanto educadores, é grande. E os professores não podem ficar indiferentes face às problemáticas atuais, nomeadamente aos fenómenos violentíssimos da globalização que marcam as sociedades e se manifestam também nos atos de terrorismo, nos movimentos migratórios, na guerra, na fome, na violência de género, na homofobia, na xenofobia, no racismo e na exploração despudorada dos mais fracos, vítimas das políticas neoliberais e neoconservadoras que marcam a atualidade social. Nem podem ficar indiferentes ao vórtice da imprevisibilidade, à permanência da incerteza, como a vivência da pandemia nos ensinou. E estes tempos sombrios também nos demonstraram que vivemos um tempo novo de grande conectividade, mobilidade, ubiquidade e quão importante foi o recurso às tecnologias e ao digital sempre presente. E, se o ensino a distância teve deficiências na interação e comunicação com os alunos e nos tirou o essencial do ato de ensino, também nos mostrou que o “novo normal”, o digital, tem francas possibilidades e que os docentes têm de estar preparados para o repto dos tempos que correm e que nada ficará como dantes. E o desafio da globalidade, em termos educacionais está aí, é bem real e carece de respostas, segundo Edgar Morin [e passo a citar] “ou seja, a inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre, por um lado, um saber fragmentado em elementos disjuntos e compartimentados nas disciplinas, por outro, realidades multidimensionais, globais, transnacionais, planetárias, problemas cada vez mais transversais, pluridisciplinares, até mesmo transdisciplinares”. 3 E a imperiosidade em saber lidar, neste contexto de diversidade, exige uma nova geração de indivíduos que sejam capazes de resolver problemas, de respeitar os outros, e de participar simultaneamente na vida local, nacional e global4. 3 4
Edgar Morin (2001): O desafio do século XXI. Religar os conhecimentos. Lisboa: Instituto Piaget, p.10. Idem, Ibidem 14
Logo, o desenvolvimento de uma Educação para o pensamento crítico, artístico-cultural e histórico, alicerçado na razão mas também na emoção e no sentimento, com vista a uma educação assente nos direitos dos outros parece ser outro dos desígnios das mudanças que nos propõem os novos normativos. Por outro lado, num mundo globalizado por uma evolução tecnológica sem precedentes, espera-se que os professores se mantenham atualizados nas suas áreas de conhecimento, que saibam utilizar as novas tecnologias em contexto, que sejam sensíveis às novas questões, que promovam a igualdade e a justiça social, e que respondam de forma eficaz e diferenciada a alunos com dificuldades de aprendizagem ou de diferentes origens linguísticas e culturais, se queremos pugnar por uma sociedade mais democrática, mais inclusiva, mais solidária e menos hedonista. Os grandes desafios apontados por Edgar Morin para a Educação do Séc. XXI são de uma lucidez incrível: “fortificar a aptidão para interrogar e de ligar o saber à dúvida, de desenvolver a aptidão pra integrar o saber particular não apenas dentro de um contexto global, mas também na sua própria vida, a aptidão par apresentar os problemas da sua própria condição e do seu tempo”5 “Sobrevoando” a leitura desta obra, pensamos responder neste e-book a muitos desses desideratos. Salientamos o carácter diverso, construtivo e inovador dos artigos e textos apresentados, permitindo a análise da “pegada” da Autonomia e Flexibilidade Curricular, ao mesmo tempo que aspiramos mostrar que existem experiências pedagógicas cujos sinais são claros de que o insucesso não é uma fatalidade e que é possível trabalhar de modo a promoverem-se as aprendizagens dos alunos. Este e-book é também um livro altamente interativo, com muitas conexões digitais, hiperligações, vídeos que urge explorar, principalmente no tocante aos cenários de aprendizagem que apresentamos e partilhamos. Os autores desafiam-nos a refletir, a pensar, a fazer diferente, a desafiar, abrindo pistas – essa é a essência deste e-book, para anteciparmos hoje o futuro de amanhã, incerto, com toda a certeza, mas permanente na substância que nos move e faz de nós Educadores parafraseando António Nóvoa é o regresso dos professores. Aonde? Naturalmente, à Pedagogia6. TOMO I – Conceções e Reflexões PARTE I - Autonomia, Flexibilidade, Cidadania e Inclusão – conceções e sentidos para uma miríade de expressões curriculares E é precisamente com um notável artigo de Fátima Braga e António Silva, intitulado “O valor de educar: sobre os limites da tensão educativa na urgência do agorafuturo” que começamos a Parte I deste livro do Tomo I. 5 6
Idem, pág.15. Cf: António Nóvoa (2011): O Regresso dos Professores (policopiado) 15
Este artigo situa o nosso pensamento na preocupação intemporal do que vale a pena Educar, à luz do futuro que queremos e das incertezas do presente e de um futuro que é, pela voragem dos tempos, cada vez mais próximo. E remonta-nos às grandes preocupações patentes desde sempre nas grande questões da Educação, nos modelos ancestrais da Paideia, da Grécia Antiga, mas igualmente e, principalmente, nas inquietações dos dias de hoje em perseguir e conceber um projeto alargado de pensar a educação como formação da pessoa, enquanto indivíduo e cidadão. Pretende-se, neste artigo, gizar e assumir uma cultura da competência que rompa com velhos cânones e tradições, em que se aprende a desaprender com a finalidade última de provocar um compromisso epistemológico, dando-se sentido de bem comum à escola. E, num percurso rigoroso e profundo, magistralmente escrito, exploram-se as grandes preocupações transnacionais de todos os tempos, mas também os movimentos pendulares diacrónicos pelos quais têm passado as políticas públicas nacionais da Educação, mapeando os conceitos e os momentos fundamentais, conduzindo-nos aos marcos mais importantes da filosofia da educação, implícita e explícita, até aos dias de hoje onde a centralidade das aprendizagens remetem-nos para um aluno novo, para uma nova ética profissional e um novo conhecimento escolar promotor de inclusão e equidade. Um artigo escrito de forma vibrante e profunda que nos situa, essencialmente, no antes à urgência do agora-futuro e no que vale a pena apostar. Não despiciendo o artigo de José Verdasca e Helena Fonseca, a saber, “A formação contínua como recurso inovador na produção e disseminação de conhecimento“. Enfatiza-se neste artigo o crucial papel dos centros de formação de associação de escolas como recurso indelével e inovador na construção de respostas educativas contextualizadas, bem como na produção e partilha de conhecimento científico, pedagógico e didático, numa lógica de interdependência de formação contínua e socialização, centrada nas necessidades identificadas de desenvolvimento das escolas. A corroborar a afirmação, os autores dão como exemplo o enorme esforço de envolvimento das escolas na formação PNPSE-POCH, a qual decorreu em 2016 e 2017, envolvendo 75.000 formandos a nível nacional. Os resultados desta política, a par da valorização de lógicas internas de organização escolar menos centralizadas e hierarquizadas ou com menos soluções pedagógicas estandardizadas, redundaram em níveis de retenção baixíssimos nos três ciclos de ensino no ano letivo de 2018/2019, por comparação com 2014/2015, aliás com uma nítida evolução tendencial de decréscimo para os anos subsequentes, como os autores bem o demonstram neste artigo. Por isso, apelam os autores para que não se subestime ou escamoteie o conhecimento científico e socialmente relevante capaz de orientar políticas educativas baseadas em evidências. Citando Hattie (2017), o autor questiona o que de fato funciona, dando especial atenção às ações pedagógicas – visible learning - que se requerem contextualizadas, desenvolvendo e descortinando novas abordagens pedagógicas e curriculares sustentadas em estratégias interativas de formação e socialização, quantas vezes emergindo de dinâmicas auto-
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organizadas (…), originadas em processo de decisão ad hoc. Relevam ainda a importância de lógicas de ação que estruturem novos ecossistemas educacionais alicerçando culturas escolares de colaboração localmente comprometidas, compagináveis com políticas públicas descentralizadas. O terceiro artigo deste e-book, da autoria do Professor Doutor José Augusto Pacheco, denominado “Para uma leitura curricular do Decreto-Lei nº 55/2018”, responde a indagações suscitadas pela leitura exaustiva do olhar atento do investigador e especialista ao normativo em análise. São assim interpeladas inúmeras questões entre as quais destacamos: o conceito de currículo, o caráter nacional da estrutura do currículo, o papel das escolas e dos professores, a materialização da autonomia curricular, as opções curriculares e dinâmicas pedagógicas susceptíveis de execução pela escola na construção do plano de inovação, as medidas passíveis de concretização, as opções organizacionais ajustadas às opções/decisões curriculares das escolas em articulação com o projeto de turma, e não o plano, como diz o autor, construído no âmbito do ano de escolaridade “na consagração do que é programação, isto é, o trabalho conjunto e interdisciplinar ao nível dos educadores e professores (…)”, e na interligação com outros documentos inovadores: o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, as Aprendizagens Essenciais e a reposição da cidadania nos planos curriculares. Sublinha ainda o autor que o currículo enquanto projeto deve ser analisado no âmbito das culturas escolares e inserido no campo de análise como referencial de avaliação externa, mobilizando um processo de autoquestionamento da escola, com a apresentação de resultados que contribuam para o sucesso, a inclusão e a equidade, pelo que o plano estratégico de autovaliação é um documento estruturante nas escolas. O artigo que se segue, da autoria de Joaquim Machado intitula-se “Flexibilidade curricular e colaboração docente: Por que vale a pena trabalhar em equipa?”. Propõe o autor uma profunda reflexão sobre a importância do trabalho em equipa e do trabalho colaborativo, profusamente reiterado nos novos normativos, para impulsionar diferentes formas de organização do trabalho escolar, mais consentâneas com as novas adequações pedagógicas e curriculares promotoras de uma escola mais inclusiva. Distingue tipos de colaboração e níveis e conceções de trabalho em equipa, nomeadamente os explicitados pelo legislador, contrapondo com o modelo de equipas educativas proposto por Formosinho e reiteradamente explicitado por Formosinho e Machado (ver pertinente bibliografia do artigo). Procura as razões para a escassa inscrição da cooperação no quotidiano da docência, principalmente na organização do trabalho docente, e considera o mosaico complexo das práticas profissionais entre o isolamento e a colegialidade. Mas reitera que são as relações colegiais que estão na base de dinâmicas de trabalho mais frutuosas porque originam flexibilidade e capacidade de correr riscos, que são essenciais na introdução de inovações, e conduzem ao melhoramento contínuo entre os professores e a resultados positivos de aprendizagem entre os 17
alunos. Realça ainda a oportunidade de desenvolvimento e aperfeiçoamento profissional dos docentes resultantes da Flexibilização Curricular, concluindo que vale a pena trabalhar em equipa – este é um artigo importante para descortinar e refletir, quiçá, diríamos nós, em trabalho de equipa. O artigo de Eusébio André Machado designa-se “Transformar conceções e práticas de avaliação: para uma agência do trabalho docente” e é absolutamente fulcral no contexto deste e-book. Desconstrói o fatalismo sociológico que alude à arguição que a pretensão de mudar a avaliação é um círculo vicioso que resulta de uma abordagem sistémica - se tudo depende de tudo para mudar, nada se pode mudar - e coloca o ónus da mudança nas concecções e práticas de avaliação que refutam a conceção ontológica do insucesso ao serviço das lógicas psicométricas, culturalmente arraigadas, padronizadas e positivistas e que reforçam o conformismo e a ausência de criatividade intelectual; por oposição, advoga as lógicas humanistas, onde se opta pela promoção de pessoas e não pela sua sujeição, consubstanciadas numa urgente reconfiguração do desenvolvimento curricular de práticas de avaliação ao serviço das aprendizagens e servindo a lógica democrática, alicerçada na crença e no reforço da esfera de agência e autonomia do professor, aliás, constitutivas da própria profissão. Reforça a diversificação dos instrumentos de avaliação, a importância do que denomina de comunicação avaliativa sadia e explana, profusamente, a importância do feedback de qualidade, da avaliação criterial rigorosa, em detrimento da normativa, e a importância da autoavaliação e avaliação pelos pares - gera feedback sobre dificuldades e potencialidades, ao mesmo tempo que promove a autorregulação das aprendizagens. Não despicienda a abordagem ao feedback digital, também ele de capital importância pelo grau de adaptabilidade, diferenciação, personalização da avaliação em função do nível dos alunos. Todavia, conclui que (…) a avaliação digital possui desvantagens e limitações, pelo que o desejável, uma vez mais, é uma combinação calibrada e equilibrada com a avaliação analógica. O artigo que se segue, da autoria de Isabel Salazar e Beatriz Crespo, “O desafio da Cidadania na Escola: do enquadramento às práticas”, enquadra o leitor no quadro conceptual de “Cidadania”, percorrendo a literatura da especialidade relativa ao entendimento do conceito. Consensualmente, há nesta digressão de autores a ideia de exercício dessa condição através do sentido de pertença a uma comunidade ou grupo, e a existência de um conjunto de direitos e deveres estipulados pelas normas sociais e políticas que variam em função do espaço e do tempo. No que à Educação diz respeito, no périplo pelos documentos legais que enformam a componente curricular de Cidadania e o Desenvolvimento, destaca-se nas leituras cruzadas
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com os documentos do Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular uma miríade de possibilidades no desenvolvimento da participação dos alunos em projetos de cidadania ativa, reforçando-se o papel dos docentes enquanto potenciadores de ambientes de aprendizagens cidadãs. As autoras realçam, reiteradamente, o exercício da Cidadania como condição essencial à Educação num mundo complexo e imprevisível e a necessidade de participação futura na vida em sociedade através da cidadania crítica e responsável. Destacam-se as virtualidades desta abordagem pelo desenvolvimento de competências socioemocionais, cognitivas e comportamentais de grande valia para formação integral dos alunos. O artigo seguinte, de Olga Basto, intitula-se “A Rota da Inovação nas Práticas Avaliativas” e assume um olhar baseado no testemunho e experiência da autora. Assentou num projeto coletivo de formação e investigação/acção, o qual foi proposto ao Centro de Formação Braga/Sul, concretizado na modalidade de Círculo de Estudos, e do qual resultou um e-book da Coleção Cadernos, Escola e Formação, editado pelo CFAE Braga/Sul, a saber,”(Re)Pensar e (Re) Fazer a Avaliação das Aprendizagens. Narrativas de experiências Pedagógicas”. A autora reitera, por diversas vezes, a ideia de que hoje é possível ver “a luz ao fundo do túnel“ - refere-se a uma nova cultura profissional docente mais reflexiva e participativa que se quer transformadora da escola. A alavanca passa pela avaliação pedagógica, possibilitando alcançar uma escola mais inclusiva, mais democrática e mais humanista, de acordo com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. Todavia, considera que a mudança só se consegue com mais reflexão na e sobre a prática. Por isso, convida-nos a apreciarmos as reflexões encetadas pelos docentes na sequência das narrativas avaliativas produzidas em contexto de formação, e que percorrem os vários ciclos de ensino, não sem antes nos situar conceptualmente na avaliação (diferente do conceito de Classificação), percorrendo a explicitação do conceito e a sua evolução. As questões que levanta no texto e que apelida de “Algumas questões relevantes”, são muitíssimo pertinentes e revelam acutilância no contexto do artigo, pelo que aconselhamos, vivamente, uma leitura atenta. Marília Gago apresenta-nos o artigo intitulado “Aprender como se faz História – desafios e oportunidades da aula oficina”. É um texto desafiante, principalmente para todos os que ainda só seguem os cânones do conhecimento histórico como metodologia de ensino/aprendizagem muito alicerçada em modelos behavoristas, onde o aluno é apenas um receptáculo do conhecimento. O repto consiste em colocar o aluno como construtor do conhecimento histórico, na perspetiva construtivista da aprendizagem, interpelando uma diversidade de fontes históricas, sem descurar a metodologia da ciência histórica, através da designada aula oficina. Persegue-se os preceitos plasmados nas novas orientações curriculares, isto é, nas Aprendizagens Essenciais da disciplina e no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória
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como referenciais fundamentais para o desenvolvimento de competências e aprendizagens significativas com base no conhecimento, nas capacidades e nas atitudes. Esta metodologia é escalpelizada pela autora que nos remete para os conceitos de auscultação de ideias prévias e, com base nestas, parte-se para a construção de tarefasproblemas e fomentando-se a metacognição através do que os alunos conhecem/aprendem. As evidências e as narrativas históricas impelem o aluno a historiar, preparando-o para a interpelação e a intencionalidade das fontes, multiperspetivando-as e interpretando-as, competências absolutamente necessárias na atualidade, nomeadamente perante fenómenos recorrentes de facke news e, sublinhamos nós, de revisionismo acrítico da História. O texto seguinte é da autoria de Diana Passeira Torres e denomina-se “O papel do professor no apoio tutorial”. A autora apresenta a primacial importância do apoio tutorial como uma medida seletiva de suporte à aprendizagem e à inclusão que nem sempre é bem compreendida pela comunidade escolar e educativa que a encara, redutoramente, e até de forma errónea, com o apoio ao estudo. Trilha o aparecimento do conceito nos documentos legais e vai mais longe ao fazer a revisão do conceito na literatura da especialidade. Apresenta os obstáculos e os desafios à sua concretização, nomeadamente os sentidos em tempos de pandemia e sublinha a importância da implementação de um plano de formação para os professores tutores, realçando a importância da compreensão desta medida na comunidade educativa, de molde a quebrar crenças desajustadas sobre os seus objetivos e resultados pretendidos. O artigo seguinte, da autoria de Paula Vieira da Silva, é assaz pertinente e intitula-se “Aproveitamento do erro na aprendizagem da matemática: o ponto de vista dos alunos”. À disciplina de matemática estão associadas, quase sempre, idiossincrasias de insucesso escolar. Todavia, a autora consegue, com mestria, mostrar-nos de que maneira a cognição do erro matemático pode ser valorado para a aprendizagem dos alunos, ao mesmo tempo que capacita o professor para a pluralidade de representações mentais e cognitivas processadas por aquele, indicando-lhe também a eficácia do modelo pedagógico utilizado no ensino. A autora sublinha ainda a importância de uma constante acção dialógica entre professor e aluno(s) para permitir (des)construir e aproveitar pedagogicamente o erro, perseguindo, naturalmente, pressupostos construtivistas da aprendizagem - ouvir e perceber o raciocínio do(s) aluno(s) é fundamental. Apesar do foco do artigo ser a disciplina matemática, podem retirar-se deste artigo muitas inferências para as demais disciplinas, até porque o caminho que a autora percorre na revisão da literatura é passível de transferibilidade, por mimetismo, para as demais disciplinas. Aconselhamos, por isso, uma leitura atenta deste artigo. O artigo de Adelina Moura, denominado “Estratégias de aprendizagem ativa para a
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flexibilidade curricular na era digital”, é o exemplo acabado da ligação conceptual do saber teórico com o saber prático, de “experiência feito” [parafraseando nós Duarte Pacheco Pereira]. Partindo da análise dos documentos fundamentais da Autonomia e Flexibilidade Curricular, mostra-nos como se abrem perspetivas de novas abordagens da gramática escolar, com metodologias e estratégias mais ativas e com recurso ao uso das tecnologias digitais na Educação. Enquadra esta tese na literatura da especialidade, reforçando a ideia que o uso do desenvolvimento de competências digitais nos alunos deve ser enquadrado no desenvolvimento curricular do ensino e das aprendizagens, de molde a que haja um equilíbrio entre as duas vertentes. Cabe à escola adaptar-se à forma como os alunos interagem em rede uns com os outros, aproveitando este potencial de expressão para dar sentido à informação, atenuar a fratura digital (…) já que não se trata de os alunos terem apenas o domínio instrumental, é preciso que dominem as diferentes literacias. Complementa este artigo com um magistral exemplo prático na sala de aula com uma turma do ensino secundário do ensino profissional, utilizando as tecnologias digitais na aprendizagem da poesia de Antero de Quental e Cesário Verde. Mostra ao leitor como motivou os alunos para esta experiência pedagógica através do repto da conceção de Objetos de Aprendizagem (AO) como valia para a sua reutilização e publicação em ambientes virtuais de aprendizagem, de molde a estimular outros alunos. Os trabalhos desenvolvidos foram previamente apoiados em APPS, no blogue da turma e em estratégias de flipped learning. O trabalho foi desenvolvido em pares, mostrando também a autora, em outro passo deste artigo, as virtualidades do peer instrution. Mostra-nos os produtos concebidos com diferentes materiais multimédia, os excelentes resultados das aprendizagens dos alunos e a forma como os alunos viram, interpretaram e avaliaram esta experiência, através das suas perspectivas e reflexões encetadas. Termina incentivando/desafiando todos os docentes a diversificarem as experiências educativas, não desistindo para encontrarem as melhores soluções para cada um dos contextos de aprendizagem, com vista a alcançarem aprendizagens consistentes (deep learning). O texto que se segue, do Conselheiro Nacional da Educação, David Rodrigues, designa-se “Um olhar, um ano depois” e faz uma diagnose ao Decreto-Lei nº 54/2018 de 6 de julho, um ano depois, como nos sugere a designação do texto “54/2018. Começa por contextualizar a altura do ano particularmente difícil para as escolas em que foi publicado o referido decreto. Todavia, honra o mérito como estas reagiram e souberam organizar-se e responder aos novos desafios da letra da lei, para se poderem tornar mais inclusivas. Esta análise não descura o ponto de partida de cada escola e a heterogeneidade verificada com que, por exemplo, as basilares Equipas Multidisciplinares de Apoio à Educação Inclusiva se depararam, tornando-se um obstáculo intransponível para umas ou um processo de continuidade para outras.
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Por último, aponta três fatores que, na sua opinião, podem fazer depender o espaço de progressão da escola inclusiva: os recursos educacionais que permitam sustentar práticas mais inclusivas, lideranças de topo e intermédias eficazes e responsáveis, e mais e melhor formação através de um programa de formação que englobe todas as regiões do país e todas as classes e funções profissionais. O próximo artigo é de Luísa Campos e João Pereira e designa-se “Para uma Educação Inclusiva”. Apoiados nos normativos que enformam a Autonomia e Flexibilidade Curricular, com uma pormenorizada análise ao Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e às competências sociais que urge desenvolver nos alunos, demonstram a necessidade de se promover uma escola mais inclusiva, através da colaboração de todos, com verdadeiros mecanismos de diferenciação pedagógica. Essas condições estão criadas no Decreto-Lei 54/2018 mas também no Decreto-Lei 55/2018. O primeiro aposta na construção de uma escola onde se reconhece o direito de cada aluno a uma educação inclusiva que responda às suas potencialidades, expectativas e necessidades e que proporcione a todos a participação e o sentido de pertença em efetivas condições de equidade, contribuindo assim, decisivamente, para maiores níveis de coesão social. Consubstancia-se na abordagem multinível no acesso ao currículo, baseada no Desenho Universal para a Aprendizagem, implementando-se as respostas educativas necessárias para cada aluno adquirir uma base comum de competências, valorizando as suas potencialidades e interesses. Neste contexto, explana-se ainda, através da revisão da literatura, a importância do trabalho colaborativo e cooperativo de todos os agentes educativos, incluindo dos alunos, para que estes últimos sejam protagonistas do seu processo educativo, que se quer de sucesso para todos. O texto que se segue, da autoria de Vanêssa Mendes, denomina-se “Planos de Inovação: princípios orientadores” e dá-nos a conhecer os principais normativos que têm vindo a ser promulgados pelo então XXI governo constitucional, no sentido de valorizar a autonomia e flexibilidade das escolas, nomeadamente, no que concerne à gestão curricular com vista à tomada de decisões que melhor sirvam os propósitos de melhoria das aprendizagens de todos os alunos. Nesse propósito, explana com clareza a Portaria nº 181/2019, de 11 de junho, a qual abre novas janelas de oportunidades às escolas de uma maior flexibilidade curricular pela possibilidade que confere em ultrapassar em mais de 25% a gestão das matrizes curricularesbase das ofertas educativas e formativas, materializando-se nos Planos de Inovação. Com muita minúcia, explicita as novas potencialidades dos Planos de inovação e termina deixando alguns exemplos passíveis de consulta. Terminamos o Tomo I, a nosso ver, com chave de ouro. O último e brilhante artigo intitulase “Entre Género e Sexo, o Papel da Sociedade e o Papel da Biologia” e é da autoria de Zélia Caçador Anastácio.
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Transporta-nos para uma leitura deleitada, e consistentemente fundamentada, sobre questões de grande atualidade que envolvem, por vezes, discussões acesas e, quantas vezes, conceções erróneas - coloca a autora a problemática na coerência entre género desempenhado e sexo com que se nasceu, percorrendo as fronteiras sociais e biológicas no entendimento dos conceitos. Convoca o saber teórico através da aturada produção académica e investigação científica em torno destas questões e convida-nos a percorrer o seu clarividente raciocínio, alicerçado também em exemplos muito práticos e do senso comum, mostrando-nos como o género e o sexo interagem mas são, como afirma, termos distintos e não intercambiáveis. O primeiro é um constructo social e o segundo é de cariz biológico mas eivado de conceções não aceites cientificamente (ex: sexo forte por contraposição a sexo fraco) ou conotado, por exemplo, entre outras, com sexualidade. Mas ambos os conceitos (género e sexo) são diferentes do conceito de identidade de género o qual refere-se à experiência profunda, interna e individual de género de uma pessoa, que pode ou não corresponder à sua fisiologia ou ao seu sexo designado à nascença. E perspetiva-nos a evolução da investigação em Género e mostra-nos como essa evolução tem contribuído para a resolução de problemas sociais, e até de saúde, para o esbatimento de estereótipos, embora, como afirma, estereótipos de género e características biológicas coexistem (…). Reflete e enquadra em termos políticos e educacionais a igualdade de género, realça a primordial importância da educação nesta pertinente questão, educando, desde a infância, também para a diversidade de Género. Por fim, advoga a importância da luta não pela igualdade mas pela conquista da equidade de género, porque, de facto, o que se pretende é que (…) os diferentes géneros tenham o mesmo direito de exercer qualquer papel social, consoante a sua vontade e aptidão, sem que a sociedade os conteste ou discrimine. TOMO II – Práticas e (Re)Ações PARTE II - Ações diferenciadoras e flexíveis nos meandros escolares Abrimos o Tomo II com um artigo de referência, da autoria de Zita Esteves, nomeado “Equipas de ano e lideranças intermédias. Espaço de autonomia e trabalho colaborativo”. Começamos por realçar a longevidade do projeto de autonomia deste Agrupamento de Escolas de Real, o qual dá escopo à centralidade da gestão intermédia da escola com vista à construção de respostas mais adequadas aos alunos em todas as dimensões da organização pedagógica e curricular. Convoca, para tal, práticas mais democráticas e autónomas através do trabalho colaborativo docente por equipas educativas de ano e, corolariamente, impulsiona o desenvolvimento profissional pelas possibilidades inerentes à partilha, reflexão, decisão, apoio mútuo, responsabilização e autorregulação dos processos e dos resultados obtidos em função das metas preconizadas na planificação.
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O modelo de gestão intermédia que nasceu neste Agrupamento em 2009 tem sido progressivamente melhorado e consolidado ao longo do tempo e apresenta vantagens indizíveis. Entre muitas outras, referenciamos apenas a importância de novas estruturas de gestão intermédia, por exemplo a existência de um coordenador pedagógico por ano e por ciclo e, principalmente, a relevância da equipa de docentes por ano como a unidade base de acção pedagógica (por contraposição à tradicional turma) - necessariamente, constatou-se a salutar e substancial diminuição do número de docentes por ano de escolaridade, os níveis de cada disciplina por docente também diminuíram e os planos de ação passaram a ser desenhados pela equipa de ano de forma articulada, colaborativa e através de laços de relacionamento de liderança partilhada. Os resultados têm-se revelado muito promissores e têm alavancado uma cultura de satisfação generalizada na comunidade educativa pela naturalização e apropriação intrínseca do modelo. Segue-se o brilhante artigo de uma equipa de professores do Agrupamento de Escolas de André Soares, em Braga, intitulado “Coensino e Feedback como estratégias de ensino: Desenvolvimento de um Projeto“, apresentado, como muitos outros, nos nossos encontros das Sextas ao Centro. Este artigo mostra-nos como é que uma escola toma decisões e avança com projetos de grande maturidade pedagógica baseando-se no método response to intervention e no desenho universal para a aprendizagem, sustentando assim as opções de autonomia, flexibilidade curricular e desenvolvimento curricular no Agrupamento de Escolas. As três dimensões do projeto são explanadas com acuidade: avaliação e monitorização, formação e disseminação, práticas de Coensino e de Feedback. A revisão dos conceitos de Coensino e de Feedback é também magistralmente tratada: não se descura na explanação os benefícios, desafios e as seis modalidades do coensino; no feedback, situa-se o leitor nas nuances do mesmo e nas suas características mais efetivas por contraposição às menos efetivas. No final, apresentam-se ainda os métodos de análise dos resultados do projeto (estatística descritiva e inferencial, análise de conteúdo através de um grupo focal e análise documental) e são exibidas as principais conclusões, implicações e recomendações para a continuação do mesmo. O artigo seguinte, também apresentado no ciclo de encontros temáticos das Sextas Ao Centro, foi posteriormente escrito pela voz dos seus intervenientes – a Direção do Agrupamento de Escolas de Pinheiro, a Coordenação intermédia da mesma e respectivos alunos e designa-se “O princípio da Mudança”. Retrata o caminho inicialmente percorrido no âmbito do projeto piloto de Autonomia e Flexibilidade Curricular, as decisões pedagógicas tomadas e o impacto que teve na sua cultura organizacional. As alterações introduzidas passaram por uma nova organização do “tempo do aluno”, do “tempo do professor”, nova organização dos espaços, equipas 24
educativas, assessorias, coadjuvação, apoio tutorial em grupo presencial e /ou a distância, trabalho colaborativo nos momentos de trabalho disciplinar e nos momentos de trabalho multidisciplinar, criação de grupos de aprendizagem mais pequenos em algumas disciplinas “turmas Ninho”, entre outras estratégias organizacionais, de molde a revolucionar a organização da escola. O trabalho de projeto, com vista ao desenvolvimento de Domínios de Autonomia de Aprendizagem e à consecução do Perfil dos Alunos à saída da Escolaridade Obrigatória, constitui outra das grandes preocupações do Agrupamento, descrevendo-se neste artigo, com todo o pormenor, como se desenvolveu e foi capaz de envolver toda a comunidade educativa, nomeadamente como terá sido projetado para o exterior. O artigo imediato, intitula-se “Tertúlia Pedagógica Dialógica - P-PIP – da ideia à conceção” e reflete, no âmbito da Autonomia e Flexibilidade Curricular, um óptimo exemplo de inovação, criatividade e profunda reflexão em torno do que é possível fazer-se em prol da integração dos conhecimentos e do sucesso escolar e educativo dos alunos, envolvendo toda a comunidade educativa no Projeto Piloto de Inovação Pedagógica (PPIP). Este projeto coloca o enfoque na articulação dos três ciclos de ensino, assumindo uma gestão integrada e sequencial do currículo. Gravita em torno de semanas temáticas, tertúlias pedagógicas, referenciais de Integração Curricular (RIC), ambientes de aprendizagem e cenários de aprendizagem, conceitos notavelmente explanados neste artigo. Prossegue mutualizando os quatro princípios básicos que sustentam o projeto: 1) a gestão flexível do currículo com novas e inovadoras matrizes curriculares, 2) o trabalho colaborativo presente nas medidas de participação no projeto INCLUD_ED coordenado pela Universidade de Barcelona, na Coadjuvação em diferentes disciplinas com recurso a aulas tutoradas, supervisão pedagógica e pedagogia diferenciada, novas geometrias de sala de aula, projeto “Turma Mais”, “Letras que Falam”, “Cientistas de Palmo e meio”, etc, 3) Na criação de referenciais de Integração Curricular (RIC) com vista à sua articulação e à exploração do Perfil dos Alunos à saída da Escolaridade Obrigatória, 4) Criação de semanas temáticas após a exploração dos RIC, as quais decorrem em oito semanas intensivas onde se desenvolvem cenários de aprendizagem com resolução de problemas de forma criativa e projetos vários que podem percorrer o teatro, o cinema, a música ou outros, redundando em apresentações à comunidade. Logo de seguida, os alunos escolhem outro RIC, não sem antes os projetos serem avaliados pelos Conselhos de Comunidades de Aprendizagem e avaliação (CCAA), uma nova estrutura curricular que integra os alunos, encarregados de educação, docentes, não docentes e técnicos, entre outras estruturas de coordenação e gestão. O artigo termina com o balanço do impacto nas aprendizagens e com os aspectos a melhorar e ainda a alcançar. O texto que se segue, do Agrupamento de Escolas do Freixo, denomina-se “Personalização da aprendizagem: dinâmicas pedagógicas do Projeto Piloto de
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Inovação Pedagógica” e relata-nos a forma consistente como um Agrupamento de Escolas pensou e agiu para diversificar a gestão curricular, garantindo a articulação curricular, inovando pedagogicamente com mudanças no seu funcionamento interno, ao mesmo tempo que promoveu o relacionamento com a comunidade. O Projeto denominado “Personalização da Aprendizagem” definiu 9 medidas de intervenção: Semestralização da Avaliação, Criação do Plano do Aluno, Reorganização dos Alunos por Ano Escolar, Transição em Anos não Terminais de Ciclo, Criação de Equipas Multidisciplinares no 1.º CEB, Alteração à Matriz Curricular, Reorganização das Metas em Competências por Ciclos, Reforço do Trabalho Colaborativo e Articulado, Reformulação das Metodologias. Para consubstanciar estas medidas, definiram-se cinco linhas orientadoras, as quais passam 1) pela reorganização de alunos e grupos de trabalho, passando a lógica da organização a recair no ano de escolaridade em vez da turma; possibilita-se assim o desdobramento dos alunos por grupos menores, que vão rodando por diferentes atividades, por exemplo, de laboratório, experimentação de matemática, oficina de escrita, atelier criativo ou outras, apoiados por professores titulares e professores de apoio no 1º ciclo. No segundo ciclo, o esquema mantém-se e introduz-se a figura do Diretor do Aluno para cada dez/onze alunos. Estas dinâmicas são também extensíveis a tarefas não disciplinares como, por exemplo, a assembleia de alunos; 2) Flexibilizar o currículo privilegiando a metodologia de trabalho de projeto no desenvolvimento de aprendizagens e competências transversais na nova área criada de Atividades Integradoras Transversais, flexibilizando os tempos e os espaços – modificam-se os espaços de sala de aula que passam a configurar a sala de aula do futuro com mobiliário amovível e tecnologia; 3) equipas multidisciplinares no 1º ciclo; 4) atividades integradoras onde destacamos o novo papel das Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC) que decorrem de forma articulada com o Professor Titular da Turma, preferencialmente fora da sala de aula, e com um carácter lúdico e experimental muito acentuado. O projeto contempla a reformulação da avaliação dos alunos que passou a ter um carácter mais formativo, enfatizando-se a avaliação dos alunos por pares e com apresentações das classificações obtidas em dois períodos do ano, de forma semestral. No artigo “A Voz aos alunos”, da autoria da Equipa de Autonomia e Flexibilidade Curricular do Agrupamento de Escolas de André Soares, descreve-se uma atividade ímpar levada a cabo por aquele agrupamento de escolas - “A Voz Aos alunos”. Com grande criatividade e cariz de intervenção prática de cidadania democrática e ativa, esta atividade revelou-se marcante na vivência dos alunos na escola O primordial objetivo foi desenvolver competências do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, com o intuito de ouvir e envolver os alunos na discussão em matérias e conceitos tão relevantes como: - responsabilidade e integridade, excelência e exigência, curiosidade, reflexão e inovação, cidadania e participação, liberdade.
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Seguiu-se a vez dos alunos e a sua voz foi ouvida através do debate e da partilha entre alunos de diferentes níveis e anos de escolaridade (do 5º ano ao 9º ano), primeiro em pequenos grupos e depois em plenário, e os resultados das ideias prévias dos alunos sobre os conceitos estão patentes neste texto. Realçamos o capital exemplo que um aluno dá de liberdade – “a escola cria momentos que dá voz aos alunos”. Sónia Moreira, a autora do artigo que se segue, a saber,”Projeto COOPERA, uma Boa Prática de Autonomia e Flexibilidade Curricular”, evidencia as virtualidades do projeto que tem por primacial objetivo promover a aprendizagem colaborativa, respaldada pelo enfoque construtivista, e que tem na tutoria de pares o seu eixo fundamental. Neste contexto, as mudanças de cariz organizacional, curricular e pedagógico estão implícitas e a participação dos encarregados de educação é um desígnio sempre presente. Dá-nos conta dos inúmeros projetos que têm sido desenvolvidos neste âmbito, desde projetos interdisciplinares, transdisciplinares, de cariz intra e/ou extraescolar, recorrendo a recursos muito diversificados. A integração e troca de saberes, a tomada de consciência de si e dos outros e do meio envolvente, a valorização do relacionamento interpessoal, entre outras, são competências desenvolvidas no projeto de acordo com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. Sandra Roma e Maria Rufino são as autoras do texto que se segue: “Educação Inclusiva. Desafios e oportunidades - Projecto Quem Tem Medo?” Resulta de uma parceria entre o Agrupamento de Escolas de Alberto Sampaio, Câmara Municipal de Braga, Transportes Urbanos de Braga, Mosteiro de São Martinho de Tibães e Museu dos Biscainhos. É um projeto que começou em 2015 - “Quem tem Medo? - e que perdura até aos dias de hoje. Tem por primordiais objetivos propiciar a integração da comunidade de etnia cigana na comunidade educativa e nas populações residentes. São ainda objectivos deste projeto: i) promover e valorizar a participação, intervenção, enquanto cidadãos e (co)autores na reconstrução e na transformação urbana, contribuindose, deste modo, para a diminuição da exclusão social; ii) promover a integração na comunidade escolar, combater a discriminação e o abandono escolar através da intervenção em projetos artísticos muito diversificados, valorizando-se os diferentes saberes e culturas (teatro, música, dança, fotografia, outras artes ...), em contexto de educação formal e não formal. O artigo descreve, pormenorizadamente, todas as etapas deste processo e as inúmeras intervenções públicas em locais de destaque da cidade de Braga, que passaram pelo espaços GNRation, ao Teatro do Circo de Braga (pela primeira vez com a alegria contagiante do público que integrava muitas famílias ciganas), com a apresentação de diversas propostas artísticas, entre as quais, destaca-se, “Zincaló” - peça de teatro que veicula a História e a cultura da etnia cigana, contruída/adaptada com base na “Farsa das Ciganas “ de Gil Vicente - e a peça “O Cavaleiro da Mão de Fogo”, de Javier Villafane.
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Da panóplia de atividades desenvolvidas, destaca-se também o papel muito interventivo dos alunos como guias e animadores de crianças de outras escolas no Mosteiro de Tibães, no dia Mundial da Criança etc.., o papel de apoio, de receção e secretariado que executaram na 8º Encontro das Cidades Interculturais, a apresentação da peça “Violência no Namoro” seguida de discussão pública em parceria com outras Instituições como a UMAR e a Universidade do Minho, entre muitas outras iniciativas. De destacar também a avaliação das atividades, a autovaliação dos alunos, a forma como as iniciativas e as atividades formais e não formais revertem para a avaliação académica dos alunos; por último, a avaliação da comunidade através da exposição pública fotográfica nos locais nobres da cidade e a consequente valorização da educação não formal, do trabalho em parceria, da valorização da inclusão e do respeito pela diversidade. Segue-se o texto de Miguela Fernandes e Marco Neves, a saber, “O etwinning um passo certo para alcançar o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”. Este texto ajuda-nos a refletir sobre as potencialidades dos projetos etwinning de cariz internacional, totalmente online, que se compagina em absoluto com as orientações do Ministério da Educação, nomeadamente com os preceituados documentos de Autonomia e Flexibilidade Curricular, com especial destaque para o Perfil dos Alunos à saída da Escolaridade Obrigatória. Valorizam-se as competências passíveis de desenvolvimento com este projetos, nomeadamente, a adaptabilidade dos alunos a novas realidades, contextos culturais, o desenvolvimento da capacidade de comunicação, a curiosidade como promotora de predisposição para as aprendizagens, a proficiência na utilização de línguas estrangeiras, a capacidade de trabalhar em equipa, o estabelecimento de laços de proximidade, o desenvolvimento da criatividade, o domínio de ferramentas digitais ou outras competências que promovam a adaptação à imprevisibilidade do vórtice dos tempos. Por seu turno, o professor pode trabalhar o currículo recorrendo a metodologias e estratégias diferenciadas, perseguindo as necessidades dos alunos e tendo como miragem as aprendizagens pretendidas. Desenvolvem-se ainda ambientes de cumplicidade e relações humanas e afetivas entre professor e alunos que são impulsionadoras de aprendizagens mais efetivas. O texto seguinte, denominado “Domínios de Autonomia Curricular (DAC) no eTwinning”, da autoria de Cláudia Sousa e Isabel Roque, foi reconhecido com o selo de qualidade Nacional e Europeu – European, Quality Label. Este testemunho ilustra em pleno a arguição do texto anterior sobre as virtualidades dos projetos e-twwinning mas, desta feita, aliados ao desenvolvimento de um Domínio de Aprendizagem Curricular (DAC). Partiu-se da fragilidade reconhecida nas disciplinas de Matemática e Inglês e descortinou-se a oportunidade em desenvolver um DAC que favorecesse contextos de flexibilidade curricular, integrando o trabalho colaborativo, as tecnologias e a metodologia de trabalho de projeto.
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Ao mesmo tempo, pretendeu-se desenvolver competências de cidadania na utilização crítica e segura da Internet. Depois de identificadas as Aprendizagens Essenciais a desenvolver, as autoras descrevem-nos, irrepreensivelmente, o trabalho desenvolvido com os alunos, a avaliação efetuada e os resultados obtidos. O texto que se segue, da autoria de Teresa Barbosa, intitula-se “Intervenção cidadã: exige conhecimentos específicos e competências sociais”. Mostra-nos com acutilância como a educação para a cidadania deve capacitar os alunos para a intervenção da cidadania ativa, responsável, crítica, exigente consigo próprio e com os outros, reivindicativa, em defesa do interesse público. Ora, tal só se consegue com a aquisição do conhecimento através das Aprendizagens Essenciais das disciplinas agregadas em torno de saberes globalizantes, interdisciplinares e com significado, articulados com domínios de formação cidadã (e dá como exemplo a utilização do Domínios de Aprendizagem Curricular – DAC) e com competências sociais, nomeadamente, as cívicas. Valorizar o trabalho interdisciplinar, contrariando a compartimentação dos saberes, contribuindo para o desenvolvimento da curiosidade dos alunos, para a autoria crítica e responsável pelas próprias aprendizagens, são caminhos a trilhar e que a autora sublinha como “saber - saber como atuar - saber onde atuar”, dando-nos disso conhecimento com numerosos projetos de intervenção que descreve, ainda que sumariamente. Na continuidade do texto anterior, temos mais dois textos da mesma autora, Teresa Barbosa, que percorre connosco o desenvolvimento de dois projetos de DAC, perfeitamente entrosados com o desenvolvimento de competências de cidadania. São dois exemplos ímpares e clarividentes das inúmeras possibilidades que a Autonomia e a Flexibilidade Curricular permite, quando se trabalha e se desenvolve o currículo na sua plenitude, perseguindo as singularidades que os contextos de aprendizagem possibilitam. O primeiro, parte de um DAC para a exploração de competências de Cidadania e o segundo persegue o trajeto inverso – das competências cidadãs para o DAC. Assim, o primeiro texto “A água em Braga: de um DAC à cidadania” aglutinou o trabalho das Aprendizagens Essenciais de várias disciplinas. Partiu de um trabalho de um DAC em torno da problemática “Água em Braga: do passado ao futuro” e, curiosamente, face ao entusiasmo resultante do trabalho interdisciplinar e aos conhecimentos específicos auferidos pelos alunos, o DAC catapultou o trabalho para outros projetos, nomeadamente de Cidadania e Desenvolvimento, deixando em aberto novas questões que foram depois desenvolvidas e explanadas pelos alunos. Foi assim que, em continuidade do DAC, surgiram dois novos projetos de Cidadania, a saber, “Cidade Sustentável ou Insustentável? e “Das embalagens ao Microplásticos”, tendo-se trabalhado inúmeros domínios de Cidadania e Desenvolvimento, entre os quais referenciamos: Educação Ambiental, Educação do Consumidor, Saúde, Instituições e Participação Democrática, Desenvolvimento Sustentável e Bem-Estar Animal.
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Este é um exemplo crucial do que a autora defendeu no texto anterior - só com conhecimento alicerçado em aprendizagens efetivas em diferentes disciplinas, agregadas em torno de uma temática comum, se consegue dar importância ao levantamento de novas questões, algumas delas a necessitar de intervenção cidadã e, parafraseando a autora, “quando (…) se exerce cidadania, há possibilidade de melhorar o futuro”. O segundo texto, da mesma autora, intitula-se “Do Afeganistão à Grécia: a vida dos refugiados”. Enquadra um projeto de Cidadania e Desenvolvimento como resultado do projeto Lifeboats Full of Hopes, do programa ERASMUS+, o qual, por sua vez, transforma-se num DAC. A partir do projeto de Erasmus+ era suposto que os alunos escrevessem e ilustrassem o livro Mohi, a história da vida de um rapaz do Afeganistão, refugiado na Grécia. Depois de identificados os domínios de Cidadania e Desenvolvimento a desenvolver (Direitos Humanos, Igualdade de Género, Interculturalidade, Dimensão Europeia de Cidadania, Desenvolvimento Sustentável e Segurança, Defesa e Paz), foram escrutinadas as Aprendizagens Essenciais que foram trabalhadas em concomitância no DAC. Não despiciendas, as apreciações escritas efetuadas pelos alunos sobre o que aprenderam ilustram a importância destas abordagens à flexibilidade curricular. Os textos seguintes são descrições práticas de aulas oficina em História e são de uma importância crucial para motivarem os alunos para aprendizagens ativas, reflexivas, críticas, alicerçadas em métodos científicos da abordagem histórica. Os alunos passam a ser os construtores do próprio conhecimento através de atividades desafiantes, problematizadoras e bem fundamentadas na interpretação de fontes históricas, promovendo-se assim aprendizagens mais consistentes. Estas competências, sustentadas nas Aprendizagens Essenciais e no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, consubstanciam o conhecimento e a consciência histórica, competências importantes na época que vivemos se tivermos em consideração [diríamos nós] os crescentes fenómenos de revisionismo acrítico da História, os aproveitamentos dos populismos políticos a par, parafraseando a autora, de fake news. A primeira proposta metodológica é da autoria de Carla Barbosa e o seu texto intitula-se “Salvar a História no Ensino Secundário”. A autora descreve, primorosamente, a metodologia e as estratégias adotadas, como de um jogo se tratasse, onde os alunos vão evoluindo no pensamento e no conhecimento histórico, questionando as fontes históricas - como se as fizessem falar, parafraseando a autora. Todavia, questiona se ainda vamos a tempo e se será possível salvar a História, vista pelos alunos como difícil, densa e com programas muito extensos. A questão orientadora do trabalho proposta prende-se com o Iluminismo: Qual o contributo da filosofia das Luzes para a construção da modernidade europeia. Segue-se o levantamento exaustivo das ideias prévias dos alunos e sua categorização, tarefas de jigsaw através da interpretação de fontes primárias, de slidewalk, textos e reflexões escritas, entre as quais destacamos uma reflexão de uma aluna: 30
- “será que todos estes princípios estariam presentes hoje se naquela época não tivessem existido estas ideias?” Não despicienda, a lapidar conclusão final da autora, que não resistimos a citar: A História assim construída pode contribuir para uma sociedade mais crítica, que não se limite às escolhas óbvias, e saiba pensar e argumentar…Esta é também uma forma de trabalhar para uma educação mais democrática. A segunda proposta metodológica é da autoria de Maria da Luz Lopes Sampaio, com o texto denominado “Aula-Oficina: a Grande Depressão dos anos 30” - como o título sugere, refere-se a Aprendizagens Essenciais do 3º ciclo. Com um discurso muito claro, consistente e assertivo, a autora descreve o modelo utilizado de aula oficina, em contraposição ao modelo de aula-conferência ou aula-colóquio, em que o aluno, nas palavras da autora, se transforma no agente da sua formação, com ideias prévias sujeitas a reflexão e leituras e experiências do mundo (…). Os três grande núcleos do saber Histórico são meticulosamente apresentados no texto e incessantemente trabalhados de acordo com o currículo: “tratamento de informação/utilização de Fontes, comunicação em História e a compressão Histórica, esta última consubstanciada nos vetores que a incorporam: espacialidade, temporalidade e contextualização.” Como trabalhar as ideias prévias dos alunos, a proposta de questões orientadoras/problematizadoras, as propostas de tarefas que a autora indica para atingir esses fins, bem como a sua diversidade, nomeadamente trabalhos de grupo e debates com recurso à ferramenta digital ClassDojo, são algumas das sugestões que aconselhamos vivamente a descortinar neste texto. Os três textos que se seguem, dizem respeito ao projeto MAIA. Na nossa modesta opinião, o projeto que mais tem mobilizado, envolvido e implicado os docentes das escolas nos processos de mudança de uma Avaliação que se requer mais Pedagógica. Aliás, a corroborar o que afirmamos, os inúmeros exemplos impactantes de práticas de avaliação pedagógica em muitos dos cenários de aprendizagens que este livro eivadamente contém, sublinhando a importância de uma avaliação essencialmente formativa, auto e hetero reguladora do ensino e das aprendizagens [mesmo em tempo(s) de pandemia] . Liderado e dinamizado com muito rigor, irrepreensível denodo e mestria pelo Prof. Doutor Domingos Fernandes, o paladino da Avaliação Pedagógica a quem se deve a empenhada, árdua, longa e resiliente luta, sem tréguas, pelas auspiciosas mudanças, junta-se-lhe agora a sua magistral equipa que também tem cativado a atenção das escolas e dos docentes. E o mais importante é que têm tornado possível que todos vejam as diferenças indizíveis na transformação do ato educativo pela incorporação, no desenvolvimento curricular, de uma avaliação verdadeiramente pedagógica, porquanto a avaliação das e para as aprendizagens é, indubitavelmente, o seu cerne.
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Não despicienda, e também de salientar, a orientação das formadoras do projeto, Olga Bastos e Paula Silva, e o apoio da representante do projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular, Vanêssa Mendes. Resolvemos, por isso mesmo, deixar neste e-book o testemunho de como as escolas têm mobilizado estes projetos, ao seu ritmo, e de acordo com o conhecimento que têm do(s) seus contextos(s), das suas idiossincrasias, das suas resistências às mudanças, contrariando, latu sensu, práticas culturalmente arraigadas e de conceções ontológicas do insucesso. São quase sempre os pequenos passos que fazem toda a diferença para que os docentes se sintam intrinsecamente motivados e, paulatinamente, se envolvam nas mudanças que urgem, em prol de um efetivo e duradouro sucesso escolar e educativo dos alunos. E são esses pequenos passos, arrojados e ao mesmo tempo prudentes, titubeantes, que fazem avançar desígnios maiores. Trazemos aqui a descrição do início dos caminhos trilhados e descritos neste ano letivo por elementos das equipas dos projetos de três Instituições de Educação - dois Agrupamentos de Escolas (Celeirós e Alberto Sampaio) e um Colégio (Colégio Dom Diogo de Sousa) – todas escolas associadas ao CFAE Braga/Sul. O primeiro projeto é do Agrupamento de Escola de Celeirós, apelida-se de “O Projeto MAIA no Agrupamento de Escolas de Celeirós” e é da autoria de Ana Rosa Dias, Aurora de Jesus Ferreira Leite, Maria Madalena Fernandes Leite e Pedro Nuno Moreira Brandão. O segundo projeto patente é do Colégio Dom Diogo de Sousa, denomina-se “Analisar, Partilhar e Mudar – avaliar para melhorar no Colégio Dom Diogo de Sousa” e é apresentado por Sandra Mesquita. O último projeto é do Agrupamentos de Escolas Alberto Sampaio e é descrito por Ana Andrea de Soeiro, Cristina Margarida Fontes, Isabel Cristina Cunha, Maria de Fátima Rodrigues, Seila Isabel de Oliveira. Dadas as singularidades dos três exemplos, deixamos ao leitor a primazia da descoberta de três caminhos diametralmente calcorreados, ora menos ou mais ousados, ora menos ou mais prudentes, ora menos ou mais expeditos. Mas uma coisa é certa, todos marcam já o início da “estrada” (utilizando a metáfora de Césariny). Para onde? O meu aqui é sempre além (Mia Couto). TOMO II – Práticas e (Re)Ações PARTE III - A Imperatividade das Mudanças em Tempo(s) de Pandemia A terceira parte deste e-book inicia-se com o brilhante e lapidar texto de Paulo Maria Bastos da Silva Dias, intitulado “A Educação a distância hoje”.
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Embora o foco do texto seja a Universidade, as reflexões que encerra catapultam-nos para a educação/formação a distância de forma abrangente para todos os níveis de ensino, inclusive para a implícita formação de professores e consequente desenvolvimento profissional. Com a mestria que é seu apanágio, o autor confronta-nos com as novas condições e possibilidades não determinísticas do ensino a distância, onde a inovação curricular e pedagógica é possível, através de uma educação que apelida de aberta e em rede e que se afirma como um novo espaço de liberdade nas experiências sociais e cognitivas, por contraposição ao modelo de ensino presencial com uma pedagogia baseada em modelos curriculares essencialmente normativos. Esta é apenas uma das razões substanciais da sua racional arguição para acerrimamente defender que a educação a distância é a maior oportunidade para construir a pertença à comunidade em rede na aprendizagem formal, informal e ao longo da vida. É pois um texto imperdível pela sua atualidade e, principalmente, pela forma clara como nos desafia para a educação em ambientes virtuais colaborativos, mais abertos, autónomos, em rede, passíveis de gerar conhecimento e narrativas de aprendizagem sustentadas na andaimagem social e cognitiva, como uma emergência da sociedade global em que vivemos. O artigo que se segue, da autoria de José Antónia Moreira e de Susana Henriques, designa-se “Professor maker de recursos e conteúdos audiovisuais em tempos de pandemia”. O artigo mostra-nos como a tensão epistemológica vivida nas Instituições Educativas em tempos de pandemia veio, de forma contundente, sublinhar a importância das novas linguagens, sobretudo audiovisuais, e o poder notório da sua incorporação em práticas pedagógicas motivadoras e apelativas que facultam a mediação, provocam o pensamento e a expressão de narrativas de aprendizagem. Depois de percorrer a panóplia de recursos de aprendizagem existentes na web social, e de fácil acesso a todos, enfatiza-se uma nova postura do professor maker, criativo, criador de produtos de conteúdos audiovisuais, requerendo, como notavelmente os autores sugerem, que o professor se reinvente e que se torne num professor /argumentista/guionista/e produtor com competências na área da realização, capaz de criar dinâmicas comunicativas e interativas próprias, explorando todas as vertentes da literacia, por contraposição ao professor unicamente consumidor e reprodutor passivo. Nesse sentido, este artigo é de um discernimento extremo na descrição pormenorizada de como o Professor Maker deve proceder nas diferentes etapas de produção de recursos audiovisuais, desde a pré-produção, passando pela produção e a pós-produção; o mesmo caminho é trilhado pelos autores para o Professor Maker de softwares de gravação de écrans. Termina o artigo com os direitos autorais do Professor Maker e as pertinentes advertências dos autores relativas à importância de aliar a mudança tecnológica não apenas à aquisição de conteúdos e conhecimentos, mas também ao desenvolvimento das aprendizagens, como a
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colaboração e trabalho em equipa, a sensibilidade e responsabilidade social, a adaptação e flexibilidade, a curiosidade e a criatividade e, a autonomia e iniciativa. O artigo subsequente, “Cinco lições para a educação escolar no pós covid-19” é um estudo da autoria dos notáveis especialistas Bento Duarte da Silva e Teresa Ribeirinha. O estudo recorre ao método netnográfico que permite uma pesquisa observacional participante baseada em trabalho de campo online e procura responder cabalmente a duas questões: - De que forma está a decorrer o processo de EaD em Portugal em tempos de pandemia? - Que implicações podemos retirar desta experiência educativa para os tempos pós-pandemia. As reflexões encetadas e as conclusões patentes são de leitura obrigatória, a nosso ver, para o poder central, para as escolas, professores, pais/encarregados de educação e toda a comunidade educativa. Percorre-se o contexto e a cronologia dos acontecimentos, os factos observáveis, as respostas dadas por todos os intervenientes, enfatiza-se o crucial papel de alguns professores pela rápida e criativa adaptação ao ensino remoto, apesar de haver professores distintos nos modus operandi, prevalecendo, em alguns casos, a transposição da aula tradicional para a aula a distância; o papel importantíssimo dos pais que puderam acompanhar os seus filhos neste período de grandes dificuldades também não é escamoteado. Por outro lado, sublinham-se os vários constrangimentos, nomeadamente, o déficit digital dos alunos, contrariando a teoria dos nativos digitais, e de alguns professores, entre outras conclusões explanadas neste artigo, retirando-se daí as pertinentes implicações para o futuro. Um artigo de uma pertinente e acutilante atualidade que nos transporta fotograficamente para a dura realidade que vivemos recentemente com a pandemia, com o consequente recurso ao ensino remoto, e as lições que podemos tirar para um futuro que se nos apresenta como incerto, mas cujas experiências educativas nos mostram que haverá um pós Covid, necessariamente, também diferente, onde se priorize a inclusão digital e a convergência de um ensino presencial e a distância (o b-learning como um novo normal). O texto seguinte é da autoria de José Augusto Pacheco e designa-se “Até já, ensino presencial”. Escrito sob a reflexão atenta do conceituado investigador, questiona admiravelmente os problemas que o ensino a distância acarreta, apesar da circunstância de pandemia assim o impor. Sem menosprezar as virtualidades do ensino a distância, desmonta a nova realidade e a efemeridade do tecnológico por contraposição à priorização do currículo enquanto espaço de construção social vivido, presencialmente, porque como diz o autor, seguindo o credo pedagógico de Dewey, não crê que a educação não deixe de ser um processo de vida para os 34
alunos e que estes não continuem a estar no centro da escola e da sala de aula, o que não é totalmente garantido por um ensino a distância. No final, clama pelo ensino presencial mesmo que continue a ser alterado, de inovação em inovação, por uma educação reconfigurada pela era digital. Apresentamos, seguidamente, o Projeto “INCLUSIVAmente à distância” escrito por Ana Barros, Helga Correia, Maria João Pinto, Fátima Veloso, Maria de Fátima Rodrigues, docentes e técnicos de uma turma do ensino profissional que agrega dois cursos profissionais do AE de Alberto Sampaio, a saber, “Técnico de Artes do EspectáculoInterpretação” e “Técnico de Multimédia”. É um exemplo imperdível de como em tempos de pandemia foi possível desenvolver, com a participação plena dos alunos, um projeto interdisciplinar a distância que perseguia o desenvolvimento de competências do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, envolvendo as Aprendizagens Essenciais de cinco disciplinas dos dois cursos profissionais (Psicologia, Educação Especial, Área de Integração, Voz, Desenho e Comunicação Audiovisual); lato sensu, o objectivo fulcral consistia em promover a inclusão e a integração plena dos alunos, combatendo estereótipos e atitudes eventualmente discriminatórias. De sublinhar que este projeto baseou-se em metodologias do desenho universal para a aprendizagem e na abordagem multinível – integra alunos com medidas seletivas universais, adicionais e seletivas, incluindo com adaptações curriculares significativas. São os próprios alunos, organizados em trabalho de grupo, e cumprindo metodologias de trabalho projeto, a par das sempre presentes práticas de uma verdadeira avaliação pedagógica, de auto e hetero avaliação reguladora, avaliação por pares, narrativas avaliativas e consequente classificação, que fazem deste projeto um exemplo de boas práticas. O texto dá-nos a descrição pormenorizada das etapas do projeto. Basicamente é escolhido um aluno pelos restantes alunos do grupo que demonstre dificuldades de integração na comunidade; traçam um plano para conhecer melhor a personalidade do aluno escolhido e, com o consentimento deste e do seu encarregado de educação, pesquisam formas de o conhecer melhor, através de diversas atividades e levantamento de questões, e assim produz-se o trabalho final com os resultados obtidos – um musicograma digital, com o envolvimento pleno do aluno escolhido. Desenvolvem competências de pesquisa e de trabalho de campo, escrita criativa, laboram na Voz, no Desenho e Comunicação Audiovisual, apresentam trabalhos e reflexões escritas (ver o testemunho dos alunos), concebem o vídeo do mapa sonoro (ver links de alguns produtos finais) e, muitíssimo importante, interagem colaborativamente. No final, estão aptos a fazer um levantamento de instituições e empresas com boas práticas que promovam o acesso ao trabalho destes alunos, e formulam, colaborativamente, propostas credíveis para eventuais Planos Individuais de Transição (PIT), planos estes que promovem a transição pra o exercício de uma atividade profissional pós-escolar.
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O texto seguinte, da autoria de Regina Parente, “A Oficina de Formação - Práticas metodológicas ativas em contextos de inovação, autonomia e flexibilidade curricular [em tempos de pandemia]” é uma grande lição sobre o que verdadeiramente é crucial apostar na Educação nos dias de hoje e, por isso mesmo, de leitura obrigatória para todos os professores e comunidades educativas. A autora, simultaneamente formadora do CFAE Braga/Sul, a respeito da oficina de Formação que iniciou presencialmente mas que se viu confrontada com o súbito confinamento provocado pela pandemia a 16 de março de 2020, sentiu necessidade de explicitar, com minúcia, o que realmente é fundamental no ato de ensinar e aprender de forma ativa e participativa, indicando as metodologias de ensino e aprendizagem ativas que devem ser perseguidas; não escamoteou a importância da abordagem dos recursos digitais, tão liminarmente reconhecida em tempos de pandemia, e, principalmente, reiterou a importância do protagonismo do aluno como o centro da acção educativa, de acordo com os pressupostos para a Educação no séc XXI e os preceituados documentos de Autonomia e Flexibilidade Curricular. Demonstra e conclui que desenvolver práticas e metodologias ativas no âmbito da autonomia e a flexibilidade curricular, dando ao aluno essa centralidade no ato educativo, pressupõe responsabilidade acrescida no quotidiano escolar, com alterações profundas na cultura da escola e na cultura profissional docente (…), apelando ao trabalho em equipa, colaborativo e cooperativo dos docentes. A autora referencia ainda no seu texto que mesmo em formação a distância e tratando-se de uma oficina de formação que pressupõe a aplicação na sala de aula de recursos educativos produzidos com recolha de evidências da participação dos alunos, promoveu e orientou, e passo a citar as suas palavras, o trabalho dos docentes nos meandros colaborativos assentes em plataformas interativas com recurso consciente à tecnologia, à articulação horizontal ou vertical das aprendizagens essenciais, planeando situações de aprendizagens com recurso a metodologias ativas, acreditando na capacidade tecnológica do aluno e, por meio desta, levá-lo a aprender e a ensinar; munir os professores de ferramentas que lhe facilitem captar a atenção dos alunos, partindo das ideias e apetências prévias daqueles, respeitando a sua singularidade e especificidade para percorrer as diferentes etapas da aquisição do conhecimento como se de um jogo se tratasse, todavia não distanciando o aluno do primordial propósito do saber disciplinar a dominar, constituiuse no desafio desta oficina. Ora, os seis textos que se seguem neste e-book resultaram desta Oficina de Formação, e dada a sua importância no âmbito de boas práticas a distância, perfeitamente contextualizadas em tempos de pandemia, não resistimos apresentá-los neste passo do ebook. Destaque-se que em todos os cenários de aprendizagem os docentes inovaram em termos pedagógicos, didáticos e curriculares em pleno contexto de pandemia e de ensino a distância, adaptando-se, a cada momento, ao ritmo das aulas síncronas, assíncronas, à utilização de diferentes ferramentas digitais, plataformas interativas, etc… e à improvisação,
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à criatividade, ao currículo vivido e experienciado a cada instante por alunos e professores, constituindo um desafio constante e nunca antes experienciado. O primeiro desses textos é da autoria de Maria Fernanda Coelho Alves, Lucília Ramos dos Santos, Alexandra Barroso, Cláudia Adriana Pereira da Silva e designa-se “Projeto COVID -19: Sustentabilidade, História, Informação - que Ética?”. É um exemplo extremamente enternecedor da acutilância criativa e pertinente do trabalho destes docentes e alunos em tempos de grande temor, ansiedade e muitas inquietudes resultantes da pandemia, e como é que foi feito o aproveitamento desses estados de alma em termos pedagógicos para promover as Aprendizagens Essenciais dos alunos nas disciplinas envolvidas e, ao mesmo tempo, desenvolver competências do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e competências de Cidadania crítica e responsável - tudo isto feito com recursos digitais e sempre a distância. O denominador comum do trabalho residiu na articulação interdisciplinar (História, Ciências Naturais, Filosofia e Inglês), interturmas (7.º ano, de História; 8.ºano, de Ciências Naturais; 10.º ano de Inglês e de Filosofia) e interescolas (Agrupamentos de Escolas D. Maria II, Braga, e de Cabeceiras de Basto) e partiu de uma problemática nova e atual - o desconhecimento do vírus mortífero Covid-19. Através da pesquisa e dos trabalhos dos alunos, alguns recorrendo à metodologia do trabalho de projeto, ao estudo de caso, em Ciências Naturais (ver em link em nota de rodapé “Teve o Homem alguma responsabilidade pela pandemia Covid-19?), foi possível estudar o que se sabe em termos científicos do vírus, estudar o tema da “sustentabilidade” e a sua maior frequência de Zoonoses, conhecer e reconhecer exemplos de casos similares de epidemias e pandemias ao longo da História e o seu impacto na humanidade, desmistificar preconceitos, identificar What is fake? What is Real? Does it matter?, levantar questões do foro ético e filosófico, tudo isto sem descurar a avaliação pedagógica e o constante feedback de qualidade dado pelos docentes aos alunos, quer através de ferramentas digitais ou outras atividades de produção verbal oral ou escrita. A descrição deste magnífico trabalho, ainda que pormenorizada, ficaria muito aquém dos resultados obtidos. Por isso mesmo, convidamos o leitor a uma leitura atenta do texto e, principalmente, convidámo-lo a observar os admiráveis produtos finais (ver obrigatoriamente o Padlet do trabalho de articulação desenvolvido e o vídeo animado com diálogos produzido pelos próprios alunos e que reproduz as aprendizagens efetuadas). O texto que segue, da autoria de Abílio Alfredo Vitorino e Ana Rita Silva, intitula-se “Matemática: a articulação vertical e as potencialidades do trabalho cooperativo entre alunos de diferentes ciclos de escolaridade – uma experiência de aprendizagem centralizada nos alunos em regime de Ensino@Distância”.
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Como o próprio título indica, desenrola-se no âmbito da disciplina de Matemática (uma das habituais disciplinas com mais insucesso escolar) e é igualmente admirável o trabalho desenvolvido e impulsionado pelos autores. Partiram da análise das Aprendizagens Essenciais àquela disciplina e, em trabalho colaborativo, descortinaram as possibilidades de trabalhar o currículo através da articulação vertical das aprendizagens entre anos e ciclos de escolaridade diferentes (o 9º e o 10º ano). Nos alunos do 9º ano promover-se-ia a consolidação das aprendizagens e nos alunos de 10º ano aplicarse-ia uma acção de rotinar aprendizagens, anteriores, com feedbacks e conexões ao tema. Tirando partido da centralidade dos alunos nas aprendizagens, e do levantamento dos conhecimentos prévios daqueles, souberam envolvê-los, de facto, ao mesmo tempo que promoviam uma abordagem diferenciadora, interativa e cooperativa dos alunos, exemplarmente arquitetada em cascata, de molde a experienciarem papéis diferentes (de professor/orientador das aprendizagens e/ou de aluno). O primeiro grupo de alunos apresentava o problema aos colegas mais novos, tendo por base o método de resolução de problemas de George Pólya (ver Powerpoint), e ajudavam nas dúvidas expostas e explanadas pelos próprios alunos, também na plataforma Classroom, com a utilização de ferramentas e recursos (de Geogebra, powerpoint, entre outros), os quais foram previamente apresentadas aos alunos através da metodologia da aula invertida. Este texto pretende ainda demonstrar como é possível fazer articulação vertical dos aprendizagens essenciais, trabalhar em rede alargada a distância com alunos de escolas diferentes, níveis de escolaridade diferentes e potenciar/consolidar as aprendizagens dos alunos mais velhos, e que dominam os conceitos já apreendidos, e como se faz a transferência das aprendizagens para os mais novos. O envolvimento dos alunos na avaliação das suas próprias aprendizagens e nas reflexões encetadas com vista à auto e heterorregulação das aprendizagens foi uma constante (nomeadamente na construção dos indicadores da grelha de avaliação); destaque-se ainda a avaliação entre pares e o feedback de qualidade dos docentes que esteve sempre presente. Não despiciendo, portanto, o vídeo com todas as interacções efetuadas e disponibilizado através do link no texto. O texto seguinte, denominado Metodologias e Atividades Diferenciadoras em Contextos de Inovação de E@D é da autoria de Ângela Meireles. Apresenta dois cenários de aprendizagem em turmas de 7º ano de escolaridade na disciplina de Ciências Naturais. O primeiro, baseado numa estratégia ativa de aprendizagem simples mas que não dispensa uma preparação cuidada por parte do professor: o role-play. O objetivo primacial passava por descontrair os alunos num período particularmente difícil e atípico vivenciado com a pandemia, ao mesmo tempo que pretendia motivar os alunos para as Aprendizagens Essenciais, desenvolvendo competências do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, nomeadamente para a compreensão crítica do conteúdo
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“Sustentabilidade económica, ambiental, e social da exploração dos recursos geológicos”. Como diz a autora, o role play permite (…) o aumento do interesse, compreensão e integração do aluno com o conteúdo apresentado; a promoção da sua participação ativa como construtores do conhecimento, deixando de ser observadores passivos no processo do ensino unilateral do professor e o desenvolvimento da empatia e compreensão de diferentes perspetivas, ao assumirem ativamente papéis e interagirem no jogo de papéis proposto. A partir de uma notícia publicada na comunicação social sobre a “viabilidade da exploração de lítio no distrito de Braga” e de um guião construído para o efeito pela professora que colocou na plataforma Classroom para consulta, atribuiu a diferentes grupos de alunos diferentes papéis a assumir (Empresário, Autarca, Ministro do Ambiente; Cliente da pedreira; Vizinho da pedreira; Trabalhador da pedreira; Associação Ambiental; Fiscalização das condições de trabalho) e provocou, em salas simultâneas do Zoom, a reflexão dos alunos preparando-os para o debate final em formato de “Prós e Contras”. O produto final foi surpreendente (…) os alunos estabeleceram relações que conjugaram a imaginação dramática, a capacidade de comunicação e a postura em público com o sentido prático, a forma como se relacionaram com os outros intervenientes e a moderadora, refletiram sobre o processo de tomada de decisões e compreenderam a relevância da aprendizagem dos conteúdos programáticos para a tomada de posição fundamentada quando confrontados sobre constrangimentos e dilemas técnicos, sociais, económicos e culturais. (…). Meticulosamente descrita a estratégia e disponibilizados todos os recursos envolvidos na mesma, não será despiciendo sublinhar a necessária e presente implicação no desenvolvimento de valores de cidadania ativa e de participação dos alunos. Os resultados podem ser vistos através dos gráficos que a docente construiu depois de auscultados os alunos sobre a avaliação da atividade – 100% dos alunos quer repetir a estratégia com outras aprendizagens essenciais. O segundo texto, da mesma autora, prende-se com uma apresentação sumária, mas não menos importante, de um Domínio de Articulação Curricular (DAC) no 7º ano de escolaridade nas áreas disciplinares de Ciências Naturais, História, Português, e Cidadania e Desenvolvimento, no âmbito da temática “Os Sismos”, temática transversal a Aprendizagens Essenciais presentes nas disciplinas visadas e passível de abordagem na área da cidadania. Através da construção de um padlet efetuado pelos alunos, pesquisaram, registaram as suas respostas, aprenderam a utilizar novas ferramentas digitais, com a ajuda de tutoriais disponibilizados pela Professora na plataforma Classroom, recolheram informação, construíram instrumentos de auto e heteroavaliação através de Kahoots, Google Forms, Quizzes, LearningApps, entre outras…. O leitor pode explorar os resultados através da hiperligação para o padlet presente no final do texto.
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O texto subsequente, da autoria de António Silva, apelida-se de “Em Jeito de Reflexão práticas metodológicas ativas”. Primorosamente escrito, o autor, em jeito de reflexão, faz uma autognose sentida enquanto professor do ensino secundário e cujas questões passam invariavelmente pela preocupação em cumprir o programa e a preparação dos alunos para os exames nacionais, resultando assim uma maior renitência à mudança. (…); ponderava ainda as vantagens do uso das novas tecnologias na concretização dos objectivos de uma maior flexibilidade curricular na sala de aula ou, se pelo contrário, serviriam apenas para entreter os alunos. Investigou, questionou na formação, pois considera “(…) um imperativo profissional e ético saber com rigor o que está consubstanciado nos Decretos-Lei nºs 54 e 55/2018, saber quais os modelos teóricos em que assenta a AFC, compreendê-los e perceber a sua utilidade e aplicabilidade no terreno, para que estes se tornem uma mais-valia na relação pedagógica que estabeleço com os alunos (…)”. Experimentou na sala de aula, conciliou-se com as metodologias ativas, as ferramentas digitais e aprovou a autonomia e flexibilidade curricular que passou a não considerar despicienda e uma perda de tempo. Descreve com zelo o que fez – trabalho colaborativo com outros docentes, aulas invertidas, padlet, DAC, motivou os alunos a construírem recursos digitais, fez uma avaliação mais pedagógica baseada no feedback de qualidade dado aos alunos, aproximou-se destes e das suas realidades e descreve os bons resultados obtidos com os seus alunos – De facto, o conhecimento deve ser partilhado por todos os professores para trazer o aluno para o seu quotidiano e para as disciplinas que está a estudar e, assim, fazer a conexão entre a realidade circundante e os assuntos tratados com a atualidade (…). Um relato impressionante, muito autêntico, de um docente que na metáfora utilizada pelo consagrado Professor Catedrático Manuel Ferreira Patrício, o autor da escola cultural, nos anos 80, o integraríamos [a nosso ver] no grupo dos docentes típicos, os “resistentes sofisticados”, os que, depois de esgotadas todas as possibilidades plausíveis para que algo se pudesse concretizar, têm sempre mais uma razão válida, na opinião deles, para não se submeterem à mudança desejável. Diríamos nós que a formação de docentes, ao contrário de muitas vozes dissonantes, ainda faz a diferença – este é o exemplo acabado do que acabámos de afirmar, mesmo em tempos de pandemia…(ver link dos trabalhos desenvolvidos no padlet apresentado). O texto referenciado, “Calor versus temperatura” é da autoria de Maria Angelina Oliveira, Anabela Silva Lopes, Cláudia Costa Silva, Joana Pereira e Maria do Rosário Sá Pinto. É outro grande exemplo do trabalho desenvolvido no âmbito de um DAC nas disciplinas de Física e Química, Inglês e Educação Física. Mais uma vez o desenvolvimento curricular e o currículo são trabalhados em contexto, de acordo com as circunstâncias vividas e experienciadas pelos alunos naquele momento. Estava-se perto do Verão, fazia imenso calor e os alunos do 7º ano de escolaridade continuavam com as aulas a distância. Um das medidas sanitárias consistia em medir a 40
temperatura corporal, pelo que assumiu-se pertinente questionar se “Calor e Temperatura” seriam a mesma coisa. A problemática integrava-se nas Aprendizagens Essenciais das disciplinas de Física e Química e Educação Física. O Inglês poderia abordar a temática no contexto do desenvolvimento da expressão oral e escrita da língua. Passou-se á planificação do DAC, utilizando a metodologia de trabalho por descoberta. Na aula de Física e Química procurou-se perceber as ideias prévias dos alunos para, consequentemente, desmistificar-se conceções alternativas sobre calor e temperatura. Desenvolveram-se e realizaram-se um conjunto de acções estratégicas de acordo com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória de acordo com um powerpoint disponibilizado na plataforma Classroom para os alunos visualizarem em casa e, a seguir, os alunos retiraram conclusões e conceberam um vídeo com o trabalho experimental que produziram, eles próprios, e traduziram para inglês (ver Vídeo I); em Educação Física, os alunos mediram a temperatura depois do exercício físico proposto, registaram em formulários google forms, elaboram gráficos, cruzaram os dados obtidos com os resultados do trabalho experimental gravado em vídeo e tiraram conclusões – calor e temperatura não é a mesma coisa. Na fase seguinte, os alunos elaboraram quizzes em salas simultâneas da plataforma Zoom, escritos em Inglês, de acordo com as orientações técnicas fornecidas pela professora, para indagarem das conceções dos alunos em outras turmas sobre a mesma temática. Das sugestões surgidas, foi elaborado um quiz final aplicado a alunos do 7º e do 8º ano de escolaridade. As conclusões são assaz surpreendentes para serem inevitavelmente descobertas pelo leitor. Procedeu-se à avaliação do DAC pelos alunos com formulários Google Forms, Mentimeter, gráficos de imagens e textos reflexivos. A motivação dos alunos foi generalizada e as aprendizagens revelaram-se consistentes. No final, apresentaram-se as conclusões em inglês – ver o curto mas muito pertinente vídeo 2. “Um Cartaz, Uma MONA” é o título do próximo texto, da autoria de Viriato Augusto Dias da Silva. Relaciona-se com um cenário de aprendizagem, também trabalhado a distância, destinado à disciplina de Educação Visual do 8º ano de escolaridade. Descreve um desafio admirável lançado aos alunos, com vista ao desenvolvimento da sua capacidade criativa e artística - “Um cartaz uma MONA”- representação da figura humana ao longo do tempo e um quiz, de toda a matéria, foi a provocação, utilizando as palavras do autor. O tom da escrita do autor, entusiasta, algo romântico em perseguir um sonho, uma ideia, como reiteradamente afirma, transparece constantemente no texto e nos recursos que o professor constrói ou instiga o aluno a construir. E mutualiza esse sentimento com os alunos, provocando-os a produzir o seu próprio projeto, de acordo com as Aprendizagens
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Essenciais e o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, baseado na figura humana (a MONA, como motivação [A Mona Lisa, evidentemente, que os alunos terão de descobrir]). Apresenta o “itinerário da atividade” de acordo com o entendimento da tarefa e, para ajudar os alunos no processo criativo, disponibiliza vídeos “da ideia ao projeto” e demais informação relevante para o processo, como, por exemplo, um segundo padlet sobre a “A representação da figura humana ao longo do tempo”. Depois de pesquisarem e informarem-se através dos recursos disponibilizados (ver link de acesso ao padlet), utilizando metodologia de aula invertida e de trabalho de projeto, a sua salutar intenção está bem visível na expressiva afirmação: Preparar uma atividade, utilizar recursos que possibilitem a motivação dos alunos e o entendimento das aprendizagens, foi o desafio. Construir uma instigação ao trabalho, minimizar os danos da distância e proporcionar atividades dinâmicas onde o aluno é protagonista, é desafiar (…). O texto seguinte, apelida-se “Domínios de Autonomia Curricular (DAC): Metodologias e Estratégias de Construção, Operacionalização e Avaliação” e é da autoria de Ana Esteves, Anabela Lopes, Cláudia Silva, Joana Pereira, Luísa Gonçalves. Resulta de um trabalho desenvolvido no âmbito de uma oficina de formação orientada por Vanêssa Mendes e constitui um documento basilar para se perceber como é que em pleno contexto de pandemia, e com as aulas a decorrer a distância, um Domínio de Autonomia Curricular (DAC) nasce, o que se privilegia, como cresce, como se desenvolve, como se aplica em contexto escolar e como se avalia. Por curiosidade, o DAC surgiu quando umo docente de Ciências Naturais deteta que os alunos ao consultarem na web a temática do trabalho, as “Áreas Protegidas”, apresentam notórias fragilidades por não saberem discernir sobre sites fidedignos. A partir daí, e em trabalho colaborativo docente, cruzam e planificam as Aprendizagens Essenciais das disciplinas envolvidas: Ciências Naturais, Tecnologias de Comunicação e Informação, Inglês, Educação Física e Cidadania e Desenvolvimento. As atividades planificadas recorreram a estratégias e metodologias para aprendizagens ativas e colaborativas, a saber: aula invertida (flipped classroom), trabalho de projeto, aprendizagem baseada em problemas, aprendizagem por investigação (inquiry), o learn by doing, aprendizagem por descoberta guiada, por estudo de caso, gamificação, recorrendo a diferentes ferramentas digitais: o Quizziz, o Learning Apps (Corrida de Cavalos e Quem Quer Ser Milionário), o Edpuzzle e o Emaze, assim como outras ferramentas digitais colaborativas, promotoras da partilha e reflexão de ideias, tais como o Padlet, o Mentimeter, o Genially e a Página Web, o modelo de pesquisa BIG6 (Powtoon), Vídeos, Fotos e Google Forms. O ciclo deste DAC está bem explicitado na apresentação digital que aconselhamos, vivamente, que seja consultada – ver link.
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O texto a seguir apresentado, da autoria de Vanêssa Mendes, denomina-se “Aprendizagens ativas com recursos Tecnologias de Informação e Comunicação: atividades em E@D” e resultou de uma oficina de formação orientada pela autora. Pretende demostrar como é que os docentes aproveitaram as Aprendizagens Essenciais de diferentes disciplinas e se envolveram, trabalharam colaborativamente e de forma interdisciplinar em e-atividades que pretendiam desenvolver, a par das áreas de competências inscritas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. Não despicienda, a consulta do mural das apresentações com todas as atividades desenvolvidas em franco ambiente de partilha, colaboração e reflexão docente - ver link disponibilizado. Não poderíamos finalizar este e-book sem referenciarmos, para memória futura, o aumento dramático do fenómeno de cyberbullying que cresceu exponencialmente em tempos de pandemia. Com o confinamento social e familiar e os longos dias em casa, o número de horas de navegação na Internet aumentou substancialmente e, naturalmente, os adolescentes recorreram mais às redes sociais. O jornal “Público”, de 16 de Setembro de 2020, dava-nos conta dos resultados alarmantes de um estudo efetuado por uma equipa de investigadores do Centro de Investigação e Intervenção Social do ISCTE, liderado pela investigadora Raquel António. O estudo baseouse num inquérito online distribuído a 485 alunos do ensino básico, secundário e superior, o qual referenciava que entre março e maio de 2020 a maioria dos estudantes (61,4%) admitiu ter sido vítima de cyberbullying. Destes, os estudantes do sexo masculino, os que pertenciam a famílias com rendimentos familiares mais baixos e os estudantes gays ou lésbicas foram as principais vítimas. Pelo exposto, quisemos deixar neste e-book o vídeo produzido por um grupo de alunos do curso profissional de “Artes do Espectáculos-Interpretação”, da Escola Secundária Alberto Sampaio, realizado em outubro de 2020 (no interregno antes do segundo confinamento social), sob a orientação da professora Maria João Pinto, concebido, especialmente, para assinalar o Dia Mundial de combate ao Bullying. O objetivo primacial consistiu em promover nos alunos uma cultura de empatia pelo fenómeno e de denúncia de conteúdo abusivo para prevenir situações de bullying e cyberbullying. Propositadamente, a terminar este e-book, o texto de José Augusto Pacheco - “Sim, há desigualdade”, versando a inevitabilidade da verdade experienciada e vivida de ensino a distância. O rigoroso e clarividente texto do autor mostra-nos como, apesar da bondade da pronta resposta à pandemia em fechar escolas por parte de ¾ dos países a nível mundial, recorrendo a atividades de aprendizagem não presenciais com o primordial intuito de apoiar os alunos mais vulneráveis, combatendo a exclusão, não surtiu, em pleno, os resultados esperados e veio desocultar a desigualdade existente, revelando ser ainda mais desigual do que 43
seria expectável, pois a realidade social nem sempre é totalmente capturada no seu lado mais excludente pelos dados estatísticos. E quanto ao ensino presencial conclui que é, segura e reconhecidamente, o meio mais eficaz para garantir equidade, igualdade e inclusão às crianças e aos jovens.
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PARTE I
AUTONOMIA, FLEXIBILIDADE, CIDADANIA E INCLUSÃO – CONCEÇÕES E SENTIDOS PARA UMA MIRÍADE DE EXPRESSÕES CURRICULARES
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O VALOR DE EDUCAR: SOBRE OS LIMITES DA TENSÃO EDUCATIVA NA URGÊNCIA DO AGORA-FUTURO António Joaquim Abreu da Silva 1
Agrupamento de Escolas Monserrate
Fátima Braga 2
Agrupamento de Escolas Henrique Medina
Os homens nasceram um dos outros; educai-os ou suportai-os (Marco Aurélio)
Ensina-se sempre mais de o que se ensina
(Olivier Reboul)
1. Cenário: a cultura como competência Desde as últimas décadas do século XX que as análises sobre a educação escolar têm vindo a instituir, progressiva e globalmente, uma espécie de lugar programático, por isso cada vez menos difuso, que torna comum e otimiza discursos sobre o futuro da educação, à luz do “futuro que queremos” (OCDE, 2018). Evidentemente que pensar a educação e o concomitante valor de educar - e do que no educar vale a pena - inscreve-se milenarmente no património filosófico da nossa cultura ocidental – da nossa paideia -, como modo de procurar e conceber a “realização máxima do potencial inerente a cada um, (…) desenvolvido num contexto comunitário” (Neves e Justino, 2018: 11). Trata-se, no fundo, do problema da construção de um eterno presente – de uma “tradição viva” (Ricoeur, 1993: 71) – posto em marcha quando pensamos a educação ou, de modo mais amplo, a formação dos seres humanos, quer nas suas determinações bio-fisiológicas, comportamentais e morais, quer nos processos intrapessoais de autodeterminação crítica e reflexiva (Ipfling, 1979). Neste projeto alargado e generoso de pensar a educação como formação da pessoa, enquanto indivíduo e cidadão, cabe necessariamente a avaliação e decisão sobre a atualidade e pertinência dos conhecimentos que melhor farão a construção civilizacional. Esta é uma questão que atravessa a nossa história, logo também o devir do nosso presente. E aqui confrontamo-nos, hoje, com a noção e o sentir da incerteza, da dúvida, da hesitação, perante uma realidade que a todo o tempo nos aparece sob o signo da mudança, da relativização dos fundamentos, da ambivalência entre a universalidade de ideais e o particularismo assimétrico dos interesses. Como que se organiza um jogo de dúvidas e de transições onde se infiltra uma divisão, por vezes quase sectária, entre um antes e um agora-futuro, uma divisão que arrasta consigo, como refere Nóvoa (2003), uma consciência forte da necessidade da 1
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Professor convidado na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto; Investigador do CITCEM, FLUP, na área da Filosofia da Educação Consultora SAME – Universidade Católica do Porto; Investigadora do CITCEM, FLUP, na área do Desenvolvimento Curricular)
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mudança e o não saber qual o rumo a seguir. Como jogo de dúvidas, o risco é o de se instalar aqui um limiar cético em que convicções e opiniões verosímeis ficam expostas à violência de determinações exteriores à escola e ao pensamento educacional. Nas circunstâncias deste agora-futuro, ou melhor, na rápida emergência e circulação política e social de discursos sobre a escola do futuro, parece, por vezes, que é o próprio pensamento concreto e patrimonial da escola que fica ausente, enquanto, simultaneamente, no interior desta se pressente um certo pudor e retraimento em trabalhar o que pode ser o seu futuro. Precisamente porque é difícil definir uma direção, importa ganhar a força da serenidade e da prudência que nos permita saber ousar – Sapere aude!, proclama o otimismo crítico de Kant (1993) face ao desafio do desenvolvimento da moralidade e do conhecimento na humanidade, a única espécie que tem de ser educada (Kant, 2012) – e que nos permita saber que a educação vai mudar e que, por isso mesmo, a escola será cada vez mais importante, não ficando indiferente às suas consequências no terreno social (Nóvoa, 2003). A afirmação da sua não-indiferença social - a consciência da sua centralidade institucional remete o pensar a escola para a questão clássica de saber quais os fins ou finalidades do ensino. Sabendo que os nossos estudantes serão sujeitos ativos dentro de poucos anos e que, ao contrário do que acontecia no passado, não é possível prever a estrutura da maioria das profissões futuras, importa enquadrar decisões sobre o que seja uma pedagogia competente para o desenvolvimento “das competências que as crianças e os jovens devem adquirir como ferramentas indispensáveis para o exercício de uma cidadania plena, ativa e criativa na sociedade da informação e do conhecimento em que estamos inseridos” (Direção-Geral da Educação, 2017). Uma pedagogia que, na ordem do aprender – aquela ordem que pressupõe “que se esteja submetido a um ensino e que este ensino tenha atingido a sua finalidade” (Reboul, 1982: 15) -, nos coloca perante o problema da definição de uma cultura adaptada à nossa época, às nossas necessidades e aos nossos sonhos. Continuando com Reboul, o conceito de competência coloca o ensino num nível em que “o aluno deve chegar não só a conhecer alguma coisa, mas a ser um conhecedor” (Ibidem: 179). É aqui que, como educadores na escola, nos colocamos perante a ideia da “cultura como competência” (Ibidem: 193). Não se trata já de entender a cultura como uma soma de dispositivos e saberes consagrados, mas como uma aptidão para julgar, quer no que releva de capacidade de participação nas escolhas cívicas fundamentais, quer no que contribui para a qualidade do desempenho profissional, da vida social e do lazer, quer ainda no reconhecimento feito por cada um do sentido da integridade pessoal, da responsabilidade e do juízo justo. Num certo sentido, preparar uma cultura – uma paideia – ou humanidade competente convoca a educação para uma espécie de aprender a desaprender (Ibidem). Ou seja, ao exercício de modos de pensamento que rompam com os obstáculos da tradição, com a ingenuidade das experiências não esclarecidas, com o conforto de uma fundamentação científica, de uma inovação técnica, de uma finalização estatística. Em suma, romper com a ausência de problematização que despolitiza a nossa ação. É assim que, por exemplo, na
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missão de ajudar ao desenvolvimento do espírito crítico e da liberdade do pensamento, uma pedagogia competente, hoje, não pode ficar acantonada ao ensino estrito desta ou daquela disciplina. A missão do professor deixa de ser apenas a de ensinar um conteúdo e procedimento disciplinar, passando a ser a de formar o aluno através de um compromisso epistemológico em que o ensino das disciplinas converge em projeto de investigação e compreensão dos problemas que assinalam o processo de construção do património humano do saber, dando-se deste modo sentido de bem comum à escola. 2. Um guião nacional: breve diacronia das políticas públicas de educação em curso Perante as múltiplas dimensões da mudança global a que assistimos, às pressões que sobre a escola se exercem quanto ao seu estatuto e função e aos fascínios do el dorado tecnológico que nela se insinuam, importa dar atenção ao modo como os discursos educacionais se estruturam ao nível das políticas nacionais, no caso os das políticas públicas de educação em curso em Portugal, no contexto preponderante da circulação transnacional de informação e de relatórios que, enunciando quadros axiológicos estimáveis, propõem – e acabam por determinar – modelos de naturalização da ação e de lógicas de eficácia onde nem sempre são claros os interesses e as finalidades de desenvolvimento humano com que verdadeiramente possam estar comprometidos. Tomando como ponto de recuo, neste texto, o ano de 2016, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 23/2016 de 11 de abril cria o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE), com a finalidade de promover um ensino de qualidade para todos, combatendo o insucesso escolar, num quadro de valorização da igualdade de oportunidades e do aumento da eficiência e qualidade da escola pública. Para este desiderato, o PNPSE assumiu como princípios: a) Compromisso social sobre o desígnio natural do processo de escolarização, da função social da escola e do estabelecimento do sucesso e da capacitação dos indivíduos; b) Envolvimento de todos os atores sociais com impacto na comunidade educativa; e) Dinamização de um programa de formação contínua; f) Acompanhamento e supervisão das estratégias locais de promoção do sucesso escolar; g) Produção de conhecimento científico sobre o sucesso escolar, práticas letivas, monitorização de estratégias e medidas de avaliação do sucesso em educação; A abrangência destes enunciados, a que se associa a explicitação de que o PNPSE tinha em vista possibilitar que as escolas concebessem e apresentassem ao Ministério da Educação soluções organizativas e curriculares focadas na melhoria efetiva das aprendizagens dos alunos, anuncia um horizonte de mudança na vida das escolas em que pontua a reconceptualização do currículo e, em coerência, o necessário reposicionamento do pensamento e da ação dos professores (Braga, 2001), face aos requisitos exigidos pela nova
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centralidade dos alunos e pelo aprofundamento dos dispositivos de regulação das aprendizagens. De facto, e ao longo de 2016 e 2017, nas circunstâncias dos discursos e dos esclarecimentos da tutela educativa, é insistentemente referido não se estar em presença de uma reforma curricular, mas de um novo modo de gerir o currículo, para potenciar melhores aprendizagens. É assim que se anuncia a intenção de definir aprendizagens essenciais para cada uma das disciplinas, a introdução obrigatória da componente de formação de Cidadania e Desenvolvimento, bem como, no plano metodológico, de consubstanciar uma abordagem curricular flexível (até 25% do currículo) e interdisciplinar, perspetivando-se aqui uma implicação organizacional para o desenvolvimento curricular, nomeadamente através da explicitação da centralidade pedagógica das equipas educativas e dos conselhos de turma. Entretanto, dando escopo à centralidade das aprendizagens dos alunos, anunciam-se dez competências para o aluno novo - um novo Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. Axialmente, o conceito de competência vem acompanhado por um ideário caracterizador que o situa para lá da ordem básica dos conhecimentos (entendidos aqui como conteúdos informativos) e o remete para o plano da apropriação da vida, nas dimensões do belo, da verdade, do bem, do justo e do sustentável, através de uma construção coletiva. Como registo organizador, ocorre-nos aqui a referência ao quadro epistemológico e sociopolítico proposto por Popper (1993) para a construção crítica do conhecimento – pensar por problemas, ver a sua beleza, descobrir problemas-filhos para cujo bem-estar poderemos trabalhar -, já que os discursos e os normativos pedem aos professores uma abordagem dos conteúdos de cada disciplina associada a situações e problemas do quotidiano, didatizadas através de projetos intra ou extra-escolares, e às escolas pedem a criação de espaços e tempos para que os alunos intervenham livre e responsavelmente, fazendo escolhas, confrontando pontos de vista e tomando decisões com base em valores. Mas os discursos, os documentos de trabalho e as intervenções públicas das autoridades políticas e de investigadores deixam, entretanto, também claro que não é o fim das disciplinas, mas o início de uma responsabilidade nova para os professores perante o desafio de novas competências, da multidisciplinaridade, das aulas temáticas, das novas orientações sobre as aprendizagens essenciais a realizar, da articulação e complementaridade de dinâmicas avaliativas (um só relatório de projeto pode servir de avaliação, por exemplo, para a parte da escrita em Português, para a parte da pesquisa em História, para a parte da apresentação gráfica em Educação Visual). Fala-se de um novo paradigma educativo em marcha em todo o mundo, de um novo modelo escolar e, por isso, da necessidade de uma visão partilhada pelos agentes educativos sobre um futuro mais personalizado que se pretende construir. Como nota concetual, parece-nos oportuno de novo o recurso a Popper (1987), para situar a referência aos agentes educativos e ao futuro mais personalizado no quadro de uma nova ética profissional e, consequentemente, de um novo conhecimento escolar – uma reforma ético-prática: à ideia do saber pessoal e do saber seguro ou certo tradicionalmente conferido
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pela Autoridade, pelo domínio de uma especialidade e pela omissão dos erros, contrapõe, Popper, a ideia de verdade pela procura de factos, pela análise dos erros, pela escuta racional das críticas, pelo entender que a tolerância é a consequência necessária do reconhecimento de que somos falíveis. Ou, como noutro lugar conjetura ainda Popper sobre o mundo da humanidade, nesta nova ética “trata-se do problema de compreender o mundo, incluindo nós próprios, e o nosso conhecimento, como parte do mundo” (Popper, 1991: 55). Assumindo que qualquer política de educação está, por definição intrínseca, comprometida com um projeto societal, em que circulam explícita e implicitamente conceções de bem e de dever-ser, cremos ser possível traçar breves linhas caracterizadoras dos principais compromissos explicitados pela evolução normativa que tem vindo a consolidar os ideários e discursos da atual política de educação e cuja expressão temporal de publicação ocorre fundamentalmente entre 2016 e 2018. Assim, preponderam: I) A Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC), elaborada pelo Grupo de Trabalho de Educação para a Cidadania (Despacho n.º 6173/2016, de 10 de maio) e disponibilizada no sítio da Direção-Geral da Educação em setembro de 2017: compromisso com os valores e as múltiplas literacias da cidadania democrática; II) O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, homologado pelo Despacho nº 6478/2017, de 26 de julho: compromisso, de todas as escolas e ofertas educativas, com a promoção de competências (combinação complexa de conhecimentos, capacidades e atitudes) que permitam aos alunos intervir na vida e na história dos indivíduos e sociedades, numa base humanista, consciente e responsável; III) O Decreto-Lei nº 54/2018, de 6 de julho: compromisso com a educação inclusiva, no âmbito de um projeto educativo comum e plural que proporcione a todos a participação e o sentido de pertença em efetivas condições de equidade; IV) O Decreto-Lei nº 55/2018, de 6 de julho: compromisso com a articulação e o rigor necessários ao desenvolvimento curricular promotor do direito à aprendizagem, ao sucesso educativo e à igualdade de oportunidades, de modo a garantir que todos os alunos adquiram os conhecimentos e desenvolvam as capacidades e atitudes que contribuem para alcançar as competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. V) Este quadro legislativo é ainda complementado e especificado através da publicação de despachos e portarias que regulamentam, designadamente, os dispositivos de concretização da autonomia e flexibilidade curricular das escolas, das ofertas, das regras e dos procedimentos da conceção e operacionalização do currículo dessas ofertas, da avaliação e certificação das aprendizagens, bem como ainda das Aprendizagens Essenciais, em cada disciplina, a serem efetivadas pelos alunos, à luz do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, traduzindo esta dinâmica normativa um desejo de compromisso alargado com uma reconcetualização curricular e organizacional das intencionalidades educativas.
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3. Um guião transnacional: do antes à urgência do agora-futuro Tomando como pano de fundo a referência, já feita no ponto 1, sobre a circulação à escala global de informação e de relatórios (promovidos por organizações diversas, na visão e na missão, como a OCDE, o Banco Mundial ou a UNESCO) que nos falam de uma educação para um mundo melhor e nos apresentam modelos de aprendizagem que é suposto ajudarem ao sucesso dos alunos no mundo futuro em que vão entrar, talvez valha a pena sumariar algumas das linhas de força dos diagnósticos e das tendências de ação prevalecentes que, de alguma maneira, se inscrevem no desenvolvimento das políticas nos sistemas nacionais de educação e ensino. Mas ainda antes de ensaiar um breve mapeamento concetual desses documentos que marcam a agenda internacional sobre educação – e correndo o risco de incorrer num quase lugar comum -, poderá fazer sentido começar por apontar os eixos caracterizadores do que habitualmente se designa por Revolução 4.0 ou por 4ª revolução industrial. Assim e na sequência temporal da história: o século XVIII traz-nos a 1ª revolução industrial - a da máquina a vapor; o século XIX a 2ª revolução – a descoberta da eletricidade; o século XX a 3ª revolução – a invenção do transístor, que permitiu toda a digitalização que, no quarto momento revolucionário, vivemos presentemente (Ferreira, 2018). Sabemos da experiência histórica e da sua referencialização epistemológica que os tempos de revolução correspondem a transformações rápidas, com períodos de sobreposição e indefinição (Ruse, 2002), e a impactos imprevistos nas múltiplas ordens da ação humana. Isto significa que a revolução digital, do mesmo modo que as anteriores, vai certamente além de um mero avanço tecnológico. No caso da nova ordem tecnológica 4.0, mais do que uma simples digitalização da sociedade, estamos perante a “convergência dos mundos físico, digital e biológico” (Ferreira, 2018), com a descoberta de novas propriedades dos materiais, da Internet das coisas, do controlo genético e da biologia sintética, que “irão alterar significativamente a forma como produzimos, consumimos, comunicamos e vivemos” (Ibidem), transformando-se aqui radicalmente também a forma como nos vemos enquanto seres humanos e, consequentemente, como nos definimos social e eticamente. Por isso, a preparação de uma força de trabalho não pode hoje limitar-se à apropriação de um menu de conhecimentos, procedimentos e qualificações, ao contrário do que aconteceu, diz-nos Bauman (2007), ao longo do desenvolvimento da sociedade industrial moderna, marcada por processos como os de taylorização e fordização do trabalho – e dos indivíduos – que simplificavam escolhas, evitavam incertezas e hesitações e depositavam nos dispositivos instrumentais e hierárquicos a solução dos problemas. Seguindo ainda Bauman, esta linguagem da competência especializada transporta consigo a valorização da ordem cognitiva da execução sobre a ordem da compreensão, da lógica da determinação causal sobre o valor intrínseco da autonomia humana, da discussão técnica acerca das características de um produto sobre a análise social acerca da necessidade desse produto.
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Obviamente que muitas destas lógicas tecnocráticas que marcam a construção social e política do conhecimento na modernidade industrial continuam presentes. Mas também inscritos no devir da matriz cultural e intelectual da sociedade moderna (desde os séculos liberais e iluministas de XVII-XVIII) estão os temas da autoperceção crítica, da sensibilidade e do entendimento, da formação das identidades individuais tanto através do afeto e do prazer como através das instâncias ideológicas da racionalidade (Kincheloe, 1992; Silva, 2002). E estes são temas que, como se percebe no contexto global da nova natureza tecnológica da realidade, são hoje de novo convocados e reavaliados perante a necessidade de encontrar um caminho para um futuro que se anuncia difusamente, mas que já sabemos envolver a circulação de múltiplas linguagens e literacias, de diferenças e indeterminações identitárias e de subjetividades que não dependem de uma norma autoritária, mas de uma cidadania do desenvolvimento que demanda em cada um de nós a conjugação complexa de conhecimentos, capacidades e atitudes, ou seja, pede-se um conceito de competência que já não se esgota na ideia de desenvolvimento de destrezas e rotinas procedimentais. De alguma forma, assistimos a uma espécie de reorganização das relações entre ética e produtividade (Lipovetsky, 1994), em que o desenvolvimento de novos dispositivos de realização pessoal se torna urgente, para se compatibilizarem com uma ordem socioepistemológica que tende a diluir as compartimentações tradicionais e hierárquicas dos saberes e das funções. O tema moderno da autonomia humana é agora revisitado, dando uma nova pertinência ao sujeito, inscrevendo-o como ator e reconhecendo a sua voz no processo social de construção dos conhecimentos (entra aqui, por exemplo, o valor estratégico dos dispositivos de diferenciação pedagógica e de autorregulação formativa dos desempenhos – a avaliação formativa de que fala Fernandes, 2006). Simultaneamente, as crenças na neutralidade, objetividade e certeza que marcam um conhecimento distante, reconfiguram-se agora à luz do desafio complexo da imparcialidade, subjetividade e credibilidade que marca o conhecimento próximo, com implicações claras ao nível das articulações e relações que é possível estabelecer entre avaliação formativa e avaliação sumativa (Fernandes, 2008). Daqui resulta uma recontextualização do sujeito que o afasta, em parte, do regime de resposta às solicitações prescritivas e o acolhe em zonas mais descritivas da qualidade e da razoabilidade das suas ações (De Ketele, 1991). Nas relações não lineares entre uma cultura disciplinar prescritiva e a abrangência transdisciplinar que estrutura a própria ideia de saber – e de projeto de vida -, joga-se hoje a discussão em torno da finalidade do trabalho das escolas. Tratando-se, por natureza, de um trabalho de socialização através do saber, à escola exige-se a consciência clara dos problemas societais que a atravessam, problemas que são, afinal, aqueles que o aluno – pessoa, cidadão, trabalhador – vai encontrar na sua própria existência. Nesta implicação que epistemologicamente mutualiza a relação entre a construção escolar do saber e as práticas sociais para que esse saber serve, importa, no entanto, perceber que “a educação tem implicações mais vastas do que simplesmente criar uma força de trabalho competente e instruída” (Giroux, 1983: 117). É que o saber escolar também se serve de um património humano – feito tanto de grandes narrativas culturais como de biografias concretas de vida –
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não confinável a uma circunstância da história ou à efémera prevalência desta ou daquela utilidade competencial. Da importância do enraizamento do trabalho escolar em elementos cultural e biograficamente matriciais dá-nos conta a própria racionalidade científica e tecnológica contemporânea, quando esta se pensa e se reescreve à luz da mobilização de conceitos como os de comunidade e de subjetividade (Kuhn, 1989), o que se compagina com o reconhecimento das múltiplas literacias e pragmáticas comunitárias que, aos níveis formal, não formal e informal, alicerçam a construção do conhecimento e a formação da capacidade de conhecer. Mas esta mudança de referenciais epistémicos e societais, que flexibilizam as fronteiras disciplinares e introduzem a ação do sujeito na própria ordem daquilo que é conhecido, aponta um também novo caminho para o modo como o sujeito se deve pensar a si próprio perante o desafio de uma tarefa ou a resolução de um problema. Se no regime disciplinar do saber se limita a responsabilidade de cada um à aplicação de um banco de soluções para um conjunto de problemas, no regime epistemológico emergente o sujeito obriga-se a uma prática da responsabilidade perante o outro que – tal como eu - se estabelece como elemento de uma rede (parceiro familiar, social, profissional) e não como elemento fundacional exterior. Reciprocamente, eu - tal como o outro - não fundo mas posso contribuir para a coesão e sentido do conhecimento, já que “uma crença particular é justificada se aumentar a coerência do nosso sistema de crenças”, numa relação global em que “uma crença particular é justificada se for coerente com a totalidade do nosso sistema de crenças” (O’Brien, 2013: 154-155). Este é um cenário argumentativo que dá expressão ética a uma nova disposição dos valores na produção do conhecimento e na relação entre o pessoal e o profissional. É um cenário que, no plano da formação do sujeito, traz consigo exigências morais de compromisso individual - de investimento emocional (Lipovetsky, 1994) –, nomeadamente com os valores interpessoais da escuta e do diálogo, da partilha e do compromisso, do cuidado e da participação, da negociação e da iniciativa. Como sinteticamente objetiva Lipovetsky, acerca de uma certa substituição do princípio de obediência pelo princípio da responsabilidade, “são o homem e a organização que fazem a diferença” (1994, 306). Para lá das zonas de ambiguidade que possam subjazer ao valor ético e antropológico investido na re-apresentação do sujeito pelos atuais programas educacionais, importa também ter presente as oportunidades que esses programas podem significar para a efetivação de cidadanias e projetos de vida democráticos num mundo global. É neste contexto - onde se cruzam alguns dos melhores ideais da tradição crítica ocidental com a pragmática nem sempre equitativa de uma economia política cada vez mais submetida aos critérios económicos de tecnologização do mundo (T-World) - que se situam alguns textos internacionais referenciadores da agenda educativa atual. Neles ganha centralidade o questionamento sobre quais os “conhecimentos, capacidades, atitudes e valores de que precisarão no futuro os nossos estudantes” e, consequentemente, ganha também centralidade a questão sobre qual o melhor modo de os “sistemas de ensino tornarem
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efetivo o desenvolvimento desses conhecimentos, capacidades, atitudes e valores” (OCDE, 2018: 2). Neste como noutros relatórios (UNESCO, 2016; OCDE, 2019) a reflexão produzida releva um conjunto de princípios orientadores da implementação, até 2030, de uma nova visão e ação para a educação e para os quais são definidas metas. No essencial, é lançado o desafio internacional para o compromisso com o projeto coletivo que é a educação – desafio aos governos, às instituições nacionais e transnacionais, à sociedade civil, aos docentes, aos jovens. Este é um desfio que se alicerça no movimento global Educação para Todos, iniciado em Jomtien, 1990, e reiterado em Dakar, 2000. Aqui considerada com um direito humano fundamental, a educação aparece perspetivada como uma condição principal para a efetivação dos outros direitos humanos, ameaçados agora por uma urgência onde pontuam, nomeadamente, os problemas da sustentabilidade de recursos, dos desequilíbrios económicos, das disruptividades tecnológicas e das mais diversas iniquidades sociais e humanitárias à escala global. A partir deste diagnóstico genérico, os documentos sistematizam focos de ação educativa cujo denominador comum é alicerçado na preocupação de que ninguém seja deixado para trás (UNESCO, 2016). Assegurar a educação inclusiva e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos – inclusão e equidade – aparecem como condições fundantes do próprio direito de humanidade. A esta agenda primacial associam-se, de modo mais específico, temas como os da igualdade de género, da flexibilização dos percursos de aprendizagem (formal e não formal), da qualidade e da melhoria dos resultados de aprendizagem, da qualificação dos professores ou ainda da alfabetização básica nos processos de acesso à informação e à literacia matemática. Reconhecida como bem público, a educação aparece ainda deontologicamente tematizada à luz dos vínculos da governança, da responsabilização e parceria e da exigência feita a todos os agentes envolvidos de respeitar, proteger e fazer cumprir o direito à educação. No horizonte 2030 de uma educação para um futuro desejável – o futuro que queremos (OCDE, 2018) - é proposta a construção de uma visão partilhada que permita navegar num mundo globalizado complexo e incerto. Aos indivíduos, às organizações, aos profissionais e às comunidades são pedidos novos agenciamentos a partir de uma estrutura de aprendizagem que, sob o conceito de competência, apresenta uma nova sistémica cognitiva composta por uma plataforma i) de conhecimentos (disciplinares, interdisciplinares, epistémicos, processuais), ii) de capacidades (cognitivas e metacognitivas, sociais e emocionais, físicas e práticas) e iii) de atitudes e valores (pessoais, locais, societais, globais) tendentes à realização final do “bem-estar individual e social” (Ibidem: 4). É dito ainda, neste trabalho da OCDE, que através desta plataforma de conhecimentos os alunos desenvolverão competências transformadoras que lhes permitirão i) ser responsáveis (lidar com a diversidade e ambiguidade, avaliar consequências, autorregular-se e ser avaliado), ii) reconciliar tensões e dilemas (autonomia, inclusão, liberdade, equidade, comunidade) e iii) criar mais valor (inovação cultural, económica, social).
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Num registo talvez mais realista perante a espécie de utopia do bem-estar prometido pelo dispositivo competencial, apresentado como work in progress, a mesma OCDE (2019) reporta algumas linhas que marcam o quadro sistémico a que o pensamento educacional deverá estrategicamente estar atento ao pensar o futuro. Na análise das tendências perduráveis no tempo emergem, designadamente, referências ao gigantismo do poder económico globalizado que, se por um lado, facilita o desenvolvimento de redes transnacionais de trabalho e de comércio e da mobilidade, por outro lado, representa uma ameaça para o aumento dos fenómenos de exclusão, da desigualdade entre indivíduos, regiões e países e do uso insustentável dos recursos ambientais. Neste contexto, agravado ainda pela queda dos indicadores democráticos de participação na vida pública, é enfatizada a imperiosa necessidade dos sistemas de educação priorizarem o desenvolvimento de um conhecimento cívico – uma cidadania crítica - que, para lá do simples acesso à informação, aprenda a lidar com as plataformas mediáticas multiplicadoras de referências que tendem a tornar a verdade ubíqua e a relativizar o valor criterial e metodológico do próprio conhecimento. Nas virtualidades concetuais destas análises, que ocupam uma parte do discurso transnacional da educação acerca dos novos alinhamentos das transformações económicas, sociais e tecnológicas em curso, cabe, como se percebe, a preocupação com a preservação do património educativo democrático o que, de algum modo, corresponde a uma efetiva evolução do pensamento educacional perante os previsíveis impactos das tecnologias 4.0 (ou economia 4.0), seja quanto aos elementos potenciadores da qualidade de vida, seja quanto aos riscos emergentes que a ameaçam. Num certo sentido, os discursos apontam para a necessidade da reapropriação do legado crítico que funda e mantém a cultura ocidental. Quase apontam, até, para o valor intrinsecamente emancipatório da práxis educativa. Diz-se mesmo que “a Cidadania não é facultativa” (Costa, 2019). No entanto, sabemos que, por si só, a educação não garante a emancipação e a realização plena do ser humano. Os discursos educacionais traduzem sempre uma racionalidade, um conjunto específico de princípios e de práticas sociais que conferem uma dada inteligibilidade às experiências que vivemos e que veiculam interesses que acabam por determinar o modo como cada um reflete sobre o mundo (Giroux, 1983). Significa isto que as lógicas que circulam no contexto da atual racionalidade educacional não esgotam a “racionalidade do possível” (Marcuse, 1981: 249). Para lá do globalismo das orientações e determinações em curso, o valor emancipatório da educação joga-se na descoberta de possibilidades concretas de transformação que podem correr o risco de serem apagadas pela transnacionalidade dos discursos. Rompendo com a exclusividade dos consensos positivistas da verdade, é possível na escola trabalhar a interpretação do conhecimento, renegociá-lo, trazendo ao de cima a descrição e a análise das texturas da vida quotidiana, desocultando as relações de poder que a atravessam – relações de poder que, sob a capa falsamente democrática de que todas as opiniões são boas, muitas vezes escondem forças assimétricas geradoras de múltiplas formas de violência - e que frequentemente expõem a vida de cada um ao signo da injustiça e da iniquidade. No horizonte da transformação emancipatória, as escolas deverão ser mais do que meros
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reflexos ideológicos dos interesses dominantes da sociedade, instituindo-se como espaços relativamente autónomos, marcados não só pela docilidade, mas pelo potenciar de agenciamentos críticos que inserem os sujeitos na esfera pública democrática da participação e, principalmente, da decisão esclarecida (Silva, 2002). É aqui que o pensamento crítico se torna mais do que uma mera tecnologia intelectual, transformando-se num modo de ação prática de análise dos contextos sociais e culturais de produção do conhecimento, ou seja, de desconstrução dos dispositivos sociais, também presentes nas escolas, que discriminam os sujeitos em função de percursos disciplinares e de áreas e processos de formação. No essencial, e sem ficar refém de uma crítica apenas negativa aos regimes de verdade técnico-económicos dominantes, a racionalidade do possível simplesmente reclama uma cidadania que peça à educação não só o que já se faz, mas fundamentalmente o que falta fazer, de modo a que, como exemplifica Biesta (2011), conquistas da humanidade como as do welfare state possam resistir ao estado de sítio em que este se encontra por via da sobreposição discursiva dos direitos de mercado sobre os direitos sociais, ou possam também libertar-se das tentativas de aprisionamento da cidadania, que por vezes ocorrem, em grelhas de produto final e meramente jurídico da adultez. 4. Para que não se perca o futuro: o valor de educar como património curricular e pedagógico politicamente poderoso Pensar o futuro que queremos é sempre pensar o futuro da educação. E é a partir do presente que o fazemos. Mas o pensamento atual é ele próprio o efeito de uma plataforma de uma teleologia - que, por definição, associa a educação ao sentir e ao sentido de uma finalidade, seja esta explícita, seja ainda incerta quanto à possibilidade de pensar os nossos objetivos ou, mais estranhamente, se revele paradoxal na prossecução dos seus fins. A educação investe-se normativamente como projeto, o que significa que nela se define uma determinada perspetiva de vida em sociedade – um desejo de liberdade a realizar ou a declinar - e para isso se trabalha, nomeadamente através de um currículo, de uma dinâmica de sala de aula, de um modelo de avaliação, de um conceito organizacional, de uma vinculação profissional ou de uma inscrição comunitária. Ser projeto significa também a existência de um estado de simultânea esperança e angústia sobre o valor do que se faz, sobre saber se estamos a assegurar o essencial e possível para o emprego, para a realização pessoal, para uma sociedade melhor. Apesar de ser um projeto de esperança, a educação transporta consigo o paradoxo ou o risco da desistência. O século XVIII trouxe-nos um projeto de liberdade e de luta contra a ignorância e a miséria, mas que as atrocidades que entretanto se cometeram e cometem ameaçam descredibilizar. Do mesmo modo a racionalidade otimista que traz até nós a promessa de uma tecnociência libertadora dos problemas da humanidade parece esgotar a sua legitimidade, por culpa da continuada desconsideração das necessidades reais da vida em sociedade. A condição para o mal-estar parece instalar-se.
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Na perplexidade deste contexto, Lyotard (1993) refere e compreende a dificuldade dos docentes situarem a finalidade da sua atividade, em saber quais as condições em que pode a educação ser uma libertação, qual o horizonte de expectativa gerado pela escola ou, ainda, como valorar uma diferença, um discernimento, uma complexidade. Numa nota sobre a sua utopia educativa, Lyotard (Idem) fala da necessidade de nos municiarmos com uma política de resistência feita de ideias que nos permitam, para lá do imediato, sustentar aquilo que contribui para a adaptação ao complexo ou, como também diz, à interdisciplinaridade que verdadeiramente é constitutiva da cultura. E, também aqui, o paradoxo parece irromper: tende-se a prolongar o tempo de estudos, a escolaridade obrigatória, pois a complexidade exige tempo, mas a linearidade do formalismo escolar continua a esgotar-se como modelo único de instituição da aprendizagem. Num certo sentido, poder-se-á interpretar a posição de Lyotard como um convite à reinvenção do espaço público da escola, desescolarizando-a, para que os novos desejos de saber que nela entram passem, de simplesmente reprimidos, a ser reinvestidos em múltiplas constelações e re-organizações curriculares possíveis, onde se flexibilizam cruzamentos entre as artes, as ciências e as pequenas e as grandes narrativas da humanidade. Neste mapa de tensões entre o aparente desencanto e as possibilidades reconstrutoras da educação, não se propõe um facilitismo ou uma cedência por parte da escola aos dispositivos tecnológicos da felicidade imediata. À escola deve-se continuar a pedir um exercício rigoroso e público do saber, contrário à subtil e dominante padronização digital das formas de estar e dos desejos. É uma questão de salvaguarda do património de humanidade já conquistado, ou seja, de poder continuar a “optar em liberdade, naquela liberdade que só o conhecimento sustenta” (Costa, 2019). Mas para isto, e admitindo que não sabemos para onde vai a educação, importa, pelo menos, localizar os seus desafios patrimoniais como condição do futuro, ou, por outras palavras, aferir o valor de educar no património cultural que temos. É que, muitas vezes, torna-se difusa a perceção dos contornos do valioso e valoroso na educação, mais especificamente, no modelo educativo crítico da tradição ocidental. São contornos que os dispositivos da passagem do tempo tendem a naturalizar e, em parte, a neutralizar, dificultando, como diz Savater, “o tornarmonos intelectualmente dignos das nossas perplexidades” (1997:18), o que será sempre condição para as começar a superar. Tomaremos como ajuda precisamente o livro de Savater O valor de educar, concretamente através do sobrevoo sumário de uma antologia de textos, colocada em apêndice, de pensadores sobre a educação, que vão da Grécia clássica aos nossos dias, e cujo critério de escolha, refere o autor, não foi tanto o de acompanhar o devir da razão pedagógica, mas do que lhe pareceu intelectual e moralmente mais sugestivo, critério que é também por nós aqui seguido no uso da referida antologia. Num registo sinótico de alguns desses textos, a primeira referência que fazemos à tradição crítica do nosso património educativo ocidental – o da construção da nossa cidadania - vai para Platão e para a explicitação que faz da excelência da fonte de razão que existe na criança e que exige de precetores e mestres o controle da sua tenra ignorância, através da instrução 58
que convém a um homem livre e que é a que educa para o bem que as leis prescrevem. Leis que devem tratar de uma forma muito especial a educação dos jovens, considera Aristóteles, para que a constituição política das cidades não saia prejudicada, pelo que o cuidado com a educação deve ser comum, não privado, já que nenhum dos cidadãos pertence a si mesmo e, por isso, devem as leis ser feitas oficialmente para a comunidade. Nesta inscrição comunitária da educação faz-se também o reconhecimento de quem ensina e de quem aprende, ou seja, diz St. Agostinho, de quem partilha a linguagem, fazendo-se mestre para ensinar ou fazer recordar seja a nós mesmos, seja a outros. Para responder a este desafio ético de aprender a cuidar de si e do outro, Rabelais propõe aos jovens um currículo articulado das línguas, das artes e das ciências, no pressuposto de que ciência sem consciência é a ruína da alma. Por isso a educação não deve servir para a comodidade externa, crítica Montaigne, nem se faz como quem deita água por um funil, mas adequando-a aos alcances da alma de cada um, umas vezes abrindo-lhe caminho e outras deixando que o abra por si mesmo, o que significa que vale mais uma cabeça bem arrumada do que cheia. Nesta linha e admitindo a surpresa que possa causar ao recomendar raciocinar com as crianças, Locke justifica-o pela capacidade destas entenderem as razões, adequadas à sua idade, na medida em que gostam de ser tratadas como criaturas racionais, desde muito antes daquilo que é costume imaginar-se, constituindo esta prática um instrumento poderoso para as conduzir. Também distante das cabeças cheias está Emílio, na obra de Rousseau: Emílio tem poucos conhecimentos, mas os que tem são verdadeiramente seus, fruto de um espírito universal, disposto a tudo e, se não instruído, pelo menos capaz de ser instruído, de encontrar o para quê do que faz e o porquê daquilo em que acredita, ficando a conhecer as relações essenciais do homem com as coisas. Nesta aprendizagem da autonomia, da virtude de si mesmo, está, nas palavras de Kant, o problema maior e mais difícil que pode colocar-se ao conjunto dos seres humanos: considerando que o Homem só consegue ser homem através da educação e, sendo ele um ser sempre educado por outros homens, então, a bem da Ideia de Humanidade, não devem os planos de ensino educar as crianças unicamente de acordo com o presente estado da espécie humana, mas sim de acordo com o seu estado futuro e com o seu destino total, porque, se assim for, o bem universal constitui-se como uma ideia não contrária ao nosso bem particular. Se a educação é a humana condição para o bem, então terá que ser obrigatória e universal, considera Stuart Mill, e constituir-se como um dos mais sagrados deveres dos pais, de tal modo que, na sua falha, compete ao Estado garantir o seu cumprimento como correta aplicação da noção de liberdade. Precisamente porque todo o homem tem o seu lugar na humanidade, Kafka coloca a questão da educação verdadeira como uma questão humana, mais do que como uma questão familiar, face ao risco de sobredeterminação das crianças por pais que sentem pelos seus filhos um amor animal irracional, fazendo com que a débil criança pareça estar mais em seu poder que eles próprios e deixando-os assim longe da atitude do educador que presta atenção à criança. E não sendo garantida a libertação da capacidade individual, devido à ação de alguém, de uma comunidade ou de um estado, a educação, segundo Dewey, não poderá cumprir o seu desígnio democrático de desenvolvimento progressivo encaminhado para fins sociais. E esta é 59
uma ideia que, para Hannah Arendt, tem hoje consigo os sinais de uma crise na educação, já que, pela sua própria natureza, a educação não pode pôr de lado a autoridade nem a tradição e dever, embora se exerça cada vez mais num mundo que não está estruturado pela autoridade nem mantido pela tradição, pelo que, como uma espécie de último reduto face aos deslaçamentos interpessoais e sociopolíticos locais ou globais, deve a educação constituir um domínio onde se aplica uma noção de autoridade e uma atitude para com o passado que lhe seja adequada, sob pena de a educação – pelos pais ou pela escola - degenerar facilmente em mera retórica emocional e moral. Talvez sejam estas algumas das razões que levam Lévi-Strauss a estabelecer a coação da escola como um aspeto particular da coação que toda a realidade – e a sociedade é uma delas – exerce normalmente sobre os seus participantes, e por isso essa coação se constitua como uma espécie de necessária iniciação que prepara cada geração para compartilhar as suas responsabilidades com a seguinte. Pela paráfrase feita aos textos de pensadores e filósofos sobre o valor e a finalidade da educação percebe-se que, para lá de todos os desânimos, nos compete concretizar o dever de acreditar “na perfectibilidade humana, na capacidade inata de aprender e no desejo de saber que a anima, acreditar que existem coisas (símbolos, técnicas, valores, memórias, factos) que podem ser sabidas e que merecem sê-lo, que nós, homens, podemos melhorarnos uns aos outros através do conhecimento” (Savater, 1997: 20). Dito de outro modo, e sintetizando o seu amplo campo programático, podemos então não saber para onde vai a educação, mas devemos, porque nos educamos uns aos outros e porque por outros fomos educados, pensar antes de mais na própria condição humana como um ir mais além do presente, como propõe Kant, através de um património ou bem comum não privatizável ou hipotecável por alguém, por um grupo, por uma tecnologia, por um estado ou por uma época. Se hoje nos são apresentadas estruturas de aprendizagem como hipóteses de futuro para a educação e para a sociedade – Learning Framework 2030 (OCDE, 2018) –, há que ter presente que a condição da sua viabilidade passa necessariamente pelo exercício da memória educativa crítica que anima a nossa cultura. Os novos caminhos do futuro não nascem de um nada entregue ao passado ou, pelo contrário, de uma revolução tecnológica futurista fundadora. Se é verdade que os novos alunos nunca viram um bezerro, uma vaca, um porco, uma ninhada, que são formatados por redes mediáticas propagadas por adultos que meticulosamente destruíram a faculdade de atenção deles, que a revolução digital ativa novos processos neuronais, cria novos espaços e novas formas de relação interpessoal, novas visões do mundo e novas cognições (Serres, 2012) – novos consumos de realidade -, então este é o campo onde matricialmente a escola se justifica, deixando ela própria de ser mais um objeto de consumo (para filhos, pais, empregadores,…) e agenciando-se como um organizador coletivo das escolhas e por isso da cidadania crítica. Não ficam, então, as escolas dispensadas do conhecimento. Pelo contrário, continuam a ser suas guardiãs críticas, investigando, agora, o modo como poderá ser possível redefinir algumas das fronteiras onde habitualmente se alojam tensões entre a epistemologia disciplinar, o valor das aprendizagens e a natureza do próprio conhecimento e da prática 60
profissional na educação (Silva e Braga, 2017). Face à pluridimensionalidade das novas aprendizagens, as escolas são convocadas para a convergência decisional e colaborativa de projetos curriculares (Roldão e Almeida, 2018), com o propósito de fazer a diferença, em termos de justiça e equidade educativa. Ou seja, trata-se de operacionalizar um imperativo ético do desenvolvimento curricular, no sentido em que se pretende promover formas didáticas e pedagógicas que garantam o progresso das aprendizagens de todos os alunos, levando-os a novos níveis de proficiência, alicerçados em expectativas de sucesso académico e social. É para este desiderato que as escolas e os professores são chamados a reconcetualizar a sua ação, investigando, por exemplo, as razões que levam os alunos a resistir às aprendizagens ou também quais as melhores formas de regulação e verificação do impacto positivo das práticas educativas nas aprendizagens e no desenvolvimento dos alunos (Braga, 2016; Braga e Silva, 2017). Muitas são as complexidades contidas neste trabalho das escolas de saber o que vale a pena ser ensinado. De saber, diz Young (2007), qual o conhecimento poderoso que, através do trabalho especializado das escolas, permite novas e mais confiáveis formas de pensar o mundo para além das fronteiras da casa de cada um. Ou, refere também Young (2010), de saber conferir significado ao conhecimento como algo que se adquire coletivamente através das formas de vida particulares, o que não é o mesmo que conformação com significados particulares do conhecimento. Então, e num registo de prudência, valerá a pena ser ensinado tudo o que une (aquilo que permite ao indivíduo integrar-se num espaço de cultura e de sentidos), tudo o que liberta (aquilo que promove a aquisição do conhecimento) e tudo o que torna a vida mais decente (aquilo que promove a relação entre ciência e consciência) (Nóvoa, 2003). A finalizar e para objetivar a prudência sugerida por Nóvoa, mobilizamos a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC, 2017), quando refere que a Cidadania não se aprende simplesmente por processos retóricos, por ensino transmissivo, mas por processos vivenciais. Neste enunciado condensa-se todo um programa de desenvolvimento de aprendizagens complexas pelos alunos, que tem em conta a própria natureza dos valores como marca distintiva da humanidade e, em coerência, uma dimensão existencial onde se joga a capacidade do aluno se interessar, aprender ou cultivar (Santos, 1982). Retomamos aqui a ideia que entende a cultura como competência. Aquela competência que não remete o aluno apenas para a soma dos saberes consagrados, mas para o ato de procurar a resolução de um problema ou de compreender um interesse seu. A partir daqui o aluno aprende porque se informa, aprende como se informar e aprende a passar do interessante ao ser interessado. Quer no antes, quer na urgência do agora-futuro, dir-se-ia, então, que nesta pedagogia existencial da procura é de uma leitura crítica que se trata. Como exprime a sensibilidade acutilante de Paulo Freire (1991), está em causa o desafio da compreensão crítica do ato de ler, daquele que não se esgota na descodificação pura da palavra escrita, mas que se antecipa e alonga na inteligência do mundo.
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A FORMAÇÃO CONTÍNUA COMO RECURSO INOVADOR NA PRODUÇÃO E DISSEMINAÇÃO DE CONHECIMENTO José Verdasca Coordenador Nacional da Estrutura da Missão do Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (EM-PNPSE) Universidade de Évora
Helena Fonseca Elemento da equipa da EM-PNPSE
1. A educação é um campo do conhecimento que, apesar de gerar tantos resultados de investigação e da ação pedagógica nos mais diversos contextos escolares ser também ela própria uma fonte inesgotável de conhecimento, não parece ser científica e socialmente relevante para os mobilizar como fontes de orientação e de definição de políticas educativas mais baseadas em evidência do que em crenças e convicções. O mais comum é que sobre eles impendam interpretações contraditórias e apreciações de alguns que dizem que não funciona, de outros que pode ser prejudicial, de outros ainda que não lhe reconhecem sequer qualquer efeito transformador (apud Turner, 2017), ou ainda de outros que não podendo escamotear os efeitos transformadores e de melhoria significativa ainda assim os contornam nas suas lógicas de ação. A pergunta de J. Hattie (2017) “O que funciona”?, e a resposta sugerida, “O que de fato funciona são as ações pedagógicas (visible learning)” ganha no presente contexto todo o sentido, sobretudo quando estas ações pedagógicas têm sido frequentemente enriquecidas em consequência de estratégias interativas de formação focadas nas necessidades e prioridades específicas identificadas pelos educadores e professores nos seus contextos escolares para desenvolver novas abordagens curriculares e pedagógicas e responder aos desafios constantes e permanentemente renovados que as sucessivas gerações de alunos esperam da escola face aos desenvolvimentos e inovações sociais e tecnológicos. 2. A natureza do trabalho dos educadores e professores e o forte entrelaçamento e interdependência da formação e socialização, na sua condição de parâmetros de conceção próprios de organizações sociais como as escolas, pelo menos quando olhadas como burocracias profissionais ou mesmo de configuração adhocrática (Mintzberg, 1995) e, porventura, ainda mais quando perspetivadas como sistemas complexos adaptativos cujos processos de controlo tendem a estar distribuídos (Silva, 2019), convoca-os e proporcionalhes a liberdade de disporem de uma latitude considerável na definição e controlo do seu próprio trabalho que por ser complexo tende a ser controlado diretamente por aqueles que o executam. 3. Na verdade, os professores e educadores dispõem de um poder de competência que não é de natureza hierárquica, mas de natureza profissional, adquirido e aprofundado em contextos de formação e socialização prolongadas e de elevada especialização. O facto de as escolas se apoiarem, para poderem funcionar, nas competências e conhecimentos dos 65
professores e educadores, permitindo-lhes agir ao mesmo tempo nas dimensões horizontal e vertical da estrutura escolar, empurra-as, por um lado, para lógicas de ação e coordenação baseados na estandardização especializada das qualificações dos seus profissionais e, por outro, porque o controlo está distribuído, as inovações pedagógicas tendem muitas vezes a emergir a partir de dinâmicas auto-organizadas (Silva, 2019). Muitas destas decisões são originadas em processos de decisão ad hoc (Mintzberg, 1995) que viajam da base até ao topo, de modo flexível e informal como uma exceção inovadora e em rutura com o reportório de programas-padrão disponível e prontos para utilizar em função do grau de contingência no quadro das categorias de necessidades dos alunos previamente já diagnosticadas e classificadas. O surgimento de novos problemas, que por não serem antecipadamente conhecidos não cabem nas categorizações já estabelecidas de situações anteriormente relatadas e estandardizadas, não permite aos profissionais escolares da ‘zona da frente’ (Hargreaves, 1998) dispor de modos estandardizados de resposta, daí que as novas dinâmicas auto-organizadas e de decisão ad hoc careçam da necessidade de serem aceites e validadas num processo que tende a percorrer diversos níveis da estrutura escolar até chegar ao topo da organização escolar, ou fora dela quando as suas margens de autonomia são escassas, e aí adquirirem o reconhecimento e estatuto de medidas educativas e de ‘normas’ associadas a boas práticas. 4. Não há verdadeiras comunidades educativas sem que antes os diferentes atores (das sociedades educativas) com diferentes interesses e agrupados muitas vezes por razões circunstanciais de tempo, de espaço, de registo socioinstitucional, tenham encetado aproximações agregadoras na base de objetivos educacionais estratégicos e de valores comuns, especialmente quando as circunstâncias os tornam mais sensíveis a possíveis ameaças à dignidade do papel da escola e das suas condições de funcionamento, da qualidade educativa e a tudo o que possa questionar a preservação das identidades escolares. As dinâmicas locais enraízam-se pela dimensão incremental da ação pública na criação de respostas contextualizadas a problemas educativos concretos e metodologicamente raras vezes abordados anteriormente deste modo. Assentam em lógicas de ação que se fortalecem em relações de interdependência pluricêntricas e multirreguladas entre escolas, famílias, centros de formação e de ciência, autarquias locais e outros atores sociais com responsabilidade e impacto educativo nos territórios. Estas relações e lógicas de ação vão estruturando novos ecossistemas educacionais e alicerçando culturas escolares de cooperação e colaboração localmente comprometidas, compagináveis com políticas educacionais públicas descentralizadas e com maior potencial de autonomia local, ampliando oportunidades de partilha, modos participados e transversais de criação de pensamento educacional estratégico, determinando e operacionalizando com intencionalidade as opções e prioridades de formação contínua contextualizada, enquanto recurso de inovação e de transformação pedagógica (Verdasca, 2018). 5. Cerca de metade dos agrupamentos de escolas registou em 2018/19, no 1º ciclo do ensino básico, taxas de retenção inferiores a 2%, quando em 2014/15 este valor era somente
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conseguido por pouco mais de 10% das escolas; no 2º ciclo, foram cerca de 40% os agrupamentos que o conseguiram, ou seja, quatro vezes mais do que há quatro anos atrás; no 3º ciclo, foram cerca de 20% a consegui-lo em 2018/19, todavia em 2014/15, somente 2% dos agrupamentos de escolas tinham registado taxas de retenção inferiores a 2%. A triangulação destes dados com outros dados estatísticos relativos à evolução da qualidade do sucesso no ensino básico no mesmo período, medida por exemplo através da percentagem de alunos com níveis positivos a todas as disciplinas, revela também melhorias significativas neste indicador.
10,0% 9,0% 8,0% 7,0%
6,0% 5,0%
R² = 0,99
4,0% 3,0% R² = 0,99
2,0% 1,0%
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2025
Figura 1 - Evolução da taxa de retenção do ensino básico nas escolas públicas do continente
6. Como se depreende das projeções de ajustamento pelos métodos linear e polinomial e dos elevadíssimos coeficientes de determinação que lhes estão associadas (R2=99%), uma tal evolução tendencial sugere que a taxa de retenção tenderá a registar valores residuais na globalidade do ensino básico daqui a quatro/cinco anos letivos. Valores desta ordem de grandeza, tendem a não ser compagináveis com soluções pedagógicas estandardizadas e que se revelaram nestes últimos anos decisivas na redução significativa e continuada das taxas de retenção nas escolas públicas em cada um dos três ciclos do ensino básico. Em boa verdade, grande parte das estratégias para o conseguir foram baseadas em respostas organizacionais de recomposição flexível e temporária de agrupamentos internos de alunos, organização de equipas docentes e estratégias de gestão do currículo ajustadas a tais composições. São respostas organizacionais que desarrumaram parcialmente a gramática escolar fazendo emergir a lógica do ciclo de ensino como uma nova unidade agregadora e organizativa plurianual de referência (Verdasca, 2011) e que viriam a ser referenciadas quer em trabalhos de investigação, quer em estudos independentes de avaliação como boas práticas (Verdasca, 2008; Azevedo e Alves, 2010; Fialho e Salgueiro, 2011; Fialho e Verdasca, 2012, 2013; Barata et al, 2012; Moreira, 2013; Justino e Batista, 2013; Magro-C, 2014; IGEC, 2015; Formosinho et al, 2016; Fernandes et al, 2019).
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7. As respostas baseadas em programas-padrão associados a contingências pré-determinadas e em categorizações enquadradas em diagnósticos tendem a ser estruturadas mediativamente e a canalizar todas as dessemelhanças externas em categorias uniformes organizacionais, ficando associadas aos profissionais especialistas de uma mesma função (Mintzberg, 1995). A estruturação mediativa é facilitada pela elevada formação dos educadores e professores, pela capacidade de controlo que têm sobre o seu próprio trabalho, pela escassa formalização dos comportamentos, fazendo da região frontal do campo escolar a parte mais importante neste tipo de configuração estrutural da organizaçãoescola. 8. Os modelos-padrão de agrupamento e reagrupamento de alunos, organização de equipas docentes e ajustamento do currículo a tais recomposições temporárias e flexíveis servirão agora para evitar retrocessos nos índices de retenção e, sobretudo, para continuar a ampliar significativamente a qualidade das aprendizagens e do sucesso escolar dos alunos. As situações residuais de retenção escolar desafiam outros tipos de abordagem e de organização da gramática escolar, pois os problemas que lhes estão associados são de outra natureza e requerem abordagens estruturadas não mediativamente mas adaptativamente, necessitando de criar soluções adaptadas aos problemas individuais de cada aluno em vez de os tentar classificar numa das suas categorias pré-existentes. Ora, isso entronca em lógicas configuracionais escolares mais do tipo adhocrático, próprias de ambientes complexos e dinâmicos, com mecanismos de ligação de descentralização seletiva e especialização horizontal e que requerem processos de decisão ad hoc e de coordenação pedagógica por ajustamento mútuo (Mintzberg, 1995). Não obstante, face às tendências de evolução da retenção para níveis residuais a médio prazo, os modelos-padrão servirão agora para evitar retrocessos na retenção e, sobretudo, para continuar a ampliar significativamente a qualidade das aprendizagens e do sucesso escolar dos alunos. Abrem-se, assim, muito provavelmente, novos e renovados desafios no acompanhamento individual de tipo tutorial e novas respostas e responsabilidades no âmbito da formação contínua e do acompanhamento e regulação em contexto escolar. 9. A formação constitui um recurso inovador na construção de respostas educativas e na produção e partilha de conhecimento científico sobre estratégias de prevenção e remediação, dinâmicas letivas e avaliação das aprendizagens escolares. Isso ficou muito evidente no contexto de formação desenvolvido pelos centros de formação de escolas no âmbito da formação PNPSE/POCH, tendo, de algum modo, emergido neste período um processo de transição de uma lógica de formação contínua centrada sobretudo nos interesses individuais dos professores para uma lógica de formação contínua orientada às necessidades de desenvolvimento das escolas. A indicação pelos diretores dos formandos que deveriam frequentar formação específica por estarem implicados diretamente nas medidas a implementar na escola no âmbito do plano de ação estratégica e a calendarização de alguma dessa formação em período não necessariamente pós-laboral vir mesmo a ocorrer em algumas situações, tem como consequência quer a valorização da formação como recurso no
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incremento das medidas de ação e no próprio desenvolvimento profissional docente e organizacional da escola, quer a valorização e dignificação do trabalho e função docente. Por outro lado, se numa primeira fase, os centros de formação se afirmaram como força motriz de redes colaborativas de escolas e constituíram um recurso inovador inesgotável na produção e partilha de conhecimento como o evidenciam os cerca de 75000 formandos envolvidos em formação durante dois anos (Verdasca et al, 2019), nesta segunda fase, são ainda maiores, mais complexos e diferenciados os desafios que os centros de formação e as suas escolas associadas terão pela frente e para os quais estarão certamente, como sempre o demostraram, disponíveis e mobilizados para os abraçar.
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PARA UMA LEITURA CURRICULAR DO DECRETO-LEI Nº 55/20181 José Augusto Pacheco2 Instituto de Educação da Universidade do Minho
Nota introdutória O texto3 contém respostas a questões suscitadas por uma leitura curricular do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho. No final, é apresentado uma proposta de materialização do plano de inovação em contexto escolar e a sua integração no referencial da avaliação externa de escolas. 1. Questões Partindo dos princípios orientadores da OCDE (2018a), bem como das experiências abrangidas pelo Despacho n.º 3721/2017, de 7 de abril (Projetos - Piloto de Inovação Pedagógica, PPIP) e Despacho n.º 5908/2017, de 5 de julho (Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular dos ensinos básico e secundário), são levantadas algumas questões a partir da leitura do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de agosto, colocadas em forma de interrogações4, do seguinte modo: a) Que conceito de currículo é definido no quadro da política educativa? Lê-se no preâmbulo que o governo “assume com prioridade a concretização de uma política educativa centrada nas pessoas que garanta a igualdade de acesso à escola pública, promovendo o sucesso educativo e, por essa via, a igualdade de oportunidades”, na medida em que nem todos os alunos veem garantido o direito à aprendizagem e ao sucesso educativo. É neste contexto de inclusão, equidade e de defesa da qualidade da escola pública, que o currículo é definido “como um instrumento que as escolas podem gerir e desenvolver localmente de modo que todos os alunos alcancem as competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da 1
Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto PTDC/CED-EDG/30410/2017 e dos projetos UID/CED/1661/2013 e UID/CED/1661/2016 CIEd - Centro de Investigação em Educação, Instituto de Educação, Universidade do Minho. 2 Professor Catedrático do Instituto de Educação da Universidade do Minho. 3 O leitor pode encontrar estas ideias mais desenvolvidas no livro Inovar para mudar a escola, publicado em 2019, na Porto Editora. 4 Com a publicação da Portaria n.º 181/2019, de 11 de junho [Define os termos e as condições em que as escolas, no âmbito da autonomia e flexibilidade curricular, podem implementar uma gestão superior a 25 % das matrizes curriculares-base das ofertas educativas e formativas dos ensinos básico e secundário], que regulamenta o Decreto-Lei n.º 55/2018, as respostas a estas questões não são alteradas, pois de essencial estabelece o modo como as escolas podem optar pela flexibilização acima dos 25% do total da carga horária das matrizes curriculares-base.
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Escolaridade Obrigatória. Para tal, considera-se fundamental que as principais decisões a nível curricular e pedagógico sejam tomadas pelas escolas e pelos professores”. b) O currículo dos ensinos básico e secundário mantém uma estrutura nacional? De jure5, mantém-se o currículo nacional, “assente numa definição curricular comum nacional”6, concretizada em três documentos estruturantes: Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória7; Aprendizagens Essenciais8; Planos Curriculares ou Matrizes curriculares-base (áreas e disciplinas por ciclo e ano de escolaridade, ou por ciclo de formação, e respetivas cargas horárias). As aprendizagens essenciais, referenciadas por ciclo e ano de escolaridade 9, que são o denominador comum da avaliação interna externa e o correspondente ao core curriculum, atribuindo-se desse modo menos importância ao programa. Se os conteúdos das disciplinas têm uma tradição na escola, a perspetiva de ir mais além dos conteúdos valoriza uma noção de educação mais ampla, que não fica restrita ao que deve ser aprendido e que dá sentido à subjetivação do currículo, ou seja, consideração do aluno, e também do docente, como sujeito. c) Qual o papel das escolas e dos professores? Se as escolas são desafiadas a assumirem a autonomia que lhes é conferida, “em diálogo com os alunos, as famílias e com a comunidade” 10, consubstanciando-se a 5
Decorre da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 14/86, de 14 de outubro) que estabelece os planos a nível nacional, de acordo com o art.º 47º. 6 Cf. Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho, ponto 1, art.º 4º. 7 Cf. Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, homologado pelo Despacho n.º 6478/2017, de 26 de julho, apresentado pelo Ministério da Educação do seguinte modo: “afirma-se como referencial para as decisões a adotar por decisores e atores educativos ao nível dos estabelecimentos de educação e ensino e dos organismos responsáveis pelas políticas educativas, constituindo-se como matriz comum para todas as escolas e ofertas educativas no âmbito da escolaridade obrigatória, designadamente ao nível curricular, no planeamento, na realização e na avaliação interna e externa do ensino e da aprendizagem”. Disponível em: https://dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Projeto_Autonomia_e_Flexibilidade/perfil_dos_alunos.pdf 8 Estas aprendizagens são definidas pelo Despacho nº 5908/2017, de 5 de julho, bem como pelo Decreto-lei n. 55/2018, de 6 de julho, que, na alínea b), artigo 3.º, as define como o “conjunto comum de conhecimentos a adquirir, identificados como os conteúdos de conhecimento disciplinar estruturado, indispensáveis, articulados conceptualmente, relevantes e significativos, bem como de capacidades e atitudes a desenvolver obrigatoriamente por todos os alunos em cada área disciplinar ou disciplina, tendo, em regra, por referência o ano de escolaridade ou de formação”. Ainda neste normativo, é dito ainda que as aprendizagens essenciais “constituem orientação curricular de base, para efeitos de planificação, realização e avaliação do ensino e da aprendizagem em cada ano de escolaridade ou de formação, componente de currículo, área disciplinar ou unidade de formação de curta duração” (Cf. ponto 2, artigo 17º). Neste caso, as aprendizagens essenciais são o denominador curricular comum a todas as escolas, aliás como é defendido no documento em citação: “A avaliação externa tem como referencial base as Aprendizagens Essenciais … enquanto denominador comum curricular comum, devendo ainda contemplar a avaliação da capacidade de mobilização e de integração dos saberes disciplinares, com especial enfoque nas áreas de competências inscritas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória” (Cf. ponto 1, artigo 25º). 9 Cf. Despacho n. 6944-A/2018, de 19 de julho e Despacho n. 8476-A/2018, de 31 de agosto, de homologação das Aprendizagens Essenciais do Ensino Básico e do Ensino secundário, respetivamente. 10 Cf. Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho, preâmbulo. 72
apropriação da sua autonomia curricular na “possibilidade de gestão das matrizes curriculares-base, adequando-as às opções curriculares de cada escola”11, é feito o “reconhecimento dos professores enquanto agentes principais do desenvolvimento do currículo, com um papel fundamental na sua avaliação, na reflexão sobre as opções a tomar, na sua exequibilidade e adequação aos contextos de cada comunidade escolar”12, sendo também promovida a “valorização do trabalho cooperativo e interdisciplinar no planeamento, na realização e na avaliação do ensino e das aprendizagens”. 13 d) Como se materializa a autonomia curricular? É claramente dito que “as opções curriculares eficazes, adequadas ao contexto, [são] enquadradas no projeto educativo e noutros instrumentos estruturantes da escola”14, reforçada pela seguintes asserções: “As opções estruturantes de natureza curricular são inscritas no projeto educativo”15; “Além do projeto educativo, que consagra as opções estruturantes de natureza curricular, as escolas podem adotar outros instrumentos de planeamento curricular”16, sendo elaborados pelo professor titular de turma ou pelo conselho de turma e aprovados pelo conselho pedagógico. Mas que tipo de planeamento curricular da escola é este? Concretizando os pressupostos do projeto educativo, “o planeamento curricular ao nível da escola e da turma” refere-se quer à contextualização do currículo, quer à avaliação do ensino e das aprendizagens17. O conceito de planeamento curricular apresentado, que tende a fazer do currículo mais um plano do que um projeto, é aliás bastante ambíguo se comparado com o despacho de 2017, onde se afirma que existem o plano curricular de turma e o e os planos curriculares de ano de escolaridade 18. Já no normativo de 2018, apenas é dito que “as escolas podem adotar outros instrumentos de planeamento curricular”, embora as equipas educativas devam ter “por referência as especificidades da turma ou grupos de alunos”19. Também numa outra passagem do texto é escrito que as matrizes curriculares-base servem de suporte “ao desenvolvimento do currículo concretizado nos instrumentos de planeamento curricular, ao nível da escola e da turma ou grupo de alunos”20.
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Ibid. Ibid., alínea d), ponto 1, art.º 4.º 13 Ibid., alínea b), ponto 1, art.º 4.º 14 Ibid., alínea s), ponto 1, art.º 4.º 15 Ibid., ponto 1, art. º 19.º 16 Ibid., ponto 3, art. º 20.º 17 Ibid., alíneas a) e b), ponto 1, art.º 20.º 18 Cf. Despacho n.º 5908/2017, de 5 de julho, ponto 2, art.º 14.º 19 Cf. Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho, ponto 2, art.º 21.º 20 Ibid., alínea i), art. º 3.º 12
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A inexistência do plano curricular de turma no normativo de 2108 é explicado, por conseguinte, pelas medidas de inovação curricular que algumas das sete escolas dos projetos-piloto de inovação pedagógica implementam, sobretudo pela ausência das turmas na sua formalidade organizacional e pela valorização do trabalho com grupos de alunos. Depois de um excesso de projetos, em 200121, com a ambiguidade entre projeto curricular de escola e projeto curricular de turma, dado que as escolas não os distinguiam de forma vincada, vive-se agora uma situação de indefinição, sendo certo que a escola tem um projeto educativo e será em torno desse documento estruturante, bem como da turma, no âmbito do ano de escolaridade, que são feitas as opções curriculares e pedagógicas, independentemente dos documentos curriculares que a escola decida elaborar, por exemplo, um programa de uma disciplina, um projeto de temas integradores, um projeto de Cidadania e Desenvolvimento, um projeto de Apoio ao Estudo, um projeto de Tecnologias de Informação e Comunicação, e pelos quais efetiva a articulação curricular nas suas vertentes sincrónica e diacrónica. e) Que opções curriculares e dinâmicas pedagógicas a escola pode fazer na construção do plano de inovação? Há, pelo menos, duas dimensões distintas na construção do projeto de autonomia e flexibilização: uma é de natureza curricular, ligada tanto à “possibilidade de gestão flexível das matrizes curriculares-base, adequando-as às opções curriculares de cada escola”, quanto à tomada de outras decisões curriculares que se prendem com projetos específicos; a outra é de natureza pedagógica, enunciadas, na identificação de dinâmicas pedagógicas a adotar pelas escolas e professores no processo de ensino e aprendizagem. Na gestão flexível das matrizes-curriculares-base ou dos planos curriculares estabelecidos a nível nacional, a autonomia, concedida às escolas, num intervalo de variação entre 0% e 25%, é localmente assumida por iniciativa de cada escola”, podendo gerir esses tempos a partir “do total da carga horária por ano de escolaridade, no caso das matrizes com organização semanal” e ii) “do total da carga horária das componentes socioculturais e científicas previstas para o ciclo de formação, no caso das matrizes com organização por ciclo de formação”. Por outro lado, as escolas concebem planos de inovação curricular, pedagógica, ou de outros domínios, tendo por base o alargamento de um exercício efetivo de autonomia e flexibilidade curricular, concretizado na faculdade de adotarem uma gestão superior a 25 % do total da carga horária das matrizes curriculares-base, bem como a assunção de uma cultura de responsabilidade partilhada mobilizando todos os agentes educativos, alicerçada na iniciativa e responsabilização dos órgãos
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Cf. Decreto-lei n.º 6/2001, de 6 de janeiro. 74
de administração e gestão, designadamente, através do desenvolvimento de mecanismos sistemáticos de monitorização e avaliação 22. Neste caso, e na concretização do previsto nos números anteriores, as escolas podem considerar, entre outras, as seguintes possibilidades: a) redistribuição, ao longo de cada ciclo ou nível de ensino ou ciclo de formação, das disciplinas/módulos/unidades de formação de curta duração e respetivas cargas horárias previstas em cada matriz curricular-base; b) redistribuição dos tempos/horas fixados entre componentes da matriz curricular-base ao longo do ciclo ou nível de ensino ou ciclo de formação; c) criação de novas disciplinas, através da reafetação de tempos/horas fixados para as disciplinas constantes da matriz curricular-base; d) organização diversa de turmas, grupos de alunos ou de aprendizagem, considerando o número total de turmas por ano de escolaridade ou de formação aprovado na rede de ofertas educativas e formativas; e) gestão interturmas dos tempos/horas fixados nas matrizes curriculares-base, através de distribuição de cargas horárias ao longo do ciclo ou nível de ensino ou ciclo de formação, sem exceder o total da carga horária semanal, quando aplicável. Sobre a organização escolar, podem ser adotadas regras próprias, para além da conceção e do desenvolvimento de percursos curriculares alternativos, tais como 23: a) cumprimento do, pelo menos, número de dias fixado no calendário escolar; b) realização das provas e exames de acordo com o calendário aprovado por despacho do membro do Governo responsável pela área da educação; c) existência em cada ano letivo de, pelo menos, três momentos de reporte de avaliação aos alunos e aos pais ou encarregados de educação, sendo o último obrigatoriamente de caráter sumativo, sem prejuízo das especificidades inerentes às disciplinas com organização modular24. Trata-se, com efeito de uma gestão, na percentagem definida, por componente curricular, ou seja, por área disciplinares e disciplinas, ainda que o grupo de recrutamento a que corresponde a habilitação específica para lecionar no nível de ensino, disciplina ou área disciplinar possa significar um sério obstáculo a esse processo de flexibilização. Deste modo, a carga horária definida nacionalmente “constitui um valor de referência, a gerir por cada escola, através da redistribuição dos tempos fixados nas
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Cf. Pontos 3 e 4, Portaria n.º 181/2019, de 11 de junho. Cf. Pontos 5 e 7, Art.º 4º, Portaria n.º 181/2019, de 11 de junho. 24 Além disso, de acordo com o ponto 2, art.º 5º da Portaria n.º 181/2019, de 11 de junho, as opções curriculares e outras medidas, de natureza pedagógica, didática e organizacional, a adotar pela escola, devem, entre outros domínios, incidir em: a) gestão curricular contextualizada; b) articulação curricular assente em relações multidisciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares; c) metodologias integradoras do planeamento do ensino, da aprendizagem e da avaliação; d) dinâmicas pedagógicas alicerçadas em equipas de trabalho docente; d) cooperação de pais ou encarregados de educação e de outros parceiros da comunidade. 23
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matrizes, fundamentada na necessidade de encontrar as respostas pedagogicamente adequadas ao contexto da sua comunidade educativa” 25. Ou seja, as escolas podem alterar, em cada componente, as cargas horárias nacionais nos anos de cada ciclo ou nível, de modo que possam justificar as suas opções curriculares através de cinco possibilidades: 1) promoção “de tempos de trabalho interdisciplinar, com possibilidade de partilha de horários entre diferentes disciplinas”; 2) “alternância, ao longo do ano letivo, de períodos de funcionamento disciplinar, com possibilidades de partilha de horário entre diferentes disciplinas”; 3) “desenvolvimento de trabalho prático ou experimental com recurso a desdobramento de turmas ou outra organização”; 4) “integração de projetos desenvolvidos na escola em blocos que se inscrevem no horário semanal, de forma rotativa ou outra adequada”; 5) “organização do funcionamento das disciplinas de um modo transversal ou semestral, ou outra organização”26. Quanto aos projetos específicos, as decisões curriculares das escolas podem englobar: a introdução de disciplinas, na componente Oferta Complementar27; a reorientação do percurso formativo do aluno28; projeto de educação para a cidadania29, sendo uma área de trabalho transversal e a concretização de projetos pelos alunos de cada turma30; projetos de apoio ao estudo31; percurso formativo próprio, no ensino secundário, através da permuta e da substituição de disciplinas 32; outros projetos considerados pertinentes para a educação e formação dos alunos. Nas dinâmicas pedagógicas são privilegiados os seguintes aspetos: organização de equipas educativas (por turmas ou grupos de alunos, com incidência do trabalho pedagógico na avaliação, na metodologia, nos recursos e na monitorização); o trabalho colaborativo docente (práticas de coadjuvação e permuta temporária entre docentes); criação de grupos de trabalho; implementação de tutorias; promoção de ações de orientação escolar e profissional; concretização de ações de apoio ao crescimento e ao desenvolvimento pessoal e social dos alunos33.
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Cf. Decreto-lei, n.º 55/2018, de 6 de julho, 2, ponto 2, art.º 11º. Ibid., ponto 2, art. º 21º. 27 Ibid., ponto 9, art. º 13º. As escolas podem adotar: “a) a oferta como disciplina autónoma; b) a prática de coadjuvação, no âmbito de uma disciplina; c) o funcionamento em justaposição com outra disciplina; d) a abordagem, no âmbito das diferentes disciplinas da matriz, dos temas e projetos, sob coordenação de um dos professores da turma ou grupo de alunos” (Ibid., ponto 4, art.º 15.º). 28 Ibid., ponto 1, art. º 10º. 29 Ibid., pontos 1 e 2, art.º 15º. 30 Ibid., alíneas a) e b), ponto 3, art.º 15º. 31 Ibid., ponto 6, art. º 13º. 32 Ibid., art. º 16º. 33 Ibid., art.º 21º. 26
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2. Em concreto
Em concreto34, a gestão curricular realizada pelo Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho, conjugada com a Portaria n.º 181/2019, de 11 de junho, tem dois focos principais: os professores e os alunos. Estes, pela dinamização do trabalho de projeto, aqueles, pela dinamização do trabalho interdisciplinar, tornando-se os agentes principais, juntamente com os pais e elementos da comunidade, das ações educativas e formativas das escolas. Se da estrutura curricular já existiam os planos curriculares definidos a nível nacional, se o perfil dos alunos já tinha sido introduzido – mas somente até ao 9º ano de escolaridade, devendo agora ser aplicado até ao 12º ano de escolaridade e ser complementado, no ensino secundário, pelo Catálogo Nacional de Qualificações – o que consta como realmente inovador é o documento curricular das aprendizagens essenciais. Uma outra medida inovadora é a da reposição da cidadania nos planos curriculares, cuja ausência se fez em contramão das políticas educativas internacionais e num momento em que a cidadania global adquire cada vez mais pertinência e acuidade pessoal e social. Com efeito, as escolas dispõem “de maior flexibilidade na gestão curricular com vista à dinamização do trabalho interdisciplinar, de modo a aprofundar, reforçar e enriquecer as aprendizagens essenciais”35, consideradas como “orientações curriculares de base na planificação, realização e avaliação do ensino e da aprendizagem” 36. Neste caso, as aprendizagens essenciais não podem ser consideradas como conteúdos mínimos e a sua exploração curricular deve proporcionar aprendizagens mais significativas aos alunos. Na procura de respostas, será fundamental situar os programas na estrutura curricular, já que continuam a ser a base da elaboração dos manuais e livros de texto, tornando-se ainda necessária a elaboração de uma matriz para a sua reformulação, bem como fomentar na sociedade portuguesa e na comunidade académica uma discussão sobre o que se aprende na escola, na procura de resposta para esta questão central do currículo: que conhecimento é mais valioso? Assim, e num contributo para a clarificação das decisões curriculares das escolas, o projeto de autonomia e flexibilização é construído, numa primeira fase, pela tomada de opções 34
No relatório da OCDE, 2018b, Curriculum flexibility and autonomy in Portugal – an OECD review, p. 27), o projeto de autonomia e flexibilidade curricular busca os seguintes propósitos: a) melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem para alcançar as competências e habilidades descritas no perfil do aluno, incluindo o ensino interdisciplinar e o desenvolvimento de projetos que combinam as competências transversais do currículo para diferentes disciplinas; b) implementação da autonomia curricular e flexibilidade na gestão do currículo em resposta ao desafio de diferentes escolas; c) construção de escolas inclusivas que atendam às diversas necessidades pessoais de todos os alunos, particularmente no ensino profissional, eliminando as barreiras ao acesso, sobretudo entre os grupos tradicionalmente marginalizados; d) implementar a educação para a cidadania; e) valorizar avaliações internas e externas da aprendizagem, incluindo avaliações que convidam à reflexão, autoavaliação, autonomia, flexibilidade, equidade, responsabilidade e personalização da aprendizagem; f) promover o “alinhamento” do ensino básico, secundário superior; g) mobilização de pais, membros da comunidade e professores como agentes-chave da aprendizagem. 35 Cf. Decreto-lei, n.º 55/2018, de 6 de julho, preâmbulo. 36 Ibid., alínea d), art.º 3º. 77
curriculares e pedagógicas, enquadradas no projeto educativo, e com a participação dos responsáveis pelos órgãos de administração e gestão de cada escola, bem como pelos responsáveis pelos órgãos de gestão intermédia, com papel de relevo para os departamentos37 e outras estruturas de coordenação e supervisão pedagógica e de orientação educativa. Ainda que com parecer do conselho pedagógico, esta fase do projeto é aprovada pelo conselho de escola, já que se trata efetivamente de dotar o projeto educativo de opções específicas de cada escola. Numa segunda fase, o projeto ganha sentido curricular ao nível da turma, inserido no projeto do ano de escolaridade, sendo a responsabilidade assumida pelo professor titular de turma e conselho de docentes, no 1º ciclo, bem como pelo conselho de turma38 ou do ano de escolaridade39, que inclui professores das áreas disciplinares e disciplinas noutros ciclos do ensino básico e no ensino secundário, dependendo a aprovação do conselho pedagógico. Para que não haja uma indistinguibilidade entre a turma e o ano de escolaridade, é suficientemente aceitável que o projeto – e não o plano – curricular de turma ou de grupos de alunos seja contruído pelas escolas no âmbito do ano de escolaridade, na consagração do que é programação, isto é, o trabalho conjunto e interdisciplinar ao nível dos educadores e professores, bem como a planificação, mais orientada para situações singulares e concretas. Caso a escola entenda alterar os planos curriculares acima dos 25% deve então elaborar um plano de inovação pedagógica, curricular ou organizacional, submetendo-o a aprovação superior hierárquica. É na articulação destas duas fases que cada escola pode seguir “a conceção de um currículo integrador, que agregue todas as atividades e projetos da escola, assumindo-os como fonte de aprendizagem e de desenvolvimento de competências dos alunos”40. Para isso, o currículo é um projeto cuja construção deve ser analisada no âmbito das culturas curriculares, por um lado, e inserida, como campo de análise, no referencial da avaliação externa de escolas por outro (Abrantes et al., 2018). Desse modo, a avaliação externa não corresponderá de modo algum a um ritual de verificação normativa, mas a um processo de autoquestionamento da escola, com a apresentação de resultados que contribuam para o sucesso, a inclusão e a equidade. Para isso, é fundamental que seja elaborado como documento estruturante o plano estratégico de autoavaliação.
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Face ao ponto 2, art.º 43.º do Decreto-lei n.º 75/2008, de 22 de abril (alterado pelo Decreto-lei n.º 224/2009, de 11 de setembro e Decreto-lei n.º 147/2012, de 2 de julho), a articulação e gestão curricular são asseguradas pelos departamentos. 38 Cf. art.º 44.º do Decreto-lei n.º 75/2008, de 22 de abril (alterado pelo Decreto-lei n.º 224/2009, de 11 de setembro e Decreto-lei n.º 147/2012, de 2 de julho). 39 Cf. Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho, alínea i), art.º 4.º. 40 Ibid., alínea k), art.º 4.º. 78
Referências Abrantes, P. et al (2018). Avaliação externa de escolas. Proposta de modelo para o 3º ciclo de avaliação. Relatório final. Lisboa: Ministério da Educação. OCDE (2018a). The future of education and skills, Education, 2030.Paris: OECD. OCDE (2018b). Curriculum flexibility and autonomy in Portugal – an OECD review. Paris: OECD. Pacheco J. A., Morgado, J., & Sousa J. (Eds.). (2020). Avaliação institucional e Inspeção: perspetivas teóricoconceptuais. Porto: Porto Editora. Pacheco, J. A. (2019). Inovar para mudar a escola. Porto: Porto Editora. Pacheco, J. A., Roldão, M. C., & Estrela, M. T. (2018). Estudos de Currículo. Porto: Porto Editora. Pacheco, J. A., & sousa, J. (2018). Políticas curriculares no período pós-LBSE (1996-2017). Ciclos de mudança na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário. In J. A. Pacheco, M.C. Roldão & M. T. Estrela (Org.), Estudos de currículo (129-176). Porto: Porto Editora.
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FLEXIBILIDADE CURRICULAR E COLABORAÇÃO DOCENTE: POR QUE VALE A PENA TRABALHAR EM EQUIPA? Joaquim Machado Universidade Católica Portuguesa
Muitos dos dispositivos que conduziram à escola atual foram impulsionados pela ideia de uma escola para todos, formulada hoje com “uma escola inclusiva, promotora de melhores aprendizagens para todos os alunos”, como se pode ler no Preâmbulo do diploma que estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário e os princípios orientadores da avaliação das aprendizagens (Decreto-Lei nº. 55/2018, de 6 de julho). A implementação desta ideia requer uma rutura com o modelo centralista e hierárquico de gestão pedagógica e curricular, o reconhecimento de que os professores têm individual e coletivamente um papel relevante na adequação do ensino aos contextos específicos e às necessidades dos seus alunos e que, para tal, devem dispor de maior flexibilidade na gestão curricular e de poder para desenvolver diferentes formas de organização do trabalho escolar mais consentâneas com a necessária diversidade de métodos, abordagens e procedimentos a utilizar na adequação pedagógica e curricular. Neste capítulo, identificamos as principais referências legais no quadro da “autonomia e flexibilidade curricular” às equipas educativas e à colaboração docente, terminologia que sugere um padrão de trabalho docente diferente dos que entretecem hoje um complexo mosaico de práticas profissionais dos professores, o padrão individual isolado e o padrão colegial. Distinguimos ainda tipos de colaboração e níveis de trabalho em equipa, procurando razões explicativas para a escassa inscrição da cooperação no quotidiano da docência, e realçamos a oportunidade que as alterações curriculares em curso criam para os professores se aperfeiçoarem profissionalmente. 1. A “nova” proposta legal de articulação do trabalho docente Organizada segundo o modelo racional-legal, a escola apresenta uma estrutura formalizada, com papéis específicos definidos e procedimentos claros. Os seus objetivos são claros e consistentes e sobre eles há certo consenso, assim como apresenta uma base explícita de conhecimentos e de tecnologia bem compreendida com vista à escolha de atividades (meios) para o alcance dos objetivos compartilhados (Ellström, 2007, p. 451). Neste modelo organizativo, a interdependência dos professores está perfeitamente clarificada, seja nas estruturas organizacionais e nas suas atribuições e competências, seja no agrupamento dos profissionais pelas qualificações que estão na base do seu recrutamento. Contudo, este modelo centralizado e hierárquico tem mostrado limitações face aos novos desafios da escola inclusiva. Estas limitações vêm sendo contrariadas por diversos
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mecanismos, como o controlo através dos resultados e a inscrição da cooperação entre os profissionais da educação, sejam eles docentes ou “técnicos especializados” não docentes. A cooperação entre os distintos profissionais que operam na escola implica um conjunto de modalidades de trabalho em equipa que, segundo Perrenoud (2000, p. 80), vai “do arranjo que permite partilhar recursos à corresponsabilidade de um grupo de alunos”. Considerando quatro níveis de interdependência entre os profissionais (partilha de recursos, partilha de ideias, partilha de práticas e partilha de alunos), este autor distingue quatro tipos de equipas de trabalho: 1) a simples partilha de recursos visa apenas um arranjo material (espaços, tempos, instalações e equipamentos), pelo que será mais um grupo do que uma equipa (Perrenoud chama-lhe “pseudo-equipa), que facilmente se dissolverá se a divisão não for simultaneamente inteligente e equânime; 2) a partilha de recursos e a partilha de ideias configura um grupo de permuta, onde não há decisões, mas se joga autoimagem do professor que partilha, mesmo quando não afeta a sua autonomia; 3) a partilha de recursos, de ideias e de práticas implica o funcionamento como coletivo e a coordenação das próprias práticas, alienando cada um dos participantes parte da sua liberdade profissional; 4) a partilha de recursos, de ideias, de práticas e de alunos é o nível mais exigente de cooperação, sobretudo quando exige durante um prolongado tempo letivo a divisão flexível do trabalho e um acordo regular sobre o programa, as atividades e a avaliação. Se o primeiro nível, exige uma certa justiça, o segundo nível e ainda mais o terceiro e o quarto exigem grandes competências de comunicação para garantir a durabilidade das equipas. Mas o quarto nível, aquele que inclui a corresponsabilidade dos mesmos alunos “exige ainda mais competências, pois, mesmo que não se entendam, os professores não podem separar-se no decorrer do ano”, exige competências de regulação para garantir que “cada um encontre o seu espaço, proteja a sua parcela de fantasia,” e seja encontrado o equilíbrio sem o qual “a equipa se dissolve ou faz paródia de cooperação” (2000, p. 81). O Decreto-Lei nº. 55/2018, de 6 de julho, pretende impulsionar os dois níveis mais elevados de trabalho em equipa de que fala Perrenoud quando propõe a constituição de equipas educativas para o acompanhamento de turmas ou grupos (artº 21º, nºs 1 e 2) e valoriza o trabalho colaborativo (artº 4º, nº 1, al. m) e al. s); artº 19º, nº 2, al. b); artº 21º, nº 5, al. a)). As equipas educativas de que fala o legislador destinam-se a “definir as dinâmicas de trabalho pedagógico adequadas, tendo por referência as especificidades da turma ou grupo de alunos” com vista ao desenvolvimento de “trabalho de natureza interdisciplinar e de articulação disciplinar” e garantir a efetividade da escola inclusiva (artº 21º). Esta conceção de equipa educativa pode assim assumir diversas modalidades, desde a de grupo de dois ou mais docentes para a realização de um trabalho específico, como um “Domínio de Articulação Curricular”, em que se combinam componentes de currículo ou formação até à do conjunto de todos os professores de uma turma, precisamente o nível mais próximo de planeamento, concretização e avaliação do currículo. Ao ter como limite a dimensão da turma, a proposta do legislador assenta no modelo de organização pedagógica da escola por turmas independentes e, nesse sentido, distingue-se do
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modelo designado de “Equipas Educativas” que Formosinho (1988) propõe, porquanto este sublinha a relatividade da turma enquanto agrupamento rígido e permanente como fator determinante do rendimento escolar, considera um grupo discente mais alargado (110 a 150 alunos) e prevê a criação, no interior deste, de grupos flexíveis, cuja composição é determinada pela equipa docente em função das atividades escolares a empreender, das caraterísticas dos espaços disponíveis e do tempo necessário para a sua realização (Formosinho & Machado, 2016b, p. 48). No entanto, importa realçar que, apesar das diferenças traçadas entre estes dois modelos dizerem respeito aos pressupostos da gramática escolar, ao controlo dos professores sobre as variáveis da organização pedagógica, à coordenação e gestão do ensino/aprendizagem e ao acompanhamento dos alunos (Formosinho & Machado, 2016, p. 33), as orientações pedagógicas oficiais têm incorporado dispositivos que vêm alterando em alguns aspetos o modelo de organização pedagógica por turmas independentes e sustentam a opção de algumas escolas por um modelo híbrido de organização por turmas contíguas (ou mesmo a totalidade das turmas) do mesmo ano de escolaridade (Formosinho & Machado, 2009 e 2014; Esteves, Formosinho & Machado, 2016; Gil & Machado, 2018). Já o “trabalho colaborativo” de que fala o legislador incide em dispositivos de diferenciação pedagógica e na articulação dos saberes curriculares a considerar nos três níveis de ação docente no desenvolvimento do currículo: o planeamento, a realização e a monitorização e avaliação das aprendizagens (artº 4, nº 1, al. s)). E concretiza-se através de um conjunto de práticas que valorizam o intercâmbio de saberes e de experiências entre os docentes, nomeadamente a coadjuvação e a permuta temporária entre docentes e a criação de grupos de trabalho com vista à orientação educativa dos alunos (artº 21º, nº 5). Esta abordagem das “equipas educativas” e da colaboração docente vem acrescentar-se a dois padrões de trabalho docente nos quais os professores foram socializados – o trabalho individual solitário e o trabalho colegial. Estes dois padrões de trabalho são induzidos pela estruturação e divisão do trabalho dos professores, cujos pilares organizativos são a disciplina curricular como componente do plano de estudos e a turma como unidade de base do agrupamento dos alunos (Machado, 2015). 2. Um trabalho em que se cruzam o isolamento e a colegialidade A divisão do trabalho docente está na base do modo isolado de realização do professor no que respeita à planificação da atividade letiva, ao seu desenvolvimento em aula e à monitorização e avaliação das aprendizagens. Este padrão de trabalho, que Hargreaves (2001, p. 185) designa de “privatista”, está associado a uma pedagogia da transmissão de conteúdos, aprendida pelo professor, primeiro como aluno que observou o desempenho dos professores que teve ao longo do seu percurso escolar e depois pela socialização dos pares no contexto de trabalho. Deste modo, como refere Telmo Caria (2001, p. 203) a análise centrada na estruturação do trabalho docente afasta-se de uma perspetiva que faz do individualismo uma questão de “essência cultural” deste grupo profissional e acentua a ideia
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de que “existem espaços instituídos na escola que obrigam e fomentam a privatização das relações sociais que levam à informalização individualista do quotidiano”. Outro elemento organizador do trabalho docente é a instância em que os professores integram: o grupo de recrutamento e o departamento curricular, por um lado, e o conselho de turma, por outro. São estas estruturas que tanto controlam, monitorizam e avaliam o desenvolvimento do currículo como suportam, apoiam e orientam o trabalho dos professores. O trabalho concretizado nestas instâncias vem a ser um trabalho de “colaboração forçada”, para usarmos a expressão de Hargreaves (2001), porquanto é “imposto” pelo regime de gestão e realiza-se com os pares independentemente da vontade individual dos seus membros. O estudo de Lima (2002) sobre as culturas de colaboração nos departamentos curriculares destaca que são escassos os contactos entre os professores relacionados com assuntos profissionais que vão para além da mera troca de impressões, sendo raras as situações de colaboração profissional nos tipos de interação mais complexos, como a troca de materiais de ensino, o desenvolvimento conjunto de materiais, a planificação em grupo ou o ensino em equipa. Assinala também que “muito raramente os departamentos apresentam caraterísticas culturais uniformes quer de um isolamento profissional estrito, quer de uma colegialidade alargada” (2002, p. 13). Enquanto o padrão tradicional de trabalho “torna o trabalho do professor invisível (…) aos outros professores, conduz a um trabalho isolado do professor em aula, à ausência de partilha com os pares, à ausência de controlo próximo do seu trabalho e à ausência de apoio sustentado” (Machado & Formosinho, 2018, p. 49), o trabalho colegial “torna visível (…) as atividades que, por força das normas instituídas, têm que ser registadas”, fecha-se sobre o próprio órgão em que se realiza, “legitima-se face ao exterior com decisões formais consensualizadas, muitas vezes, em reduzido tempo, não discutidas e até minimalistas” (ibidem, p. 49-50). Os dois pilares organizativos da escola estão, assim, na base de “um mosaico complexo de práticas profissionais entre o isolamento e a colegialidade” (Machado & Formosinho, 2018, p. 48) e, como destaca Lima (2002), no interior do departamento curricular, é possível encontrar “combinações diversas de níveis distintos de atividade colegial, desde o isolamento total de alguns dos seus membros até ao frenesim colaborativo diário dos poucos que constituem, muitas vezes, o ‘núcleo duro’ da colaboração e da partilha sistemática” (2002, p. 13). Contudo, se o padrão tradicional, que é essencialmente didático, enclausura o professor na aula, sem partilha e diálogo com os pares, sem apoio sustentado a um trabalho colaborativo e sem abertura ao apoio externo e, por isso, sem vislumbrar nem vivenciar modos alternativos de fazer o trabalho docente, o padrão colegial do departamento curricular tende a conduzir à unidade do grupo em torno do instituído, a centrar o controlo do trabalho docente nas normas produzidas e no cumprimento dos processos formais e a controlar eventuais impulsos individuais para a instituição de qualquer inovação (ibidem, p. 49-50).
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Diz Hargreaves (2001, p. 241-242) que a aprendizagem que se faz no seio do órgão colegial acaba por corroborar os pressupostos do próprio grupo relativos à natureza da aprendizagem, às estratégias exequíveis, às formas de agrupamento dos alunos e à avaliação das aprendizagens, desenvolvendo subculturas que são formas de identidade e de significado, ao mesmo tempo que se tornam repositórios de interesses próprios que lhes dão compleição política, manifesta em status e dinâmicas de poder que, por sua vez, introduzem divisões e dificultam acordos comuns. Estas estruturas “balcanizadas” estão mal equipadas para ligar três aspetos hoje essenciais para responder à complexidade da escola: “os recursos humanos que são necessários à criação de uma aprendizagem flexível dos alunos, o crescimento profissional contínuo do seu pessoal docente e a capacidade de resposta às mudanças das necessidades da comunidade” (2001, p. 266). Ganha, assim, relevância a necessidade de introduzir na organização da escola um “mosaico fluido” que permita uma colaboração docente mais genuína e respostas mais adequadas aos problemas e desafios de uma educação escolar mais inclusiva. Esta fluidez tem sido alimentada através da criação de equipas de trabalho, no seio das quais, como diz Hargreaves (2001, p. 270), é possível estabelecer uma teia complexa de relações colegiais, desenvolver relações humanas calorosas, de respeito mútuo e de compreensão, mas também de tolerância e até de encorajamento do debate e do desacordo. Estas relações colegiais estão na base de dinâmicas de trabalho mais frutuosas porque originam flexibilidade e capacidade de correr riscos, que são essenciais na introdução de inovações, e conduzem ao melhoramento contínuo entre os professores e a resultados positivos de aprendizagem entre os alunos. 3. A colaboração em equipas de trabalho Apesar de os professores realizarem um sem-número de trabalhos em conjunto, é sobretudo na organização e implementação de projetos educacionais que deparamos com relações de trabalho que, como refere Hargreaves (2001, p. 216-217), caraterizam a colaboração genuína, isto é, relações espontâneas, voluntárias, orientadas para o desenvolvimento, alargadas no tempo e no espaço e imprevisíveis. Estas caraterísticas revelam-se especialmente nos projetos onde as relações de colaboração partem dos próprios professores, são sustentadas por eles e resultam da perceção que eles mesmos atribuem ao trabalho em conjunto. Como referem Formosinho & Machado (2009), “estas relações de colaboração realizam-se, muitas vezes, em encontros informais, quase impercetíveis, breves mas frequentes, e os seus resultados são, muitas vezes, incertos e dificilmente imprevisíveis” (p. 27). Como destaca Barbier (1996), o projeto vem a ser, pois, cada vez mais um facto social novo como “processo de condução das ações” que requer coerência seja entre as intenções enunciadas e a sua concretização, seja entre as ações que contribuem para esta. Ele conduz a novos “modos de organização do trabalho” e pressupõe a implicação e o comprometimento dos atores envolvidos na conceção, na realização e nos efeitos a produzir, a aceitação das
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inerentes limitações e a disposição para fazer os esforços necessários para assegurar o êxito da ação. Contudo, se tomarmos a legislação como locus donde emanam as orientações para a ação, a proposta de “equipas educativas” e a necessidade de “trabalho colaborativo” de que fala o normativo são percebidas por muitos professores como um acréscimo de trabalho, com novas tarefas e novas funções e passam a ser tomadas mais como finalidades em si do que como instrumentos para a prossecução de finalidades com as quais podem até concordar. Por outras palavras, este impulso que vem “de fora” e “de cima” por via da legislação acaba com alguma frequência a ser apresentado como “dever” indiscutível e sem retorno preparado com algum pormenor por alguns professores escolhidos na escola para o efeito e apresentado aos restantes participantes para ser implementado. Nestes casos, o projeto vem a ser percebido pelos seus executantes mais como instrumento de coerção do que de ação facilitadora da resolução de algumas das contradições com que os professores se deparam na construção de uma escola que pretende ser inclusiva. Assim, em determinadas situações a relação de implicação que é propalada é bem mais uma relação de “subordinação de atividade” (Barbier, 1996, p.127) enquadrável como situação de “colegialidade forçada” por a colaboração entre os participantes na realização do projeto ser percebida como trabalho conjunto administrativamente imposto (e, nesse sentido, não necessariamente procurado). Tanto assim que a marcação de tempos de “trabalho colaborativo” pedido por muitos professores para melhor coordenação do trabalho em equipa acaba por ser percebido por outros como tempos de reunião obrigatória de eficácia duvidosa. E, para evitar esta ausência de sentido da reunião com lugar e tempo determinado, é frequente a colaboração ser “forçada” a produzir resultados de grau relativamente elevado de previsibilidade. Como refere Hargreaves (2001), nas situações de “colegialidade forçada” as relações dos professores com os seus colegas são reguladas administrativamente, compulsivas, orientadas para a implementação, fixas no tempo e no espaço e concebidas para serem previsíveis nos seus resultados. Neste sentido, escreve o autor, “a colegialidade artificial constitui uma simulação administrativa segura de colaboração”, ela “substitui formas espontâneas, imprevisíveis e difíceis de controlar, da colaboração que são, pelo contrário, controladas, contidas e inventadas pelos administradores” (p. 220). Assim, dada a socialização dos professores na racionalidade burocrática, o estímulo legislativo à criação de “equipas educativas” e ao “trabalho colaborativo” dos professores acaba por ser recebido por muitos deles como projeto social sobre as escolas e sobre eles em vez de projeto político propulsor da autonomia profissional e, nesse sentido, é tomado como “um novo modelo de controlo da produção das identidades” dos atores envolvidos (Barbier, 1996, p. 130). Esta receção burocrática aqui e ali mais notória diverge, pois, da perspetiva explicitada do legislador assim como diverge da intenção de muitos atores que na escola tomam a iniciativa de pôr em marcha o projeto, mas estes têm de saber que o êxito do projeto depende da sua capacidade de mobilização das energias dos participantes, da integração destes no “espírito de equipa” e na sua adesão à inovação a instituir na escola. 86
4. Flexibilização curricular e desenvolvimento profissional Vários estudos assinalam que as formas de colaboração docente ocorrem principalmente em reuniões das estruturas formais que integram e em torno de projetos, mas a maioria das suas interações não se orienta para a ação coordenada, raramente entram na sala de aula e deixam intactas as conceções dos professores sobre as suas práticas e o controlo que exercem sobre elas (Little, 1990; Hargreaves, 2001; Lima, 2002). Por outro lado, os estudos sobre equipas de trabalho revelam que, para haver trabalho em equipa, tem de haver apoio entre os participantes na prossecução dos objetivos do projeto, bem como planificação do trabalho, gestão inteligente dos recursos disponíveis e apoio à introdução de novas práticas e esta, por sua vez, é favorecida quando é elevado o grau de confiança grupal, isto é, quando os elementos da equipa têm propensão para confiarem uns nos outros, quando percebem a confiabilidade dos outros participantes e quando têm comportamentos seja de cooperação com os outros seja de monitorização do trabalho de cada membro da equipa (Dimas et al, 2016, p. 101). Estes estudos avalizam a necessidade de “inscrever a cooperação nas rotinas do ofício de professor”, como declara Perrenoud (2000, p. 79). Este autor acrescenta que “trabalhar em equipa é (…) uma questão de competências e pressupõe a convicção de que a cooperação é um valor profissional” (ibidem, p. 81), ao mesmo tempo que adverte para razões que justificam a não adesão de alguns professores ao trabalho em equipa ou o esmorecimento do envolvimento dos inicialmente seus maiores entusiastas: algumas reticências “mascaram o medo de não saber retirar-se, de ser ‘devorado’ ou dominado pelo grupo ou por seus líderes” e a atenuação do entusiasmo acontece quando se descobre que “não se sabe agir de modo cooperativo, que isso toma muito tempo ou cria ressentimento ou estresse incapazes de serem superados ou verbalizados” (ibidem, p. 82). Neste sentido, importa que os professores desenvolvam, não apenas os seus conhecimentos relativamente aos modos de articulação curricular e aos dispositivos de diferenciação pedagógica, mas igualmente competências de comunicação que contribuam para a durabilidade das equipas e competências de regulação com vista a garantir o equilíbrio entre a ação individual e a ação coletiva no seio das equipas de trabalho. Importa igualmente que o seu desenvolvimento profissional, tal como o desenvolvimento das suas escolas, seja focado no desenvolvimento do currículo e na reconfiguração dos modos de trabalho coletivo dos professores (Machado, 2018, p. 52). Por isso, alguns autores falam da necessidade de transformar a escola em comunidade de aprendizagem profissional, de ela se tornar um espaço reflexivo onde os professores trabalham em equipa e constroem conhecimento profissional a partir da reflexão na, pela e sobre a ação. Tal não significa, no entanto, que a formação eventualmente necessária para andaimagem dos processos coletivos de mudança se circunscrevam apenas aos professores da escola e se restrinjam a aspetos particulares do projeto de intervenção em curso que espoletou a sua necessidade. Pelo contrário, a formação em contexto ganha em abrir-se a experiências desenvolvidas noutros projetos, sejam eles da mesma escola ou de outras escolas, e nos 87
roteiros que os seus protagonistas vão fazendo e (re)conhecendo (Machado & Formosinho, 2016, p. 25). Com efeito, conceber a escola como unidade de mudança não pode ser restringir a mudança à unidade organizativa em que a mudança se opera, mas deve ser fazer dela o centro da mudança e colocá-la no centro implica olhar para o que está à volta deste centro, “canalizar uma boa proporção dos recursos destinados ao desenvolvimento dos docentes” (Fullan & Hargreaves, 2001, p. 174) e considerar os distintos níveis de responsabilidade para não responsabilizar apenas os professores por aquilo que compete mais a outros protagonistas nos diversos níveis do sistema escolar. Por outro lado, importa realçar que as alterações curriculares em curso são uma oportunidade de os professores se aperfeiçoarem profissionalmente, correndo riscos em conjunto na experimentação de novas práticas e construindo coletivamente os significados da inovação que vêm instituindo nas escolas. A corporização desta inovação pelos professores é que ditará como esta transformação do trabalho dos professores se traduz em aprofundamento da aprendizagem profissional e fortalece a ligação desta ao desenvolvimento dos alunos, bem como a colaboração docente aprofundou a autonomia coletiva e contribuiu para a melhoria dos processos escolares que visam a construção de uma escola inclusiva. Neste sentido, ganha relevo quer a ideia sustentada por Perrenoud de que “saber trabalhar em equipa é, também, paradoxalmente, saber não trabalhar em equipa quando não vale a pena” quer o seu alerta para o “saber insubstituível” de uma equipa duradoura: “dar aos seus membros uma ampla autonomia de conceção ou de realização cada vez que não for indispensável dar-se as mãos…” (p. 82).
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TRANSFORMAR CONCEÇÕES E PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO: PARA UMA AGÊNCIA DO TRABALHO DOCENTE Eusébio André Machado Universidade Portucalense
Num artigo célebre intitulado “Não mexam na minha avaliação! Para uma abordagem sistémica da mudança pedagógica”, Perrenoud (1992) argumenta que a avaliação (em particular, a “avaliação formativa”) está sujeita a um regime de “interdependências” que torna muito difícil, se não mesmo impossível a mudança, sobretudo se se pretender que ela não seja superficial. Na “abordagem sistémica” que o autor propõe, a avaliação surge no centro de um octógono de interdependências que praticamente anula quaisquer ilusões voluntaristas e ingénuas de mudança: 1) as relações entre a família e as escolas, 2) a organização das turmas e as possibilidades de individualização, 3) a didática e os métodos de ensino, 4) o contrato pedagógico, a relação pedagógica e o ofício de aluno, 5) acordo, controlo e política institucional, 6) programas, objetivos e exigências, 7) sistema de seleção e orientação e 8) satisfações pessoais e profissionais. Neste contexto, com algum fatalismo sociológico, conclui que, face à complexidade inexorável do sistema, é impossível mudar a avaliação sem fazer evoluir o conjunto da profissão de professor e da organização escolar. A argumentação de Perrenoud, assente no valiosíssimo contributo sociológico para a compreensão da complexidade das organizações e das práticas humanas, suscita, ainda assim, pelo menos três reflexões. Em primeiro lugar, o “círculo vicioso” que resulta de qualquer abordagem sistémica: se tudo depende de tudo para mudar, nada se pode mudar, uma vez que, seja por onde for que comecemos a mudança, é preciso que todo o resto esteja mudado para se obter o efeito desejado. Em segundo lugar, o fatalismo sociológico que tende a anular a “agência” dos sujeitos nos sistemas e nas organizações, o que conduz, em contrapartida, a privilegiar mudanças macrossistémicas que se têm revelado, muitas vezes, condenadas ao fracasso. Em terceiro lugar, a ideia de que as próprias práticas de avaliação são um elemento meramente “dependente”, colocado passivamente no centro do octógono, retirando qualquer possibilidade de ser também um fator de agenciamento, autonomia e mudança. Ora, é justamente nesta zona que se situam as propostas que apresentamos de seguida, assumindo uma forte crença: o professor tem margens de agência e autonomia, aliás, constitutivas da própria profissão, que podem ser um lugar de inscrição de mudanças que transformem também a própria escola. 1. Para uma transformação das conceções sobre a avaliação: 1.1. A conceção performativa da educação: avaliação e democracia Num livro publicado em 2010 (em Portugal em 2019), intitulado Not for profits: why the democracy needs the humanities, a filósofa norte-americana Nussbaum apresenta, como o título sugere, um autêntico manifesto em prol das artes e das humanidades como instrumentos fundamentais para a defesa e a preservação dos valores democráticos das 91
nossas sociedades. A tese central é a de que vivemos uma “crise silenciosa”, mas de dimensão gigantesca e de profundo significado global, segundo a qual, “obcecados pelo lucro nacional, os países, e os seus sistemas de educação, estão a descartar levianamente competências que são necessárias para manter as democracias vivas” (Nussbaum, 2019, p. 38). Ora, estas “competências” estão a desaparecer devido à eliminação das humanidades e das artes em todos os níveis de ensino, sem as quais, segundo a autora, não é possível educar cidadãos completos, capazes de pensar por si próprios, de criticar a tradição e de compreender o sofrimento dos outros; pelo contrário, estamos a produzir “gerações de máquinas úteis” para responder à necessidade do lucro a curto prazo, que se tornou, de resto, o desiderato hegemónico dos sistemas de educação pelo mundo inteiro. Em várias passagens do livro, Nussbaum critica as práticas de avaliação ao serviço de uma “aprendizagem por repetição”, de mera mecanização de conteúdos, sem qualquer valor acrescentado nos domínios do pensamento crítico, reflexão, imaginação e criatividade. Os exames nacionais e os testes padronizados aplicados nas escolas seguem uma lógica psicométrica (medir e comparar) que reforça o pensamento convergente, o conformismo, a ausência de contraditório e a criatividade intelectual. Quer seja na avaliação externa (exames), quer seja na avaliação interna, a avaliação contribui fortemente para a formatação de mentes bem medidas e calibradas em função da capacidade de repetir. Não obstante, a avaliação é (e deve ser) um instrumento privilegiado para o desenvolvimento de competências de metacognição, de autocrítica, de argumentação dialógica e de criatividade – o que exige um outro modo de avaliar as aprendizagens, como propomos adiante. Deste ponto de vista, enquanto professores e cidadãos, devemos questionar as nossas conceções mais naturalizadas e entranhadas sobre o papel da avaliação das aprendizagens, com este alcance mais lato e profundo, discutindo de que forma se poderá contribuir para uma educação que assuma a defesa e preservação dos valores democráticos. Não deixa de ser curioso que em disciplinas que constituem o núcleo duro das humanidades, como a literatura ou a filosofia, há uma subjugação ao critério da performatividade (devem ter um fim utilitário), adotando práticas de avaliação que são contraditórias com o seu legado mais profundo. Em disciplinas orientadas para o pensamento crítico e divergente, para a criatividade e a imaginação, para o inconformismo e a compreensão do outro, o que se assiste é a prevalência de práticas de avaliação meramente examinatórias, com respostas padronizadas e redutoras da complexidade através de, por exemplo, questões de escolha múltipla. Saliente-se, porém, que o pensamento crítico e a criatividade não são uma capacidade exclusiva das humanidades e das artes; pelo contrário, as ciências “exatas” e da “natureza”, embora sejam muitas vezes apresentadas nas escolas e aos alunos como um legado dogmático, constituem a nossa maior tradição de “racionalismo crítico” e de ceticismo, de discussão aberta e de defesa do direito de pensar de forma diferente. Neste sentido, é todo o currículo – para além das humanidades e das artes como defende Nussbaum – que deve colocar-se do lado de um combate pela democracia e cujas bases residem na formação de sujeitos curiosos, audaciosos, reflexivos, críticos e céticos. Neste âmbito, é urgente uma 92
reconfiguração das práticas de avaliação escolares (externas ou internas), sendo certo que a continuação de modelos psicométricos, padronizados e positivistas constituem uma grave ameaça à formação de novas gerações que não sejam, como diz Nussbaum, meras “máquinas úteis” ao serviço de um mundo no qual o lucro parece ser o único propósito da existência humana. 1.2. A conceção ontológica do “insucesso”: avaliação e a curva de Gauss Um dos critérios externos e inconscientes que mais influência têm tido nas práticas de avaliação escolar é a ideia de que os resultados obtidos na classificação de qualquer produção dos alunos, sobretudo testes e exames, devem obedecer a uma chamada distribuição natural, sob a forma da curva de Gauss, correspondendo, segundo De Landsheere (1976, p. 245), “aproximadamente 70% de médios, 13% de bons, 13% de medíocres, 2% de muito bons, 2% de muito maus”. Na base desta distribuição está uma teoria psicológica alegadamente científica que um ex-ministro da Instrução Nacional, em 1934, invocou com clareza meridiana para resolver o problema do analfabetismo em Portugal. De acordo o referido ex-ministro, Eusébio Tamagnini, a população escolar podia ser dividida em cinco grupos: os ineducáveis (8%), os normais estúpidos (15%), os de inteligência média (60%), os de inteligência superior (15%) e os notáveis (2%) (Mónica, 1978, p. 338). Assim, numa lógica de avaliação normativa, em cada turma ou classe (o operador central da “gramática escolar”) há uma “normalidade” que se impõe externamente: deve haver sempre alunos com classificações “negativas”, deve haver sempre alunos “reprovados”, deve haver sempre uma percentagem de “insucesso”. Esclareça-se, desde já, para evitar os habituais raciocínios simplistas, que o que se está a advogar não é a eliminação artificial do “insucesso” (sempre houve e haverá, até pelos simples facto de haver quem se recuse a “aprender” o que a escola quer que se aprenda), mas a contestação da teoria ontológica de que deve haver sempre “insucesso”, tão estúpida e fundamentalista como a versão oposta. Ora, há um significativo acervo de estudos (cf. Merle, 2018) que mostra que, independentemente do contexto, do nível socioeconómico, do perfil cultural dos alunos, da localização geográfica, a curva de Gauss surge no perfil dos resultados obtidos pelos alunos, constituindo aquilo a que Antibi (2003) chamou uma “constante macabra”. Deste modo, De Landsheere (1976, p. 242) formulou a lei que está na base das práticas de avaliação escolar: “um professor tende a ajustar o nível do seu ensino e das suas apreciações do desempenho dos alunos de modo a conservar, ano após ano, aproximadamente a mesma distribuição (gaussiana) das notas”. Esta conceção ontológica do “insucesso”, como parte constitutiva e inerente do ato de avaliar, acarreta uma consequência sobre a qual importa refletir: o “insucesso” é também o resultado de uma produção interna da escola, o que, de resto, é confirmado pelos enviesamentos de origem social e económica. Dito de outro modo: para a manutenção de imagem de “normalidade” da sua atividade, a organização escolar assume pressupostos implícitos e, às vezes, explícitos (no Japão, a aplicação da curva de Gauss já foi obrigatória) para os resultados escolares contemplarem sempre (e, por isso mesmo, tão artificial como 93
os que defendem o oposto) uma percentagem de “insucesso” nos resultados dos alunos. Neste caso, estamos perante práticas de avaliação histórica e culturalmente arraigadas, com dificílima reversão, cujo pressuposto é o de que avaliar é ordenar, dentro de uma classe/turma, os alunos como se estivessem, permanentemente, a participar num concurso televisivo ou disputar uma prova desportiva. Como veremos adiante, uma das soluções para combater a “constante macabra” é a avaliação criterial, a qual constitui como elemento de referência não a comparação interna (os alunos da turma), mas a comparação externa (os critérios de avaliação). 1.3. A conceção meritocrática da escola: avaliação e seleção As sociedades modernas, de inspiração iluminista, são marcadas por um forte impulso de promoção de equidade, embora continuem a conviver e a legitimar a existência de uma estratificação social, ou seja, vivemos em sociedades que se confrontam com o paradoxo de garantir, ao mesmo tempo, a justiça e a diferenciação. Segundo Autin, Batruch e Butera (2015), como vimos anteriormente, a resolução deste conflito foi atribuída às instituições escolares através dos dispositivos de avaliação: em vez da diferenciação pela origem social ou da classe, os sujeitos passaram a ser diferenciados pelas capacidades, competências e esforços, traduzidos em notas, classificações e certificados. Deste ponto de vista, embora legitimada por uma metanarrativa emancipatória, particularmente evidente na promessa de mobilidade social, a escola tornou-se, no entanto, um sistema de “reprodução social” e de seleção dos alunos com base no constructo do “mérito”, “medido” a partir de métodos científicos consubstanciados nas práticas de avaliação, no âmbito das quais os exames ocupam um lugar privilegiado. Ora, uma das questões mais importantes sobre a avaliação em contexto escolar, tão implícita como explícita, é se o seu propósito fundamental é a equidade democrática ou a diferenciação meritocrática. É evidente que a questão é demasiado complexa para ser colocada nestes termos disjuntivos tão redutores, sendo que as duas opções são, no limite, legítimas. No entanto, a questão que deve ser considerada é se, desde logo, a diferenciação meritocrática é consentânea com o projeto iluminista e adotado universalmente, segundo o qual é legítimo o ato de “violência” do Estado que assume o monopólio da socialização dos sujeitos, de modo compulsório e universal. O contrato social que sustenta a escola moderna baseia-se numa contrapartida de mobilidade social, de inclusão e da maior justiça social – e não de reprodução social, exclusão e maior desigualdade social. Por outro lado (e talvez aqui estejamos a falar apenas das erradamente chamadas “escolas públicas”), é preciso avaliar o grau de coerência da máquina seletiva que é a escola atual (cujo grau máximo de patologia se verifica no ensino secundário) com os dispositivos constitucionais e com a própria Lei de Bases do Sistema Educativo. Parece evidente para todos que o modelo meritocrático pode ser legítimo, coerente e aceitável à luz de várias perspetivas políticas, culturais, educacionais e axiológicas – mas não será, seguramente, do ponto de vista do nosso atual dispositivo constitucional e de toda a narrativa jurídica que sustenta o “valor” da chamada “escola pública”. Mas discutir a 94
conceção meritocrática da avaliação e, sobretudo, assumir uma posição sobre o seu cabimento e lógica nas práticas de avaliação escolar é algo que se situa, desde logo, na escala das políticas públicas de educação e nas políticas de escola, embora não deixe também de ter consequências no trabalho que cada professor, per se, concebe e implementa em cada sala de aula com os seus alunos. Com efeito, se o professor tem uma conceção de orientação meritocrática da avaliação, tenderá a conceber o seu trabalho como uma espécie de examinador ex machina que se limita a devolver os resultados aos alunos, assumindo uma presunção de objetividade, com a qual garante a medição exata do “mérito” de cada um. Se, em contrapartida, o professor tem uma orientação mais democrática, conceberá o seu trabalho numa lógica mais “terapêutica”, encarando a avaliação como uma recolha sistemática de informação (com algum grau de reserva relativamente à sua “objetividade”) que permite regular as aprendizagens dos alunos. No primeiro caso, o professor não tem qualquer compromisso com o insucesso ou sucesso dos alunos: a avaliação apenas mede objetivamente o mérito de cada um; no segundo caso, há um compromisso com o insucesso ou sucesso dos alunos: avaliação é um instrumento ao serviço da aprendizagem. Uma abordagem mais “formativa” das práticas de avaliação escolar passa por uma necessária interrogação radical sobre a conceção meritocrática da escola (Guerreiro, 2021). Na realidade, é muito difícil que a avaliação assuma, efetivamente, uma propensão “formativa” sem que que este problema se resolva no âmbito das conceções de cada um sobre o papel da escola e do professor, embora não se possa escamotear, obviamente, as dimensões macro e meso do problema. De resto, no atual contexto português, dir-se-ia que é o nó górdio que será preciso desatar, sob pena de mudanças superficiais, destituídas de sentido e, eventualmente, condenadas ao caixote do lixo da história das “reformas” educativas. 1.4. A conceção positivista do conhecimento: avaliação e objetividade Tal como aconteceu com as ciências sociais e humanas em geral, a avaliação não escapou, desde a sua emergência, ao projeto de legitimação epistemológica sob a forma de constituição de um espaço científico similar às ciências exatas e da natureza: objetivo, quantitativo e experimental (Machado, 2013). Com efeito, em 1920, a docimologia (“a ciência dos exames”) é criada por Henri Piéron e Henri Laugier, dando origem a um conjunto significativo de trabalhos experimentais, cujo objetivo principal era encontrar os métodos exatos para medir os indivíduos (psicometria). No entanto, sobretudo a partir das investigações de Piéron, Laugier e Weinberg, a docimologia acabou por demonstrar, com profusa evidência empírica, que a ideia da “objetividade” é um mito, particularmente evidente na forma como os exames são corrigidos. A investigação docimológica evidenciou a existência de vários enviesamentos, internos e externos, que obrigam a questionar a ideia de que os testes/exames medem com objetividade o desempenho dos alunos, permitindo, assim, acreditar numa “nota verdadeira” 1. 1
Segundo o jornal Público, de 10 de agosto de 2019, a propósito dos pedidos de reapreciação das provas de exame, dados fornecidos pelo IAVE mostram que “houve melhoria de classificação em mais de 4000 provas (70%). Noutros casos, 924 (ou seja, 16%), a nota manteve-se. E houve descida em 8% dos exames.” Esta 95
Não obstante, não há qualquer dúvida que o propósito de tornar a avaliação mais rigorosa, precisa e, até, objetiva deve continuar a ser uma preocupação fundamental, legítima e necessária para a própria legitimidade dos exames e dos instrumentos de avaliação utilizados na escola, pelo menos por duas razões: em primeiro lugar, porque a qualidade científica dos instrumentos de avaliação é garantia de maior equidade, mais justiça e mais democracia, evitando as lógicas reprodutivas da instituição escolar, a maior parte das quais assentes num vasto conjunto de enviesamentos que resultam do género, da classe, da cultura, da origem étnica, etc.; em segundo lugar, porque instrumentos de avaliação mais rigorosos e mais precisos se tornam indispensáveis no trabalho de apoio, regulação e suporte dos problemas das aprendizagens dos alunos: quanto melhor for o conhecimento sobre o modo como os alunos aprendem (ou não), melhor será seguramente o trabalho de promover uma “avaliação para as aprendizagens”. Mas o propósito da objetividade não pode tornar-se um fim em si mesmo (“hipertélico”, para utilizar uma expressão famosa de Braudillard), reduzindo a avaliação exclusivamente a um processo de classificação ou “notação”; pelo contrário, a prossecução da qualidade dos instrumentos de avaliação deve ter – também como finalidade principal a melhoria das próprias aprendizagens dos alunos. Segundo Merle (2018), em relação às práticas de classificação e de notação, há duas categorias de professores: os “crentes” e os “dubitativos”. Os primeiros acreditam que a nota tem por finalidade definir a “verdade” sobre as competências dos alunos, uma vez que a “nota” é uma medida e deve ser o mais precisa possível. Neste caso, os professores “crentes” consideram que os alunos devem saber o seu “verdadeiro” nível escolar para não alimentarem esperanças estéreis, até porque as notas bondosas e clementes tendem a favorecer a ausência de esforço e a apatia escolar. Os segundos (os “dubitativos”) consideram, pelo contrário, que toda a avaliação das competências dos alunos é “relativa, flutuante segundo as dificuldades dos exercícios propostos, os critérios de avaliação e as modalidades práticas utilizadas” (Merle, 2018, pp. 253-254). Neste sentido, os professores “dubitativos” vão ao encontro dos resultados obtidos pelas investigações docimológicas: a incerteza em torno das notas deve beneficiar os alunos e não desencorajar os “fracos” com classificações com um efeito irreversível no seu percurso escolar. Ter uma orientação mais “crente” ou “dubitativa” em relação às notas é, pois, o resultado das conceções sobre a “objetividade” da avaliação. Ora, face ao conhecimento atual, quer nas chamadas ciências da natureza, quer nas chamadas ciências humanas, a ideia de “objetividade” é, no mínimo, uma questão sobre a qual se abandonaram as ilusões positivistas e as presunções de uma verdade pura e absoluta, independente do sujeito cognoscente. Deste ponto vista, as obsessões psicométricas da avaliação deveriam merecer
situação em relação aos pedidos de reapreciação é recorrente e, apesar da limitação da amostra, corrobora o que a investigação docimológica constatou há cerca de 100 anos.
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uma atitude mais crítica e, sobretudo, suscitar uma atitude de maior prudência avaliativa em prol dos alunos. Ser “dubitativo” não é um sinal de fraqueza científica; é uma atitude de abertura, de procura permanente, no pressuposto de que as “notas” constituem uma informação privilegiada, embora relativa e contextualizada, para ajudar os alunos a aprender e, acima de tudo, a aprender a aprender. 1.5. A conceção homogénea dos alunos: avaliação e humanismo O último número da revista Contextes et Didactiques 2 é dedicado ao tema “Diversité des publics et évaluation humaniste: quels possibles dans différents contextes?” Segundo os editores, o postulado deste número temático “é que, face a estes contextos de gestão de grandes diversidades ou face aos dispositivos de diferenciação necessários, mesmo que não se coloque um diagnóstico oficial, a avaliação pode reencontrar todo o seu valor pedagógico ao serviço do desenvolvimento das pessoas” (Grémion & Tominska, 2019, p. 9). Dito de outro de modo, o desafio assumido é considerar que o fenómeno atual da diversidade de públicos obriga a colocar a avaliação ao serviço dos sujeitos, analisando as condições de um “retorno da humanidade” (valores, convicções, emoções e ética) nas práticas de avaliação sob a égide de uma “avaliação humanista”. Trata-se, pois, por espantoso que possa parecer, de considerar óbvio o que deixou de ser (ou nunca foi) óbvio: a avaliação é um processo humano ao serviço do desenvolvimento da humanidade de cada sujeito. No artigo3 incluído neste número da revista Contextes et Didactiques, Hadji apresenta a “avaliação humanista” como um ideal regulador, através do qual se opta pela promoção das pessoas e não pela sua sujeição. No que respeita às práticas de avaliação escolares, este ideal traduz-se num conjunto de exigências concretas em quatro “espaços de trabalho” que constituem pontos quentes para realizar uma avaliação justa dos seres humanos, tendo em conta o que eles realmente são na sua diversidade. Vejamos, então, quais são os quatro “espaços de trabalho” que Hadji destaca: 1.º - Determinar os objetivos de aprendizagem, tendo em conta, ao mesmo tempo, o ideal (as exigências sociais) e a realidade (particularidades próprias dos avaliados). Estamos perante um problema clássico das práticas de avaliação: como ajustar, adaptar, calibrar os referenciais nacionais e uniformes à diversidade, especificidade e particularidade dos alunos? Sendo certo que, em cada escola, habitam “alunos” concretos e não o “aluno” abstrato, a dificuldade é manter o nível de exigência, até porque, a jusante, há uma função certificativa e de validação social, à qual o serviço educativo não pode deixar de responder. Ainda assim, segundo Hadji, compete aos professores e à escola, numa lógica de avaliação formativa, adaptar a exigência dos testes e dos exercícios de avaliação ao nível e às particularidades dos alunos. Não se trata de um “abandono demagógico” de toda a exigência, mas da “preocupação de adaptar o trabalho pedagógico à realidade dos alunos, para melhor os ajudar a progredir o mais possível na direção dos objetivos socialmente 2
https://www.contextesetdidactiques.com/1338
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Pour une évaluation humaniste (https://www.contextesetdidactiques.com/1250). 97
definidos, valorizando o conjunto de competências, mesmo as não-académicas” (Hadji, 2019, p. 19). 2.º - Adaptar as condições concretas de recolha prévia de informações às características e às possibilidades concretas das pessoas avaliadas. Neste caso, o desafio da “avaliação humanista” é adaptar, na medida do possível, a recolha de informação às características de cada aluno, conciliando um imperativo de objetividade (dizer a realidade) com um imperativo de equidade (adaptação dos instrumentos de avaliação às capacidades de resposta dos avaliados). Neste sentido, estão em causa, por um lado, a escolha dos instrumentos de avaliação4 (exercícios, tarefas, etc.) que deve ter em conta a diversidade dos alunos e, por outro, as condições nas quais a informação é recolhida. Uma “avaliação humanista” não é, pois, compatível com modelos psicométricos, segundo os quais, como acontece nos exames nacionais, para uma garantia ilusória de equidade, a medição dos sujeitos exige que sejam submetidos às mesmas condições de desempenho. A preocupação fundamental é retirar à diversidade um caráter penalizador: o ato de avaliar deve dar as condições concretas para que a recolha de informação tenha em consideração as particularidades de cada um. 3.º Instalar uma relação de comunicação avaliativa sadia e não doentia. A avaliação é uma relação comunicativa que possui duas dimensões: uma “dimensão de informação” e uma “dimensão de relação”. Uma relação de comunicação “doentia” é aquela que tende a enfatizar a “dimensão de relação” em detrimento da “dimensão de informação”, esquecendo o conteúdo da comunicação (é o que acontece, por exemplo, quando o professor diz que ele é que “manda” na sala de aula); por seu turno, uma relação de comunicação sadia é aquela que privilegia a “dimensão de informação” em vez da “dimensão de relação”. No caso de uma “avaliação humanista”, respeitando os “direitos dos alunos”, o avaliador tem como principal preocupação dar informações “claras e fundamentadas sobre dados tão precisos quanto objetivos” (Hadji, 2019, p. 21). Este aspeto da comunicação sadia é, particularmente, crítico no que concerne à restituição da informação aos alunos e aos processos de regulação das aprendizagens através do feedback. De um modo geral, as práticas de avaliação escolares tendem a valorizar um feedback pouco eficaz que acentua mais a “dimensão de relação” do que a “dimensão de informação”, como veremos mais adiante. 4.º Privilegiar os usos sociais da avaliação úteis às pessoas avaliadas. Por último, a “avaliação humanista” está ao serviço dos avaliados, recorrendo às “modalidades de ação” mais adaptadas à diversidade dos alunos. Tal objetivo implica uma interrogação sobre as razões pelas quais avaliamos e sobre o “uso social da nota”. É preciso 4
Veja-se, a este propósito, o artigo “La conception universelle de l’apprentissage: un ‘pont dynamique’ entre une différenciation pédagogique et une évaluation humaniste?” (Eid, 2019) que dá conta da adoção dos princípios do Desenho Universal para a Aprendizagem aplicados à avaliação num contexto de diferenciação pedagógica com alunos com necessidades educativas especiais (https://www.contextesetdidactiques.com/1301). 98
não esquecer, como vimos anteriormente, que a avaliação coloca, muitas vezes, os interesses sociais e até os interesses económicos à frente dos interesses dos alunos, como se o propósito fosse apenas medir quem é mais apto para as exigências performativas do mundo do trabalho. Ora, a “avaliação humanista não deve esquecer que está ao serviço dos avaliados, mas também da sociedade, esclarecendo esta sobre as competências reconhecidas de uns e de outros” (Hadji, 2019, p. 22). O reconhecimento do primado das pessoas e da humanidade de cada um constitui uma tarefa que, hoje em dia, se apresenta com uma urgência absoluta. 2. Para uma transformação das práticas de avaliação 2.1. Definir critérios de avaliação e objetivos de aprendizagem claros para acompanhar as aprendizagens dos alunos Em Portugal, a definição de critérios de avaliação está instituída do ponto de vista normativo, sendo, pois, obrigatoriamente aprovados e divulgados em todas as escolas no início de cada ano letivo. De um modo geral, as práticas de “critérios de avaliação” apresentam alguns aspetos que convém considerar: no que respeita à sua estrutura, organizam-se normalmente em duas dimensões (uma componente dita “cognitiva” e uma componente dita “comportamental/atitudinal”), sendo atribuída a cada uma o respetivo “peso” para a ponderação dos resultados obtidos pelos alunos nos diferentes instrumentos de avaliação utilizados; no que concerne ao conteúdo, “os critérios de avaliação” constituem, de um modo geral, um documento “técnico”, com o recurso ao mais puro e, às vezes, abstruso jargão educativo, sem referências objetivas e claras ao que os alunos devem aprender; em relação ao seu uso, trata-se de um instrumento que se encontra quase exclusivamente ao serviço da avaliação sumativa no final de cada período, servindo para o cálculo das classificações a atribuir; finalmente, em relação aos destinatários, embora os alunos e os pais/encarregados de educação tomem conhecimento (até porque é legalmente obrigatório), trata-se de um documento de professores para professores, muitas vezes de natureza burocrática e, sobretudo, sem qualquer uso formativo no trabalho diário com os alunos. Convirá lembrar que a existência de “critérios de avaliação” é fundamental para ultrapassar a “avaliação normativa”, baseada na comparação interna dos alunos pertencentes a um grupoturma, segundo a distribuição normal da curva de Gauss, bem como os vários enviesamentos que aparecem associados às práticas de avaliação (Machado, 2018). Os “critérios de avaliação”, em princípio, conferem mais rigor, equidade e transparência às práticas de avaliação escolar. Mas, para além disso, estes são indispensáveis para qualquer avaliação de natureza formativa, reguladora e orientada para as aprendizagens. Não é possível um feedback eficaz sem que professores e alunos tenham ao seu dispor, diária e constantemente, elementos de referência (como se fosse uma espécie de “referencial cartesiano”), a partir do qual cada aluno seja situado e se possa “situar” num percurso de aprendizagem, compreender as dificuldades e encontrar as respetivas formas de as remediar e superar. Mais ainda: não é possível haver práticas efetivas e consequentes de autoavaliação sem “critérios
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de avaliação” que os alunos possam usar, com autonomia acrescida, aumentando as suas capacidades de metarreflexão e de pensamento crítico. Ora, a existência de “critérios de avaliação” num contexto de avaliação formativa reclama várias mudanças: no conteúdo, devem elencar os objetivos de aprendizagem de forma clara e simples, tendo em conta a necessidade de contemplar a diversidade dos alunos; na linguagem, devem recorrer a conceitos de acordo com o nível cognitivo dos alunos, evitando o recurso a terminologia excessivamente técnica e abstrata; no uso, devem estar orientados para o trabalho diário dos professores com os alunos, permitindo a ambos situar as aprendizagens no percurso estabelecido; e, nos destinatários, devem ser prioritariamente um instrumento para os alunos. De um modo geral, o uso formativo dos critérios de avaliação torna possível que “os professores (ou os próprios alunos) identifiquem a ‘distância’ entre os objetivos de aprendizagem e o que os alunos sabem e são capazes de fazer, e adaptar o ensino para ajudar a eliminar a distância, o que permite uma transparência que pode também apoiar a autoavaliação e a avaliação pelos pares” (Blamire, Engelhardt & Looney, 2017, p. 25). 2.2. Promover o diálogo e o questionamento na sala de aula Segundo Black e Wiliam (2006), o objetivo do diálogo na sala de aula é reforçar o “feedback interativo” que é fundamental para a avaliação formativa. No entanto, como facilmente se depreende, desenvolver uma abordagem dialógica e interativa na sala de aula pressupõe uma mudança no estilo de ensino de muitos professores, pelo que, recorrentemente, se torna um dos principais obstáculos à avaliação formativa. Com efeito, o diálogo implica uma reconfiguração na lógica mecanicista e sequencialista da aula centrada no ensino: o grau de controlo do professor sobre a aula diminui e exige maior capacidade de improvisar; o tempo da aula deixa de ser linear e obriga a ouvir os alunos, atendendo aos ritmos diferentes de resposta; a gestão currículo implica uma lógica mais iterativa, com avanços, mas também com recuos, com progressos, mas também com impasses. Neste sentido, os desafios colocados ao professor são em maior quantidade e mais complexos, uma vez que não correspondem à ilusão do sucesso do ensino, mas à realidade dos problemas de aprendizagem. Talvez seja por isso que, quando os professores são pressionados para o “cumprimento” dos programas, sobretudo por via da existência de exames que se limitam a ser uma lista de verificação dos conteúdos, o diálogo na sala de aula seja sacrificado e, até, considerado um “ruído” que atrasa o ritmo de transmissão dos conteúdos. Em todo o caso, a literatura tem demonstrado que uma abordagem formativa e uma avaliação “para” as aprendizagens pressupõe um diálogo real, efetivo e substancial na sala de aula. Para que tal aconteça, torna-se também evidente que o trabalho na sala de aula esteja orientado para um maior envolvimento dos alunos nas atividades e processos de aprendizagem, o que acarreta, pelo menos, duas consequências: por um lado, implica que todas as perguntas e respostas, certas ou erradas, sejam consideradas com a mesma seriedade, cujo objetivo é mais o desenvolvimento de uma melhoria reflexiva do que a promoção de um pensamento convergente através de respostas pré-definidas; por outro, os professores terão mais informação sobre os conhecimentos prévios, lacunas e falsos 100
conceitos dos alunos, podendo desta forma responder mais cirurgicamente às reais necessidades dos alunos para superar as dificuldades de aprendizagem (Black & Wiliam, 2006). Não obstante, a promoção do diálogo e o envolvimento dos alunos pressupõe que se questione também a arraigada “gramática escolar”, em função da qual os alunos são organizados em turmas que se distribuem por salas, nas quais, durante tempos igualmente distribuídos, estão com um professor no âmbito exclusivo de uma disciplina. Trata-se de um modo de organizar o trabalho dos alunos e dos professores que, muitas vezes, tendem a catalisar a desmotivação, o aborrecimento e, até, a perturbação das regras da sala de aula, sem as quais nenhuma aprendizagem (pelo menos, as declaradas) serão possíveis. A título de síntese, convirá sublinhar que, numa lógica formativa, o diálogo na sala de aula (Blamire, Engelhardt & Looney, 2017, p. 25): • “Evita perguntas de sim/não. • É baseado em evidências empíricas sobre como os alunos constroem o conhecimento num dado domínio. As perguntas devem permitir a identificação das conceções erradas dos alunos nesse domínio. • Foca-se na solução de problemas e nos processos de raciocínio, em vez de num conteúdo específico. Por exemplo, as perguntas “como” e “porquê” podem originar mais informação. • Diferencia entre níveis de desempenho no domínio (desde o que se encontra em fase de iniciação ao altamente competente) baseado nos conceitos centrais que os alunos devem compreender. Os critérios de avaliação são adaptados aos diferentes níveis de aprendizagem e diferentes objetivos de aprendizagem. • Permite aos alunos criar as suas próprias linhas de questionamento como forma de aprofundarem e aumentarem a sua compreensão.” 2.3. Fornecer feedback Um aspeto central referido na literatura sobre avaliação formativa ou avaliação “para” as aprendizagens é o feedback (Black &Wiliam, 2006; Fernandes, 2019), tendo por base “critérios de avaliação” e uma cultura de diálogo na sala de aula. Em certo sentido, é possível dizer que o feedback pretende transformar a aprendizagem num processo homeostático, através do qual se torne possível a evolução e a melhoria, tal como acontece na vida em geral (Damásio, 2017). Nesta lógica, trata-se de uma tarefa sistemática, contínua e iterativa que incita professores e alunos a refletir nas aprendizagens, sobre as aprendizagens e para as aprendizagens. O feedback é, pois, um processo essencialmente reflexivo, ou melhor dizendo, metarreflexivo, com o qual se efetiva a regulação e o acompanhamento da forma como alunos aprendem e como os professores ensinam. Blamire, Engelhardt e Looney (2017, p. 25) referem que o feedback útil, eficaz e reflexivo apresenta as seguintes características:
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• Oportunidade: o feedback é mais eficaz, designadamente no que respeita a resultados dos alunos, quando é fornecido no momento oportuno, durante uma conversa, no âmbito de uma interação de alguns minutos, ou, pelo menos, num período curto de dias. • Especificidade: o feedback deve estar associado a critérios de avaliação e objetivos de aprendizagem claros, com sugestões específicas e centradas no processo de aprendizagem, permitindo aos alunos melhorar futuras aprendizagens. • Centrado-na-tarefa: ao contrário do feedback centrado-na-pessoa, que normalmente tem um impacto negativo, mesmo quando surge sob a forma de elogios, o feedback centrado-na-tarefa, com caráter preciso e imediato, tem um efeito positivo. Neste aspeto, convirá lembrar que as práticas de avaliação escolar evidenciam, sem embargo, a existência de dispositivos de feedback, embora com um caráter pontual, de um modo geral pouco eficaz e com uma informação escassa e abstrata. A prática mais comum de feedback nas escolas é a atribuição de notas ou de menções qualitativas, cujo efeito é basicamente situar o aluno perante uma “norma”, inserindo-se numa lógica behaviorista ou neo-beaviorista assente numa relação sequencialista e estanque entre currículo e avaliação (Alves, 2004). Ora, o feedback com estas características obriga a reconfigurar os modelos didáticos utilizados na sala de aula e, sobretudo, a relação entre currículo e avaliação. De um modo geral, prevalece um modelo didático constituído por um conjunto linear de sequências de conteúdos (é a sequência do manual ou do programa), com rara articulação interna ou externa, seguidos de momentos específicos de avaliação com o recurso a instrumentos de natureza meramente verificativa. Neste âmbito, recorre-se preferencialmente a instrumentos, como é o caso dos testes, que recolhem um conjunto relativamente significativo de informações cuja devolução, muitas vezes, nem é oportuna nem específica. A restituição da informação aos alunos sob a forma de uma “nota” pouca utilidade possui para ajudar, apoiar e remediar os problemas detetados, até porque remete para situações cuja oportunidade se encontra, na maior parte dos casos, perdida. Deste ponto vista, sem se entrar na questão das “notas”5, uma das consequências de um outro tipo de feedback, inserido numa lógica de “avaliação contínua de regulação interactiva” (Barreira, Boavida & Araújo, 2006), é, desde logo, uma reconceptualização didática que favorece que as situações de aprendizagem sejam também situações de avaliação – e vice-versa. Outra consequência, finalmente, remete para a necessidade do reforço do diálogo na sala de aula, como modo consequente e efetivo de permitir um feedback oportuno, específico e centrado-na-tarefa, quer seja sob a forma de “comentários” orais, quer seja sob a forma de “comentários” escritos (Brookhart, 2008).
2.4. Reforçar a autoavaliação e a avaliação pelos pares 5
Cf. Pasquini (2018). 102
Esta prática assenta num argumento cientificamente demonstrado que convirá sublinhar liminarmente: a autoavaliação (e a avaliação pelos pares) é essencial para a aprendizagem porque “os alunos apenas atingem um objetivo de aprendizagem se perceberem esse objetivo e conseguirem avaliar o que precisam de fazer para atingi-lo” (Black & Wiliam, 2006, p. 15). Atendendo a este argumento, que reforça a importância capital da autoavaliação e da avaliação pelos pares, há dois pressupostos a considerar: por um lado, uma parte significativa da autoavaliação diz respeito à compreensão dos critérios de avaliação e dos objetivos de aprendizagem, condição prévia e sine qua non, o que implica, desde logo, que sejam pensados, organizados e escritos em função dos alunos; por outro lado, a autoavaliação é um processo contínuo, sistemático e concomitante ao próprio processo de aprendizagem, inserindo-se também numa lógica formativa de regulação interativa. Deste modo, a autoavaliação como processo de “pensamento metacognitivo”, segundo uma estratégia de autorregulação das aprendizagens, situa-se nos antípodas das práticas de autoavaliação prevalecentes, as quais assumem um caráter meramente periódico e pontual ao serviço de modalidades de avaliação exclusivamente sumativas. No fundo, a autoavaliação é um ritual de fim de período, que consiste em confrontar os alunos com os resultados e solicitar uma proposta de classificação sumativa face a um percurso de aprendizagem que já aconteceu e que, do ponto de vista de um feedback eficaz, se revela irreversível. Tal como os critérios de avaliação e os objetivos de aprendizagem, a autoavaliação e a avaliação pelos pares devem ser inscritas no trabalho diário e contínuo que os professores realizam na sala de aula. Deste ponto de vista, o diálogo e a comunicação são indispensáveis: a autoavaliação não é uma competência inata, tal como a capacidade de pensar crítica e autonomamente; pelo contrário, aprende-se, desenvolve-se e consolida-se num processo iterativo, atingido patamares cada vez mais exigentes e complexos. Para tal, os professores têm um papel fundamental a desempenhar através da sua permanente e indispensável heterorregulação em dois planos: num plano da heterorregulação das próprias aprendizagens e num plano de heterorregulação da aprendizagem da autoavaliação ou do desenvolvimento do “pensamento cognitivo”. Nesta mesma lógica, a avaliação pelos pares constitui-se também como uma estratégia crucial: por um lado, porque os alunos, na aplicação dos critérios de avaliação, adotam uma linguagem comum e natural, o que torna o feedback mais compreensível, direto e significativo; por outro lado, assumindo o papel de avaliadores e desempenhando o papel dos professores, aprendem a avaliar e, ao mesmo tempo, a autoavaliarem-se, ou seja, adquirem a distância crítica para refletirem sobre o que devem aprender e o que fazer para lá chegar. 2.5. Diversificar os processos de recolha de informação (analógicos e digitais) As práticas de diversificação dos processos de recolha de informação são de particular importância, desde logo, porque aumentam o rigor da avaliação. A possibilidade de triangulação de informação oriunda de diversas origens, tal como acontece nos procedimentos de natureza científica, é uma garantia de que o olhar construído e o juízo de
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valor realizado conferem maior credibilidade às práticas de avaliação escolar. Pelo contrário, a informação recolhida apenas através de uma e mesma fonte, de forma recorrente ao longo de processos de aprendizagem, tendem a produzir um olhar enviesado, lacunar e parcial do desempenho dos alunos. Por outro lado (e talvez este seja o argumento mais importante), a diversidade dos processos de recolha de informação é uma das formas mais eficazes de inclusão e de promoção da equidade na escola, como, de resto, é defendido pela conceção do “desenho universal para a aprendizagem” (Eid, 2019). Se os alunos são diferentes (física, emocional, cultural e cognitivamente), revelando maior ou menor capacidade de traduzir as suas aprendizagens conforme o tipo de atividade que é solicitada, a ausência de diversos meios de expressão e comunicação privilegia os mais aptos e adaptados e, por consequência, prejudica todos os outros menos aptos e adaptados ao instrumento utilizado de modo único e recorrente. Deste ponto de vista, o uso do mesmo processo de recolha de informação apenas está ao serviço da função seletiva, normativa e comparativa das práticas de avaliação escolar, sendo um obstáculo sério e objetivo aos esforços de inclusão escolar. O recurso monomaníaco aos testes de conhecimento está relacionado, obviamente, com o peso que os exames nacionais assumem nos sistemas educativos como forma de gestão do mercado escolar e da seleção dos alunos para a entrada no ensino superior. Face à pressão exercida retroativamente sobre os pais, alunos e professores, o percurso escolar, muitas vezes, não é mais do que um permanente treino para os testes, os quais, por sua vez, são um treino para os exames. Neste caso, estamos, uma vez mais, na presença de um efeito “hipertélico” (Tort, 2019) da avaliação: os alunos e os professores esquecem-se da razão pela qual existe a escola e, paradoxalmente, agem em função de uma finalidade que tende a negar a própria importância de aprender. No entanto, convirá dizer que o problema não está nos testes; está, isso sim, no recurso apenas aos testes como processo de recolha de informação, designadamente pelas razões acima aduzidas. Ora, embora haja fatores condicionantes de “cultura de escola” e de “cultura profissional”, a diversidade de processos de recolha de informação encontra-se no exclusivo domínio da agência dos professores e no espaço privilegiado da sua autonomia científica, pedagógica e didática. E, se qualquer professor inscrever a sua ação também num plano ético e político, não pode deixar de reconhecer que a diversidade dos processos de recolha de informação é um imperativo face à própria diversidade que caracteriza a escola atual. Convém acrescentar que, hoje em dia, a diversidade de processos de recolha de informação remete, ainda, para os desafios resultantes da emergência incontornável do processo de digitalização da informação. Embora a digitalização da avaliação seja uma realidade cada vez mais comum (Drijvers, 2018; Merle, 2018), o que sucede, porém, é que o recurso a instrumentos de avaliação digital, no dia a dia das escolas, ainda está muito longe das dinâmicas de digitalização que ocorrem noutros domínios da vida das pessoas e das sociedades (Schmidt & Cohen, 2013). Evidentemente, a avaliação digital não é a panaceia para resolver todos os problemas, mas apresenta algumas vantagens que seria estulto ignorar: ao contrário da avaliação analógica (testes de papel e caneta), oferece oportunidades para o recurso a itens mais dinâmicos e ricos (filmes, imagens, simulações,
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etc.); permite gerar feedback automático e imediato, o que, como já vimos, é uma das condições fundamentais para potenciar e estimular as aprendizagens, sendo que diminui o trabalho do professor no tratamento da informação; fornece mais rapidamente ao professor e ao aluno dados para a meta-análise do ensino e da aprendizagem; finalmente, apresenta um maior grau de adaptabilidade e diferenciação, permitindo uma maior personalização da avaliação em função do nível dos alunos (Drijvers, 2018, pp. 47-48). É certo, não obstante, que a avaliação digital possui desvantagens e limitações, pelo que o desejável, uma vez mais, é uma combinação calibrada e equilibrada com a avaliação analógica. As propostas que acabamos de sugerir decorrem do pressuposto de que a transformação em causa deve ter uma natureza “cultural”, evitando os perigos do concetualismo e do praticismo: o primeiro acredita que basta mudar as conceções, seja por voluntarismo legislativo, seja por ação instrutiva, para haver mudança das práticas; o segundo postula que o que é necessário é mudar as práticas, sem qualquer mudança nas conceções que, de forma latente ou patente, devem necessariamente sustentar as práticas. Ora, uma das principais qualidades de qualquer processo de mudança é capacidade de construir sentidos de humanidade para orientar as nossas ações, o que implica, concomitantemente, uma reflexão sobre as conceções e as práticas, tendo como finalidade a sua própria “consonância” cognitiva: quando faço, sei o que o faço e para que faço, em coerência com o que penso e os valores que defendo. Trata-se, enfim, de colocar o lugar da mudança na intrínseca articulação e imbricação das conceções e das práticas, acreditando e reforçando a inalienável esfera de agência e de autonomia de cada professor.
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O DESAFIO DA CIDADANIA NA ESCOLA: DO ENQUADRAMENTO ÀS PRÁTICAS Isabel Baltazar
Universidade Nova de Lisboa
Beatriz Crespo Mestranda
Neste estudo serão apresentadas algumas questões que serviram de ponto de partida para uma reflexão sobre a Cidadania na Escola: (i) cidadania:quadro conceptual; (ii) a cidadania como alicerce de um bom desenvolvimento global da criança; (iii) a cidadania na escola: metodologias, práticas e estratégias de intervenção para a promoção da cidadania; (iv) a educação para a cidadania: uma nova disciplina; (v) O desafio da Cidadania na Escola. 1.1. Cidadania: quadro conceptual Em primeiro lugar, precisamos de pensar o significado da Cidadania em si mesmo, antes de falarmos de uma Cidadania na Escola. A “Cidadania” aparece-nos como a qualidade de cidadão e um vínculo jurídico que traduz a condição de um indivíduo enquanto membro de um Estado ou de uma comunidade política, constituindo-o como detentor de direitos e de obrigações perante essa mesma entidade. A cidadania é, também, o exercício dessa condição, através da participação na vida pública e política de uma comunidade ou o conjunto dos cidadãos. A cidadania é um conceito abrangente e é considerada uma conduta pela qual todos os cidadãos se devem reger. Esta é orientada por normas estipuladas pela sociedade e pela política, onde os direitos e os deveres se relacionam entre si de modo a criar uma sociedade justa e igualitária. Nogueira (2015, p. 10) refere as ideias de Audigier (2000), sobre o conceito de cidadania no qual afirma que este autor fez uma comparação deste conceito em dicionários de diferentes países e que concluiu que o sentido de pertença a uma comunidade ou grupo e a existência de um conjunto de direitos e deveres são comuns nos diferentes países e comunidades e que as diferenças que evidenciou apenas passam por diferenças linguísticas. De acordo com o documento “Educação para a Cidadania- linhas orientadoras” da DireçãoGeral da Educação,“A cidadania traduz-se numa atitude e num comportamento, num modo de estar em sociedade que tem como referência os direitos humanos, nomeadamente os valores da igualdade, da democracia e da justiça social.” (2013, p. 1) Segundo Ferreira & Fernandes (2013, citado por Costa & Ianni, 2018, p. 43), “(…) os termos cidadão e cidadania geralmente remetem ao indivíduo pertencente a uma comunidade e portador de um conjunto de direito e deveres.”.
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A autora Araújo (2008, p. 76) afirma que a cidadania é um conceito que implica a “(…) participação social e o serviço comunitário para o bem geral”, ideias que vão ao encontro dos autores Ferreira & Fernandes, que se enquadra no conceito de cidadania com o papel do cidadão em geral, por este pertencer a uma comunidade. A mesma autora refere as ideias de Figueiredo (1999, p. 34) afirmando que a cidadania diz respeito “(…) ao indivíduo pertencente a um estado livre, no gozo dos seus direitos civis e políticos e sujeito a todas as obrigações inerentes a essa condição” (p. 77), quer isto dizer que o cidadão está perante um conjunto de direitos e deveres. De acordo com Marshall (2009), a cidadania é concebida a todos os membros de uma comunidade. O mesmo ainda afirma que não existe um princípio universal que determine o que esses direitos e deveres devem ser. No contexto do conceito de cidadania, Marshall (2009, p. 3) ainda refere que a cidadania é um conjunto de práticas políticas no qual estão enquadrados direitos e deveres públicos específicos que são determinados por uma comunidade política. Desta forma, e de acordo com o conceito de cidadania aqui apresentado, os direitos e deveres civis, políticos e sociais, são determinados pela constituição de cada país que devem ser respeitados por todos de modo a que possamos viver de uma forma mais equilibrada e justa. Segundo Marshall (1950, citado por Heater, 1999, p. 14), “The civil element is composed of the rights necessary for individual freedom -liberty of the person, freedom of speech, thought and faith, the right to own property and to conclude valid contracts, and the right to justice. By the political element I mean the right to participate in the exercise of political power, as a member of a body invested with political authority or as an elector of the members of such a body. By the social element I mean the whole range from the right to a modicum of economic welfare and security to the right to share to the full in the social heritage and to live the life of a civilise being according to the standards prevailing in the society.”. Resumindo as palavras citadas acima por Marshall, a cidadania proporciona aos cidadãos direitos como a liberdade e a justiça, direito de participar no exercício do poder político e direito do património e da vida de acordo com os padrões impostos pela sociedade. Por seu lado, a UNESCO (2015, p. 2) afirma que a cidadania tem diferentes interpretações, refere também que a cidadania global ganhou um novo significado na primeira Iniciativa Global para a Educação, onde a ONU identificou a cidadania global como sendo uma das suas prioridades para a educação. De acordo com as ideias de Naval (1995) e Crick Report (1998) (citado por Reis, 2000), “a ideia de educar para a cidadania num mundo complexo (…) trata-se de uma tarefa essencial nas sociedades livres que associa as diferentes dimensões da cidadania: responsabilidade social e moral, participação na comunidade e literacia política.” (p. 115) Reis (2000, p. 115), faz uma ligação entre a cidadania e o papel das diferentes sociedades, referindo que parte do papel das mesmas é fazer uma ponte entre a cidadania e problemas 108
relacionados com o ambiente, o urbanismo, a qualidade de vida, a exclusão social, o emprego e o desemprego, os direitos das minorias, a transparência na administração e, naturalmente, a utilização das tecnologias de informação e comunicação. Segundo as ideias e conceções de todos os autores aqui apresentados, é possível afirmar que existe uma concordância sobre a conceção de cidadania e quais as suas vertentes, pois referem que a cidadania faz parte de uma sociedade ao qual são atribuídos aos cidadãos direitos e deveres numa participação e vida em sociedade. Desta forma, é possível afirmar que o desenvolvimento da cidadania e de todas as suas vertentes, em conjunto com os direitos de cada um relativamente à liberdade e à democracia, foi um grande progresso em todo o mundo, pois “(…) permitiu alargar as possibilidades de participação cívica e a construção de sociedades mais justas.” (Reis, 2000, p. 114) Com as diferentes conceções, pode afirmar-se que, atualmente, o conceito de cidadania está a ter uma dimensão holística, ou seja, está em constante adaptação, pois a sociedade está em constante transformação e evolução e este conceito tende a reger-se numa definição base que se adapta à sociedade tendo a interligar valores, identidades, aspetos políticos, éticos, sociais e jurídicos. Segundo Pinsky (2003, citado por Fonseca, 2009) esta não é “uma definição estanque, mas um conceito histórico, o que significa que o seu sentido varia no tempo e no espaço.” (p. 11) 1.2. A cidadania e o desenvolvimento global da criança De acordo com a UNESCO (2015, p. 3), desenvolver e implementar a cidadania nas crianças e jovens envolve diversas dimensões conceituais e, como é possível verificar na Figura 1, promove diversas competências sociais, emocionais e académicas dos mesmos.
Figura 1- Dimensões conceituais da Educação para a Cidadania Global e da Educação para o Desenvolvimento Sustentável: desenvolvimento global da criança
Com a leitura e interpretação do conteúdo referido na figura 1, é possível afirmar que implementar diariamente estratégias, atividades e conceitos que envolvam a área temática da
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cidadania, constitui uma referência para a promoção de competências essenciais para o desenvolvimento global das crianças. Segundo os autores Nielsen, Meilstrup, Nelausen, Koushede, & Holstein (2015), as competências socioemocionais permitem aos indivíduos obterem um autocontrolo da sua própria vida e a participarem na vida em sociedade. Ao encontro destas ideias, Álvaro de Carvalho et al. (2016), realçam que a aquisição de competências socioemocionais desenvolvem nas crianças e jovens, “(…) conhecimentos, atitudes e competências que cada um/a precisa consolidar para fazer escolhas coerentes consigo próprio/a, ter relações interpessoais gratificantes e um comportamento socialmente responsável e ético.” (p. 19) Neste contexto, desenvolver a cidadania em contexto escolar promove o desenvolvimento global das crianças na medida em que o Social and Emotional Learning (SEL), de acordo com as ideias referidas pelos autores Jones, Barnes, Bailey, & Doolittle (2017, p. 4) na revista “The Future of Children”, envolve as capacidades das crianças de aprenderem e de gerirem as suas próprias emoções e interações de maneira a que beneficiam a si e aos outros e que ajudam crianças e jovens a terem sucesso na escola, no local de trabalho, nos relacionamentos e a viver em sociedade. Na mesma revista, os autores Hurd & Deutsch (2017, p. 110), afirmam que as escolas devem investir e apoiar a capacidade da próxima geração e a dos futuros adultos a promover e incentivar contribuições positivas para a sociedade, fazê-los sentirem-se confiantes e capazes de executar tarefas que imponham tomadas de decisões responsáveis. De acordo com Nogueira (2015), a educação para a cidadania constitui três dimensões pedagógicas que resultam na conjugação dos três domínios do desenvolvimento global da criança, ao qual denomina por “Triângulo da Cidadania”, como é possível verificar na Figura 2.
Figura 2 - Triângulo da Cidadania (traduzido e adaptado de Rowe (1993) por Nogueira (2005)
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Na figura 2 é possível verificar três domínios relacionados por Rowe (1993): domínio cognitivo, domínio afetivo e domínio dos aspetos de ação, que são referentes a atitudes e comportamentos. No domínio cognitivo, estão referidos aspetos que vão ao encontro da compreensão dos direitos e deveres cívicos, dos valores, raciocínio moral e reflexão crítica que estão intrinsecamente relacionados com a ética moral. No domínio afetivo, é possível verificar que estes são relacionados com a compreensão das emoções, ao desenvolvimento da autoestima e do autoconhecimento e às relações e sentimentos sociais. E, por fim, o domínio relacionado com a ação, envolve a realização de comportamentos, atitudes e ações que permitem colocar em prática conhecimentos que revelam responsabilidade pessoal e social. De acordo com o mesmo autor, promover a cidadania é permitir que as crianças e os jovens adquiram competências de cidadania a nível ético-moral, na medida em que desenvolvem responsabilidades éticas e morais tornando-se assim bons cidadãos de acordo com o que é estipulado pela sociedade, e a nível sociopolítico na medida em que estes compreendem a importância da sua participação na vida política e na sociedade 1.3 A cidadania na escola: metodologias, práticas e estratégias de intervenção para a promoção da educação para a cidadania Atualmente sabe-se que a escola constitui e fornece um importante contexto para diferentes aprendizagens e de acordo com a Direção-Geral da Educação (2013) é na escola que se refletem as preocupações referentes à sociedade, (…) que envolvem diferentes dimensões da educação para a cidadania, tais como: educação para os direitos humanos; educação ambiental/desenvolvimento sustentável; educação rodoviária; educação financeira; educação do consumidor; educação para o empreendedorismo; educação para a igualdade de género; educação intercultural; educação para o desenvolvimento; educação para a defesa e a segurança/educação para a paz; voluntariado; educação para os media; dimensão europeia da educação; educação para a saúde e a sexualidade.”. (p. 1) Os diferentes domínios apresentados anteriormente para a Educação para a Cidadania são apresentados pela Direção-Geral da Educação como estando organizados em três grupos distintos: o primeiro grupo diz respeito aos direitos humanos, igualdade de género, interculturalidade, desenvolvimento sustentável, educação ambiental e saúde; o segundo grupo é referente aos domínios da sexualidade, media, instituições e participação democrática, literacia e educação para o consumo, segurança rodoviária e risco são domínios que devem ser implementados em pelo menos dois ciclos do ensino básico; e por fim, o terceiro grupo refere-se aos domínios de empreendedorismo, mundo do trabalho, segurança, defesa e paz, bem-estar animal e voluntariado, ao qual têm liberdade de escolher o ano de escolaridade em que deve ser implementado.
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Segundo Bellamy (2008, p. 1), os governos de todo o mundo promovem a cidadania em escolas e universidades e em Portugal, segundo o Despacho n.º 6173/2016 de 10 de maio de 2016, correspondente aos Gabinetes da Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade e do Secretário de Estado da Educação, é referido que é intenção do Governo Português implementar e desenvolver a área da cidadania e dos direitos humanos e da igualdade de género em todo o país, bem como a todas as crianças e jovens. Nesse mesmo Despacho é referido que a escola pública deve promover e desenvolver estratégias para que as crianças e jovens “(…) experienciem e adquiram competências e conhecimentos de cidadania em várias vertentes, designadamente, valores e conceitos de cidadania nacional, direitos humanos, igualdade de género, não discriminação, interculturalidade, inclusão das pessoas com deficiência, educação para a saúde, educação para os direitos sexuais e reprodutivos e educação rodoviária.” (p. 14676) De acordo com o Decreto-Lei n.º 55/2018 de 6 de julho, é referido que, “O programa do XXI Governo Constitucional assume como prioridade a concretização de uma política educativa centrada nas pessoas que garanta a igualdade de acesso à escola pública, promovendo o sucesso educativo e, por essa via, a igualdade de oportunidades.” Neste mesmo Decreto-Lei é referido que foi aprovado no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória um conjunto de competências, princípios e valores que devem constar nos currículos escolares e ainda apresentam propostas que dão autonomia às escolas para desenvolverem estas competências: i) “Dispor de maior flexibilidade na gestão curricular, com vista à dinamização de trabalho interdisciplinar, de modo a aprofundar, reforçar e enriquecer as Aprendizagens Essenciais; ii) Implementar a componente de Cidadania e Desenvolvimento, enquanto área de trabalho presente nas diferentes ofertas educativas e formativas, com vista ao exercício da cidadania ativa, de participação democrática, em contextos interculturais de partilha e colaboração e de confronto de ideias sobre matérias da atualidade; iii) Fomentar nos alunos o desenvolvimento de competências de pesquisa, avaliação, reflexão, mobilização crítica e autónoma de informação, com vista à resolução de problemas e ao reforço da sua autoestima e bem-estar; iv) Adotar diferentes formas de organização do trabalho escolar, designadamente através da constituição de equipas educativas que permitam rentabilizar o trabalho docente e centrá-lo nos alunos; v) Apostar na dinamização do trabalho de projeto e no desenvolvimento de experiências de comunicação e expressão nas modalidades oral, escrita, visual e multimodal, valorizando o papel dos alunos enquanto autores, proporcionando- lhes situações de aprendizagens significativas; 112
vi) Reforçar as dinâmicas de avaliação das aprendizagens centrando-as na diversidade de instrumentos que permitem um maior conhecimento da eficácia do trabalho realizado e um acompanhamento ao primeiro sinal de dificuldade nas aprendizagens dos alunos; vii) Conferir aos alunos do ensino secundário a possibilidade de adoção de um percurso formativo próprio através de permuta e substituição de disciplinas, no respeito pelas componentes específica e científica de cada curso.” No mesmo Decreto-Lei é referido no Artigo 15.º que cada escola deve definir a sua estratégia para implementar a cidadania na escola e que para isso, deverão definir: a) “Os domínios, os temas e as aprendizagens a desenvolver em cada ciclo e ano de escolaridade; b) O modo de organização do trabalho; c) Os projetos a desenvolver pelos alunos que concretizam na comunidade as aprendizagens a desenvolver; d) As parcerias a estabelecer com entidades da comunidade numa perspetiva de trabalho em rede, com vista à concretização dos projetos; e) A avaliação das aprendizagens dos alunos; f) A avaliação da estratégia de educação para a cidadania da escola.” É neste contexto que as palavras de Figueiredo, et al. (2016) dão sentido ao que anteriormente foi referido, na medida em que cabe às escolas assumirem o seu papel enquanto elementos da sociedade: “(…) a escola deve assumir um papel fundamental, em todos os níveis e ciclos de educação e ensino, proporcionando a aquisição de conhecimentos, o desenvolvimento de capacidades e a promoção de valores, atitudes e comportamentos que permitam às crianças e aos jovens a compreensão crítica e a participação informada perante desafios locais e globais que se colocam à construção de um mundo mais justo, inclusivo e solidário.”. (p. 5) A nível escolar, a UNESCO (2016) fornece um documento “Educação para a cidadania global: tópicos e objetivos de aprendizagem”, onde é possível verificar que os métodos de implementação mais comuns da ECG (Educação para a Cidadania Global) são implementados em “(…) toda a escola, como tema transversal no currículo” (p. 48), quer isto dizer que este é um tema que deve ser implementado, estudado e dialogado em diversas áreas disciplinares e que envolvam conceitos e valores básicos que sejam vivenciados e experienciados pela sociedade em geral, de modo a promoverem um ensino-aprendizagem eficaz e de acordo com a realidade. Neste documento, a UNESCO refere alguns exemplos de métodos de implementação da ECG que se baseiam na “(…) utilização de métodos de ensino participativo em todas as disciplinas, atividades para celebrar dias internacionais,
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conscientização, clubes orientados para o ativismo, envolvimento da comunidade e vínculos com escolas de diferentes lugares.” (p. 48) Desta forma, o papel das escolas passa por promover temas transversais que fomentem e integrem deversas competências das crianças, promovendo assim a interdisciplinaridade. É importante referir que as escolas podem não ter apoios e/ou recursos financeiros, humanos ou materiais, tais como livros, salas de aula, professores com formação na área da cidadania ou outras limitações, como políticas, sociais ou culturais, o que pode dificultar e/ou limitar a implementação dos objetivos da ECG. Neste contexto, a UNESCO afirma que nestes casos, a implementação pode ser realizada com recursos limitados e refere que existe a possibilidade de realizar projetos a níveis escolares que ofereçam aos alunos oportunidades e motivações para aprenderem e desenvolverem os seus conhecimentos acerca da temática da cidadania. Segundo a UNESCO (2015), as práticas pedagógicas necessárias para desenvolver a ECG nas escolas deverão ir ao encontro do que é considerado incentivar, respeitar, incluir, compreender, compartilhar e ouvir; deverão incluir abordagens centradas nos alunos; incutir tarefas sociais com temas sobre a atualidade; usar recursos educativos e interativos; aplicar estratégias de autoavaliação e heteroavaliação, de acordo com os objetivos estipulados nos currículos escolares; promover aprendizagens em diferentes contextos e que envolvam redes comunitárias e internacionais; e, por fim, utilizar as famílias como recurso de ensinoaprendizagem, tento em conta os diferentes contextos sociais e culturais. Ainda no contexto das práticas de ensino e aprendizagem, incentivar a participação dos alunos nas decisões sobre o seu processo ensino-aprendizagem é considerado pela UNESCO como sendo uma prática pedagógica participativa, inclusiva e centrada no aluno. Segundo a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC), a escola deve “(…) assentar as suas práticas quotidianas em valores e princípios de cidadania, de forma a criar um clima aberto e livre para a discussão ativa das decisões que afetam a vida de todos os membros da comunidade escolar.” (Direção-Geral da Educação, 2017, p. 10) A ENEC ainda refere que a escola deve adotar princípios, atitudes, regras e práticas quotidianas não só ao nível da escola, mas também ao nível da sala de aula, nomeadamente relacionadas com o envolvimento dos alunos, docentes e não docentes nas tomadas de decisões, em projetos que envolvam a comunidade e situações da vida real. 1.3.1. O papel do professor no desenvolvimento de competências de cidadania Segundo a UNESCO (2015), os professores, educadores e profissionais de educação têm como papel principal guiar, incentivar e envolver os seus alunos em pesquisas que permitam desenvolver diversos conhecimentos, competências, valores, comportamentos e atitudes dos alunos de modo a que estes se tornem adultos responsáveis, éticos e que promovam mudanças a nível pessoal e social.
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Para que os profissionais de educação consigam dar continuidade ao seu papel nas escolas, estes têm de ter formações e orientações vindas da Equipa Nacional de Educação para a Cidadania (EQNEC). Esta equipa nacional tem como papel principal coordenar e ”(…) identificar as necessidades de formação com base na informação disponibilizada pelas escolas e propor linhas orientadoras para a estratégia de formação contínua de docentes, identificando as ações de formação prioritárias a oferecer por cada Centro de Formação de Associação de Escolas (CFAE) bem como por outras entidades acreditadas para o efeito.” (Direção-Geral da Educação, 2017, p. 13) Segundo a ENEC, os professores que implementam a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento devem demonstrar um perfil adequado para exercer a sua função, desta forma estes devem: a) “demonstrar saber identificar e ter respeito pelas diferenças culturais de alunos/as e da restante comunidade educativa; b) saber criar situações de aprendizagem para os/as alunos/as desenvolverem pensamento crítico, trabalho colaborativo e resolução de problemas; c) saber potenciar situações de aprendizagem em articulação com a comunidade; d) ter experiência de coordenação de equipas e capacidade organizativa; e) frequentar/ter frequentado ações de formação sobre Educação para a Cidadania; f) possuir competências de trabalho, nomeadamente, em metodologia de projeto; g) possuir competências de utilização de meios tecnológicos; h) conseguir estabelecer e manter relações empáticas com discentes; i) sentir-se motivado para desempenhar tarefas, sem imposição superior; j) ser reconhecido pelo conselho de turma como o/a docente adequada/o à coordenação da EC da respetiva turma.” (p. 14) Parte também do papel do professor apresentar aos seus alunos um ambiente de sala de aula que transmita segurança para assim promover aprendizagens mais efetivas. Tais ambientes podem ser desenvolvidos através das relações efetivas criadas entre professores e alunos. Desta forma, o professor poderá dar autonomia aos seus alunos para implementarem, em conjunto, por exemplo: “(…) as regras básicas de interação, a sala de aula pode ser arrumada de forma a permitir que os alunos trabalhem em colaboração em pequenos grupos, os alunos podem identificar recursos com o apoio do professor, e espaços podem ser designados para expor os trabalhos desenvolvidos. É necessário prestar especial atenção aos fatores que podem prejudicar a inclusão e limitar as oportunidades de aprendizagem. Esses fatores incluem, entre outros, situação econômica, capacidade física e mental, raça, cultura, religião, gênero e orientação sexual.” (UNESCO, 2015, p. 52)
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Deste modo, e de uma forma resumida, segundo o site da Direção-Geral da Educação, os professores têm como principal papel preparar os alunos para a vida em sociedade, para crescerem e desenvolverem-se de acordo com o que é considerado cidadãos democráticos, participativos, éticos e humanistas, “(…) no sentido de promover a tolerância e a não discriminação, bem como de suprimir os radicalismos violentos.” (Direção-Geral da Educação, 2017) 1.3.2. O desenvolvimento e a prática de competências de cidadania em contexto de sala de aula De acordo com a UNESCO (2015), a ECG deve ser implementada em sala de aula por professores, educadores e profissionais de educação especializados e qualificados para fornecer um ensino-aprendizagem de qualidade. Como já foi referido anteriormente, para facilitar o papel dos profissionais de educação, as salas de aulas devem transmitir ambientes calmos, seguros e inclusivos, pois “tais ambientes melhoram a experiência de ensino e aprendizagem, apoiam diferentes tipos de aprendizagem, valorizam o conhecimento e a experiência dos alunos e permitem a participação de alunos de diversas origens.” (UNESCO, 2015, p. 51) Ao nível de sala de aula, devem ser feitas avaliações que incorporem competências de carácter cognitivo, social, emocional e pessoal e estas devem ser observadas e registadas de acordo com evidências reais. Os critérios de avaliação devem ser definidos pelos conselhos de turma em conjunto com as escolas e devem ter em conta “(…) o impacto da participação dos alunos e das alunas nas atividades realizadas na escola e na comunidade, constando estas, de acordo com as normas definidas, no certificado de conclusão da escolaridade obrigatória.” (Direção-Geral da Educação, 2017, p. 10) A ENEC (2017) ainda refere que devem ser utilizados diversos instrumentos de avaliação, “(…) valorizando as modalidades diagnóstica e formativa, não se limitando a uma avaliação de conhecimentos teóricos adquiridos relativamente a cada domínio da Cidadania (…).” (p. 10) De acordo com documentos disponibilizados pela DGE, quanto à avaliação das aprendizagens dos alunos em relação à temática da Cidadania, é possível verificar-se respostas para algumas questões que são relevantes e orientadoras para os docentes: o que se deve avaliar, como se deve avaliar, quando se deve avaliar e qual é o objetivo de se avaliar. O que se deve avaliar? Quanto ao que se deve avaliar, o docente deve ter em consideração o conhecimento dos alunos sobre determinado assunto, as competências que os alunos demonstram ter ou desenvolver para aplicar os conhecimentos adquiridos e de que forma esses conhecimentos são publicados pelos alunos.
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Como se deve avaliar? Em resposta a esta questão, a DGE afirma que o professor deve adotar estratégias de avaliação de carácter diagnóstico, formativo e sumativo através de técnicas e instrumentos diversificados de forma a que diversas fontes de recolha de informação e de registo sejam exploradas pelos alunos. Quando se deve avaliar? Os professores devem avaliar as competências de cidadania dos seus alunos num processo contínuo e sistemático, mostrando coerência. Qual o objetivo de se avaliar? A DGE refere que deve-se avaliar para que se faça uma autoavaliação do próprio trabalho do docente, para que se ajustem estratégias e práticas educativas. A DGE também disponibiliza no seu site um documento onde é possível observar uma tabela com exemplos, baseados em evidências e em descritores de desempenho para avaliar os alunos, como é possível verificar na Figura 3.
Figura 2 - Grelha de observação e avaliação dos alunos
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Na Figura 3, consta uma grelha de observação e de avaliação que está de acordo com os princípios orientadores apresentados pelo ENEC e pode ser um documento orientador para que seja realizada uma reflexão de carácter qualitativo “(…) em torno do envolvimento, da participação e do interesse de cada estudante no trabalho que desenvolve nesta componente do currículo (…).”. (Milagre, Gonçalves, Neves, & Santos, p. 31) 1.4. A educação para a cidadania: uma nova disciplina Os valores dos direitos humanos são o alicerce para uma educação com base na cidadania, onde esta visa formar cidadãos que vivenciem, experienciem e sintam todos esses valores providos de uma boa instrução e educação. Nos anos 90, a ideia de implementar uma estratégia de educação para a cidadania, já havia sido pensada, pois tal como refere Chokni (1995, citado por Nogueira, 2015),“Preparar as novas gerações para uma intervenção mais activa e responsável na sociedade civil implica ajudá-las a viver uma cidadania no espaço escolar, tarefa que não pode dispensar uma estratégia global de educação para a cidadania.” (p. 116) A educação para a cidadania é uma disciplina que está a ser imposta nas escolas de forma gradual, isto é, atualmente apenas as escolas que estão inseridas Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular do Ministério da Educação é que estão a implementar esta disciplina nos seus contextos escolares. A Direção-Geral da Educação (2013) afirma que, “Enquanto processo educativo, a educação para a cidadania visa contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelos outros, com espírito democrático, pluralista, crítico e criativo, tendo como referência os valores dos direitos humanos.” (p. 1) No documento “Educação para a cidadania global: a abordagem da UNESCO”, é referido que a Educação para a Cidadania tem como objetivos, “(…) equipar alunos de todas as idades com valores, conhecimentos e habilidades que sejam baseados e promovam o respeito aos direitos humanos, à justiça social, à diversidade, à igualdade de gênero e à sustentabilidade ambiental. Além de empoderar os alunos para que sejam cidadãos globais responsáveis, a ECG oferece as competências e as oportunidades de concretizar seus direitos e suas obrigações, com vistas a promover um mundo e um futuro melhor para todos.” (UNESCO, 2015, p. 2) No documento do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, documento de referência para a organização de todo o sistema educativo e para o trabalho das escolas, é possível verificar a figura 4, onde são esquematizados os príncipios orientadores e as áreas de competências que os alunos devem desenvolver ao longo da escolaridade obrigatória.
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Na figura 4, é possível verificar que a aprendizagem, a inclusão, a estabilidade, a adaptabilidade e ousadia, a coerência e flexibilidade, a sustentabilidade, a base humanista e o saber devem fazer parte dos princípios orientadores dos currículos escolares da instituições escolares. Estas devem promover e integrar áreas de carácter social e pessoal, científico, tecnológico e informativo que permitam aos alunos analisar, questionar, raciocinar, criticar, avaliar, selecionar informação e tomar decisões.
Figura 4 - Esquema conceitual do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória
De acordo com os valores que os alunos devem adquirir ao longo da escolaridade obrigatória, o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória identifica a cidadania e participação como um dos valores que devem ser encorajados nas atividades escolares e colocados em prática em diversos contextos: “ (…) Cidadania e participação – Demonstrar respeito pela diversidade humana e cultural e agir de acordo com os princípios dos direitos humanos; negociar a solução de conflitos em prol da solidariedade e da sustentabilidade ecológica; ser interventivo, tomando a iniciativa e sendo empreendedor. (…) Liberdade – Manifestar a autonomia pessoal centrada nos direitos humanos, na democracia, na cidadania, na equidade, no respeito mútuo, na livre escolha e no bem comum.” (Martins, et al., 2017, p. 17).
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1.5. O desafio da cidadania na escola Jacques Delors escreveu um prefácio intitulado “A Educação ou a Utopia Necessária” no Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI, que teria o título Educação um tesouro a descobrir, que permanece muito atual e pertinente. A Comissão coordenada pela lucidez e espírito visionário do Senhor Delors, estudou os problemas sociais identificados do século XX, encontrando na Educação um Tesouro a Descobrir. Perante os múltiplos desafios do presente, a solução passa por olhar para os fundamentos da história da humanidade, e, neste nosso caso, para a História da Europa, e encontrar neles as raízes para transformar o presente com esperança no futuro. Face aos múltiplos desafios do futuro, é na educação que encontramos os alicerces para a construção de uma nova sociedade, formando as novas gerações para os valores da paz, da liberdade e da justiça social. É pela educação que é possível o desenvolvimento do mundo, tanto ao nível das pessoas, dos estados, como da humanidade no seu conjunto. O tesouro está na educação para um novo Humanismo, face ao constante e vertiginoso crescimento tecnológico e científico. É preciso recuperar os valores essenciais, que tornam a pessoa como o centro do desenvolvimento e de um mundo mais próspero e de bem-estar social e individual. Estes objetivos não se realizam de forma imediatista, como um remédio milagroso, uma vez encontrado o problema (falta de humanismo) e a solução (educação). Nada mais necessário para fazer avançar o mundo do que mudar mentalidades, mas, também, nada mais lento do que esta mudança. A educação é, também, um grito de amor à infância e juventude, que devemos acolher nas nossas sociedades, dando-lhes o espaço que lhes cabe no sistema educativo, sem dúvida, mas também na família, na comunidade de base, na nação. Este dever elementar deve ser constantemente recordado, para cada vez mais ser tido em conta, aquando das opções políticas, económicas e financeiras. Parafraseando o poeta, a criança é o futuro do homem. Num século tão marcado por progressos económicos e científicos, por um avanço tecnológico sem medida, paradoxalmente, a Educação não revela grandes progressos, pelo menos, uma Educação Global de competências e de valores. De facto, se “educare” significa guiar ou orientar alguém a fazer caminho, estamos na era das competências cognitivas e de um sucesso educativo que não é mais do que atingir metas curriculares. O tesouro está na Educação e não, apenas, na instrução, e é esta educação para valores e cidadania que, embora inscrita, nos programas curriculares, com diferentes designações, não está a provocar competências afetivas e sociais proporcionais e à construção de um mundo melhor, mais humano e feliz. Estamos na era dos paradoxos, mas, estamos, também, na era da viragem e da proposta de que o sucesso educativo não pode ser medido por rankings, mas, também, por atitudes individuais e sociais. O sucesso educativo de educar para valores terá como meta uma sociedade de bons cidadãos e de pessoas felizes, uma educação para Ser, como relata o relatório da Comissão para o Século XXI, nos seus princípios fundamentais. A educação deve transmitir, de facto, de forma maciça e eficaz, cada vez mais saberes e saber-fazer evolutivos, adaptados à civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro. 120
Simultaneamente, compete -lhe encontrar e assinalar as referências que impeçam as pessoas de ficar submergidas nas ondas de informações, mais ou menos efémeras, que invadem os espaços públicos e privados e as levem a orientar -se para projetos de desenvolvimento individuais e coletivos. À educação cabe fornecer, dalgum modo, a cartografia dum mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele. Os educadores, no verdadeiro sentido do termo, não são apenas depositários de matérias, mas são o porto de abrigo onde os alunos se orientam com a bússola recebida para chegar a bom porto. Os professores, neste sentido, são, também educadores, e os alunos, os agentes da sua própria aprendizagem experiencial. A Comissão Delors percebeu que este era o caminho e que não interessava uma grande e pesada bagagem, mas saber o que se leva de útil na mala de competências. Nesta visão prospetiva, uma resposta puramente quantitativa à necessidade insaciável de educação – uma bagagem escolar cada vez mais pesada – já não é possível nem mesmo adequada. Não basta, de facto, que cada um acumule no começo da vida uma determinada quantidade de conhecimentos de que possa abastecer-se indefinidamente. É, antes, necessário estar à altura de aproveitar e explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar e enriquecer estes primeiros conhecimentos, e de se adaptar a um mundo em mudança. Os quatro pilares da educação que a Comissão de Jacques Delors, na sequência desta nova dimensão da educação, organizou numa estrutura de aprendizagens fundamentais, que viriam a ser consagradas como «Os quatros pilares da educação»: A educação deve organizar -se à volta de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão dalgum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra os três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contacto, de relacionamento e de permuta. O problema fundamental é que, apesar de todos os esforços em sentido contrário, o ensino continua a orientar -se, essencialmente, e muitas vezes, exclusivamente, para o aprender a conhecer, seguindo-se do aprender a fazer, em muito menor escala, e ainda menos, o aprender a conviver e aprender a ser. A Comissão o que pretende neste relatório é a Educação Global, em que cada um dos quatro pilares tem o mesmo valor, no sentido de uma educação harmoniosa e de um equilíbrio da pessoa humana. O plano cognitivo e prático devem ser complementados com uma literacia social de saber ser e conviver com os outros. É, por isso, indispensável, mudar a ideia de que a educação formal é mais importante do que a educação não formal. Os desafios deste século são de construir uma sociedade mais harmoniosa, em que o potencial criativo, de descoberta desse tesouro escondido em cada indivíduo, tivesse tempo e espaço para revelar -se. Torna -se, por isso, necessário, ultrapassar uma visão puramente instrumental da educação, como via obrigatória para saber e fazer, para reanimar e fortalecer a importância de Ser Pessoa e conviver com os outros, num mundo aberto à
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tolerância, respeito e multiculturalismo. Por outro lado, não basta aprender a conhecer de forma tradicional e enciclopédica, porque este tipo de aprendizagem visa, não tanto a aquisição dum reportório de saberes codificados, mas antes o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento para saber comunicar. É preciso desenvolver neste conhecimento, o prazer de aprender, de descobrir, de interiorizar saberes, de apreciar a vida. Aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros, é o maior desafio da educação. Paradoxalmente, estamos na era das comunicações e cada vez há mais ruídos na comunicação entre pares, na sociabilidade e no saber viver com os outros. O facto de que a comunicação não existe, ou, tem demasiado ruído, é evidente, quer pela falta de entendimento entre os estados, os povos e as regiões, mas, também, entre as pessoas entre si. Para além das guerras acesas, há conflitos ocultos, e, o objetivo essencial da Europa que foi preservar a paz, sempre em risco iminente do mesmo continente e do mundo em geral. A paz não é, apenas, a ausência de guerra; a paz está em risco, também, pela falta de capacidade de diálogo, de tolerância e de respeito entre a humanidade. O preâmbulo do Ato Constitutivo das Nações Unidas, lembrava que era no espírito dos homens que começava a guerra e que seria, também, no espírito dos homens que deveriam erguer-se os baluartes da paz. Cada vez é mais necessário saber trabalhar em conjunto, e, cada vez mais nos voltamos para o individualismo que impede uma boa comunicação com os outros. O mundo é violento, mas as pessoas em si, cada uma, também são geradoras de conflitos e de violências. Que fazer então, para aprendermos a viver juntos, aprendermos a viver com os outros? Para além de uma Educação para Valores, cabe à Escola educar estas competências sociais: ensinar a não-violência, lutar contra preconceitos geradores de conflitos, lutar contra a competição desenfreada, quer por resultados escolares, quer, ainda, por ser o melhor entre os pares, em qualquer área de atuação. Ao diploma de mérito académico, propomos a entrega de um mérito de bom cidadão e boa pessoa, também na Escola. Em conclusão, o desafio da educação do futuro é aliar o conhecimento, ao ser e ao saber estar, e, os métodos de ensino não devem ir contra este reconhecimento essencial do Ser com o Outro. Por outro lado, os professores não devem matar, por dogmatismo, a curiosidade ou o espírito crítico dos seus alunos, porque em vez de os desenvolverem no seu todo, estão a ser mais prejudiciais do que úteis na sua formação. Os professores devem lembrar -se de que são modelos e de que só pelo exemplo estão mesmo a educar e a formar as novas gerações. O desafio da cidadania na escola, apela à capacidade de abertura ao autoconhecimento, à descoberta, à alteridade e, sobretudo, a aprender o que ainda não se sabe. Aprender a ser é aprender a lutar contra a desumanização do mundo, quer na escola, quer na sociedade, quer, muito gravemente, nas famílias. A evolução do conhecimento e da técnica não pode ir em sentido contrário à humanização do mundo, porque seria uma perversão do sentido último da vida e do Ser Pessoa. É preciso preparar as crianças e os jovens para viverem em sociedade, tornando-os seres capazes de conhecer e viver no mundo que as rodeiam. Mais do que preparar as crianças para uma dada sociedade, o problema será, então, fornecer -lhes constantemente forças e referências
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intelectuais que lhes permitam conhecer o mundo que as rodeia e comportar-se nele como atores responsáveis e justos. Mais do que nunca, a educação parece ter, como papel essencial, conferir a todos os seres humanos a liberdade de pensamento, discernimento, sentimento e imaginação de que necessitam para desenvolver os seus talentos e permanecerem tanto quanto possível, donos do seu próprio destino. Este mundo deve darlhes a capacidade de serem criadores de sonhos e de se realizarem como pessoas e como cidadãos. Reflexões Finais Atualmente, em Portugal, começou-se a implementar no currículo um Projeto de experimentação de Autonomia e Flexibilidade Curricular que visa a promoção de mais autonomia, melhores práticas pedagógicas e uma maior flexibilidade curricular. Nesse projeto está incluída a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, que, tem como objetivo desenvolver competências nas crianças para a promoção de uma cultura de democracia e aprendizagens, que devam incluir competências cívicas e competências relacionais e interculturais, através da componente de Cidadania e Desenvolvimento.Quanto à importância da cidadania no desenvolvimento global dos alunos, os professores parecem ter alguns conhecimentos relativamente à sua contribuição para o desenvolvimento social, cognitivo, afetivo e comportamental, mas mostram pouco conhecimento relativamente a estes aspetos, pois não evidenciam compreender que a cidadania promove competências de carácter social, cognitivo, afetivo e comportamental em simultâneo e não individualmente, pois estas competências estão inter-relacionadas. No que respeita às abordagens nas escolas, na sua generalidade, estão a aplicar o Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular do Ministério da Educação, pois estes contêm nos seus Projetos Educativos de Escola e nos seus Planos Anuais de Atividades, valores, princípios orientadores e questões diretamente relacionadas com a Cidadania. As práticas para a promoção da cidadania são transversais, atividades que envolvem parcerias com a comunidade, envolvimento dos alunos em diversas tarefas de organização em sala de aula que lhes desenvolvem o sentido de responsabilidade e tomada de decisões, promovem trabalhos de grupo, dando autonomia para experienciarem momentos e aprendizagens novas, relacionadas com os problemas da sociedade e também fornecem momentos de discussão e debates. É fundamental o professor reflectir sobre a implementação de uma boa educação e sobre o seu papel enquanto criador de futuras sociedades. É um grande desafio e uma grande oportunidade, integrar a Cidadania na Escola com práticas de desenvolvimento curricular, onde todas as disciplinas estão interligadas e dão sentido às aprendizagens essenciais e duradouras dos alunos. A Escola é também o espaço por excelência, para fomentar as capacidades de participação democrática de educação para uma cidadania activa, de desenvolvimento de competências sociais fundamentais e do debate de questões de cidadania que serve para interiorizar valores de participação democrática. O debate participativo ou o debate de cooperação é uma estratégia dinâmica e prática para promover uma cidadania activa. O objectivo não é promover simples diálogos, mas criar um espaço de 123
gestão de opiniões, onde os alunos aprendem a analisar, organizar, prever, decidir e solucionar. Cada um deles desempenha um papel único e insubstituível, resultando num equilíbrio de todas as partes envolvidas e numa gestão organizacional em que as partes contribuem para a riqueza do todo. Constrói-se, assim, um espaço para a aprendizagem da cidadania, onde os direitos colectivos se harmonizam com os direitos individuais; um espaço onde se educa para a consciencialização de responsabilidades, a qual é interiorizada numa experiência experiencial e passa, naturalmente, do espaço da Escola para a Sociedade. É também na escola que se promove a reflexão sobre os acontecimentos do dia, na sala de aula e no meio social, para fomentar uma cultura de convivência social que seja preventiva de conflitos e promotora da paz. É na Escola que a Utopia que antecipa o futuro de um mundo melhor se tornará realidade. É a Utopia Necessária.
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A ROTA DA INOVAÇÃO NAS PRÁTICAS AVALIATIVAS Olga Pinto Basto
Agrupamento de Escolas D. Maria II - Docente de Matemática Formadora do CFAE BragaSul
(…) diz-se com frequência que na escola se avalia muito. Convém advertir, contrariando este pressuposto tão amplo e aceite, que na escola se examina e classifica muito e muitas vezes, mas que se avalia pouco. A prova está na aprendizagem nula que essa avaliação proporciona – limita-se a sancionar. Resulta difícil pensar que a avaliação que normalmente se pratica seja um recurso adequado para ultrapassar situações de ignorância ou de fracasso; simplesmente os constata. (Álvarez Méndez, 2002)
Avaliação para as aprendizagens: a luz ao fundo do túnel O convite para escrever um texto sobre avaliação das aprendizagens, no sentido de contribuir para a reflexão alargada sobre esta temática, avivou a minha vontade de partilhar ideias e caminhos que percorri, em conjunto com outros colegas, que contribuíram decisivamente para que a nossa viagem na profissão seguisse uma rota de inovação de práticas avaliativas, que se aliou de forma intensa e intrínseca ao desenvolvimento de processos de supervisão colaborativa de práticas profissionais no campo da avaliação das aprendizagens. Assim, este texto é um testemunho pessoal, mas também coletivo, que espero sirva para aprofundar a reflexão, em especial sobre a avaliação para as aprendizagens, considerada por muitos como complexa, e, recorrentemente referida como a que mais tem resistido às mudanças na escola. Com a consciência de que texto algum tem impacto decisivo na mudança que é necessário ocorrer, em especial no caso da avaliação para as aprendizagens, é minha intenção que ele seja uma janela para os contornos dessa mudança e da reflexão sobre ela, que dê visibilidade a caminhos já percorridos que possam enriquecer uma reflexão coletiva. Estou convicta que a mudança passa por uma reflexão na e sobre a ação que é urgente desenvolver de forma coletiva, e que é possível se, como grupo profissional, nos libertarmos de muitas amarras que nos bloqueiam o pensamento e a ação, virmos nisso sentido e estivermos abertos a correr os riscos e as incertezas que se nos deparam quando iniciamos caminhos de inovação de práticas. Como nos diz Day (2004), para que a mudança aconteça os professores terão de estar predispostos a fazê-la, a partilhar experiências profissionais e a estabelecer uma dinâmica de reflexão na e sobre a ação que lhes permita reconstruir as suas conceções e práticas de modo consciente e consequente. A rota de inovação de que falo centrou-se inicialmente no meu grupo disciplinar, onde numa micro comunidade de aprendizagem de professoras de matemática nos debruçámos num intenso debate e reflexão sobre avaliação abrindo a porta à inovação das práticas, que contou também com o envolvimento do grupo de professores de matemática da escola
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(Basto, 2010), e cujo impacto gerou um movimento de alargamento do debate e da reflexão na escola a outras áreas disciplinares. A este movimento aliou-se uma intervençãoinvestigação cuja finalidade central foi promover a reconstrução de conceções e práticas de avaliação com base na supervisão colaborativa concretizada através da dinamização, em 2012, de uma ação de formação na modalidade de Circulo de Estudos – (Re)pensar e (re)fazer a avaliação das aprendizagens – frequentada por colegas do agrupamento (Basto, 2017). Falar de avaliação para as aprendizagens desde há muito que é falar de desafio e de mudança. É um caminho que urge desbravar, quebrando o gelo que se vive ainda em muitas escolas, onde ainda predominam práticas conservadoras, reféns de métodos de ensino tradicionais, num congelamento que tem resistido à influência de ventos e marés que vêm da investigação, da legislação e até da disseminação de boas práticas nessa área. Na verdade, há muito tempo que é assim, apesar de terem passado várias gerações de políticas educativas e respetivas orientações curriculares a decretarem e valorizarem o desenvolvimento de uma avaliação formativa, isto é, de uma avaliação para as aprendizagens, com propósitos reguladores, que nunca se generalizou nas práticas letivas, como nos tem mostrado a investigação (v. Barreira & Pinto, 2005; Fernandes, 2009; Fernandes & Gaspar, 2014) e que a tendência geral tem sido desenvolver práticas de avaliação de cariz seletivo e classificatório. A resistência à mudança das práticas avaliativas tem sido ainda reforçada pelo isolamento em que os professores desenvolvem o seu trabalho e a sua profissionalidade, o qual remete a questão da avaliação para um lugar silencioso e introspetivo, distante da partilha e da colaboração, tão importantes para que se inicie um caminho de mudança. Gerações de professores e alunos, umas atrás das outras, têm vivido uma escola que muda muito pouco, em parte porque as rotinas da avaliação não mudam (Perrenoud, 1999b; Machado, 2013). É minha esperança que a mudança impulsionada pela atual política educativa, com a nova legislação aliada ao Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (PAFC), com o apelo à mudança nas práticas pedagógicas no sentido de formar um cidadão emancipado e com capacidade crítica, onde a avaliação é uma peça fundamental, consiga quebrar o gelo em que a avaliação se encontra enclausurada, trazendo-a para o centro do processo de ensino aprendizagem dando-lhe coerência, e consiga quebrar o gelo que se vive nas relações entre os professores, que vivem muitas vezes os seus dilemas de forma isolada. A meu ver, esta política incentivou a maior mudança na escola desde há várias décadas, e assistir à sua implementação no terreno, é para mim, como ver a luz ao fundo do túnel, em especial no campo da mudança nas práticas avaliativas. Democratizar o espaço de aula O tempo de aula, convertido em tempo de aprendizagem facilitado, estimulado, ajudado, orientado pelo ensino deve converter-se numa oportunidade simultânea de avaliação. Não devem ser actividades diferentes se com elas pretendemos a apropriação do saber e a emancipação que o acesso à cultura e à ciência proporciona. Só por esta via podemos fazer do processo de ensino e de aprendizagem um processo interactivo e solidário de colaboração. (Álvarez Méndez, 2002: 101)
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A atual política educativa coloca inúmeros desafios à escola e aos professores, uma vez que, na sua essência, propõe uma mudança na cultura escolar dominante. Digamos que é uma proposta que abre a porta à inovação, convida à quebra de rotinas ao nível das práticas pedagógicas, dos papéis desempenhados por professores e alunos e nas relações entre eles, ao nível da organização do espaço aula e dos tempos de ensino e aprendizagem e convida ao desenvolvimento e valorização de “boas” aprendizagens, que correspondam a conhecimentos sólidos que fiquem para a vida e que alimentem a capacidade de resolver os problemas, por vezes complexos, que se nos deparam ao longo da vida, tudo isto confiando na autonomia profissional dos professores. São desafios que alinham com as mudanças que se vão desenhando na sociedade, e como tal, devem ser enfrentados com a consciência plena de que representam a responsabilidade de continuar a dar sentido à escola como instituição. Se não mudarmos as formas de ensinar, de avaliar e de organizar a escola e continuarmos teimosamente a manter as mesmas rotinas, vamos com certeza criar um fosso cada vez maior entre o que lá se passa e o mundo real, onde as mudanças são cada vez maiores, nomeadamente as impulsionadas pela evolução tecnológica que é cada vez mais acelerada. Além disso, com a nossa resistência à mudança, em particular no campo da avaliação para as aprendizagens, se não conseguirmos ajudar os que precisam e têm mais dificuldades, e que dependem da escola para obter essa ajuda, então estaremos a contribuir cada vez mais para que a escola seja uma instituição de seleção social ao invés de servir de trampolim social. O acesso ao conhecimento mudou, as formas de aprender também mudaram, e hoje, os jovens precisam de desenvolver competências que lhes permitam lidar com a incerteza. Se não mudarmos a escola e não promovermos a reflexividade, a criatividade, o espírito crítico e o trabalho colaborativo podemos não conseguir formar o cidadão capaz de enfrentar o futuro incerto que se avizinha, e de que no futuro tenha um papel ativo na sociedade no sentido de uma intervenção consciente e emancipada. É neste âmbito que a mudança no campo das práticas avaliativas é urgente. É preciso que a um Perfil do Aluno para o século XXI corresponda um Perfil do Professor do século XXI, com disponibilidade para inovar as suas práticas profissionais. Neste sentido é essencial democratizar o espaço de aula, para que se atinjam muitas das competências definidas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, o que implica que se resolva de vez a “instalada separação/rutura entre currículo e avaliação, visível quer nas práticas curriculares da escola quer na investigação educacional” (Roldão, 2017: 38), destacada pela autora como uma das questões mais persistentes e menos contestada do debate curricular das últimas quatro décadas. Com efeito, esta separação entre o tempo de ensinar e o tempo de avaliar, significa perpetuar uma escola tradicional que valoriza essencialmente a transmissão de conhecimentos, que se faz sem muito questionamento e que desagua no teste ou exame igual para todos, onde a finalidade essencial da avaliação é a comparação dos desempenhos dos alunos para os poder hierarquizar de forma seletiva (Afonso, 1998; Álvarez Méndez, 2002; Fernandes, 2008, 2011; Machado, 2013; Perrenoud, 1999a). A meu ver, esta separação constitui uma das principais questões a resolver na escola no sentido da mudança, que está intimamente ligada à falta de uma consistente clarificação conceptual acerca da avaliação e
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das suas ligações com o ensino e com a aprendizagem, bem como à consequente dificuldade/resistência na operacionalização da avaliação para as aprendizagens. Neste sentido, democratizar o espaço de aula passa precisamente por transformar a sala de aula num espaço onde a reconfiguração de papéis pedagógicos aconteça, o professor deixe de ser o ator principal e se crie um ambiente em que o aluno tenha um papel ativo e espaço para interagir com os colegas, um ambiente construtivista que propicie uma aprendizagem significativa, baseada no diálogo e cooperação, na responsabilização pelo trabalho, na reflexão sobre processos e decisões, etc. (Valadares & Moreira, 2009: 32), onde a avaliação acompanhe a par e passo o desenvolvimento das aprendizagens, isto é, onde a avaliação seja um instrumento de apoio à aprendizagem, ao invés de ser um meio para sancionar ou hierarquizar. Onde a avaliação seja uma forma de promover o diálogo entre alunos e entre professor e alunos, ao invés de marcar distâncias, promover a competição e provocar a desmotivação e o desinvestimento na aprendizagem - como acontece quando as experiências de insucesso se repetem -, e pelo contrário, seja promotora da aproximação entre todos reforçando o envolvimento na aprendizagem que tanta falta faz nas nossas escolas. Explicitação do conceito de avaliação Uma questão-chave que os professores se devem colocar ao falar de avaliação, como de tantos outros assuntos educativos, é a da sua própria concepção ou visão do conhecimento, da educação, do ensino, da aprendizagem, do desenvolvimento curricular, da avaliação. (Álvarez Méndez, 2002: 43)
“Avaliação” é um termo polissémico que nos pode conduzir a muitas e variadas interpretações, dependendo do ângulo pelo qual a avaliação é vista. Pode referir-se a uma certificação, a uma orientação ou a uma regulação, conforme a função que lhe está associada (De Ketele & Roegiers, 1999) ou ligar-se à ideia de rigor, de justiça ou de utilidade conforme a lógica com que é vista, respetivamente em termos metodológicos, éticos ou políticos (Rodrigues, 1994). Podem ser apontadas outras facetas da avaliação, sendo que em todas é plausível defender que é a busca de uma avaliação de qualidade que se tem em mente, o que significa que ela deve estar associada a certos atributos e processos. É de sublinhar que avaliação é um processo, que se distingue de classificar. Segundo De Ketele & Roegiers, (1999: 46), “Avaliar significa confrontar um conjunto de informações com um conjunto de critérios com o fim de tomar uma decisão”, o que quer dizer que avaliar implica percorrer uma sequência de operações mentais e procedimentos, que segundo os referidos autores se aplicam a qualquer tipo de avaliação, seja ela com enfoque nas pessoas, em projetos, etc., e que correspondem genericamente, segundo os referidos autores, às seguintes etapas: 1. Enunciar claramente os objetivos da avaliação; 2. Enunciar claramente os critérios de avaliação; 3. Determinar as informações a recolher; 4. Determinar uma estratégia de recolha de informações; 5. Recolher a informação de modo fiável; 6. Confrontar informações recolhidas e critérios enunciados; 7. Formular as conclusões de maneira clara e precisa.
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Sinteticamente, pode dizer-se que este processo consiste na recolha de um conjunto de informações que são confrontadas com um conjunto de critérios tendo em vista uma tomada de decisão. Há neste processo dois conceitos básicos que estruturam e organizam qualquer avaliação: o conceito de referente, que representa o modelo ideal, aquilo que está estabelecido, que acaba por dar origem aos critérios de avaliação, e o referido, que representa a realidade, o que se observa, a informação recolhida, os quais constituem um sistema que se articula entre si e permite ler e dar sentido ao observado. Relativamente à avaliação das aprendizagens dos alunos, que é a que nos interessa, a Figura 1 apresenta um esquema proposto pelo NCTM (1999: 5) que a define em 4 fases interligadas, mas não sequenciais:
Figura 1 – 4 fases da avaliação (NCTM, 1999)
As fases consideradas mostram os principais momentos de decisão a tomar no processo de avaliação, os quais não diferem substancialmente das etapas estabelecidas por De Ketele & Roegiers acima apresentadas. Com efeito, pode-se inferir que planificar a avaliação corresponde às 4 primeiras etapas estabelecidas pelos referidos autores, uma vez que na planificação da avaliação se deve definir o seu propósito, identificar os critérios de avaliação e os métodos para recolher informação, que neste caso será a evidência sobre a aprendizagem dos alunos. Relativamente às outras 3 fases, recolher dados, interpretar a evidência e usar os resultados, pode-se inferir uma equivalência direta com as últimas etapas consideradas por De Ketele & Roegiers. No ‘esquema’ do NCTM, tal como indicam as setas nos dois sentidos que ligam cada uma das fases identificadas, a avaliação é vista como um processo mais dinâmico onde há lugar a combinações várias que dependem do contexto onde forem aplicadas. A definição de avaliação das aprendizagens proposta por Fernandes (2008: 16), salienta igualmente a sua dimensão enquanto processo: “A avaliação das aprendizagens pode ser entendida como todo e qualquer processo deliberado e sistemático de recolha de informação, mais ou menos participado e interactivo, mais ou menos negociado, mais ou menos contextualizado, acerca do que os alunos sabem e são capazes de fazer numa 131
diversidade de situações. Normalmente, este processo permite a formulação de apreciações por parte de diferentes intervenientes (incluindo os próprios alunos), acerca do mérito ou valor do trabalho desenvolvido pelos estudantes, o que, em última análise, deverá desencadear acções que regulem os processos de aprendizagem e de ensino. Ou seja, acções que contribuam decisivamente para que os alunos ultrapassem eventuais dificuldades e aprendam com mais gosto e com mais autonomia. Acções que ajudem os alunos a desenvolver processos de auto-avaliação e de auto-regulação, relativamente ao que é suposto aprenderem.” Nesta perspetiva o ato avaliativo é encarado como um processo intencional de recolha de informação que deve ser tratada e devolvida aos alunos com a finalidade de regular as suas aprendizagens, isto é, em que o enfoque essencial é a sua dimensão processual reguladora, ou seja, formativa. Nesta perspetiva, para ser consistente a avaliação deve ser fundamentada. Fernandes (2006: 26) propõe a designação de avaliação formativa alternativa (AFA) para uma avaliação com as características acima referidas, precisamente para a distinguir como alternativa “a uma avaliação de contornos relativamente mal definidos, de intenção formativa ou apenas pontualmente formativa, intuitiva, pouco fundamentada teoricamente, que também se pratica em muitas salas de aula, e que impropriamente se designa como formativa”. Como defende Fernandes (2010: 16): “(…) a avaliação tem que se orientar por princípios que lhe confiram rigor, utilidade, significado e relevância social. Formular juízos acerca do valor e do mérito de um dado ente tem que resultar de um complexo, difícil, rigoroso e diversificado processo de recolha de informação e não de meras opiniões impressionistas, convicções ou percepções, que poderão ser necessárias a até bem-vindas, mas que, em si mesmas, serão sempre insuficientes.” Perante este quadro pode afirmar-se que a avaliação se reveste de uma grande complexidade e exigência, que pode não ser percetível num primeiro olhar que não atenda ou esqueça todo o processo metodológico que lhe está subjacente, para não falar nas implicações éticas e políticas que lhe podem estar associadas, quer se trate de uma avaliação educativa ou direcionada para qualquer outro campo, mas que se desenvolve para conhecer, melhorar ou dar sentido a uma determinada situação, com consequências para os seus intervenientes. Para nos situarmos e sabermos de onde vimos e para onde vamos na avaliação educativa é também importante ter-se uma perspetiva, ainda que muito breve, sobre a evolução histórica da avaliação. Numa abordagem bastante divulgada, Guba & Lincoln (1989) identificaram 4 gerações de avaliação, correspondentes a diferentes períodos. 1ª geração – geração da medida – fez equivaler avaliação a medida. Pretendia-se atingir a verdade com uma avaliação o mais rigorosa e objetiva possível, mas que incidia apenas nos conhecimentos. 2ª geração – geração da descrição – a avaliação é vista como uma operação em que se determina a congruência entre objetivos previamente estabelecidos e o desempenho. A preocupação quase exclusiva com a medição dos conhecimentos dos alunos, deu lugar à formulação de objetivos que permitissem definir melhor o que se estava a avaliar, incluindo neles objetivos comportamentais, passando-se a descrever até que ponto os alunos os conseguiam alcançar. 3ª geração – geração de formulação de juízos – encara a avaliação como um processo de formulação de juízos onde é crucial a tomada de decisões. Esta nova geração resulta de um
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questionamento sobre as limitações da avaliação centrada em objetivos, sobretudo por não considerar toda a complexidade dos contextos educativos. 4ª geração - em desenvolvimento, ainda não tem uma designação própria - é de cariz construtivista, e surgiu da necessidade de superar falhas encontradas nas gerações anteriores. Neste caso, algumas das limitações apontadas são: as responsabilidades pelos falhanços serem quase exclusivamente apontadas aos alunos, sendo os professores os únicos juízes nos processos de avaliação; dificuldade em diversificar abordagens e procedimentos e em articular necessidades com o ensino; excessiva dependência do método científico, que supostamente considera que os testes medem com rigor e objetivamente o que os alunos sabem (Fernandes, 2008). A nova geração caracteriza-se por não definir à partida quaisquer parâmetros ou enquadramentos, os quais serão definidos num processo negociado e interativo com os atores da avaliação, tendo em consideração alguns princípios gerais definidos por Fernandes (2008: 62-63) do seguinte modo: 1. Os professores devem partilhar o poder de avaliar com os alunos e outros intervenientes e devem utilizar uma variedade de estratégias, técnicas e instrumentos de avaliação. 2. A avaliação deve estar integrada no processo de ensino aprendizagem. 3. A avaliação formativa deve ser a modalidade privilegiada de avaliação, com a função principal de melhorar e de regular as aprendizagens. 4. O feedback, nas suas mais variadas formas, frequências e distribuições, é um processo indispensável para que a avaliação se integre plenamente no processo do ensino- aprendizagem. 5. A avaliação deve servir mais para ajudar as pessoas a desenvolverem as suas aprendizagens do que para as julgar ou classificar numa escala. 6. A avaliação é uma construção social em que são tidos em conta os contextos, a negociação, o envolvimento dos participantes, a construção social do conhecimento e os processos cognitivos, sociais e culturais na sala de aula. 7. A avaliação deve utilizar métodos predominantemente qualitativos, não se pondo de parte a utilização de métodos quantitativos. Após esta breve referência acerca das gerações de avaliação, é de salientar que o caminho da avaliação tem sido traçado em função da evolução da própria sociedade, passando de uma preocupação inicial com a objetividade (uma das características do pensamento racionalista do início do século XX), para uma progressiva valorização da subjetividade (característica de um mundo cada vez mais complexo caracterizado pela diversidade de perspetivas), e que tem implicado ao longo do tempo um envolvimento progressivo entre avaliador e avaliados, atendendo cada vez mais à importância dos contextos e abrindo horizontes para que a avaliação contribua cada vez mais para a transformação social. No contexto escolar, pode observar-se que é possível coexistirem na mesma escola realidades distintas que correspondem a diferentes lógicas e gerações de avaliação, consoante as conceções e as práticas dos professores.
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Algumas questões relevantes Clarificar os sentidos que uma avaliação pode tomar passa por entender que funções ou propósitos ela pode ter, isto é, Avalia-se com vista a quê? quem são os seus intervenientes e que papéis assumem, com que meios, como e quando se realiza, e ainda, que dimensões são avaliadas, ou seja, Quem avalia? Avalia-se com que meios? Como e quando se realiza? Avalia-se o quê? Para abordar estas questões básicas de avaliação das aprendizagens, é importante ter presente que não faz qualquer sentido falar dela sem considerar as suas articulações com o ensino e com a aprendizagem (ver, entre outros, Alves, 2004; Cardinet, 1993; Fernandes, 2006, 2008, 2011; Hadji, 1994; Roldão, 2006; Santos, 2008). Deste modo, pretendo traçar uma panorâmica geral sobre as referidas questões, com enfoque na perspetiva de uma avaliação para as aprendizagens, e nas que me parecem suscitar maiores ambiguidades relativamente às práticas avaliativas dos professores, e que, nessa medida, se tornam mais relevantes. Avalia-se com vista a quê? É assim que Hadji (1994: 50) expressa aquela que entende ser a questão essencial da avaliação, da qual as outras derivam e sem a qual se pode esvaziar de sentido a própria avaliação. Para Hadji, na avaliação das aprendizagens “a função a privilegiar depende da intenção dominante do avaliador” (1994: 67). Assim, conceber e praticar a avaliação pelo ângulo da certificação significa adotar a atitude de ‘fazer o ponto da situação’, verificar se as aprendizagens se realizaram para as poder certificar, ou classificar, ou seja, significa centrarmo-nos no produto e não no processo da aprendizagem. Como refere Álvarez Méndez (2002: 18), “Avaliar somente no fim, seja por unidade de tempo ou de conteúdo, é chegar tarde para assegurar a aprendizagem contínua e oportuna. Neste caso e nesta utilização, a avaliação só chega a tempo para qualificar, condição para a classificação (…)”. Por isso, no campo da avaliação das aprendizagens não é esse o melhor ângulo para promover as aprendizagens. Por outro lado, se o ângulo a adotar para a avaliação for o de formar, então ela vai apoiar as aprendizagens. Segundo o mesmo autor (2002: 69), ”Deste ponto de vista, avaliar é conhecer, é contrastar, é dialogar, é indagar, é argumentar, é deliberar, é raciocinar, é aprender”. É neste sentido que urge (re)pensá-la e (re)fazê-la nas escolas. Avalia-se com que meios? Como e quando se realiza? São questões de âmbito metodológico que podem e devem ser discutidas de forma distinta em função do propósito da avaliação que estiver em causa. Quando o propósito é certificar, a lógica que se impõe é a de fazer um balanço sobre as aprendizagens, e nesse caso, como adianta Hadji (1994: 64), “ela é pontual, efectuada num momento determinado (…) e pública”, como por exemplo no caso dos exames. Porém, se o propósito é regular ou mesmo orientar as aprendizagens, podem e devem ser utilizados instrumentos ou estratégias diversos que permitam recolher informação sobre os vários domínios do currículo e atender à heterogeneidade dos alunos (Fernandes, 2008: 81). Além disso, para que a informação assim recolhida seja útil, ela deve oferecer, segundo Álvarez Méndez (2002: 79-80), “uma boa oportunidade para melhorar tanto o processo de aprendizagem – ao mesmo tempo que procura recuperar as dificuldades 134
que os que aprendem devem vencer – como os actos futuros de ensino, mediante a reflexão, a autocrítica e a autocorrecção da prática escolar”. Isto é, mais do que os meios de recolha de informação, importa o como ela é utilizada, dando origem a um agir do professor no sentido da diferenciação pedagógica (Santos, 2010: 13), que exige abertura para criar as condições de aprendizagem ajustadas às necessidades dos alunos. Uma questão que muitas vezes é apontada como um entrave a práticas de avaliação mais formativa é a questão do tempo para a fazer. Contudo as práticas tradicionais também levam muito tempo para se executarem, além de serem como que um “corte” no processo didático. Perrenoud, (1999a: 68) afirma que a avaliação formativa “não toma menos tempo, mas dá informações, identifica e explica erros, sugere interpretações quanto às estratégias e atitudes dos alunos e, portanto, alimenta diretamente a ação pedagógica, ao passo que o tempo e a energia gastos na avaliação tradicional desviam da invenção didática e da inovação”. Quem avalia? Esclarecer quem são os intervenientes na avaliação e que papéis assumem é uma das questões de especial interesse na avaliação. Segundo advoga Machado (2013: 12), “A «participação» dos sujeitos nos processos educativos e formativos tem sido o nó górdio do pensamento educacional moderno (…)”. Numa avaliação de certificação o papel do aluno é geralmente passivo, pois limita-se a “prestar prova”, enquanto o professor domina todos os aspetos do processo de avaliação. Todavia, o aluno não pode ter um papel passivo se o propósito da avaliação for a regulação das aprendizagens, pois a sua falta de envolvimento no processo compromete essa regulação. Se houver uma ligação entre o papel do aluno e do professor haverá também uma partilha de responsabilidades, que segundo Fernandes (2008: 65) implica que “os professores terão um papel que é, ou deve ser, preponderante em aspectos como a organização e distribuição do processo de feedback, enquanto os alunos terão uma evidente preponderância no desenvolvimento dos processos que se referem à auto-avaliação e à auto-regulação das suas aprendizagens”. No entanto, a prática está muitas vezes distante desta partilha de responsabilidades, pois há uma quantidade de problemas que impedem ou dificultam a regulação das aprendizagens. Uma das questões problemáticas relaciona-se com o feedback dado aos alunos, tanto pela sua qualidade como até pela sua ausência. Com efeito, baseando-se na investigação sobre práticas de avaliação na sala de aula por si analisada, Fernandes (2008: 69) diz-nos que, “o que acontece muitas vezes é que o feedback ou a informação proporcionada não conduz a nenhuma acção, ou conjunto de acções, que elimine a diferença entre o que se pretende alcançar e o que efectivamente se alcançou”. Outra dificuldade pode ser “a prioridade dada pela maioria dos professores, com frequência involuntariamente, à regulação das tarefas e ao controle do trabalho” em detrimento de uma atenção aos processos de aprendizagem (Perrenoud, 1999a: 85), ou ainda a crença de muitos professores de que os seus alunos não são capazes de se autoavaliarem porque são muito novos, ou muito desconcentrados, ou porque tentam dar uma imagem enganosa do que sabem ou pensam, etc.. Frequentemente, os alunos têm falta de hábitos de autoavaliação e receio de exposição pública de erros, o que pode suceder se o professor não olhar para o erro como uma fonte
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de aprendizagens: “Quando nos colocamos numa perspectiva de avaliação reguladora, o erro não pode deixar de ser entendido como inerente ao processo de aprendizagem, como algo que acontece apenas àqueles que aprendem (…)” (Santos, 2010: 62). A questão dos papéis dos sujeitos na avaliação reporta-nos para a questão do diálogo e da negociação, essenciais a uma avaliação reguladora. Segundo Álvarez Méndez (2002: 63), “O diálogo constitui um meio da maior importância para a aprendizagem obtida pela avaliação partilhada”. Com efeito, se a comunicação entre aluno e professor integrar processos de negociação, consegue-se aliar, de forma mais próxima, ensino, aprendizagem e avaliação, e por conseguinte existe a possibilidade de aluno e professor dialogarem sobre as perceções de ambos e tomarem decisões conjuntas. Conforme defende Vieira (2009: 263), a avaliação deve ser um conteúdo curricular se quisermos explorá-la como processo de aprendizagem, “porque passa a ser objecto de reflexão e de negociação. Na verdade, ela será sempre, em maior ou menor grau, assunto obrigatório de toda e qualquer educação guiada por ideais democráticos”. Segundo Machado (2013), o discurso sobre a avaliação tem-se centrado na dicotomia entre duas narrativas: a narrativa do controlo e a narrativa da emancipação. Na primeira, vigiar, medir e sancionar são os elementos fundamentais e a participação dos alunos tende a ser nula; na segunda, a ênfase nessa participação é um dos elementos estruturantes (Machado, 2013). Através do questionamento em torno destes dois discursos, o autor conduz-nos à questão “avaliar é ser sujeito ou é sujeitar-se?” (2013: 45), que coloca a questão da agência na avaliação e nos leva a defender que queremos (re)fazer a avaliação para que o sujeito, neste caso, o aluno, tome lugar nela e construa uma identidade em que o valor a defender não seja sujeitar-se, mas antes ter uma voz, ser parte ativa, ser sujeito. Avalia-se o quê? Numa resposta espontânea, parece lógico que sejam as aprendizagens. Porém, há que ter algum cuidado nesta resposta pois é preciso clarificar o que é que isso quer dizer. São os conteúdos? São as atitudes e os valores? São os saberes disciplinares? São as competências? Segundo Fernandes (2008: 16), avaliar as aprendizagens inclui tudo isso: “a avaliação das aprendizagens inclui a avaliação de conhecimentos, de desempenhos, de capacidades, de atitudes, de procedimentos ou de processos mais ou menos complexos do pensamento. Se quisermos trata-se da avaliação de competências, ou da avaliação dos saberes em utilização”. Nesta ótica, compreende-se que o ensino não pode ser transmissivo e privilegiar apenas conhecimentos. É necessário que se desenvolva num sentido mais abrangente e se preocupe com as formas como os alunos aprendem, isto é, com a competência de aprender a aprender, e portanto com a regulação da aprendizagem (Alonso, Roldão & Vieira, 2006). Assim, clarificar o significado de uma avaliação formativa leva-nos à questão do significado de aprender e de ensinar. Segundo Álvarez Méndez (2002: 42-43), “Ensinar não é tanto apenas uma questão de conhecimentos mas de maneiras de raciocinar. Aprender não é tanto nem tão-só acumular conteúdos de conhecimento mas modos de raciocinar com esses apetrechos, interiorizandoos e integrando-os na estrutura mental de quem aprende”. Portanto, para (re)fazer a 136
avaliação para as aprendizagens é preciso também (re)pensar o que queremos ensinar, que cidadão pretendemos ajudar a formar e, consequentemente, (re)pensar e (re)fazer o ensino que praticamos, dada a articulação existente entre ensino, avaliação e aprendizagem, como nos relembra Roldão (2006. 58): ”(…) se entendermos (…) o acto de ensinar como a acção ou conjunto de acções orientadas intencionalmente para a promoção da aprendizagem de outro(s), então avaliar é uma inerência desse processo, ele não pode ocorrer sem esse acompanhamento regulador que permite acertar a «navegação» do aprendente consoante os ventos e as marés, perceber o que não está ou está a ser construído, como está a ser usado o conhecimento, que crescimento de capacidade de pensar e agir naquele domínio está ou não a ocorrer. Nada, afinal, que não fizessem já os antigos mestres de ofícios para os seus aprendizes…ensinar e avaliar em permanência e no contexto de acções necessariamente mobilizadoras dos recursos de conhecimento que se vão dominando – avaliar ensinando, e ensinar avaliando.” Colocar em prática um ensino que promove a reflexividade através de processos de regulação das aprendizagens, avaliando ensinando e ensinando avaliando, é sem dúvida um caminho para a formação de um cidadão participativo e com sentido crítico. Segundo Álvarez Méndez (2002: 36): “Para assegurar a aprendizagem reflexiva de conteúdos concretos, aqueles que aprendem precisam de explicar, argumentar, perguntar, decidir, distinguir, defender as suas próprias ideias e crenças. Simultaneamente, aprendem a avaliar. A chave do entendimento reside na qualidade das tarefas de aprendizagem, mediatizadas pela qualidade das relações e interacções que se produzem em aula, entre alunos, entre alunos e professor, com uns conteúdos de aprendizagem seleccionados pelo seu valor educativo e pela sua potencialidade formativa.” Questionar a experiência Apesar de toda a problematização teórica em torno da avaliação, as práticas ficam frequentemente aquém do que é preconizado. Em termos da função da escola e do nosso papel como profissionais, importa saber como se pode chegar a práticas avaliativas mais compatíveis com o desenvolvimento de aprendizagens para a vida num sentido democrático (que implica a promoção da capacidade crítica e da autonomia) para todos os alunos, independentemente da sua condição social, e o que favorece ou trava esse desenvolvimento, isto é, o que torna a avaliação mais ou menos educativa1 (Vieira & Basto, 2013). Assim, olhando para o meu percurso de experiência profissional e estudo neste campo, há uma série de questões relevantes que me assaltam frequentemente quando reflito sobre este assunto e que importa formular no sentido de construir uma avaliação mais educativa. Começo pelo conceito de avaliação. Que conceção de avaliação orienta a nossa prática? Avaliamos para classificar e, consequentemente, toda a nossa ação avaliativa se desenvolve com essa intenção, desligando os momentos de avaliação dos de aprendizagem, ou avaliamos 1
Termo usado por Álvarez Méndez, para sublinhar o propósito educativo que está subjacente a qualquer modalidade de avaliação - diagnóstica, formativa ou sumativa.
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para conhecer o que e como os nossos alunos aprendem e fazemos da avaliação uma ponte de diálogo entre todos? Que papel desempenhamos na avaliação e, principalmente, que papel têm os nossos alunos? Somos os únicos atores nesse processo, ou também damos voz aos alunos? Quando lhes damos feedback, ele é útil para a aprendizagem, ou limita-se a situar o aluno numa escala? Promovemos a autoavaliação dos nossos alunos para que possam aprender a regular as suas aprendizagens, ou promovemos apenas a sua autoclassificação, em jeito de balanço final? Utilizamos instrumentos de avaliação diversificados para avaliar os alunos numa lógica de deteção de dificuldades, ou utilizamos quase sempre o teste escrito numa lógica classificatória? Afinal que conceção de ensino temos e como o praticamos? O tempo de aula é ocupado quase na íntegra pelo nosso discurso, enquanto os alunos tiram apontamentos, ou preparamos tarefas de aprendizagem para os envolver na construção dessas aprendizagens? Que preocupação temos em desenvolver a reflexividade e o espírito crítico nos alunos? Será possível mudar a avaliação sem mudar o ensino? E fará sentido mudar o ensino e continuar a fazer uma avaliação tradicional quase só baseada na aplicação de testes escritos numa lógica classificatória? Como entendemos a forma como os nossos alunos aprendem? Por acumulação de conhecimentos, ou numa lógica de descoberta? Usamos a avaliação para disciplinar os alunos, ou usamo-la para os motivar não os penalizando pelos erros que cometem? Procuramos a todo o custo que a nossa avaliação seja objetiva? Então caminhamos para um paradoxo, pois ela nunca vai ser objetiva. Há uma forte resistência em aceitar que a avaliação é um ato subjetivo, e como tal, há uma constante preocupação em tudo medir na sala de aula em busca de uma objetividade que não é possível alcançar, nem interessa alcançar, pois o centro da avaliação não se encontra na classificação, mas antes na regulação. Partilhamos as nossas práticas avaliativas? Ou a nossa prática é esconder esse jogo, por muitas e variadas razões, entre as quais acreditar que é um dos últimos resquícios de poder que nos resta? Questões como as que coloco farão sentido se conduzirem a uma reflexão profissional que questione a nossa ação e nos permita compreender o que podemos fazer para melhorar as aprendizagens dos alunos, melhorar o ensino e contribuir para que a avaliação se torne mais educativa e tenha um maior potencial transformador. Guiar as práticas – os princípios de uma avaliação mais educativa As abordagens à avaliação, seja ela qual for, são muito diversas. No entanto, como refere Fernandes, (2010: 29) há standards ou padrões de qualidade geralmente aceites, próprios de qualquer tipo de avaliação: o rigor, a utilidade, a adequação ética e a exequibilidade. Já antes, Rodrigues (1994: 93) tinha apresentado standards para a avaliação em distintos campos educativos correspondendo a três grandes eixos – metodológico, ético e político. Avaliar não exige apenas preocupações metodológicas ligadas ao ‘saber como fazer’. É muito mais do que isso porque há consequências para os envolvidos em função da avaliação, ou seja, há preocupações éticas ligadas ao sentido de justiça (Álvarez Méndez, 2002). Além disso, avaliar tem uma componente política no sentido em que a utilização e o impacto dos seus resultados opera num processo onde se jogam interesses (Afonso, 1998). Rodrigues (1994) 138
acrescenta que embora haja uma interdependência entre os standards, o seu modo de interpretação e de operacionalização depende da posição que se toma relativamente à conceção da natureza humana e social, que tem implicações a vários níveis incluindo modos de conceber as relações humanas e sociais e de aceder ao conhecimento, que se refletem também ao nível pedagógico. Neste quadro interessa situar a avaliação formativa em termos das preocupações relativas aos eixos metodológicos, ético e político, pois parece consensual que podem ser identificados em qualquer tipo de avaliação. No Quadro 1 proponho um conjunto de princípios que podem orientar uma avaliação processual e reguladora (Basto, 2010) em cada um dos eixos, embora se reconheça a sua complementaridade.
Quadro 1 – Princípios de uma avaliação formativa (Basto, 2017) Eixos da avaliação
Princípios de avaliação
Metodológico
Ético
Político
Abrangência
Adequação da exigência
Diferenciação
Continuidade Diversificação Coerência
Transparência Inclusividade Justiça
Negociação Participação Utilidade
No eixo metodológico há preocupações de rigor, validade ou credibilidade da avaliação (Rodrigues, 1994). Trata-se das questões operacionais da avaliação. Assim, para que uma avaliação processual e reguladora seja rigorosa, ou melhor, tenha credibilidade, ela deve possuir um conjunto de características que lhe conferem essa qualidade, as quais constituem precisamente algumas das questões relevantes anteriormente abordadas: ser abrangente nas competências a avaliar, de modo a promover a aprendizagem de todas elas, ser sistemática, ou seja, haver uma certa continuidade compatível com a sua função reguladora, ser diversificada nos meios utilizados para recolher informação, com recurso a uma diversidade de instrumentos ou estratégias de modo a permitir recolher informação sobre o desempenho dos alunos em vários momentos e relativa a várias competências, e ser coerente com o tipo de ensino desenvolvido, de modo a que os meios utilizados e o envolvimento dos alunos no processo seja compatível com a regulação das suas aprendizagens. Assim, abrangência, continuidade, diversificação e coerência formam um grupo de princípios metodológicos de uma avaliação processual reguladora. No eixo ético, as preocupações dominantes são ligadas ao sentido da justiça e as características que conferem à avaliação esse sentido de justiça são: ser adequada na exigência, ao nível dos alunos, procurando ir ao encontro das suas necessidades e valorizando os seus saberes, ser justa, na medida em que não beneficia nem prejudica os alunos, permitindo a cada um agir segundo as suas necessidades, ser inclusiva na medida em que não é discriminatória e permite a aprendizagem de todos, e ser transparente perante os 139
alunos no sentido de que há uma partilha entre professores e alunos relativa à qualidade das aprendizagens, ou seja, relativa aos critérios de avaliação, de modo que as regras do jogo, por assim dizer, são conhecidas por todos. Assim, adequação da exigência, justiça, inclusividade e transparência, formam o grupo de princípios éticos da avaliação. No eixo político, e embora este eixo não se dissocie dos outros eixos, as preocupações dominantes são ao nível da utilização que se faz da avaliação, que será o mesmo que dizer, ao nível dos interesses que nela se jogam. As características que lhe conferem essa marca política são: ser diferenciada em função das necessidades, ritmos e estilos dos alunos, como fruto de uma utilização dos resultados em conformidade com as necessidades de cada um, ser negociada com os alunos de modo a que a partilha de responsabilidades entre professor e alunos favoreça a tomada de decisões conjunta, ser participada, no sentido de ser democrática, havendo espaço para os alunos terem um papel ativo no processo de avaliação, por exemplo com as suas autoavaliações, e ser útil no sentido em que os resultados da avaliação sirvam para melhorar ensino e aprendizagem. Assim, diferenciação, negociação, participação e utilidade formam o conjunto de princípios da avaliação como ato político. Os 12 princípios identificados encontram ressonância na literatura especializada, integrando ideias de um conjunto de textos tomados como referência (Álvarez Méndez, 2002; Fernandes, 2006, 2008, 2010; Perrenoud, 1999b, 2004; Roldão, 2006; Vieira & Moreira, 1993). A partir de uma seleção de enunciados que remetem para cada um deles e constituem argumentos em sua defesa, procurei inferir uma lista de indicadores (necessariamente não exaustiva) que pode facilitar a sua identificação em situações práticas e que apresento nos quadros seguintes. Quadro 2 – Dimensão metodológica da avaliação: Princípios e indicadores (Basto, 2017) Eixo metodológico
DIVERSIFICAÇÃO (dos instrumentos/ estratégias)
ABRANGÊNCIA (das competências avaliadas)
COERÊNCIA (com o ensino)
Relacionado com as questões do rigor, validade ou credibilidade da avaliação São usadas formas alternativas de recolha de informação para além dos testes O feedback é uma estratégia de avaliação A avaliação é estruturada Os métodos ou instrumentos de avaliação servem para informar o aluno acerca do que sabe e não sabe A avaliação foca-se nos saberes, nas atitudes, nas capacidades e no estádio de desenvolvimento dos alunos As tarefas propostas aos alunos são representativas das várias áreas do currículo e não são rotineiras As tarefas de avaliação são tarefas de aprendizagem – aprende-se com a avaliação O feedback evidencia a coerência entre ensino, aprendizagem e avaliação Avaliação e aprendizagem ocorrem em simultâneo Avaliação e ensino ocorrem em simultâneo
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As mudanças na avaliação acompanham e implicam mudanças no currículo e na didáctica CONTINUIDADE (regularidade)
A recolha de informação é planeada, deliberada e regular Avaliar assegura a aprendizagem
Quadro 3 – Dimensão ética da avaliação: Princípios e indicadores (Basto, 2017)
Eixo ético JUSTIÇA (não prejudica nem beneficia alunos)
Relacionado com o sentido de justiça na avaliação A informação obtida através da avaliação é devolvida aos alunos, possibilitando a cada um agir segundo as suas necessidades A avaliação é abrangente e atende à diversidade dos alunos Procede-se à triangulação de percepções e opiniões A avaliação produz e promove o conhecimento
INCLUSIVIDADE (não é discriminatória)
A avaliação assegura e fomenta a aprendizagem a todos
TRANSPARÊNCIA (perante os alunos)
Os objetivos e critérios de avaliação são partilhados e conhecidos de todos
ADEQUAÇÃO DA EXIGÊNCIA (ao nível dos alunos)
O ensino adequa-se às necessidades dos alunos Avalia-se para saber o que os alunos aprendem, mais do que o que não sabem
Quadro 4 – Dimensão política da avaliação: Princípios e indicadores (Basto, 2017)
Eixo Político UTILIDADE (na melhoria do ensino e da aprendizagem)
Relacionado com a utilização que se faz da avaliação A avaliação é uma oportunidade de aprender, ajudando a identificar e resolver problemas, a regular a aprendizagem, a motivar os alunos A avaliação apoia a melhoria da prática profissional Os alunos assumem responsabilidade pela sua aprendizagem e desenvolvem processos de autoavaliação
PARTICIPAÇÃO (por ex. autoavaliação)
Os professores criam condições para a promoção da comunicação entre os alunos e entre estes e os professores Os alunos defendem ideias, argumentam, revelam dúvidas, participam nas decisões Através da autoavaliação, os alunos compreendem o que aprendem, como aprendem, e tomam decisões Há partilha de responsabilidades entre alunos e professores
NEGOCIAÇÃO (com os alunos)
Professores e alunos analisarem em conjunto estratégias de ensino e de aprendizagem e acordam critérios de avaliação Professor e alunos discutem resultados, detetam problemas e planeiam formas de resolução
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O feedback aos alunos é dado de forma diferenciada DIFERENCIAÇÃO (em função das necessidades, ritmos e estilos dos alunos)
O feedback atua em função das necessidades dos alunos e ativa processos metacognitivos Os professores diferenciam estratégias de ensino Os professores propõem constantemente situações à medida de cada um para que aprenda o mais rápido possível
Relativamente aos princípios de avaliação, importa clarificar que não é necessária a presença simultânea de todos eles para que uma dada prática avaliativa seja considerada processual e reguladora, embora se pressuponha que eles devem informar, tanto quanto possível, o conjunto de práticas desenvolvidas nos diversos contextos. Acresce ainda, que apesar do esforço de sistematização que foi feito, muito há a descobrir a partir das práticas avaliativas, pois de algum modo é a partir delas e da partilha e reflexão sobre elas que se pode construir conhecimento sustentável. O Círculo de Estudos - recortes de uma investigação As marcas que esta experiência deixou nos participantes, por muito breve que tenha sido nos seus percursos profissionais, foram significativas. Ultrapassar a fronteira do isolamento e das rotinas levou-os a um mergulho na profissão através do qual conquistaram novas lentes para verem o que até aí parecia oculto e se reposicionarem no jogo da avaliação. (Basto & Vieira, 2017:601-602)
Partilhar os caminhos de mudança que percorri com os meus colegas e trazer aqui as suas vozes, no âmbito da realização do atrás referido Círculo de Estudos (CE), onde em conjunto (re)pensámos e (re)fizemos caminhos para uma avaliação mais educativa, é um contributo que acredito significativo para o debate acerca da avaliação, essencialmente por ser a voz da reflexão partilhada sobre a experiência vivida tanto no que se refere à interação com os pares como relativamente às práticas avaliativas. Numa breve contextualização acerca do que se passou no CE, importa clarificar que ele constituiu simultaneamente, um espaço de formação e de investigação (Basto, 2017), assente no diálogo e partilha de ideias e experiências, onde se criou um clima de abertura à exposição de perspetivas pessoais, à colaboração e à construção de visões e linguagens comuns e se desenharam experiências de avaliação a desenvolver nos diferentes contextos profissionais dos participantes. Estas, constituíram pequenos projetos de investigação-ação, em alguns casos realizados em colaboração ou em diálogo, que posteriormente foram partilhadas no CE tendo-se procedido a uma reflexão conjunta acerca de ganhos e limitações. Os participantes no CE deram ainda um passo à frente na reflexão sobre as suas experiências pedagógicas, ao escreveram narrativas acerca delas o que potenciou a reflexão profissional, pois como sublinha Vieira (2014b, 32): “narrativizar (…) não serve apenas para evocar e reproduzir a experiência vivida, mas também e sobretudo para indagar e encontrar os seus sentidos”. As narrativas foram posteriormente editadas num e-book, da colecção Cadernos, Escola e Formação, editado pelo CFAE Braga/Sul, acessível on-line para quem as 142
quiser conhecer com mais detalhe, que constitui um dos legados deste percurso e uma rutura com a ‘invisibilidade’ de práticas profissionais (Basto, 2014). Importa ainda referir, que no âmbito do CE os professores produziram documentos que foram incluídos num portefólio com propósitos formativos, mas também investigativos, que permitiu aceder à racionalidade profissional dos participantes no CE, sendo que é essencialmente a partir desses documentos e da análise produzida a partir deles que aqui trago as suas vozes. Dada a extensão da informação, vou destacar apenas duas vertentes das experiências que considero pertinentes para o debate: em primeiro lugar, os papéis de alunos e professores nas experiências de avaliação desenvolvidas; em segundo lugar, perceções dos participantes sobre os ganhos/ limitações das experiências, implicações e recomendações para a ação. Na verdade, para se entender todo o alcance e dimensão das experiências seria preciso conhecer para além dos referidos aspetos, o contexto de cada uma delas, as razões que as motivaram, os seus objetivos principais, os seus planos de ação e os materiais produzidos, os princípios de avaliação presentes e as estratégias/ instrumentos de avaliação das experiências, assim como, as principais considerações produzidas a partir da análise dessas dimensões. Contudo, neste texto não há espaço para uma abordagem tão extensiva. A minha escolha, centrou-se na urgência da reconfiguração de papéis pedagógicos na sala de aula e na importância de uma maior consciencialização acerca da utilidade da avaliação para as aprendizagens e sobre o conhecimento adquirido através da prática. Começo por apresentar no Quadro 5 os papéis que alunos e professores desempenharam ao nível da avaliação nas experiências, não necessariamente em todas elas. Quadro 5 – Principais papéis de alunos e professores nas experiências desenvolvidas
Papéis do aluno na avaliação Participarem na definição dos elementos / atividades de avaliação Participarem na definição de critérios de avaliação Fazerem autoavaliação Fazerem heteroavaliação Refletirem sobre os seus erros e dificuldades Fazerem atividades de autocorrecção Planearem estratégias para resolver as dificuldades detectadas Refletirem sobre a pertinência de instrumentos construídos e já aplicados Desenvolverem tutorias de interajuda nas dificuldades Responderem a questionários de opinião sobre a experiência
Papéis do professor na avaliação Dinamizar e organizar as atividades de avaliação Conceber elementos/ estratégias de avaliação Promover o trabalho colaborativo (pares/ grupos)
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Monitorizar o trabalho dos alunos Promover a autoavaliação dos alunos Promover a heteroavaliação dos alunos Tratar a informação recolhida (autoavaliações, questionários) Promover a reflexão sobre erros e dificuldades Sinalizar erros e dificuldades Dar feedback coletivo aos alunos promovendo a reflexão conjunta Promover atividades de autocorreção de erros e dificuldades Aplicar questionários de opinião aos alunos Dinamizar uma reflexão conjunta final sobre a experiência Negociar critérios de avaliação com os alunos Dar feedback escrito aos alunos Promover estratégias para resolver as dificuldades detectadas
Conhecer apenas os papéis que professores e alunos desempenharam nas experiências é pouco, mesmo assim, espero que permita ter uma visão geral sobre as dinâmicas em causa, que vou complementar com alguns aspetos que se destacaram nos referidos papéis. Um deles foi que nos níveis mais baixos de escolaridade – pré-escolar e 1º ciclo – houve um maior envolvimento dos alunos na avaliação, tendo-se desenvolvido, no caso do 1º ciclo, um processo de negociação e construção de critérios de avaliação, com enfoque na leitura de um texto. Outro, foi que estando o papel dos alunos muito dependente do papel conjunto de professores e alunos, foi o professor quem quase sempre preparou as tarefas de avaliação, que por vezes apontaram para a necessidade de diferenciar o ensino, para se resolverem problemas detetados, o que resultou em processos que ficaram como que inacabados por não haver uma continuidade nesse sentido. Outro, segundo os relatos dos professores, foi que os alunos se envolveram com entusiasmo em todas as tarefas propostas, sendo que, a proximidade entre professores e alunos parece ter sido maior nos níveis iniciais do ensino, onde os professores ouvem mais os alunos e lhes dão mais espaço para serem autónomos. Como refere Kilpatrick (2011: 117),” (…) se estamos dispostos a confiar em uma determinada situação como fonte de aprendizagem e se realmente desejamos que nossas crianças aprendam a pensar e a agir por si mesmas, devemos confiar nelas. É somente praticando a reflexão, a escolha e a responsabilidade pelos resultados que elas podem aprender a refletir, a escolher e a assumir responsabilidades.” Destacou-se ainda, que em todas as experiências os professores promoveram o diálogo interpares e a aprendizagem cooperativa, assim como, tarefas de suporte à reflexão sobre as aprendizagens, recolhendo e tratando informação escrita dos alunos, a qual na maioria das experiências foi devolvida aos alunos através de feedback oral e coletivo. Houve a preocupação em ouvir os alunos e em desenvolver a sua reflexividade. Em algumas experiências dinamizou-se uma reflexão final sobre a experiência realizada, o que significa envolver os alunos na avaliação da experiência e representa um passo no sentido da inovação das práticas profissionais. Deste modo, assistiuse a uma descentralização da avaliação no professor para uma maior centralização nos 144
alunos e na aprendizagem, ocorrendo mudanças ao nível da comunicação na sala de aula e em formas de aprender que conduzem a uma maior autonomia do aluno. As possibilidades de mudança que a avaliação formativa oferece partem de uma organização do ensino que assenta na promoção da autonomia do aluno e do professor num movimento conjunto, mas que parte essencialmente das perspetivas que o professor possui acerca do ensino e das ações que promove para colocar o aluno no centro da aprendizagem. Sem esse movimento, continuaremos a olhar para as aprendizagens dos alunos através do enviesado caminho das classificações como prova única da consolidação de aprendizagens, o que nem sempre é verdadeiro, está carregado de subjetividade, não mostra o que cada um sabe e, sobretudo não proporciona a muitos alunos a possibilidade de fazerem melhores aprendizagens, mais vividas e conscientes. Nas referidas experiências foi possível explorar a avaliação formativa em diferentes contextos e níveis de ensino, desenvolvendo a reflexividade, o espírito crítico e a autonomia dos alunos, melhorando as suas aprendizagens e a sua formação como cidadãos. No Quadro 6, apresento as perceções dos professores acerca dos principais ganhos percebidos quer por alunos quer por professores nas experiências em que participaram. Quadro 6 – Principais ganhos apontados nas experiências
Ao nível do aluno terem desenvolvido a reflexividade, o que os levou a entenderem melhor os seus limites e as suas capacidades e favoreceu a possibilidade de ultrapassarem as suas dificuldades; terem desenvolvido trabalho colaborativo, o que potenciou as possibilidades de fazerem mais e melhores aprendizagens, salientando-se que houve casos em que a colaboração foi espontânea, decorrendo do desenrolar das dinâmicas de aula geradas pela experiência; terem conseguido identificar dificuldades e melhorias a realizar, por vezes apoiados através de estratégias pensadas para o efeito; terem melhorado as suas aprendizagens, o que decorre de terem desenvolvido a reflexividade, trabalhado em colaboração e sido apoiados na identificação de dificuldades; terem conseguido encarar o erro como uma porta para a aprendizagem, o que também se liga á capacidade reflexiva desenvolvida, bem como à aceitação pública das dificuldades sem uma carga negativa associada; terem sido ouvidos e, consequentemente, melhor compreendidos pelos professores; terem desenvolvido a sua autonomia, em consequência de todos os ganhos anteriormente referidos.
Ao nível do professor terem desenvolvido a reflexividade sobre as suas práticas profissionais; terem identificado melhorias a realizar; terem adquirido um maior conhecimento do processo de aprendizagem dos alunos, que é essencial para os ajudar a melhorarem as aprendizagens;
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terem reforçado o entusiasmo profissional e a vontade de mudar práticas, o que revela o potencial da experiência para quebrar rotinas e inovar práticas;
terem explorado uma maior diversificação de estratégias de ensino, o que representa um passo significativo no sentido da mudança de práticas avaliativas.
O conceito que se destacou foi a reflexividade, tanto no que se relaciona com o aluno como com o professor, pelo que essa parece ser a marca mais evidente destas experiências, a sua principal base de sustentação. Para além dos ganhos, também foi possível identificar algumas limitações e dificuldades nas experiências, ao nível do aluno, do professor e ainda do contexto, que apresento no Quadro 7. Com efeito, na planificação das experiências os professores com base nas suas perceções anteciparam algumas, como por exemplo, a dependência dos alunos face ao professor e a necessidade de reforço positivo. Contudo, também houve problemas que se anteciparam e que não vieram a acontecer, como é o caso da resistência dos alunos ao trabalho colaborativo. É de salientar que a limitação mais apontada, se encontra ao nível do contexto: a falta de tempo. É uma dificuldade que surge na escola frequentemente e representa um estado de coisas que se agrava cada vez mais, em virtude da sobrecarga a que os professores estão sujeitos no seu dia a dia. Neste caso, a falta de tempos, para planear, para imaginar, para agir, para refletir, para avaliar, tempos que são vitais para que a mudança aconteça, ou seja, para que se possam quebrar rotinas e delinear uma rota de inovação de práticas avaliativas. Quadro 7 – Principais limitações apontadas nas experiências
Ao nível do aluno Falta de rotinas de práticas de avaliação mais formativa - dependência face ao professor e no hábito de ver classificados todos os trabalhos, receio de errar e ser confrontado com os seus erros Falta de hábitos de reflexão sobre o processo de aprendizagem - complexidade do ato reflexivo Dificuldades de expressão - pela falta do domínio da linguagem.
Ao nível do professor Dificuldade e exigência da avaliação formativa - planificação, trabalho de recolha e análise de informação, que representa muitas vezes uma sobrecarga pelo volume de informação; Dificuldade em desenhar estratégias e elaborar instrumentos de avaliação formativa adequados ao contexto e promover a diferenciação pedagógica; Dificuldade de gestão do tempo - aspetos anteriores e explicação e desenvolvimento de tarefas.
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Ao nível do contexto Falta de tempo para: o diálogo, para desenvolver as atividades; planificar e avaliar o processo avaliativo; desenvolver o programa;
Número elevado de alunos por turma. Também foi possível identificar perceções dos professores sobre implicações das experiências para alunos e professores. Em termos gerais, as implicações mais presentes parecem residir no contributo das experiências para uma mudança de atitude dos professores no sentido de consolidarem a vontade de mudança de práticas avaliativas, as quais lhes podem trazer maior gratificação profissional, e o reforço da ideia de que uma avaliação mais formativa tem muitas vantagens, sobretudo se for praticada com alguma regularidade, para superar dificuldades e melhorar as aprendizagens, favorecendo a aproximação entre professores e alunos e desenvolvendo a autonomia dos alunos. Também é interessante notar alguns aspetos mais particulares como o facto de se ter percebido que os alunos estão recetivos à mudança e que o trabalho colaborativo e a reflexividade facilitam as suas aprendizagens. Salienta-se, ainda, a consciência de que uma avaliação mais formativa forma cidadãos mais conscientes dos valores democráticos e de que a expansão de práticas mais formativas contribuiria para melhores hábitos de trabalho dos alunos e abre espaço à mudança na escola. Foram ainda apontadas algumas recomendações pelos professores formuladas a partir da sua experiência, que representam ideias sobre o que poderá contribuir para desenvolver e explorar a avaliação formativa de forma mais compatível com a realidade e de forma a serem obtidos melhores resultados com a sua dinamização, cuja síntese apresento no Quadro 8. Quadro 8 – Síntese das recomendações dos professores resultantes das experiências
Para operacionalizar a avaliação é necessário e desejável: Questionar a avaliação no início do processo de mudança, reconhecendo o valor da avaliação formativa e assumindo coletivamente uma avaliação que conduza os alunos a uma reflexão que seja útil à aprendizagem (Re)pensar perceções, atitudes e situações para (re)fazer a avaliação das aprendizagens e mudar formas de estar, de aprender e de ensinar na escola Fomentar um ensino centrado nos alunos e na aprendizagem, que promova a aprendizagem colaborativa e a autonomia Diversificar os aspetos a avaliar e as estratégias de avaliação formativa e usá-la de forma contextualizada, intencional e planeada, partilhando o trabalho e alargando-a aos professores do grupo disciplinar Recolher e analisar informação, ser organizado e avaliar resultados
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É de salientar a importância destas recomendações, visto tratar-se de perceções sustentadas numa prática que foi debatida e refletida em conjunto e, portanto, à qual se pode conferir uma legitimidade maior do que a uma simples enunciação de ideias pessoais. A pertinência de trazer aqui a voz dos professores participantes no CE e o que eles nos dizem acerca dela, como resultado de uma construção coletiva, necessariamente enriquecida pela partilha de experiências é uma marca que quero aqui deixar, pelo que apresento em seguida algumas “vozes” dos professores participantes no CE sobre as experiências realizadas: Em nossa opinião, a amplitude do impacto desta experiência, vem reforçar as potencialidades que a avaliação formativa transporta em si, e acreditar que todo o investimento pedagógico articulado e sequencial que se faça ao nível dos currículos, dos níveis e ciclos de ensino junto dos alunos, vai reverter numa geração mais convicta das suas capacidades e lutadora pelos valores da igualdade, da participação, da solidariedade e de uma vida mais democrática. As nossas expectativas foram ultrapassadas, uma vez que, com uma linguagem muito simples, sem antecedentes de construtores, os alunos elaboraram referentes capazes de registarem o que pretendíamos sobre a leitura de um poema e depois, no dia a dia, perguntam “E então, agora não fazemos o mesmo com os outros textos?” Narrativa, 1ºCEB
Como avaliação final da experiência pensamos que a avaliação formativa em que os alunos são levados a refletir sobre «o que fazem e como o fazem» faz todo o sentido e torna-se muito útil na aprendizagem, se for precocemente trabalhada e assumida por professores/escola e alunos. Narrativa, 2ºCEB – Matemática
Esta experiência ajudou-me a refletir sobre a possibilidade de produzir mudanças significativas nas minhas práticas de avaliação futuras em várias componentes, na medida em que permitirá aumentar a riqueza da avaliação formativa, poderá proporcionar maior empenho/ participação dos alunos na sua avaliação, permitirá melhorar a qualidade da avaliação e diversificar o tipo de responsabilidade dos alunos no processo de ensino/aprendizagem, bem como na avaliação global. Narrativa, 3ºCEB – Educação Física
No fim do dia “ganhar mais um aluno” que reflexivamente pondera o que aprendeu, quais as suas dificuldades, o que poderá fazer para as suprir será um passo importante. Se um aluno se tornar capaz de expressar que precisa de ajuda, de identificar que tipo de ajuda precisa, quando precisa e que pode solicitá-la a outros, colegas ou professor, estará a dar passos seguros no caminho da sua autonomia. Promover a criação destas pontes entre pares é, na nossa perspetiva, um caminho que, enquanto docentes, devemos percorrer com os nossos alunos. Narrativa, 3ºCEB – Físico-Química
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Palavras finais Finalmente, gostaria de reforçar algumas ideias essenciais que procurei explorar e que, a meu ver, constituem os aspetos mais pertinentes a ter em conta para o debate e a reflexão acerca da avaliação para as aprendizagens no contexto atual, que sinteticamente sugiro em seguida: a importância de uma consistente clarificação acerca do conceito de avaliação que ainda continua a suscitar equívocos com implicações na prática; a importância e utilidade de um referencial de avaliação baseado em princípios de avaliação que nos oriente a ação e que inclua as principais dimensões a que qualquer avaliação deve obedecer: rigor, utilidade e justiça; a importância da intensificação da reflexão profissional; a importância da valorização e abertura à mudança; a valorização de uma cultura de colaboração na escola, que favoreça a reflexão e o questionamento de conceções e práticas em uso, quer nossas, quer de outros; a importância da partilha e debate de boas práticas à luz dos princípios de avaliação; a importância da contextualização da ação pedagógica; a importância da reconfiguração de papéis pedagógicos; a importância de dar a voz aos alunos: ouvir as suas opiniões, promover autoavaliação e desenvolver processos de negociação; a importância de dar feedback útil aos alunos; a importância de estabelecer critérios de avaliação que guiem e regulem a aprendizagem. Espero que o testemunho que apresentei cumpra o seu objetivo e contribua para alimentar a reflexão sobre a avaliação para as aprendizagens, sabendo que a mudança vive entre um (re)pensar e um (re)fazer que se concretiza quando nos deparamos frente a frente com uma prática que já não nos satisfaz e descobrimos pela experimentação outros caminhos para a (re)fazer, que trazem grandes benefícios para todos, tanto para alunos como para professores e nesse sentido podem transformar a escola num espaço mais humanista e mais democrático. Recordar ainda que o caminho que fizemos mostra que é possível criar pontes entre vários atores do cenário educativo que permitem conduzir à inovação das práticas avaliativas, que a inovação pode nascer na escola desde que os professores lutem por ela criando um sentido de comunidade que os afaste do isolamento profissional, alicerçado numa visão da educação coletivamente discutida que seja um referencial ético-conceptual para a renovação das suas conceções e práticas profissionais. Reforço a ideia de que a mudança precisa da reflexão na e sobre a ação, que se pode concretizar numa formação centrada na prática sustentada em processos de supervisão
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colaborativa, tal como se desenvolveram no CE e como sugerem Flores et al (2017: 227): “No que respeita à formação de professores, em particular a de carácter contínuo, importará criar espaços de ressocialização do trabalho docente, enfatizando a necessidade de experimentar formas alternativas de avaliação, por um lado, e criando condições para um suporte colaborativo da avaliação das aprendizagens dos alunos, por outro. Neste âmbito, será seguramente fundamental um trabalho coletivo no sentido de uma consolidação científica do processo de avaliação (…)” A rota da inovação nas práticas avaliativas na escola com uma avaliação mais educativa abre um universo de possibilidades de mudança àqueles que por ela passam e outra possibilidade de se desenvolverem como cidadãos, outra visão do seu papel no mundo. Termino, voltando à ideia referida inicialmente, de que esta política educativa projeta uma luz ao fundo do túnel que precisa de se intensificar com a participação assumida pelos professores, para que uma cultura profissional verdadeiramente transformadora se instale na escola, quebrando rotinas instaladas e fazendo da avaliação uma das alavancas da mudança na escola que a torne mais humanista, inclusiva e democrática.
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APRENDER COMO SE FAZ HISTÓRIA – DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA AULA OFICINA Marília Gago
Instituto de Educação da Universidade do Minho
O ser humano é, naturalmente, um ser histórico. Compreender historicamente a vida surge como algo inerente ao ser humano. Mas, ser-se historicamente competente é, apenas, algo fixo, definido e estável como as datas que memorizamos? Saber História, ser-se historicamente competente envolve ter-se um conhecimento substantivo da realidade em estudo, ou seja, responder a questões de o quê, quando, onde, quem, como. Mas este é apenas o início do caminho que tem semelhanças com outras áreas, como por exemplo, com a interpretação de uma fonte de informação, um texto, uma imagem. Mas, ainda não é um questionamento genuinamente histórico. Para além, de “saber isto” acerca da história, é necessário compreender “como se faz História”, ou seja, para além do conhecimento substantivo, por exemplo, acerca da criação da cidade de Braga ao longo do tempo. É preciso que, simultaneamente, os alunos experienciem e consigam compreender como é que essa história da cidade de Braga foi reconstruída pelos historiadores. De forma mais coloquial, torna-se necessário que os alunos na sala de aula de História “historiem”, ou seja, “façam História”! Assim, os alunos precisam de “saber isto”, saber o que foi, por exemplo, a Revolução de 1383/1385 e o que é uma revolução, mas precisam também de experienciar e compreender como é que se sabe em História, ou seja, como é que obtemos o “sumo” das fontes históricas, o que é que estas fontes nos dizem, o que é que tinham intenção de dizer e de não dizer, o que podemos saber nas entrelinhas e no cruzamento de fontes várias, quais e quantas explicações existem acerca da mesma realidade…enfim, experienciar o ofício de ser historiador. Os documentos curriculares orientadores mais recentes, Aprendizagens Essenciais (ME, 2018) e Perfil do Aluno à saída da Escolaridade Obrigatória (ME, 2017), apontam para a necessidade desenvolver nos alunos competências várias. Estes documentos partilham a definição de competência da OCDE 2030, ou seja, as competências são como combinações complexas de conhecimentos, capacidades e atitudes que permitem uma efetiva ação humana em contextos diversificados. As competências são de natureza cognitiva e metacognitiva, social e emocional, física e prática (OECD, 2018). Esta definição é apresentada em termos visuais da seguinte forma
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Figura 1 – Quadro de aprendizagem da OCDE 2030 (OECD, 2018, p. 4)
Por sua vez nas Aprendizagens Essenciais de História em articulação com o perfil do aluno (ME, 2017), por diversas vezes se apela ao desenvolvimento de conceitos metahistóricos, ou seja, conceitos específicos da metodologia da ciência histórica. Assim, por exemplo, apontase para a necessidade de “Reforçar a utilização de conceitos operatórios e metodológicos da disciplina de História; Compreender a necessidade das fontes históricas para a produção do conhecimento histórico; Utilizar adequadamente fontes históricas de tipologia diversa, recolhendo e tratando a informação para a abordagem da realidade social numa perspetiva crítica; Compreender a existência de continuidades e de ruturas no processo histórico, estabelecendo relações de causalidade e de consequência” (ME, 2018, p.3). As Aprendizagens Essenciais não são entendidas como objetivos mínimos, antes definem: a. o que os alunos devem saber, ou seja, os conteúdos de conhecimento disciplinar estruturado, indispensáveis, articulados conceptualmente, relevantes e significativos; b. o que os alunos devem saber fazer, isto é, as operações necessárias para aprender em articulação com a ciência disciplinar, bem como, em articulação com outras áreas de saber. Parece poder-se afirmar que os nossos alunos têm de “fazer História” e para isso têm de colocar a “mão na massa”, pois só fazendo é que saberão como se faz História. As nossas aulas de História têm de permitir “historiar”, têm de ser locais em que os nossos alunos, aprendizes de História, desenvolvam o seu ofício, ou seja, temos de criar tarefas que façam com que a aula de História seja uma oficina (Barca, 2004). Estas demandas estão em linha com o tempo de mudança que vivemos. Nas escolas, atualmente, estamos a formar alunos para profissões que ainda não existem e, como tal, é necessário promover nestes alunos um conjunto de ferramentas que lhes permita fazer
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sentido(s) de informação cada vez mais diversa e em maior quantidade, de modo a conseguirem mobilizar conhecimento para novas situações que, naturalmente, nenhum professor ainda conhece porque ainda não aconteceu. Se com o fim da II Guerra Mundial era necessário formar operários o mais rapidamente possível que fossem capazes de responder a tarefas e objetivos claramente definidos pelo poder político e económico, hoje não é esse o nosso tempo. Então, a aprendizagem por objetivos que tem como preocupação central que o professor “dê a matéria” e que treine os alunos para a execução de tarefas com base nos conhecimentos transmitidos, memorizados e reproduzidos, já não responde às demandas atuais. Se não é este o objetivo, formar seres sociais moldados que executem ordens/tarefas previamente definidas, então as aulas também não podem ter como foco principal a exposição, considerando-se o professor como o centro da aula, o detentor de saber e o aluno como uma folha em branco. O conhecimento não pode ser apenas memorizado e repetido em testes da avaliação sumativa. Esta visão de aprendizagem por repetição, memorização e treino assenta no behaviorismo, em que existe recompensa ou punição conforme a resposta for, ou não, a desejada – à semelhança das experiências com animais realizadas, por exemplo, por Pavlov. Neste quadro, a aula parece uma conferência e o aluno terá melhor ou pior resultado se o seu desempenho for mais ou menos perfeito, isto é, se reproduzir fielmente o que foi adestrado para fazer. Atendendo ao contexto atual, em que o conhecimento evolui e é acessível de forma alucinante, a aula tipo conferência que assenta num conhecimento definido, fixo terá de ter outros momentos em que o aluno seja desafiado a resolver tarefas-problemas. Na aula de História, os alunos têm de ser desafiados a colocar as “mãos à obra”. Partilha-se a ideia que os alunos são os principais agentes da construção do seu conhecimento. Os nossos alunos chegam às nossas salas de aula com um conjunto de ideias que lhes permite explicar o mundo em que vivem. Estas ideias prévias que trazem consigo foram construídas ao longo da sua vida através de várias vivências. Se não as conhecermos corremos o risco de as não desafiar e estas irão perdurar após a realização do teste de avaliação. Ou seja, temos de conhecer as ideias prévias dos alunos e como estes fazem sentido da realidade se queremos ter alguma possibilidade de as desafiar para que sejam alteradas e permitam que o aluno faça sentido do mundo de forma(s) mais complexa(s). Este engajamento das ideias prévias dos alunos é crucial, especialmente em História, uma vez que para compreender o passado, que pode ser entendido como “um país estrangeiro/estranho”, temos, muitas vezes, de abandonar formas do presente. Assim, o aluno é entendido, não como uma folha em branco ou uma cabeça onde se deposita conhecimento, mas como um sujeito que tem ideias prévias, que tem de ser responsável e o principal agente da sua aprendizagem. O professor é concebido como um investigador social que procura conhecer as ideias que os seus alunos trazem para as desafiar. Ou seja, o professor é um orientador da aprendizagem, construindo e propondo tarefas-problema que devidamente orientadas devem ser desenvolvidas pelos alunos. Todos os materiais produzidos como soluções das referidas tarefas serão elementos de avaliação, pensada mais como forma de regulação e monitorização do processo de ensino aprendizagem do que em avaliação sumativa-classificadora. O foco é colocado,
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essencialmente, na avaliação para a aprendizagem do que na avaliação das aprendizagens, não se negando a necessidade de também existir classificação. Nestas aulas há uma dialética entre o quotidiano, a ciência e a metaciência. Como finalidade educativa procura-se contribuir para a formação de um ser social interventivo que não se limite a repetir o que lhe foi incutido, mas que desenvolva a sua consciência histórica, de forma progressivamente mais sofisticada, para poder tomar decisões mais esclarecidas. A este modo de conceber a ação educativa, Barca (2004) designou por aula-oficina. Esta assenta em princípios da cognição situada em linha com o construtivismo social. Assim, para a sua criação e implementação devemos atender às seguintes três ideias: a. ideias prévias – conhecer, analisar e construir as tarefas-desafios com base nestas ideias; b. construção de tarefas-problemas a serem desenvolvidas pelos alunos atendendo ao conhecimento substantivo (“saber isto”) e aos conceitos metahistóricos (“saber como”); c. fomentar a metacognição – momentos de reflexão acerca de como o pensamento se desenvolveu. De uma forma mais prática, a recolha de ideias prévias deve ser realizada num “Momento 0”, ou seja, num momento anterior ao desenho da aula em que se vão desafiar estas ideias recolhidas, pois é com base na análise destas ideias que se irá desenhar a aula em que se irá desafiar/construir o conhecimento acerca da temática a desenvolver. Pretende-se com este momento evitar que os alunos apenas acomodem o novo saber às ideias prévias sem as desafiar. Ou seja, o grande objetivo deste “Momento 0” é conhecer o quadro mental dos alunos. De uma forma mais visual, partilha-se a história do peixe e do amigo sapo (Donovan e Bransford, 2005). Assim, o sapo saiu do rio e foi ver como era o mundo em terra, e contou ao seu amigo peixe que os pássaros tinham muitas cores, penas e duas patas. E o peixe interpretou esta informação atendendo às suas experiências, ideias prévias da seguinte forma
Figura 2 – Interpretação de novo conhecimento com base nas suas ideias, experiências prévias (Donovan e Bransford, 2005)
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Os nossos alunos chegam às nossas salas de aulas com um quadro mental que explica o mundo que os rodeia e se queremos ter alguma oportunidade, hipótese para o alterar temos de o conhecer para com base no mesmo desafiá-lo e desenvolver o pensamento dos alunos. Realça-se que fazer um brainstorming (“chuva de ideias”) no início da aula pode ser um exercício até com alguma possibilidade de motivação, mas não serve o propósito de levantamento de ideias prévias como defendido anteriormente porque ao fazer-se na própria aula, não há possibilidade de desenhar as tarefas para desafiar as ideias. Em suma, esta proposta de conhecer as ideias prévias num “Momento 0”, anterior à aula em que se vai desenvolver o conhecimento da temática, tem dois objetivos principais: a. conhecer as ideias dos alunos acerca do assunto a desenvolver para com base nestas desenhar as tarefas da aula em que se irá abordar o tema; b. fazer com que os alunos pensem acerca do que sabem e conheçam as suas ideias para depois terem consciência de como estas se desenvolveram, ou não, e como tal ocorreu, ou seja, fomentar a consciência de como conhecem/aprendem metacognição. Quando estamos a tentar conhecer e fazer sentido das ideias prévias dos nossos alunos, temos de nos lembrar que são ideias que os alunos construíram ao longo do tempo e, portanto, são ideias mais ou menos coerentes, e não ideias mais ou menos corretas. As dicotomias comuns de julgamento do outro ou das suas ideias, não fazem sentido porque não podemos julgar as ideias de um aluno porque o mesmo não teve ao longo do seu tempo de vida e do seu contexto o desafio ou as possibilidades mais adequadas/desenvolvidas para ter um pensamento mais sofisticado. A escola pública tem de ser inclusiva e, como tal, todos os alunos, independentemente do seu contexto, devem ter oportunidades semelhantes. Assim, quando estamos perante ideias prévias estas devem ser consideradas per si e não numa lógica de certo/errado ou bom/mau. Isto não significa que todas as ideias têm a mesma validade. Existem diversas formas de “batizar” estas ideias, uma das possibilidades pode ser: incoerente, tautologia, senso-comum, ideias aproximadas, ideias históricas…Mas, mais do que estabelecer à partida designações, “nomes de batismo” é importante fazer sentido das ideias dos alunos – as ideias dos alunos não devem ser encaixadas com rótulos, não devem ser colocadas em espartilhos, antes devem ser escutadas e com base na escuta serem criados núcleos de sentido e formas de promover o seu desenvolvimento. Após o mapear do quadro mental dos alunos das nossas salas de aulas, nós professores, temos de colocar as “mãos na massa” e desafiar com tarefas-problema os nossos alunos. Para tal temos de atender ao conhecimento substantivo a abordar, bem como ao conceito metahistórico que queremos desenvolver. Naturalmente que quando estamos a “fazer história” com os nossos alunos trabalhamos de forma implícita várias competências, várias operações metodológicas da História, mas temos de focalizar a nossa intenção, temos de ser seletivos e responder à pergunta “para que irá servir esta tarefa para os alunos na compreensão do passado, mas também na sua vida?”. O questionamento de fontes históricas de suporte variado, mensagem diversificada e estatuto diferente é um dos pontos cruciais,
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tanto mais que a História tem como base a “leitura” de fontes históricas. O professor deverá criar tarefas que contemplem esta diversidade de fontes e orientar os alunos na descoberta do conhecimento com questões que estejam direcionadas para a focalização de atenção e a informação (o quê, quem, onde, quando, como,…), mas tem de ir mais longe, e dependendo das suas intencionalidades, por exemplo, com questões que queiram trabalhar a intencionalidade da fonte, tão necessária na atualidade com as fakenews, em que se poderá/deverá perguntar - quem é o autor da fonte? Qual o seu papel no seu tempo? Que intenções teria? O que é que podemos saber sem que o autor tivesse essa intenção? Como podemos comprovar esta informação? O facto de existirem várias pessoas a dizer o mesmo significa que podemos confiar? Mas, outras questões podem ser colocadas se quisermos trabalhar, por exemplo, multiperspetiva - o autor do documento 1 concorda, ou não, com o autor do documento 2 acerca de…? Como se pode explicar a existência de várias perspetivas em História? Quem estará em melhor posição para compreendermos o que aconteceu: a testemunha? O historiador desse tempo? Ou um historiador mais recente? (Gago, 2012). Aqui apenas sugerimos algumas questões focalizadas em dois conceitos metahistóricos evidência e narrativa histórica, mas existem estudos de investigação histórica que nos podem inspirar para construirmos estas tarefas problema (Barca, 2000; Lee, 2003; Dias, 2005; Parente, 2004; Chapman, 2017; entre outros). O foco principal destas tarefas é a resolução de problemas, ou a realização de uma investigação ou de um projeto (dependendo do tempo, abertura e desafio que queremos colocar), mas com base em fontes históricas diversificadas (matéria prima da História). Podem ser realizadas com papel e lápis, de forma colaborativa (pares, tríades, grupos) ou individual, com meios digitais (computador, tablets, internet), em sala de aula convencional ou numa lógica de “aula invertida” ou seguindo o trabalho colaborativo em lógica de jigsaw…enfim, as experiências de aprendizagem podem e devem ser diversificadas, mas ancoradas em conhecimento substantivo e metahistórico, ou seja, não basta fazer diferente, de forma que motive e seja “inovador”, é necessário que promova aprendizagens significativas para os nossos alunos. O desenvolvimento do pensamento histórico dos nossos alunos pode ser desafiador, motivador e atualizado em termos científicos e tecnológicos, mas sempre ancorado na ciência histórica, pois é o modo de pensar historicamente que contribui para que os nossos alunos “leiam” o mundo de forma(s) complexa(s) e possam tomar decisões de forma consciente e em linha com um novo Humanismo. Mas, o caminho de aprendizagem não pode ficar apenas pelo “Momento 0” e a resolução de tarefas-problema propostas de formas diversificadas em termos de suporte, modo de resolução e resultados a obter, é importante que o aluno faça sentido do que aprendeu, como aprendeu, o que pretende aprender mais e de que forma o pode fazer – metacognição. A realização de pequenas tarefas como semáforos de aprendizagem ou mesmo a resposta às questões anteriores são um caminho, mas há mais caminhos e com diferentes intenções, profundidade…Assim, pode-se propor que os alunos façam no “Momento 0” um “Para mim revolução é…” e no final da abordagem ao tema fazer na coluna ao lado “Agora para mim é…”, propondo-se que o aluno reflita como evoluiu, ou
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não, a sua ideia, o que poderá melhorar,…ou pedir que os alunos atribuam uma palavra, uma cor e uma imagem a uma situação histórica estudada – assim, serão obrigados a repensar o seu conhecimento e a atribuir-lhe outros sentidos atendendo, inclusivamente, às inteligências múltiplas. Mas, outras formas existem e são passíveis de ser implementadas na sala de aula, logo que estejamos todos comprometidos com a ideia de avaliação para a aprendizagem e não apenas com a ideia de avaliação das aprendizagens. Assim, teremos vários elementos que poderemos avaliar e ponderar como definirmos com as diferentes agentes educativos – alunos, pares, instituições, encarregados de educação. Se atendermos aos princípios enunciados no desenho e construção da aula de História, segundo o construtivismo social numa lógica de aula oficina, desde o “Momento 0” estamos comprometidos com a monitorização e regulação do processo de ensino-aprendizagem desafiando, ajustando, orientando, não ao que alguém definiu “no vazio” como necessário para os nossos alunos, mas com base na nossa realidade, nos nossos alunos em articulação com a investigação em educação histórica e com o que é definido, atualmente, pelos documentos curriculares de referência – Aprendizagens Essenciais e Perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória. O desafio inspira-nos, podemos aproveitar a oportunidade e mudar. Mas o caminho de mudança não é uma questão de tudo ou nada, há alterações mas também há permanências. É um caminho não um destino-final, obriga-nos a repensar, provoca-nos receios, mas é preciso termos em mente que os erros, apenas, significam que estamos a tentar. E à semelhança do que acontece com os nossos alunos, a teoria faz mais sentido se experienciarmos, então, fica o desafio – façam História nas vossas aulas, inspirados nos princípios da aula oficina.
Referências Barca, I. (2000). O Pensamento Histórico dos Jovens. Braga: CEEP-UM. Barca, I. (2004). Aula Oficina: do projeto à avaliação. In I. Barca (org.) Para uma Educação Histórica de Qualidade – Actas das Quartas Jornadas Internacionais de Educação Histórica. Braga: CIEd, pp. 131-144. Chapman, A. (2018). Desenvolvendo o pensamento Histórico – abordagens conceituais e estratégias didáticas. Org. L. Pedd Nechi e M. Fronza. Curitiba-Brasil: LAPEDUH/UFPR. Dias, P. (2005). As explicações dos alunos sobre uma situação histórica: um estudo com alunos do 3ºCiclo do Ensino Básico. Dissertação de Mestrado em Educação. Área de Supervisão Pedagógica do Ensino da História. Braga: UM: IEP. Gago, M. (2012). Pluralidade de Olhares: Construtivismo e Multiperspetiva no Processo de Aprendizagem. Moçambique: EPM-CELP. Lee, P. (2003). “Nós fabricamos carros e eles tinham que andar a pé” Compreensão da vida no passado. In I. Barca (org.) Educação Histórica e Museus – Actas das Segundas Jornadas Internacionais de Educação Histórica. Braga: CIEd, pp. 19-36. ME - Ministério da Educação (2017). Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória. Disponível em https://dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Projeto_Autonomia_e_Flexibilidade/perfil_dos_alunos. pdf, consultado a 30 julho, 2019.
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ME - Ministério da Educação (2018). Aprendizagens Essenciais de História. Disponível em https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/3_ciclo/historia_3c_7a _ff.pdf, consultado a 30 julho, 2019. OECD (2018). The future of Education and skills – Education 2030. OECD Publishing. Disponível em: https://bityli.com/UOsvX, consultado a 30 julho, 2019. Parente, R. (2004). A narrativa na aula de história: um estudo com alunos do 3º ciclo do Ensino Básico. Dissertação de Mestrado em Educação. Área de Supervisão Pedagógica do Ensino da História. Braga: UM: IEP.
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O PAPEL DO PROFESSOR NO APOIO TUTORIAL Diana Passeira Torres Agrupamento de Escolas Braga/Oeste - Psicóloga Formadora do Centro de Formação Braga Sul
O ano de 2020 está a ser desafiante para a educação. A pandemia do COVID-19 tornou mais evidentes as dificuldades sentidas pelos alunos, quer ao nível da aprendizagem, quer ao nível dos relacionamentos interpessoais, quer ao nível sociofamiliar. É tempo de ajustar as medidas e dar respostas adequadas às especificidades e necessidades atuais dos alunos. E uma das medidas que surge como resposta mais ajustada é o apoio tutorial. O apoio tutorial é uma medida seletiva de suporte à aprendizagem e à inclusão, cuja sua principal finalidade é promover o desenvolvimento integral dos estudantes, nas suas dimensões intelectual, afetiva, pessoal e social (Veiga Simão, Flores, Fernandes, & Figueira, 2008). Colocando o foco na importância do papel do professor tutor, este artigo pretende ser um contributo para a reflexão sobre as suas funções e sobre os desafios atuais do apoio tutorial. Contextualização Atualmente, os conceitos de “tutoria” e “mentoria” têm vindo a ser alvo de grande notoriedade. No entanto, em Portugal, a tutoria em contexto escolar remonta acerca de três décadas. De facto, a primeira referência a tutoria surgiu em 1993, no Despacho 178A/ME/93, no qual é referido que o apoio pedagógico pode assumir diversas modalidades, entre elas, a tutoria. Posteriormente, o decreto-lei nº 115A/98, de 4 de maio, que aprovou o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, descreve a possibilidade de “designar professores tutores, que acompanharão de modo especial, o processo educativo de um grupo de alunos”. No entanto, os objetivos e competências do professor-tutor só são instituídas no Decreto-Regulamentar n.º 10/99, de 21 de Julho. No artigo 10º é referido que o professor tutor é responsável “pelo acompanhamento, de forma individualizada, do processo educativo de um grupo de alunos, de preferência ao longo do seu percurso escolar”. E são descritas as suas competências: “desenvolver medidas de apoio aos alunos, designadamente de integração na turma e na escola e de aconselhamento e orientação no estudo e nas tarefas escolares; promover a articulação das atividades escolares dos alunos com outras atividades formativas; desenvolver a sua atividade de forma articulada, quer com a família, quer com os serviços especializados de apoio educativo, designadamente os serviços de psicologia e orientação e com outras estruturas de orientação educativa”. Desde então, o papel do professor-tutor tem alcançado maior relevância, estando patente na legislação e em diversos documentos orientadores, como por exemplo no Despacho Normativo n.º 50/2005 de 20 de outubro, o qual define na alínea b) do ponto 3 do artigo 2º, os “programas de tutoria para apoio a estratégias de estudo, orientação e aconselhamento do aluno”. O artigo 44º do decreto-Lei nº 75/2008 de 22 de abril refere que, “no
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desenvolvimento da sua autonomia, o agrupamento de escolas ou escola não agrupada pode ainda designar professores tutores para acompanhamento em particular do processo educativo de um grupo de alunos”. E, mais recentemente, no decreto-lei nº54/2018 de 6 de julho, o apoio tutorial assume um papel preponderante enquanto medida seletiva de suporte à aprendizagem e à inclusão. Tutoria: conceito e objetivos O conceito de tutoria tem vindo a ser objeto de análise por diversos autores que reconhecem o seu importante contributo para a promoção do sucesso académico, para a redução do abandono escolar e o desenvolvimento de uma comunicação efetiva e eficaz entre a escola e a família (Ribeiro, 2011). A tutoria é uma “ação de orientação que visa promover e facilitar o desenvolvimento integral dos estudantes, nas suas dimensões intelectual, afetiva, pessoal e social” (Veiga Simão, Flores, Fernandes, & Figueira, 2008, p.77), tendo por base os princípios, a visão, os valores e as competências que orientam o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. A implementação da tutoria, enquanto medida seletiva de suporte à aprendizagem e à inclusão, pretende contribuir para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem e para a igualdade de oportunidades. É, por isso, um processo que assenta num conjunto de atividades que proporcionam situações de aprendizagem e que sustentam o desenvolvimento do processo educativo com o objetivo de que os alunos, orientados e motivados, seja capazes de desenvolver, com autonomia, o seu processo de aprendizagem (Fernández, 2010). Reconhecendo a importância da tutoria, o Ministério da Educação alude a esta medida de apoio, enquanto dinâmica de acompanhamento, nas Orientações para a Recuperação e Consolidação das Aprendizagens ao Longo do Ano Letivo 2020/2021. Considera que o “apoio tutorial específico visa, através de um acompanhamento próximo do aluno, promover a utilização de processos de autorregulação face às aprendizagens escolares, procurando melhorar o seu desempenho e competências pessoais, ou seja, fomentar o controlo de comportamentos, de forma intencional e consciente, no decorrer de situações de aprendizagem” (Ministério da Educação, 2020, p.44). O papel do professor-tutor “A figura do tutor é alguém capaz de potenciar o projeto e sentido de vida daquele que acolhe, contribuindo para que todas as suas potencialidades sejam despertas e estimuladas (…)” (Azevedo & Nascimento, 2007, p. 4). Esta definição encerra a relevância e responsabilidade do papel do professor-tutor. A sua ação é tão determinante que pode constituir-se como um dos fatores que mais contribui para a eficácia de um programa de tutoria (Lourenço, 2012).
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O tutor é um profissional que assegura ao aluno a reflexão sobre si próprio e sobre o seu percurso escolar, considerando as suas características pessoais. Paralelamente, disponibiliza um conjunto de estratégias de regulação do seu processo de aprendizagem, assumindo um importante papel ao contribuir para a diminuição dos fatores de risco, garantindo os fatores de proteção, nos domínios da aprendizagem e do comportamento, social e pessoal (Almeida & Palmeirão, 2015). O conceito de tutoria “inclui uma dimensão de processo, de cuidado, de comprometimento com o outro, para que este se assuma como construtor principal do seu sentido de vida” (Azevedo & Nascimento, 2007, p. 7). O professor tutor assume-se como figura de referência para o aluno, proporcionando um acompanhamento individualizado e diferenciado, com a finalidade de o ajudar a ultrapassar as suas dificuldades e a promover a sua autonomia no seu processo de aprendizagem. Enquanto que a legislação se baseia nas competências do professor-tutor, a revisão da literatura aponta para a existência de algumas características do professor que poderão contribuir para o sucesso da tutoria. Ressalva-se, no entanto, que sendo cada tutorando “uma individualidade única, dificilmente se poderá traçar o perfil ideal de tutor, pela amplitude de papéis que desempenha” (Lourenço 2012, p. 34). De acordo com Lourenço (2012), os professores tutores devem ser selecionados na comunidade educativa, fora ou dentro do conselho de turma, para garantir um conhecimento aprofundado da situação escolar do aluno e do seu contexto. Outro fator importante é o tempo que o professor tutor poderá dedicar a esta atividade. O tutor deverá prestar um acompanhamento regular, comprometido e a longo prazo, promovendo uma relação que se baseie em características como a proximidade, o ensino, a orientação, a monitorização e a atenção dedicada a eventuais situações problemáticas (Ribeiro, 2011). Veiga Simão e Flores (cit in Tavares, p.134) sistematizam algumas competências subjacentes ao desempenho da função do professor-tutor tendo em consideração três níveis: saber, saber ser e saber fazer. No que se refere ao nível do saber, os autores fazem referência à importância do conhecimento prévio sobre programas de tutoria (como objetivos, dimensões, tarefas e monitorização), sobre a experiência do professor tutor nesta área e a necessidade de formação. Quanto ao nível do saber ser, assumem como fundamental a motivação do tutor para o desempenho deste papel, a qualidade da comunicação que estabelece com o tutorando e, algumas características, como ser organizado, flexível, perseverante e paciente. Relativamente ao saber fazer, destacam a necessidade do professor tutor ser capaz de identificar necessidades, definir as respostas mais adequadas e de gerir conflitos. Tendo por base o facto de que a tutoria consiste numa intervenção de carácter sociopedagógico (Almeida & Palmeirão, 2015), acresce ainda a necessidade dos professorestutores serem capazes de estabelecer uma estreita articulação com os docentes do aluno,
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com a sua família e com os técnicos que o acompanham, de modo a garantir uma visão integrada e integradora do tutorando nos diferentes contextos em que se insere. Principais desafios Os desafios aqui elencados dizem respeito a dificuldades referidas na revisão da literatura efetuada, mas sobretudo recolhidas, empiricamente, nos relatos dos professores tutores no desempenho do seu papel ao longo dos anos de experiência enquanto psicóloga no contexto escolar. Um dos principais obstáculos encontrados pelos professores tutores na implementação do apoio tutorial refere-se à falta de informação, por parte da comunidade educativa, sobre as competências do professor tutor. Como definido nas Orientações para a Recuperação e Consolidação das Aprendizagens ao Longo do Ano Letivo 2020/2021, são competências do professor tutor, entre outras: “acompanhar e apoiar o processo educativo de cada aluno do grupo tutorial; facilitar a integração do aluno na turma e na escola; apoiar o aluno no processo de aprendizagem, nomeadamente na criação de hábitos de estudo e de rotinas de trabalho; promover um ambiente de aprendizagem que permita o desenvolvimento de competências pessoais e sociais” (Ministério da Educação, 2020). A tutoria é uma medida seletiva de suporte à aprendizagem e à inclusão, sendo muitas vezes confundida, pelos docentes, pelos pais e/ou pelos próprios alunos, com a medida de antecipação e reforço das aprendizagens, o apoio psicopedagógico e, até, com outras medidas universais implementadas no contexto escolar. Por vezes, espera-se que o tutor, por exemplo, reforce conteúdos específicos de uma determinada disciplina, que efetue uma sessão de estudo de preparação para uma ficha de avaliação, perdendo-se o foco e objetivo do programa de tutoria que foi delineado para o aluno. Neste sentido, considera-se fulcral que todos os intervenientes do processo educativo apoiem e reconheçam a importância desta medida, de modo a quebrar crenças desajustadas sobre os seus objetivos e resultados pretendidos. Outra limitação encontrada pelos docentes refere-se ao tempo. A implementação de um programa de tutoria implica disponibilidade para a sua planificação, estruturação e monitorização. Paralelamente, é necessário um conhecimento aprofundado do tutorando para estabelecer um programa de tutoria ajustado ao seu perfil, às suas necessidades e especificidades. Uma vez que podem ser atribuídos até dez alunos a cada professor tutor, nem sempre é viável efetuar um atendimento individualizado do tutorando, o que condiciona a exploração das suas necessidades e a elaboração de um plano de tutoria adequado às características do aluno. Ainda sobre a questão da disponibilidade, refere-se também o facto de ser necessário tempo para a articulação com os docentes do conselho de turma e com a família, de modo a desenvolver um trabalho estruturado e integrado, com mecanismos de monitorização. No contexto de pandemia, houve necessidade de alterar a dinâmica de implementação do apoio tutorial, passando este a ser dinamizado à distância, por videoconferência ou contacto telefónico. Este desafio foi bem acolhido pela maioria dos alunos e professores que 164
mostraram disponibilidade para colocar as novas tecnologias ao serviço deste processo. No entanto, alunos e professores, que mantiveram as sessões por videoconferência em diversas plataformas, lamentam a perda do contacto presencial que, de alguma forma, conduziu a um maior distanciamento na relação já estabelecida e a reformular o plano de tutoria já estruturado. Destaca-se que, como é do conhecimento geral, nem todos os alunos tiveram acesso às novas tecnologias, levando à suspensão do apoio ou a apenas contactos esporádicos, quebrando o ritmo das sessões e a cumplicidade entre o professor tutor e o tutorando. Conclusão O apoio tutorial é uma medida que pode ser crucial, neste ano letivo, em que se pretende recuperar e consolidar as aprendizagens, mas sobretudo assegurar o bem-estar socioemocional e o desenvolvimento pessoal dos alunos. Salienta-se, porém, que “nem toda a tentativa de realizar um processo de tutoria é automaticamente eficaz em qualquer lado. Para o ser, a tutoria necessita de ser ponderada, bem estruturada e cuidadosamente monitorizada” (Topping, 2000, p. 3). Esta reflexão final sublinha a necessidade de implementação de um plano de formação para os professores tutores, que possa contribuir para o desenvolvimento pleno de todas as suas competências e, deste modo, garantir o sucesso da implementação dos programas de tutoria no contexto escolar.
Referências Almeida, S. & Palmeirão, C. (2015). Tutorias – Um modelo sociopedagogico flexível para crescer com sentido. Atas do I Seminário Internacional, vol.II. Porto: Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica. Azevedo, N. e Nascimento, A. (2007). Modelo de Tutoria: Construção Dialógica de Sentido(s): Revista Interacções, nº7, em http://www.eses.pt/interaccoes, 04/08/2020 Fernandéz, M. (2010). El tutor en la nueva universidade. Gestiopolis. Lourenço, L. (2012). Tutoria. Um caminho possível para o sucesso escolar (Trabalho de projeto para a obtenção do grau de Mestre em Ciências da Educação). Lisboa: Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Ministério da Educação (2020). Orientações para a Recuperação e Consolidação das Aprendizagens ao Longo do Ano Letivo de 2020/2021. Ribeiro, M. (2011). Refletir a (In)Disciplina, o absentismo, o abandono e o (In)Sucesso escolar. (Trabalho de projeto para obtenção do grau de Mestre em Ciências da Educação). Porto: Escola Superior de Educação Paula Frassinetti Veiga Simão, A. M., Flores, M. A., Fernandes, S., & Figueira, C. (2008, set/dez). Tutoria no Ensino Superior: Concepções e práticas. Sísifo - Revista de Ciências da Educação, 7, 75-88 Tavares, V. (2009). Orientação vocacional e profissional: um estudo sobre o funcionamento das estruturas de orientação nas escolas do distrito de Braga (Tese de Doutoramento). Granada: Universidade de Granada. Topping, K. (2000). Tutoria. Academia Internacional de Comunicação.
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APROVEITAMENTO DO ERRO NA APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA: O PONTO DE VISTA DOS ALUNOS Paula Vieira da Silva Agrupamento de Escolas de Real - Docente de Matemática e Ciências da Natureza Formadora do CFAE Braga/Sul
A investigação sobre o ensino e a aprendizagem é particularmente complexa, sobretudo se tivermos em conta a pluralidade de representações e pontos de vista em relação a determinados conteúdos e tarefas, os quais, como lembra Raymond Duval não devem jamais ser confundidos. Neste sentido, há que considerar o “ponto de vista epistemológico, [o] ponto de vista cognitivo, [o] ponto de vista dos alunos, [o] ponto de vista dos professores, [e o] ponto de vista institucional”. E acrescenta: “Isto se deve ao facto de que os fenômenos observados e os problemas a explorar estão longe de ser os mesmos dependendo do ponto de vista do qual são observados” (Duval, 2012, p. 308). O estudo dos erros realizados na aprendizagem e avaliação da Matemática, do ponto de vista dos alunos, tem sido um assunto de permanente interesse, mas só nas últimas décadas ganhou maior visibilidade. Algumas das razões prendem-se com a melhoria da compreensão e conhecimento dos alunos, bem como a realização eficaz das tarefas de ensino. Contudo, os processos mentais utilizados na realização de tarefas não são diretamente observáveis e, por isso, investigadores como Rico (1998, p. 86) consideram que se deve “recorrer a uma variedade de métodos indiretos de observação, permitindo fazer inferências sobre os processos mentais considerados”. Neste sentido, segundo este mesmo autor, entre os métodos indiretos encontra-se a análise dos erros. Os erros, que surgem nas produções escritas e orais, podem fornecer dados interessantes ao revelar ao professor pistas sobre as representações ou as estratégias elaboradas pelos alunos. Os erros podem ser também indicadores da existência de obstáculos ao pensamento e raciocínio dos alunos (Astolfi, 1999). De igual modo, os erros podem manifestar-se pela presença de um esquema cognitivo inadequado e não somente como consequência de distração ou falta específica de conhecimentos por parte dos alunos. Segundo pressupostos construtivistas, o erro deve ser visto como parte do processo de resolução de problemas e uma oportunidade para a aprendizagem, e nesta perspetiva deve fazer-se uma abordagem positiva do erro (Uribe & Sandoval, 2017, p. 206). Ainda de acordo com estes pressupostos, “o erro no processo de ensino/aprendizagem funciona como uma sinalização sobre o funcionamento pedagógico” (Pinto & Santos, 2006, p. 23). Quando o erro é feito por distração, a sua constatação pode levar o aluno a refazer, muito frequentemente com bastante facilidade, a estratégia utilizada. Se o aluno não refletir, sozinho, sobre a plausibilidade de um resultado obtido, o professor poderá desencadear esse processo, recomendando, por exemplo, que o aluno leia novamente o enunciado, sem apontar qual o erro cometido. O objetivo do professor deve ser o de que o próprio aluno seja capaz de fazer a sua autocorreção. Assim, a compreensão do erro é necessária para que
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o professor e o aluno criem condições para o ultrapassar. Por outro lado, a consciencialização por parte do professor dos tipos de erros frequentes permite-lhe estar mais atento durante o processo de ensino e aprendizagem e criar situações didáticas para que o erro seja minimizado e ultrapassado. De igual modo, se os conhecimentos do aluno e as suas estruturas de raciocínio ainda não estiverem suficientemente desenvolvidos para a seleção de uma estratégia de resolução eficaz, a consciencialização do erro poderá ser um meio do professor ajudar o aluno a atingir outros patamares de desenvolvimento cognitivo. Com efeito, como lembram Davis e Esposito (1991), se o aluno nem sequer conseguir compreender o que lhe é solicitado, não conseguirá desenvolver qualquer estratégia. E sem o entendimento da tarefa, não há como selecionar procedimentos de ação adequados à realização da mesma. Como cada erro tem uma natureza distinta, há necessidade da sua problematização em diálogo com a turma e não somente com o(s) aluno(s) mais diretamente envolvido(s). Os erros de um aluno podem auxiliar outros alunos da turma e, neste sentido, o professor deve apelar à cooperação, incentivar a confrontação das estratégias utilizadas e discutir em grande grupo a validade de cada uma delas, porque estes são também meios de superar diferentes erros e de desenvolver o pensamento matemático, a comunicação matemática e a capacidade de autorregulação e autoavaliação. A preocupação com os erros, com as condições que os tornam possíveis e com as funções que podem desempenhar no ensino e aprendizagem, tem ocupado parte importante das reflexões de muitos autores. É, por exemplo, o caso de L. Franchi e A. Rincón (2004a; 2004b) que referenciam sobre o erro algumas tipologias descritas na literatura que dizem respeito a categorizações gerais de erros e a categorizações de erros em Matemática (ver também Socas, 1997; Astolfi (1999); Brousseau, 2001). C. Davis e Y.L. Esposito (1991) consideram que erros de distinta natureza – tais como, erros conceptuais, erros de compreensão da tarefa, reconhecimento da relevância das informações de um enunciado, ausência do estabelecimento de relações entre as informações da tarefa, não identificação dos procedimentos que deverão ser realizados para resolver a tarefa, relevância dos dados que aparecem no enunciado da tarefa, não coerência de uma resposta, erros de processo, entre outros –, não devem ser tratados de forma idêntica, uma vez que exigem, para uma eventual superação, condutas pedagógicas diferenciadas. A consideração da tipologia proposta por J. P. Astolfi (1999) também poderá ajudar à escolha de uma abordagem pedagógica do erro: 1. Erros devidos à redação e compreensão das instruções; 2. 3. 4. 5. 6.
Erros resultantes dos hábitos escolares ou de uma má interpretação das expectativas; Erros como resultado das conceções alternativas dos alunos; Erros relacionados com as operações cognitivas; Erros nos processos adotados; Erros devidos à sobrecarga cognitiva da tarefa; 168
7. Erros que transferência que têm a sua origem noutra disciplina; 8. Erros causados pela própria complexidade do conteúdo. Os erros devidos à dificuldade na compreensão das instruções dadas nas aulas, oralmente ou por escrito, devem-se, por vezes, ao facto de os termos empregues para introduzir tarefas não estarem tão interiorizados como imaginamos, ou, mais especificamente, à não compreensão do léxico da disciplina. Este aspeto é, aliás, referido na literatura como uma preocupação dos professores (ver, por exemplo, Chiphambo, 2019). Os erros que provêm dos hábitos escolares ou de uma má interpretação das expectativas resultam de práticas e comportamentos inadequados (por exemplo em relação ao registo impreciso dos conteúdos lecionados nas aulas) e/ou de tentativas para corresponder às supostas expectativas dos professores. Muitos destes erros também provêm das dificuldades que os alunos encontram para entender os aspetos implícitos de uma dada situação. Os erros relacionados com conceções alternativas que os alunos possuem resultam do facto de as mesmas se mostrarem muito resistentes e se sobreporem aos esforços didáticos do professor. Aliás, a literatura sobre as conceções alternativas indica a este propósito que, do ponto de vista do aluno, a sua conceção não é entendida como um erro. Vejamos, a este propósito, o exemplo apresentado por Astolfi (1999) em que o aluno deve resolver a seguinte tarefa de geometria: “Traça um triângulo, e um dos lados traça-o de uma cor diferente. Depois traça um segmento de reta que una o ponto médio do lado colorido com o vértice oposto”.
Figura 1. Esquemas elaborados pelo aluno
Para tentar resolver a tarefa, o aluno traçou uma sucessão de três triângulos em que dois foram, pela mesma razão, por ele recusados. Nos três esboços feitos pelo aluno, os triângulos são sempre representados com um dos lados na posição horizontal. Nos dois primeiros casos, o aluno começa por achar o ponto médio do lado colorido, que não é o lado que se encontra na posição horizontal, mas não o consegue ligar ao vértice oposto, ou seja, liga o segmento ao lado adjacente. Só à terceira tentativa é que o aluno, ao escolher o ponto médio do lado que está na posição horizontal, consegue uni-lo ao vértice oposto. Por que razão o aluno não escolheu logo o lado na posição horizontal para achar o ponto médio? Uma das hipóteses é a de que o aluno não considerou a base do triângulo como sendo (também) um lado. As dificuldades na resolução desta tarefa sugerem que as
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representações (ou conceções alternativas) que o aluno tem de vértice e de lado de um triângulo são efetivamente obstáculos a ter em conta para uma aprendizagem científica dos conceitos. Voltemos à tipologia atrás referida. No caso dos erros relacionados com as operações cognitivas, há que considerar, por exemplo, que à mesma operação aritmética podem corresponder operações lógicas extremamente diferentes do ponto de vista do esforço de abstração que implicam. Já no diz respeito aos processos adotados, se o docente espera um procedimento estandardizado, por vezes não consegue entender o percurso ou a intenção do aluno na resolução da tarefa. Por isso, algumas das produções ou propostas de resolução são rapidamente etiquetadas como erros, principalmente quando se espera uma resposta específica. Mas as produções aparentemente inexplicáveis dos alunos também manifestam a diversidade dos procedimentos possíveis para resolver uma tarefa. Usualmente, é sancionada negativamente a desconformidade com a solução, já que os alunos podem realizar percursos, não necessariamente absurdos, mas que não são expectáveis. Consideram-se, assim, frequentemente erradas as propostas que se afastam do método-tipo que se imaginou, ou quando são acompanhadas de falhas pontuais que encobrem a lógica do percurso. Muitas vezes, os alunos continuam a utilizar procedimentos mais ‘primitivos’, rudimentares e não aplicáveis a todas as situações. Estes procedimentos multiplicam as ocasiões de falhar, mas, no entanto, têm mais sentido segundo o seu ponto de vista. Astolfi (1999) considera que, em vez de se julgar estas estratégias perentoriamente como erradas é mais profícuo deixar que se expressem no grupo turma. Ao confrontar o grupo com uma grande diversidade de estratégias e situações problemáticas, propondo à turma que apliquem sucessivamente as várias ideias expressas pelos colegas, evolui-se na seleção da estratégia mais adequada, ainda que, em alguns casos, possa continuar a ser limitada. No caso dos erros devidos à sobrecarga cognitiva durante a tarefa, Astolfi (1999) considera que a sua principal causa se deve à frequente subestimação da limitada capacidade de trabalho dos alunos. Por vezes, os alunos têm de efetuar um cálculo mais complexo, que exige bastante atenção e tempo e, no final de efetuarem esse procedimento, perdem o sentido do que lhes é pedido. De algum modo, é a “memória de trabalho”, como o autor a designa, que está aqui em causa. No que se refere aos erros de transferência de conhecimentos e aprendizagens entre disciplinas, é importante salientar que não basta pôr os alunos perante tarefas ou situações que sejam estruturalmente próximas. A transferência não é espontânea. Há que fazer com que seja possível, e isso passa por fazer com que os alunos se deem conta de que já conhecem ou possuem outras aprendizagens, de outras disciplinas, e que são capazes de as mobilizar. Por último, nos erros causados pela complexidade do próprio conteúdo o foco não está no ponto de vista psicológico do sujeito, mas no ponto de vista epistemológico da estrutura do conteúdo. A “análise deste tipo de erros é típica do trabalho didático, que consiste em questionar profundamente os conteúdos teóricos e práticos do ensino, assim
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como os métodos e procedimentos que habitualmente se lhes associam” (Astolfi, 1999, p. 78). A tipologia apresentada por não é exaustiva, havendo outras propostas que são igualmente pertinentes para uma reflexão e aprofundamento por parte dos professores que estejam interessados nesta problemática. Hendrik Radatz (1979), que foi um dos pioneiros na análise dos erros em Matemática, utilizou informações recolhidas em vários estudos europeus e delineou cinco categorias principais: 1. Dificuldades na linguagem. O autor ressalta a este propósito que a aprendizagem de conceitos matemáticos, símbolos e vocabulário revela, para muitos alunos, uma dificuldade semelhante à aprendizagem de uma língua estrangeira. A falta de compreensão semântica dos textos matemáticos é, assim, uma fonte de erro. 2. Dificuldades na obtenção de informação espacial. Embora seja um campo de estudo cujo desenvolvimento é bastante recente, já existe conhecimento suficiente que mostra que as diferenças individuais na capacidade de pensar através de imagens espaciais ou visuais é uma fonte de dificuldades para muitos alunos na realização de tarefas matemáticas. 3. Domínio incompleto de factos e conceitos prévios. Esses erros incluem todas as lacunas de conhecimento sobre conceitos e procedimentos específicos para a realização de uma tarefa matemática, nomeadamente, o desconhecimento dos algoritmos, insuficiente conhecimento dos factos básicos, procedimentos incorretos na aplicação de técnicas e domínio insuficiente dos símbolos e conceitos. 4. Associações incorretas ou rigidez do pensamento. A experiência de anteriores problemas semelhantes pode produzir uma rigidez da maneira usual de pensamento e falta de flexibilidade para codificar e descodificar novas informações. Nesses casos, os alunos desenvolvem operações cognitivas que continuam a empregar mesmo que as condições fundamentais da tarefa matemática em questão sejam modificadas. Incluem-se neste caso os erros por perseverança, dominada por elementos exclusivos de uma tarefa ou problema; erros de associação, incluindo incorretas interações entre elementos singulares; erros de interferência, em que operações ou conceitos diferentes interferem uns com os outros; erros de assimilação, em que uma audição incorreta produz falhas de leitura ou escrita; erros de transferência negativa a partir de tarefas prévias, nas quais se pode identificar o efeito de uma impressão errónea obtida a partir de um conjunto de exercícios ou problemas escritos. 5. Erros devidos à aplicação de regras ou estratégias irrelevantes. Estes tipos de erros surgem com frequência por aplicar com êxito regras ou estratégias similares em áreas de conteúdos diferentes. Numa outra investigação Movshovitz-Hadar, Zaslavksy e Inbar (1987) apresentam uma classificação empírica de erros, que se enquadram nas seguintes categorias:
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1. Dados mal utilizados. Incluem-se neste caso os erros que ocorrem devido a qualquer discrepância entre os dados que aparecem num enunciado e a forma como o aluno os utiliza. Por exemplo, incluir dados estranhos, esquecer algum dado necessário para a resolução, responder a algo que não é necessário, atribuir a uma parte da informação um significado inconsistente com o enunciado, utilizar valores numéricos de uma variável para outra distinta, ou mesmo, fazer uma leitura incorreta do enunciado. 2. Incorreta interpretação da linguagem. Neste caso incluem-se os erros devidos a uma tradução errada de factos matemáticos. Por vezes os factos matemáticos são descritos numa linguagem simbólica e depois são erradamente traduzidos para uma outra linguagem simbólica distinta. Isso ocorre quando se traduz um problema numa equação expressando uma relação diferente da indicada, ou quando se designa um conceito matemático usando um símbolo que não seja o usual e operando com ele de acordo com as regras usuais. Por vezes, pode também haver uma interpretação incorreta dos símbolos gráficos como termos matemáticos e vice-versa. 3. Inferências logicamente inválidas. Esta categoria inclui os erros que ocorrem por engano no raciocínio e não devidos ao conteúdo específico. Dentro desta categoria, encontram-se os erros causados por derivar de um enunciado condicional o seu recíproco ou o seu contrário, derivar de um enunciado condicional e do seu consequente, o antecedente, concluir um enunciado em que o consequente não é necessariamente derivado do antecedente; utilizar incorretamente os quantificadores, ou também, realizar saltos injustificados numa inferência lógica. 4. Teoremas ou definições distorcidos. Incluem-se aqui os erros que se produzem por deformação de um princípio, regra ou definição identificável. Temos, neste caso, a aplicação de um teorema sem as condições necessárias, a aplicação de uma propriedade distributiva para uma função não-linear, a realização de uma valoração ou desenvolvimento inadequado de uma definição, teorema ou fórmula reconhecível. 5. Falta de verificação da solução. Incluem-se aqui os erros que ocorrem quando cada etapa na realização de uma tarefa é correta, mas o resultado final não corresponde à solução. 6. Erros técnicos. Incluem-se nesta categoria os erros de cálculo, erros na seleção dos dados de uma tabela, erros na manipulação de símbolos algébricos e outros derivados da execução dos algoritmos básicos. Em síntese, na tipologia proposta por Movshovitz-Hadar, Zaslavksy e Inbar (1987) dá-se preferência às dimensões do erro suscetíveis de um tratamento didático, porque influenciam as variáveis que podem servir de apoio aos professores nas suas aulas. De qualquer modo, em todas as tipologias podem ser reconhecidas vantagens e inconvenientes. Assim, por exemplo, de acordo com Rico (1998) a tipologia anterior é simultaneamente pormenorizada e restritiva. Pormenorizada, porque identifica causas de erros sobre os quais não é usual pensar no dia-a-dia de uma aula; mas é também uma tipologia restritiva na medida em que o estudo se limita à apreciação da esfera cognitiva e
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racional. Este autor considera ainda que há também obstáculos de carácter psicológico e afetivo que devem ser tidos em conta na aprendizagem. Porém, os erros são vistos como indicadores que ajudam a compreender melhor o processo de aprendizagem e também como testemunho das dificuldades que os alunos vão encontrando. Por isso, o relevo “didático que se dá ao erro é um bom indicador do modelo pedagógico utilizado nas aulas” (Rico, 1998, p. 13). Enquanto na perspetiva de alguns modelos o erro era considerado uma falha do aluno e este era responsabilizado por errar, noutros modelos o erro era considerado uma falha didático-pedagógica. Os modelos construtivistas, por exemplo, “esforçam-se, contrariamente aos anteriores, por não eliminar o erro e dar-lhe um estatuto muito mais positivo” (Astolfi, 1999, p. 14). Neste sentido, “o objetivo que se persegue é chegar a erradicá-los nas produções dos alunos, mas admite-se que, como meio para o conseguir, deve-se deixar que apareçam – inclusive provocando-os – se queremos chegar a tratá-los melhor” (Astolfi, 1999, p. 14). O erro é um indicador e um instrumento de análise dos processos intelectuais que ocorrem nas mentes dos alunos. O erro não deve ser entendido como um distanciamento à norma, pelo contrário, deve-se tirar partido dele para melhorar as aprendizagens. Por surpreendentes que pareçam as respostas, devemos encontrar-lhes sentido, tentando encontrar as operações mentais de que eles são a pista e dos obstáculos que enfrenta o pensamento. Segundo Astolfi (1999, p. 24), “diversas modalidades de erro são testemunho dos esforços intelectuais reais que fazem os alunos para adaptar as suas representações de um fenómeno a uma nova situação didática”. Neste sentido, os alunos só progridem quando são capazes de experimentar, de forma pessoal, as ferramentas cognitivas exigidas nas distintas situações que vão encontrando.
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ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM ATIVA PARA A FLEXIBILIDADE CURRICULAR NA ERA DIGITAL Adelina Moura Agrupamento de Escolas Carlos Amarante - Docente de Português Embaixadora do Plano Nacional de Leitura GILT - Instituto Superior de Engenharia do Porto
Introdução A humanidade enfrenta desafios complicados a que a escola tem de dar atenção. A globalização, a evolução tecnológica e as convulsões sociais e económicas exigem da escola novas formas de pensar a educação e de preparar os alunos para um mercado de trabalho incerto e complexo. No mundo líquido em que vivemos (Bauman, 2007), para além dos obstáculos também surgem oportunidades que é preciso vislumbrar e aproveitar. Estas poderão ajudar as escolas e os professores a melhorar as práticas pedagógicas, a obter mais autonomia e a desenvolver o currículo com maior flexibilidade. Desta forma, a escola pode ajudar a desenvolver nos alunos competências que os levem a questionar os saberes, a assimilar novos conhecimentos, a saber comunicar em diferentes contextos e a resolver problemas complexos e globais. Os diferentes normativos, que atualmente moldam a educação, orientam os docentes no sentido de preparar as futuras gerações para o mercado de trabalho e para a aprendizagem ao longo da vida. O projeto de autonomia e flexibilidade curricular vem permitir a gestão flexível e contextualizada do currículo, para promover melhores aprendizagens, impulsoras do desenvolvimento da autonomia, do pensamento crítico e outras competências (Roldão, 2008). O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória1 estabelece a matriz de princípios, valores e áreas de competências que orientam o desenvolvimento do currículo nacional. As Aprendizagens Essenciais, de cada uma das áreas disciplinares, apresentam os conhecimentos, capacidades, habilidades e atitudes que os alunos devem desenvolver em cada ciclo para continuar com a sua aprendizagem. Estas aprendizagens são comuns, porque todos devem alcançá-las e essenciais para as incorporar no tecido social e participar eficazmente na sociedade. O documento que introduz o conceito de escola inclusiva releva a importância de olhar para a instituição educativa como promotora de melhores aprendizagens para todos, ajudando a desenvolver habilidades para o exercício de uma cidadania ativa e informada, ao longo da vida. Nesta ótica, destacam-se a aprendizagem significativa, a valorização dos saberes disciplinares e interdisciplinares e a gestão integrada do conhecimento. Nas últimas décadas, tem-se dado especial atenção ao uso de tecnologias na educação e ao seu efeito nos diversos contextos escolares. Através do acesso à Internet, nos dispositivos 1
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móveis, os alunos podem aceder a uma vasta área de informação, segundo as necessidades, curiosidades e inquietudes, ramificando e alargando o leque e dimensão dos seus conhecimentos. Assistimos a todo um novo contexto digital de socialização e interação que marca uma nova era social e educativa, à qual a escola se vê obrigada a adaptar-se (Moura, 2017). Apesar dos jovens viverem numa cultura digital, muito diferente das anteriores gerações, carecem das adequadas competências para saberem lidar com a complexidade própria de uma sociedade altamente conectada e uma diversidade de narrativas que pululam no mundo digital, nem sempre claras. Agora que os espaços de interação são cada vez mais digitais e ubíquos, o papel da educação ganha um relevo ainda maior. Todavia, este contexto obriga a uma mudança profunda na raiz da instituição educativa que radica da redefinição do currículo e dos diferentes papéis do professor e dos alunos. Compreender a educação para redefinir o currículo e as metodologias O mundo digital está a transformar a sociedade e também o mundo da educação. Por isso, os sistemas educativos passarão por inevitáveis mudanças nas próximas décadas. Porém, Morin e Brunet (2000) chamam a atenção para a importância de esclarecer o sentido das palavras que servem para falar de diferentes aspetos da realidade educativa. Para eles, há ainda muito caminho a percorrer para compreender profundamente o que é a educação. Em cada momento, há necessidade da escola questionar os seus princípios, objetivos e a sua função e saber como absorver o universo dos estudantes e os seus projetos de vida, para melhorar o processo educativo. Ela tem de ser capaz de entender os jogos de linguagens, melhorar, orientar e problematizar as rotinas escolares, de forma a influir positivamente nas aprendizagens dos alunos (Moura, 2019). Mas para mudar a educação é preciso compreendê-la. Já que a educação é muito mais do que ter boas notas. Morin e Brunet (2000) definem educação como uma atividade que tem por fim ajudar alguém a desenvolver-se e a formar-se. A essência da educação é um processo, quer dizer uma mudança. Porque educar é mudar, é fazer que nos tornemos outro. Por outras palavras, a finalidade primordial da educação é ajudar a desenvolver a pessoa em todas as suas dimensões: física, intelectual e afetiva. Para estes autores, tudo o que não recebemos ao nascer e nos faz falta em adulto é dado pela educação. Embora a capacidade de adquirir conhecimentos seja inata, o homem é o único primata a ter necessidade de um tempo considerável para aprender. É durante a fase de crescimento (duas décadas) que a capacidade de adquirir e memorizar informação atinge o seu máximo. É nesta etapa evolutiva que a educação deixa a sua marca no indivíduo. Por isso, urge uma melhor compreensão do ser humano e da forma como aprende, para implementar diferentes estratégias pedagógicas, que exigem que o aprendente crie novo conhecimento e o ligue ao mundo que o rodeia, usando poderosas ferramentas digitais do seu tempo. A escola é um espaço muito presente na vida dos jovens, mas, por vezes, eles sentem desencanto e frustração pelo que se faz dentro da sala de aula. Embora não exista uma receita única para ensinar e aprender, Sharples (2019) apresenta um guia com inovações
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emergentes na educação. Nesta obra, encontram-se formas diversas de ensinar e aprender, tornando mais eficaz o trabalho dos professores e a aprendizagem dos alunos. Também Sousa (2019) apresenta vários exemplos de como os professores integram estratégias e recursos para melhorar a aprendizagem dos alunos e o quotidiano escolar. Por seu lado, Ambrose et al. (2010) apresentam sete princípios necessários para compreender a aprendizagem que se relacionam entre si, de forma holística, e interatuam com outros processos de desenvolvimento do aluno. Num futuro próximo, as inteligências artificiais entrarão na aula, para tornar a experiência educativa mais eficiente. O que não nos surpreende, pois já há vários anos que as tecnologias de informação e comunicação (TIC) formam parte do quotidiano dos alunos. Para Fullan e Langworthy (2014), a aprendizagem profunda (deep learning) é mais natural para a condição humana, porque se liga com as principais motivações de cada um. Esta pode ajudar a otimizar a aprendizagem, a fomentar o desenvolvimento de hábitos saudáveis (individuais e coletivos) e a criar um mundo melhor (Gee e Esteban-Guitart, 2019). É aqui que a educação desempenha um papel essencial na qualidade de vida das pessoas, ao auxiliar na ampliação da capacidade de compreender a vida e de agir positivamente sobre ela. Repensar metodologias e tecnologias em harmonia com o currículo Podemos ter as últimas tecnologias, mas se não se proceder a uma mudança metodológica que seja adequada às necessidades dos alunos e exigências da sociedade, não conseguiremos melhorar o processo de ensino e aprendizagem. A incorporação de tecnologias digitais na educação deve fazer parte de um modelo pedagógico e social consistente, para se aproveitar o seu máximo potencial educativo. Assim, antes de se mexer no currículo urge pensar claramente nos seus objetivos e como pode ajudar a enfrentar os desafios e mudanças, da era digital, em que o conhecimento é cada vez mais produto da interação e atividade humana sujeita a mudanças constantes. Ao repensar o currículo para as necessidades atuais, que afeta professor e aluno, é fundamental criar também ambientes de aprendizagem dinâmicos, flexíveis e adaptáveis. Assim como, introduzir a criatividade e a inovação, no processo de ensino e aprendizagem, usando uma variedade de métodos de ensino e recursos de apoio, adaptados aos diferentes contextos de aprendizagem. Nem todas as metodologias são adequadas para trabalhar qualquer conteúdo, com qualquer grupo de alunos. Cabe ao professor, através de uma sólida formação, aplicar com sabedoria metodologias diversificadas, que podem ou não ser combinadas com tecnologias digitais, para suprir as necessidades dos alunos, atenuar a brecha digital e criar cidadãos ativos e responsáveis. Ele deve ter a capacidade de entender a flexibilidade curricular, com vista a promover projetos que melhorem as aprendizagens e fomentem uma avaliação formativa das competências e habilidades, tendo sempre em conta os conceitos e conhecimentos necessários. Espera-se ainda que saiba estabelecer uma ligação entre o currículo e os projetos, interesses e propostas dos alunos aproveitando as aprendizagens informais que os alunos fazem fora da sala de aula (Roldão, 2008). Uma vez que, como referem Morin e
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Brunet (2000), os grandes pensadores da educação nunca descuraram a experiência prévia na formação dos jovens. Ter um conhecimento adequado sobre a utilização de diferentes estratégias e tecnologias que vá de encontro às características dos aprendentes é essencial para qualquer professor. Todavia a educação é complexa e feita de uma diversidade de linguagens, por isso, ter uma grande quantidade de tecnologias na escola não significa modernização, nem qualidade do trabalho educativo. Assim, o professor deve experimentar, refletir e avaliar os resultados das suas práticas para identificar o que resulta conveniente, do ponto de vista educativo, e o que não resulta. O importante é que haja um equilíbrio entre pedagogia e tecnologia, sendo sempre o primeiro elemento a nortear o segundo, no sentido de ajudar a aperfeiçoar a prática pedagógica. Como referem Costa et al. (2012), o professor é o agente transformador da escola, cabendo-lhe tomar diferentes decisões, seja individual ou coletivamente, no sentido de adotar ou não tecnologia de apoio à aprendizagem. As competências digitais são parte do currículo Relativamente ao manejo das tecnologias digitais, muitas vezes os alunos apenas mostram um uso instrumental, sem conhecimento do potencial educativo dos dispositivos móveis que possuem. É a escola que não deve perder a oportunidade de apetrechar os alunos com um conjunto de competências digitais, para serem capazes de interagir com a informação, o conhecimento e com os outros, humanizando e potenciando a tecnologia. Nem sempre os alunos estão conscientes das competências, destrezas e práticas que estão a desenvolver e da sua importância para o mundo do trabalho e para a vida. Deste ponto de vista, Harari (2017) considera que para preparar os alunos para as incertezas e mudanças, a escola tem de os ajudar a desenvolver a inteligência emocional, ou seja, a encontrar o equilibro emocional, a capacidade de aprender e de se ajustar ao desconhecido e à insegurança, ao longo da vida. Quando os alunos interagem nas redes sociais e pedem ajuda aos seus contactos, para resolver algum problema, estão a estabelecer uma aprendizagem em rede (Siemens, 2005), a beneficiar da função educativa, porém a escola nem sempre reconhece esta dimensão. A verdade é que os jovens, através das suas redes de conexão, estão a aprender e a desenvolver diferentes destrezas (analíticas, psicomotoras, instrumentais, técnicas) que ultrapassam os limites da própria memória e tudo isto faz parte do processo educativo e deve de ser aproveitado. Segundo Downes (2012), a visão tradicional de transmissão de conhecimentos já não se afigura suficiente hoje e no futuro. Visto que, as novas gerações de alunos vivem experiências de interatividade permanente, sincrónica, convergente que nenhuma outra geração experimentou antes. Elas originam uma forma de estar no quotidiano que pode ser reprovada, por alguns, por considerarem que a conetividade não é sinónimo de comunicação, não só por não existir reflexão, mas também pela superficialidade e banalidade dos intercâmbios. Porém, estamos perante uma nova forma de estar no mundo que é preciso que a escola compreenda e ajude a melhorar, para evitar abusos e repercussões negativas, que podem ter consequências graves.
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A verdade é que nem todos os jovens estão aptos a serem emissores e comunicadores em ambientes digitais, necessitando de ajuda para aproveitarem o potencial da expressão e da utilização das tecnologias digitais. Cabe à escola atenuar a fratura digital, para que todos os alunos, participem nas dinâmicas digitais como participantes e criadores e não apenas como recetores (Moura, 2019). Isto é um grande desafio para os professores, já que não se trata de os alunos terem apenas o domínio instrumental, é preciso que dominem as diferentes literacias. A interatividade ajuda-nos a ativar os vínculos com o que nos envolve. Antes estávamos muito menos conectados, uns poucos difundiam e os outros recebiam ou recusavam, representando um papel passivo no processo. Hoje todos somos parte do processo de comunicação e interação. As tecnologias digitais colocam-nos como emissores, comunicadores, difusores da nossa expressão e da compreensão da expressão dos outros. Vivemos inundados por um excesso de informação para a qual é necessário encontrar sentido. Para Harari (2017), há três grandes questões atuais, a que a escola tem de dar atenção, como a guerra nuclear, as alterações climáticas e a disrupção tecnológica, sob pena de se voltar a cometer erros do passado. A problematização destas questões e de outras, também importantes, pode ajudar os alunos a avançar na consciencialização e intervenção e consequentemente no seu desempenho educativo. Estratégias de aprendizagem para a flexibilidade curricular Nos últimos anos, temos assistido a um crescimento tecnológico com efeitos visíveis em diferentes âmbitos da sociedade. Por isso, necessitamos de pessoas ativas e capazes de se adaptarem às transformações sociais. É na escola que se devem potenciar as capacidades de desenvolver a criatividade, o sentido social, a consciência ambiental, o espírito empreendedor, para uma formação integral da pessoa. Desta feita, o professor é o grande ativador do processo de formação dos alunos, jogando um papel basilar na hora de plasmar as intenções curriculares na aula. Com isto em mente, temos ao longo dos anos vindo a introduzir metodologias ativas nas nossas práticas educativas, tornando o processo de ensino e aprendizagem mais dinâmico e contextualizado. Tutoria de Pares: Aprender fazendo e partilhando São muitos os desafios que se colocam aos professores, na concretização de uma escola inclusiva que permita uma educação de qualidade a todos os alunos. Cabe ao professor criar projetos e mecanismos de resposta, para colmatar os problemas, inerentes à diferenciação educativa, e criar estratégias e oportunidades formativas de inclusão. De entre as diferentes metodologias utilizadas nas práticas educativas, vamos destacar a aprendizagem apoiada pelos pares (peer instruction). Trata-se de uma estratégia de ensino em que dois ou três alunos discutem e explicam a sua forma de pensar em relação a um conceito ou tema concreto (Mazur, 1997). O objetivo é que os alunos realizem uma aprendizagem e compreensão mais profundas do assunto e possam recordar e aplicar os conhecimentos em
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diferentes contextos, produzindo uma aprendizagem de maior qualidade. A discussão entre pares leva a que os alunos pensem sobre o assunto, se convençam uns aos outros da melhor resposta e ao mesmo tempo dá ao professor elementos de avaliação sobre a compreensão dos conceitos ou temas. Quando os alunos trabalham em pares quebra-se a monotonia e o papel passivo na aula. Os alunos constroem a sua aprendizagem, pois exploram, organizam e compreendem os assuntos, tendo em conta os conhecimentos anteriores e fazem-no ao seu ritmo. Ao terem de pensar e traduzir o pensamento por palavras para expor os produtos criados aos colegas, os pares implicam-se com seriedade e eficácia, tornando a aprendizagem mais aprofundada. O trabalho em pares permite que os alunos com dificuldades se envolvam mais nas atividades da aula, aprendam com os colegas mais proficientes e resolvam em colaboração os problemas e as tarefas. Na hora de explicar um assunto complexo, os alunos tutores usam uma linguagem mais acessível, tornando a compreensão mais fácil aos colegas. No projeto a seguir apresentado, foi interessante observar as diversas formas dos alunos explicarem os assuntos aos colegas e raciocinarem sobre eles. Quando os alunos explicam aos colegas aumentam a sua confiança nas aprendizagens, na comunicação e na interação com os outros. Durante o ano letivo de 2018/2019, implementamos numa turma de 11º ano do Ensino Profissional um projeto de Tutoria de Pares, enquanto metodologia de trabalho colaborativo, para apoio aos alunos com mais dificuldades à disciplina de Português. Foram os alunos que se organizaram em pares (tutor/tutorado), tendo em conta as classificações obtidas na disciplina de Português, no ano anterior (mais altas e mais baixas). Não houve necessidade, por parte da docente, de fazer grandes alterações nas escolhas dos alunos. Através desta tutoria pretendeu-se promover entre os pares competências cognitivas, sociais e pessoais. Todas as atividades realizadas, dentro e fora da sala de aula, ao longo do ano, foram organizadas em tutoria de pares. No final do ano letivo, os alunos responderam a um questionário anónimo on-line, tendo a maioria dos alunos tutorados (75%) considerado que o aluno tutor desempenhou bem o seu papel. Relativamente aos benefícios da tutoria de pares para o tutorado: 81% dos alunos consideraram o tutor como conselheiro; 78% viam o tutor como fonte de informação e 80% dos alunos como elemento de apoio. Para 83% dos alunos (tutor e tutorado) a tutoria ajudou a resolver problemas de aprendizagem. Segundo 87% dos tutores, ao ajudarem os colegas sentiram que também aprenderam e tiraram grande satisfação com o seu desempenho como tutores. Projeto: Literatura na palma da mão A integração de tecnologias digitais nas práticas educativas ajuda a criar cenários de aprendizagem em que os alunos são levados a trabalhar em equipa e a beneficiar de grande variedade de recursos e ferramentas disponíveis on-line. Quando se fala de aprendizagem invertida (flipped learning), o professor tem em mente ter mais tempo de aula para aprofundar os conteúdos e deixar que sejam os alunos a pesquisar, selecionar, organizar e 180
interpretar a informação sobre os assuntos a estudar. Foi o que aconteceu na disciplina de Português, com duas turmas do 11º ano (44 alunos), quando se estudou a poesia de Antero de Quental e Cesário Verde. Para lecionar o módulo 6 (Ensino Profissional), propusemos aos alunos trabalharem em pares e serem eles a desenvolver materiais didáticos inéditos. Insistimos para que se empenhassem nas atividades e criassem trabalhos de qualidade que se pudessem incluir na designação de Objetos de Aprendizagem (AO) 2. Explicamos o conceito, destacando que os AO se definem por serem recursos que podem ser reutilizados e publicados em ambientes virtuais de aprendizagem. Sensibilizamos ainda os alunos para criarem recursos pedagógicos que estimulassem outros estudantes a aprenderem, autonomamente, os conteúdos curriculares. Com este projeto curricular pretendíamos trabalhar conteúdos literários e poéticos, envolver os alunos em atividades práticas de aprendizagem, desenvolver o gosto pelo estudo de obras poéticas, promover estratégias de diferenciação pedagógica, para atender à diversidade e especificidade de cada aluno. Num processo destes, o papel do aluno e do professor mudam, transformando-se o segundo num guia e facilitador das aprendizagens. Durante o processo de criação dos materiais educacionais, os alunos seguiram algumas etapas: Compreensão (levantamento de informação relativa ao tema e objetivos pedagógicos); Preparação (descrição dos elementos e funcionalidades, seleção de materiais e levantamento do conteúdo); Elaboração (organização da informação, composição dos elementos gráficos e conteúdo); Experimentação (análise de falhas e correção); Apresentação pública (versão final e avaliação). Para inverter a aprendizagem (flipped learning), criamos duas APPS 3 (figura 1) sobre os dois autores, nas quais se apresentam informações biográficas/bibliográficas e gravações áudio das análises dos poemas a estudar, com a voz da professora. Desta forma, os alunos poderiam trabalhar em casa e encontrar os materiais confiáveis necessários para criar os seus recursos pedagógicos.
Uma definição simples do que é um OA é proposta por Wiley: “qualquer recurso digital que pode ser reusado para apoiar a aprendizagem” (Wiley, 2000, p. 7). 3 https://11esca.blogspot.com/2019/02/aprender-literatura-na-palma-da-mao.html 2
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Figura 1 – APPS sobre Antero de Quental e Cesário Verde
O trabalho poderia ser em formato digital ou não, tendo os alunos total liberdade para o delinear e desenvolver a gosto. Na figura 2, apresenta-se o tipo de recurso pedagógico que cada par propôs apresentar. Turma 1
Turma 2
Figura 2 – Distribuição dos poemas e tipo de recurso escolhido por cada par
O trabalho de cada par deveria ter duas partes: 1) abordar a biografia de cada poeta; 2) analisar um poema de cada um dos autores. Para que os alunos tivessem uma base de apoio de materiais para consultar, a professora disponibilizou as duas apps no blogue da turma4. Assim, os alunos poderiam consultar informação sobre os poetas e ouvir5 as análises dos poemas. Foram vários os formatos, tecnologias e desenhos dos recursos pedagógicos de apoio à aprendizagem, sobre os autores, propostos pelos alunos. De entre todos os formatos utilizados para apresentar o produto final e ferramentas escolhidas destacamos: Kahoot, 4 5
http://11esca.blogspot.com/2019/02/aprender-literatura-na-palma-da-mao.html Para que a integração de ficheiros áudio na sala de aula seja eficaz é essencial que todos os alunos possuam auriculares, para não perturbarem o trabalho dos outros colegas. Assim, pedimos aos alunos que trouxessem os seus auscultadores, a professora emprestou alguns auriculares aos que não tinham. 182
Quizelet, Quizizz, Quizur, Powtoon, Wix, Learning Apps, Prezi, ClassTools. Dois grupos aplicaram as aprendizagens realizadas nas disciplinas da componente técnica e criaram aplicações em Visual Studio. Destacamos ainda dois Escape Room criados por um grupo de cada turma e o Jogo de Tabuleiro dos Poetas criado numa das turmas, bem como os áudios com entrevistas simuladas aos autores, para a Rádio Virtual 6. A diversidade de produtos permitiu diferentes olhares sobre os conteúdos em estudo. Os trabalhos dos alunos (figura 3) foram disponibilizados neste mural7.
Figura 3 – Dois produtos, um vídeo tutorial e um Website
Para realizarem os trabalhos foram necessários 4 blocos (90 minutos cada). Os alunos usaram os computadores da sala de informática e sempre que precisavam de gravar, ouvir as análises ou pesquisar usavam também os seus smartphones. Estes tiveram um verdadeiro papel de ferramenta facilitadora da aprendizagem e do processo educativo. As tecnologias digitais são ferramentas pedagógicas importantes para repensar a aula. Permitir o uso dos dispositivos móveis dos alunos (BYOD) é aceitar que estas ferramentas são as do nosso tempo e proibi-las é desperdiçar oportunidades de aproveitar o seu potencial educativo. Trata-se de um meio pedagógico pertinente para aprender de outras maneiras. Os trabalhos foram apresentados pelos colegas e discutidos em duas aulas de 90 minutos. Para avaliação do desempenho e aprendizagem recorremos a diferentes instrumentos: uma rubrica para o produto e trabalho de pares e outra para a apresentação oral, as notas de campo da docente, um teste de conhecimentos e a auto e coavaliação. De uma maneira geral os alunos gostaram de realizar este trabalho colaborativo. Apresentamos alguns dos comentários dos alunos à questão sobre o que mais gostaram de fazer neste trabalho: “Reunir e discutir as ideias com o meu parceiro”; “Ouvir as análises dos poemas, pois ajudou a entendê-los melhor”; “Foi o trabalho em que estive mais aplicado”; “Estar a trabalhar com o meu par”; “Descobrir mais informação sobre os autores”; “Foi tudo muito bom, pois usamos muitas ferramentas úteis”.
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https://www.podomatic.com/podcasts/tabletesca https://padlet.com/geramovel/verde 183
Destacamos dois trabalhos apresentados: um deles é uma simulação do programa “Alta Definição”, em que os alunos entrevistam os dois poetas, outro é a criação da rede social do poeta Antero de Quental, através do Facebook, estabelecendo a sua rede de contactos e amigos. Através destes dois trabalhos, julgamos que os alunos se aproximaram da vida dos poetas, permitindo-lhes entender que foram pessoas normais e ajudando-os, desta forma, a assimilar melhor os conteúdos. Este tipo de atividade de aprendizagem - aprender fazendo resultou enriquecedora e foi muito valorizada pelos alunos. Com esta prática pedagógica julgamos ter conseguido mobilizar a atividade mental, cultural e relacional dos alunos, implicando todos os alunos nas aprendizagens, numa escola que se pretende cada vez mais inclusiva e promotora da autonomia, da criatividade e do sucesso educativo. Conclusão Na sociedade contemporânea a comunicação adquire uma grande importância, por isso, proporcionar aos alunos experiências de aprendizagem onde possam comunicar e interagir com outras pessoas é fundamental. O processo educativo é complexo e nem sempre os alunos aprendem aquilo que queremos que eles aprendam. Quando nos damos conta disso, o melhor é mudarmos a forma de trabalhar nas nossas aulas e introduzir pequenas nuances, capazes de implicar os alunos nas aprendizagens e torná-los mais ativos. Por exemplo, usando formas de aprender mais interativas, para que eles compreendam melhor os assuntos curriculares. Com a implementação da aprendizagem entre pares, demo-nos conta que os alunos participavam mais no processo educativo, deixando de ser apenas “espetadores” passivos. Deste modo, o estudo de obras literárias e análise poética, assuntos tidos como difíceis pelos alunos, tornam-se perfeitamente acessíveis e fica mais facilitado o trabalho do professor na aula. Conceber aulas em que os alunos estejam ativos e interajam uns com os outros é uma ideia estimulante e com resultados benéficos (Moura, 2019; Sousa, 2019). Acresce ainda dizer que é importante que os alunos saibam que toda a participação e empenho na aula e nos trabalhos se repercutirá na avaliação. Os dados recolhidos mostram que os alunos, ao usarem diferentes materiais multimédia, compreenderam melhor os conteúdos da aula. Tanto no momento da conceção dos recursos, como depois na apresentação oral aos colegas da turma. A forma positiva como os alunos reagiram às atividades da aula e nelas participaram com entusiasmo e interesse, revela que a abordagem foi ao encontro das suas necessidades e motivações. As avaliações positivas que recebemos dos alunos, que estimulavam para continuarmos a apresentar desafios e a envolvê-los nas aprendizagens, faz-nos acreditar que estamos a seguir o caminho certo, embora desafiador. Se mantivermos um modelo educativo muito centrado no manual e nas exposições do professor, estamos a dar poucos incentivos aos alunos para irem às aulas e estarem ativos. Mas se em vez de termos uma audiência passiva, apresentarmos problemas e projetos para 184
os alunos resolverem, teremos uma maior recetividade e participação nas atividades da aula. No entanto, sabemos que quando experimentamos e avaliamos, algumas coisas funcionam e outras não (Tobias, 1992). O essencial é não desistir de encontrar as melhores soluções, para cada um dos contextos de aprendizagem. Há espaço para evoluir nos programas de ensino e implementação de diferentes pedagogias. Nesta era em que vivemos, mais do que uma reforma profunda do currículo ou materiais pedagógicos complexos, precisamos de apoio e formação para introduzir diferentes metodologias, para melhorar as práticas e diversificar as experiências educativas. Enfrentamos grandes desafios na educação que pressupõem mudanças de mentalidade para conseguir aproveitar as oportunidades que se nos apresentam face à (r)evolução tecnológica a que assistimos.
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and
learning
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Tobias, S. (1992). Revitalizing Undergraduate Science Education: Why Some Things Work and Most Don't. Tucson, AZ: Research Corporation. Wiley, D. A. (2000). Learning Object Design and Sequencing Theory. Thesis (Philosophy Course), Department Of Instructional Psychology And Technology, Brigham Young University, Provo, Utah, USA.
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“54/2018”: UM OLHAR, UM ANO DEPOIS. David Rodrigues
Conselheiro Nacional de Educação Presidente da Pró-Inclusão - Associação Nacional de Docentes de Educação Especial
A 6 de julho de 2018 foi publicado o decreto-lei 54/2018 intitulado “Regime Jurídico da Educação Inclusiva”. Um ano antes, em julho de 2017, tinha sido posto à discussão pública um primeiro texto que haveria de conduzir, um ano depois, à publicação do decreto-lei. Muito se falou sobre a oportunidade da publicação da lei em julho de 2018, um tempo em que as escolas estão já, em muitos casos, com opções tomadas sobre o novo ano e em que já haveria pouca oportunidade para efetuar as mudanças necessárias para que a lei pudesse ser concretizada. Levantaram-se mesmo vozes que propunham que a lei ficasse em “banhomaria” e durante o ano letivo de 2018/19 se fosse preparando a sua entrada no ano seguinte. Na altura, e nas páginas do Jornal de Letras, opinei que esta proposta não merecia o meu apoio por várias razões e por uma principal: os contornos principais da lei eram conhecidos e a sua aplicação seria certamente o melhor teste à sua aplicabilidade em contextos bem concretos. Mas acrescentei que este acordo era dependente do provimento de dois fatores: formação e recursos. A lei foi publicada e durante o ano letivo de 2018/19 as escolas lidaram com a sua aplicação. Lidaram no sentido próprio do termo dado que, num ano letivo particularmente agitado por questões relacionadas com as carreiras dos professores, as escolas procuraram – ainda que tendo recebido tarde o sinal de partida – honrar a sua missão e desenvolver o melhor possível na realidade as medidas apontadas não só pelo “54” mas também pelo “55” e outros documentos legais. Cabe como primeiro aspeto uma palavra para honrar o mérito das escolas e em particular dos professores que em tantos casos, e em situações particularmente difíceis, encontraram ainda energia para não virar as costas a esta reforma. A análise sobre o primeiro ano de aplicação do dec-lei 54/2018 terá sempre que levar em conta o ponto de partida das diferentes escolas. Na verdade, o que se revelou para algumas escolas um obstáculo intransponível, foi para outras, a continuidade de processos que já estavam em desenvolvimento. Dou como exemplo o funcionamento das Equipas Multidisciplinares de Apoio à Educação Inclusiva. Encontramos em algumas escolas dificuldades na sua constituição, na sua possibilidade de reunião por conjugação de horários, dificuldades no seu funcionamento. Existem escolas em que estas equipas reuniram uma vez por mês e outras em que se reuniam mais do que uma vez por semana, houve casos em que as equipas foram capazes de avaliar e monitorizar os processos educativos de alunos com dificuldades e outras escolas em que todo o empenho só chegou para avaliar os “casos novos”. Talvez esta heterogeneidade se deva ao percurso que as escolas tinham feito previamente à saída da lei. Retirando os extremos da distribuição, isto é, aqueles casos em que tudo correu muito bem e aqueles casos em tudo correu muito mal, é inegável que a
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nova lei influenciou as escolas para se poderem tornar estruturas mais inclusivas e que os conceitos basilares da lei foram entendidos e integrados. É essencial que possa existir um espaço franco e estruturado de reflexão nas escolas sobre o que é preciso para melhorar a lei ou a aplicação da lei. Sem esta reflexão corremos o risco de cair em erros já cometidos ou de não aproveitar práticas bem-sucedidas. Talvez o “espaço de progressão” da Inclusão nas escolas esteja dependente, entre outros, de três fatores: O primeiro aspeto, e certamente o mais falado, é a necessidade de recursos. Antes de mais devemos pensar no que são recursos para a Inclusão. Como diria o M. La Palisse, são os recursos educacionais que permitem às escolas desenvolver e sustentar práticas mais inclusivas, isto é que eduquem todos os alunos de forma a que as suas diferenças sejam úteis para a cidadania e a aprendizagem de todos. Por isso é importante perguntarmo-nos para que são necessários os recursos porque podemos estar a pedir recursos que servem para criar ambientes não inclusivos na escola. Durante este ano vários recursos foram claramente identificados como insuficientes: a) os Centros de Recursos para a Inclusão confrontam-se com pedidos que só parcialmente podem responder e deveriam poder assumir um papel de maior articulação com as escolas. Para isso era preciso que os seus técnicos pudessem ter uma maior ligação com a escola – professores, famílias, Conselho de Turma – de forma a que as suas intervenções fossem mais bem entendidas e prosseguidas nas escolas. b) A utilização do crédito horário das escolas para apoiar a Inclusão seria certamente uma importante contribuição para que os apoios fossem planeados e realizados atempada e precocemente e finalmente c) a importância de a escola poder ter reforço de pessoal docente que permitisse um melhor acompanhamento de projetos que visassem o sucesso para todos e que lhe permitisse uma maior variedade de soluções. Um segundo aspeto prende-se com as lideranças. Falamos em lideranças e não “na” liderança. Sem menosprezo pelo trabalho das direções das escolas – que sempre estão presentes nos momentos bons e menos bons das escolas – queremo-nos referir às lideranças que existem e se devem afirmar nas escolas. Certamente que o modelo de gestão das escolas não é um assunto fechado e perpétuo e certamente nos devemos questionar se o presente modelo é aquele que mais encoraja a participação e que garante democraticidade interna. Não é este o momento para este debate. O que é de realçar é a importância de dispor de lideranças intermédias eficazes e de dar oportunidade para que todos possam assumir diferentes lideranças e responsabilidades. É preciso que se criem ambientes de confiança nas escolas dado que não é possível desenvolver uma pedagogia inclusiva (isto é, de qualidade) se não for cultivada a confiança, a responsabilidade e a possibilidade de liderança de todos. A inexistência deste ambiente conduz a ambientes em que as pessoas se sentem sem voz e sem projeto. Um terceiro aspeto é o da formação. A formação nem é a resposta para tudo nem é sempre a formação que é necessária. Por isso precisamos de desenvolver um programa sistemático de formação que implique todas as regiões do país e todas as classes e funções profissionais
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que estão implicadas na Inclusão nas escolas. Fez-se sentir e muito a falta deste plano de formação ao longo deste ano que passou. As formações feitas foram esporádicas, parcelares e dispersas. Aqui temos uma área em que certamente é possível – e sem muito esforço – melhorar. Precisamos de um programa de formação que clarifique aspetos da lei considerados menos claros – por exemplo a avaliação dos alunos –, precisamos de uma formação que divulgue práticas de sucesso e enquadramentos educacionais que funcionaram bem, precisamos de uma formação que seja um espaço de reflexão e de crescimento da confiança das escolas. O esforço que estamos a realizar em Portugal é praticamente inédito. Decidimos – e muito bem – tornar as nossas escolas em espaços de inclusão. Sabemos que tornar 811 agrupamento espaços de inclusão é incomensuravelmente mais difícil do que apetrechar com formação, com recursos e atitudes, umas quantas escolas especiais. Esta dispersão é a garantia de chegar a todos e é a esperança de construir uma sociedade mais equitativa e justa. A Inclusão nas escolas constitui a experiência de cidadania mais precoce e mais abrangente que uma criança ou jovem podem ter. Estes são os valores que optamos no nosso país há dezenas de anos por acarinhar. Sabemos que há cansaço, descrença, divergências de estratégia e de política, mas sabemos também que ninguém quer pagar o preço de uma escola não seja inclusiva. Hoje como em 2018, a esperança continua a ser a de melhorar e evoluir com mais apoio à s escolas, com mais recursos, com melhores lideranças com mais e melhor formação. Do cimo deste ano vê-se melhor o que é preciso e essencial fazer para o ano que vem.
[O autor recomenda a leitura do texto sobre este mesmo tema elaborado pela Direção da Pró – Inclusão e que se encontra disponível em www.proandee.weebly.com]
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PARA UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA João Pereira Agrupamento de Escolas de Maximinos - Coordenador da EMAEI Formador do CFAE Braga Sul
Luísa Campos Agrupamento de Escolas D. Maria II - Coordenadora da EMAEI Formadora do CFAE Braga Sul
A educação tradicional nas sociedades ocidentais desenvolvidas tem valorizado o sucesso do indivíduo em vez do sucesso do grupo. É estimulada a competição entre os alunos. Se houver um “primeiro da turma”, tem de haver um “último”, é uma lógica de vencedores e perdedores, uma selva dentro da escola. Os resultados deste tipo de educação são limitados porque os alunos não adquirem competências sociais e os problemas sociais são complexos e exigem a colaboração de todos para os resolver (Marina & Bernabeu, 2007). Hoje, pretende-se uma escola onde os alunos1: i)
(…) juntam esforços para atingir objetivos, valorizando a diversidade de perspetivas sobre as questões em causa, tanto lado a lado na sala de aula, como através de meios digitais;
ii) Desenvolvem e mantêm relações diversas e positivas entre si e com os outros (comunidade, escola e família) em contextos de colaboração, cooperação e interajuda; iii) (…) envolvem em conversas, trabalhos e experiências formais e informais: debatem, negoceiam, acordam, colaboram, aprendem a considerar diversas perspetivas e a consultar consensos; iv) Relacionam-se em grupos lúdicos, desportivos, musicais, artísticos, literários, políticos e outros, em espaços de discussões e partilha, presenciais ou à distância; v) (…) resolvem problemas de natureza relacional de forma pacífica, com empatia e com sentido crítico. Urge construir uma escola capaz de colocar em prática mecanismos de diferenciação pedagógica, a descoberta mais importante da pedagogia moderna, feita no princípio do século XX, quando se saiu da ideia da pedagogia simultânea, que era a pedagogia tradicional mais básica, isto é, tratar todos os alunos como se fossem um só, como uma massa uniforme, e passar a dizer que é preciso que cada aluno receba um tratamento diferenciado, específico. Mas as práticas dos professores continuam a ser excessivamente homogéneas e uniformes, e a considerarem pouco a capacidade de diferenciação pedagógica. Isto porque muitas vezes os professores têm dificuldade em recorrer ao elemento central da diferenciação pedagógica: a possibilidade do trabalho em cooperação dos alunos dentro da sala de aula. Se não houver o trabalho de cooperação entre os alunos mais e menos avançados, entre os alunos que têm maior predisposição para certas disciplinas e os que têm para outras, enfim, se não houver a
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Vide, Descritores operativos “Relacionamento Interpessoal”, in Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, 2017, DGE-MEC. 191
possibilidade do professor não ser o único ensinante dentro da sala de aula, é impossível conseguir práticas de diferenciação pedagógica (Nóvoa, 2006). A publicação do decreto-lei n.º 54/2018, de 6 de julho, vem dar força a esta vontade, ao assentar as suas opções metodológicas no desenho universal para a aprendizagem e na abordagem multinível no acesso ao currículo, abordagem que se baseia em modelos curriculares flexíveis, no acompanhamento e monitorização sistemáticas da eficácia do contínuo das intervenções implementadas, no diálogo dos docentes com os pais ou encarregados de educação e na opção por medidas de apoio à aprendizagem, organizadas em diferentes níveis de intervenção, de acordo com as respostas educativas necessárias para cada aluno adquirir uma base comum de competências, valorizando as suas potencialidades e interesses. Também o decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho, vem estabelecer o currículo dos ensinos básico e secundário, os princípios orientadores da sua conceção, operacionalização e avaliação das aprendizagens, de modo a garantir que todos os alunos adquiram os conhecimentos e desenvolvam as capacidades e atitudes que contribuem para alcançar as competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. Estão então criadas as condições para a implementação de uma escola inclusiva, promotora de melhores aprendizagens para todos os alunos e a operacionalização do perfil de competências que se pretende que os mesmos desenvolvam, para o exercício de uma cidadania ativa e informada ao longo da vida, que implica dar às escolas autonomia para um desenvolvimento curricular adequado a contextos específicos e às necessidades dos seus alunos. Na escola inclusiva os professores desenvolvem um trabalho em colaboração. Este trabalho em colaboração, segundo Donaldson e Sanderson (1996), beneficia diretamente: 1) a criança, uma vez que os educadores não podem evoluir nas suas práticas quando estão isolados, precisam de partilhar ideias e de ajuda na intervenção com crianças com necessidades específicas; 2) os professores, porque aprendem com os outros, melhorando o seu profissionalismo e a sua eficácia; 3) o enriquecimento profissional na cultura escolar, pois quando os professores trabalham em colaboração, estão mais recetivos às novidades e às mudanças pessoais. Nesta perspetiva, e segundo Frenda & Bursuck (1999), o professor de educação especial e professores do ensino regular, com papéis diferenciados e compartilhados, desenvolvem objetivos comuns, compartilham recursos, estabelecem igualdade relacional, confiança e respeito mútuo, participam de forma voluntária, compartilham responsabilidade e tomam decisões compartilhadas. Nesta nova escola, e respondendo aos desafios globais do século XXI que colocam obrigatoriamente o pensamento crítico no centro das sociedades modernas, reclamando às instituições educativas que preparem cidadãos ativos, enquanto pensadores capazes de se posicionarem no mundo atual através da procura de alternativas sustentáveis para os
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problemas complexos e imediatos com os quais nos deparamos diariamente 2, implica assumir que o professor não é o único que “ensina”, mas que, quando se trata de aprender, os alunos em pequenos grupos cooperativos são capazes de “ensinar-se” mutuamente e, desta forma, potenciar os benefícios que são atribuídos à interação entre pares na aprendizagem. Os alunos estimulam o sucesso uns dos outros. Discutem as matérias, explicam como executar as atividades, escutam as explicações uns dos outros, estimulam-se e esforçam-se proporcionando ajuda mútua. A interação entre os alunos ocorre tanto dentro de cada grupo como entre os diferentes grupos na sala de aula. Os alunos não só têm de aprender juntos, o que implica que cada um seja responsável por aprender e ajudar a aprender os restantes colegas de grupo, como também têm de aprender competências sociais ou cooperativas que os habilitam a trabalhar juntos com eficácia (Silva et al., 2018). A aprendizagem cooperativa coloca-nos perante experiências pedagógicas nas quais os docentes, juntamente com os alunos, são desafiados a superar-se e a reinventar-se, trabalhando para o sucesso de todos os alunos que, segundo Moreira (2019), proporcionam os seguintes benefícios: atitudes mais positivas em relação às matérias, aos colegas, à aprendizagem e à escola; atitudes mais positivas em relação aos professores, aos pares e à escola; maior apoio social; menor tendência para faltar à escola; mais competências e atitudes de colaboração; melhor relacionamento com o grupo de pares em relação às diferenças étnicas, sexuais, de capacidades, de deficiência ou de classe social; melhoria de competências sociais e da empatia; maior capacidade de compreensão, segundo as perspetivas dos outros; redução dos problemas disciplinares, uma vez que existem mais tentativas de resolução de conflitos pessoais e mais envolvimento na tarefa; atitudes mais positivas em relação às matérias, aos colegas, à aprendizagem e à escola; melhoria dos resultados escolares; aumento da retenção da informação aprendida; maior motivação intrínseca; redução da ansiedade, aumento da autoestima e da autoconfiança dos alunos; ajustamento social e bem-estar psicológico com resultados mais positivos; aumento de oportunidades para desenvolver estratégias complexas de pensamento crítico: tarefas de planeamento e organização, tomada de decisão; competências de comunicação, de integração, entre outras. A escola e os professores têm, necessariamente, de se reinventar para superarem, com sucesso, os novos desafios, proporcionando oportunidades aos alunos para que estes sejam protagonistas do seu processo educativo (Cohen & Fradique, 2018).
Referências Cohen, A. C. & Fradique, J. (2018). Guiaa da Autonomia e Flexibilidade Curricular (N. Ferreira, consultoria). Lisboa: Raiz Editora. Donalson, Jr. G. Sanderson, D. (1996). Working Together in Schools: A Guide forEducators. Porto: Porto Editora.
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Comissão Europeia, 2017; Leicht, Heiss & Byun, 2018; Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, 2018. 193
Frienda, M. & Bersuck, W. D. (1999). Including Students With special needs: A praticalguide for classroom teachers. U.S.A.: Allyn and Bacon Marina, J. A. & Bernabeu, R. (2007). Competencia social y ciudadana. Madrid: Alianza Editorial. ME/DGE (2017). Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. Disponível em (28/09/2019): https://bityli.com/QJFz7 Moreira, S. – Coord. (2019). Cooperar para o sucesso com autonomia e flexibilidade curricular. Lisboa: Edição PACTOR. Nóvoa, A. (2006). Desafios do trabalho do professor no mundo contemporâneo. Conferência SINPRO. São Paulo. Silva, H. S; Lopes J. P.; Moreira, M. (2018). Cooperar na sala de aula para o sucesso. Lisboa: Edição PACTOR.
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PLANOS DE INOVAÇÃO: PRINCÍPIOS ORIENTADORES Vanêssa de Almeida Reis Mendes
(Representante da Autonomia e Flexibilidade Curricular do CFAE Braga/Sul)
É do conhecimento público que “o programa do XXI Governo Constitucional assume como prioridade a concretização de uma política educativa centrada nas pessoas que garanta a igualdade de acesso à escola pública, promovendo o sucesso educativo e, por essa via, a igualdade de oportunidades” (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho). De acordo com os dados disponíveis, a implementação destes intentos, já plasmados na Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, ainda não foram inteiramente conseguidos, “na medida em que nem todos os alunos veem garantido o direito à aprendizagem e ao sucesso educativo” (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho). Acresce dizer que "a sociedade enfrenta atualmente novos desafios, decorrentes de uma globalização e desenvolvimento tecnológico em aceleração, tendo a escola de preparar os alunos, que serão jovens e adultos em 2030, para empregos ainda não criados, para tecnologias ainda não inventadas, para a resolução de problemas que ainda se desconhecem" (Preâmbulo do Decreto-Lei 55 de 6 de julho de 2018). É, sem dúvida, uma enorme responsabilidade da comunidade educativa, preparar alunos para uma realidade que se desconhece. Torna-se urgente que todos os envolvidos no processo educativo repensem “os processos de organizar o currículo, as metodologias, os tempos e os espaços” (Morán, 2015). Nesse sentido, o Ministério da Educação tem vindo a adotar um conjunto de medidas que confluem para o desenvolvimento de aprendizagens de qualidade e que sejam respostas efetivas às necessidades de todos os alunos. Estas medidas encontram-se inscritas na legislação em vigor, designadamente no Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, que estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário, os princípios que orientam a sua conceção, concretização e avaliação das aprendizagens, para que haja a garantia de que todos os alunos conseguem adquirir os conhecimentos e desenvolver as capacidades e atitudes que visam alcançar as competências inscritas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e no Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, determinando, este último, o regime jurídico da Educação Inclusiva. O Decreto-Lei n.º 55 concede autonomia curricular às escolas, concretizada, entre os vários pressupostos de uma gestão flexível das matrizes curriculares-base das ofertas educativas e formativas dos ensinos básico e secundário, com a possibilidade de um intervalo de variação entre 0% e 25%, tendo em conta as diferentes opções curriculares das escolas. No âmbito da implementação da autonomia das escolas e esgotadas todas as possibilidades oferecidas pelo referido Decreto emerge a possibilidade de uma maior flexibilidade curricular, que se materializa pela gestão superior a 25% das matrizes curriculares-base das ofertas educativas e formativas e se viabiliza nos Planos de Inovação que se encontram legislados na Portaria n.º 181/2019, de 11 de junho que define os termos e as condições para a sua conceção e desenvolvimento. 195
A criação de um Plano de Inovação é uma decisão que cabe à Escola, devidamente “fundamentada na necessidade de implementar respostas curriculares e pedagógicas adequadas ao contexto de cada comunidade educativa e visa a promoção da qualidade das aprendizagens e o sucesso pleno de todos os alunos” (Portaria n.º 181/2019, art.º 4, ponto 3). Na sua conceção, deve-se atender ao cumprimento das Aprendizagens Essenciais e à coerência e à pertinência da implementação nas medidas designadas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, tendo como base os princípios designados nos Decretos-Lei n.º 54 e n.º55. Um Plano de Inovação pode ser orientado para “um estabelecimento de ensino, uma turma, um ano de escolaridade, um ciclo, nível de ensino ou ciclo de formação, ou uma oferta educativa e formativa, devendo ser estabelecido o seu período de vigência.” (Portaria n.º 181/2019, art.º 6, ponto 4a). Desta forma, na conceção de um Plano de Inovação devem estar claramente identificadas as necessidades a que o plano pretende responder, devendo ser bem explícitas as propostas de melhoria das aprendizagens dos alunos, bem como devidamente fundamentada a intencionalidade das medidas propostas e a definição da percentagem da gestão da carga horária das matrizes curriculares-base (que obrigatoriamente será superior a 25%). No que diz respeito às opções curriculares e outras medidas, que poderão ser de carácter pedagógico, didático e organizacional, importa referir que as propostas devem ir ao encontro de uma gestão curricular contextualizada, preconizando articulações curriculares que se baseiem em relações multidisciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares, com metodologias integradas na planificação do ensino, da aprendizagem e da avaliação e com equipas de trabalho docente assente em dinâmicas pedagógicas adequadas ao contexto. No que se refere à gestão curricular, são passíveis de implementação as seguintes medidas: - redistribuição de tempos/horas, ao longo de cada ciclo ou nível de ensino ou ciclo de formação; a redistribuição dos tempos/horas fixados entre componentes; a organização diversa de turmas, grupos de alunos ou de aprendizagem; a gestão interturmas dos tempos/horas fixados nas matrizes curriculares-base e a criação de novas disciplinas, “através da reafetação de tempos/horas fixados para as disciplinas constantes da matriz curricularbase” (Portaria n.º 181/2019, art.º 4, ponto 4c). No entanto, é obrigatório que se cumpra o total da carga horária relativa ao ciclo, nível de ensino ou ciclo de formação. A organização do ano escolar deve ser proposta de acordo com uma fundamentação que recai na intencionalidade pedagógica, com a explicitação do número de períodos, das pausas letivas e dos momentos de reporte da avaliação aos alunos e aos encarregados de educação, explicitando a forma como será operacionalizado. Na conceção e implementação do Plano de Inovação, deve ser visível a participação dos alunos, bem como a implicação dos encarregados de educação e/ou parceiros neste intentos. O plano de inovação concebido carece de aprovação do Conselho Pedagógico e do Conselho Geral. A Portaria referida também comtempla os Percursos Curriculares Alternativos. Neste caso, é necessário proceder à caracterização do grupo de alunos a serem abrangidos por este percurso, explicitar a matriz curricular, indicar a duração desta medida e fundamentação da 196
mesma de acordo com o contexto, adequando as ofertas educativas e formativas existentes às necessidades dos alunos. No plano de formação do Agrupamento deve estar prevista formação que privilegie a operacionalização do trabalho a desenvolver pelos docentes no Plano de Inovação. Este Plano deve ser elaborado em articulação com os Centros de Formação de Associação de Escolas ou com outras instituições. As escolas devem ter mecanismos que permitam uma frequente monitorização do plano e da sua autoavaliação "de forma a aferir o impacto das opções e medidas adotadas, como estratégia de melhoria da qualidade das aprendizagens e de promoção do sucesso de todos os alunos” (Portaria n.º 181/2019, art.º 8) Para o ano letivo 2020/21 foram aprovados setenta e seis planos de inovação, dos quais onze são de escolas do Norte, treze da região Centro, trinta e seis da região de Lisboa e Vale do Tejo, catorze da região do Alentejo e duas do Algarve. Para uma maior compreensão dos Planos de Inovação, sugere-se a consulta de alguns planos de Escolas que foram aprovados e que se encontram disponíveis na internet, como o Plano de Inovação de Cristelo, o Plano de Inovação de Benavente e o Plano de Inovação do Agrupamento de Escolas de Azeitão.
Referências Decreto-Lei n.º 54 de 6 de julho de 2018 Decreto-Lei n.º 55 de 6 de julho de 2018 Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória Morán, J. (2015). Mudando a educação com metodologias ativas. Coleção mídias contemporâneas. Convergências midiáticas, educação e cidadania: aproximações jovens, 2(1), 15-33. Portaria n.º 181 de 11 de junho de 2019
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ENTRE GÉNERO E SEXO, O PAPEL DA SOCIEDADE E O PAPEL DA BIOLOGIA Zélia Caçador Anastácio
Instituto de Investigação da Universidade do Minho, CIEC
INTRODUÇÃO As abordagens sobre género estão hoje na ordem do dia, presentes em vários setores de atividade e relacionamento humano. Assim, quer se trate de uma forma de tratamento social, quer de um concurso a um emprego, quer na escola, no comércio ou nos canais de debate e reflexão mais alargados, confrontamo-nos com um evoluir da sociedade que traz para a discussão e para a consciência um cuidado para a não discriminação da pessoa em consequência do género que desempenha na sociedade. E sim, do género, pois esse é o papel que a sociedade espera do indivíduo. Por seu turno, o conceito de sexo tem vindo a perder terreno educativo e a ser criticado, por ser associado a uma visão redutora de sexualidade, relacionamento e afetos. Nota-se até alguma relutância em pronunciar ou escrever a palavra sexo em contextos formais de reuniões profissionais e em formulários de recolha de dados, tendendo a optar-se por “género” em vez de “sexo”, factos que temos vindo a observar. E é na coerência entre género desempenhado e sexo com que nasceu que pode residir a problemática da (não)aceitação do próprio ou dos outros em relação ao próprio. Assim, procurando aferir os conceitos de género e de sexo, e na tentativa de clarificar as interrelações, por vezes geradoras de compreensões erróneas, neste texto parte-se da enunciação e reflexão sobre os dois conceitos, passando pelo seu posicionamento na investigação, na saúde, nas políticas e na educação, para depois refletir sobre o modo de tratamento da pessoa nos diferentes setores das suas vivências diárias, o que constitui uma questão de cidadania e inclusão. No que respeita a investigação e produção académica/científica temos vindo a assistir a um foco crescente nos assuntos relativos ao género, em detrimento do conhecimento científico de índole biológica, mais precisamente morfológica e fisiológica. Não obstante as tendências das investigações em matéria de educação para a sexualidade, o organismo humano continua a comportar uma carga genética, impressa no ultramicroscópico cariótipo – genótipo -, a qual é responsável pela aparência física – fenótipo – do indivíduo portador dessa herança. E todos queremos que durante o emparelhamento dos cromossomas homólogos na meiose, o processo decorra com normalidade, isto é, mantendo constante o número de cromossomas, suas formas e tamanhos, para que nenhuma alteração, translocação ou mutação nos condicione ao longo do nosso ciclo de vida. Mas a este propósito importa recordar que em caso de (des)ajustamento com o fenótipo que se observa, e a vontade de o alterar em favor de melhor autoconceito e autoestima, não bastam as ações de contestação ou ativismo social, sendo imperioso o 199
recurso à medicina, nas suas vertentes cirúrgica e endócrina, para que esse reajustamento se processe. Estamos assim perante um processo que não se alimenta apenas das crenças e representações sociais criadas em relação ao atributo género, mas em que tanto a componente social como a biológica interagem permanentemente. Procuremos então evidenciar as diversas dimensões do ser humano que são tocadas para construir um equilíbrio entre o ter, o ser e o sentir destas questões de género e de sexo. Conceito de Género, um Constructo Social O termo género com origem no latim genus significa nascimento, família ou tipo, relacionando-se também com a classificação gramatical de palavras em feminino, masculino ou neutro. No entanto, na sua origem grega genos e genea, o termo já fazia referência a sexo. Porém, só a partir do século XV é que a associação dos dois termos passou a ser mais utilizada, sendo género sinónimo de sexo biológico dos indivíduos e, por conseguinte, os termos masculino e feminino atribuídos a macho e fêmea, respetivamente (Stellmann, 2007). Contudo, se analisarmos a Base Nacional Curricular Comum (BRASIL, 2018), documento orientador de todo o currículo brasileiro, desde a educação infantil até ao ensino médio, neste documento de seiscentas páginas, o termo género só aparece associado a género textual ou género literário e nunca a conceitos de sexo ou sexualidade. Atualmente, assistimos ainda a certa confusão entre o significado e a adequada utilização dos termos género e sexo, pelo que a sua clarificação se torna necessária. A utilização do termo género parece constituir até um eufemismo em relação à dificuldade de pronunciar a palavra sexo em contextos coletivos e educativos. O conceito de género é enunciado pela Organização Mundial de Saúde como características de mulheres, homens, raparigas e rapazes, que são socialmente construídas. Tal conceito inclui normas, comportamentos e papéis associados ao facto de ser mulher, homem, rapariga ou rapaz, assim como as relações que mantêm entre si. Sendo um constructo social, o conceito de género varia de uma sociedade para outra e pode mudar ao longo do tempo. O género baseia-se na hierarquia e produz desigualdades que se cruzam com outras desigualdades sociais e económicas. A discriminação baseada no género interrelaciona-se com outros fatores de discriminação, nomeadamente com a etnia, o estatuto socioeconómico, a deficiência, a idade, a localização geográfica, a identidade de género e a orientação sexual, entre outros. Esta inter relação é entendida como interseccionalidade (WHO, 2021). O conceito de interseccionalidade, decorrente de problematizações feministas baseadas na cor da pele, assenta na interdependência das relações de poder associadas a raça, sexo e classe. O conceito foi desenvolvido a partir dos anos 1990, pela jurista Crenshaw (1994), focando-se principalmente nas intersecções de género e raça e menos nas de classe e de sexualidade. A autora propôs duas categorias de interseccionalidade: a estrutural e a política. A interseccionalidade estrutural diz respeito à posição das mulheres de cor na intersecção da raça e do género e às consequências advindas da violência conjugal e do abuso sexual, 200
bem como às formas de dar resposta a essas violências. A interseccionalidade política assenta nas políticas feministas e nas políticas antirracistas que conduzem à marginalização da violência em relação às mulheres de cor (Hirata, 2014). Assim, no caminhar da sociedade, vamos assistindo a lutas por direitos sociais, independentemente da expressão fenotípica, pois nas origens da interseccionalidade constatamos o Black feminism, sendo as feministas brancas acusadas de racismo. Portanto, se antes a luta era contra a hierarquia de género, posteriormente centrou-se na cor da pele, ou seja, um caracter biologicamente programado e influenciado pelo ambiente. Não obstante a legitimidade da reclamação dos direitos igualitários em função da diversidade, importa compreender os fundamentos biológicos a fim de perceber algumas das diferenças sociais. Diferença entre Género e Sexo O género interage com o sexo, mas é diferente deste. Os dois termos são distintos e não devem ser utilizados de forma intercambiável. Para clarificar, podemos entender o sexo como uma característica biológica e o género como uma construção social. O sexo refere-se a um conjunto de características biológicas de seres humanos e de outros animais (além de outros seres vivos sexuados). O sexo está associado essencialmente a características físicas e fisiológicas, incluindo cromossomas, expressão genética, nível e função hormonal, bem como anatomia reprodutiva e sexual (WHO, 2021). O género e o sexo estão relacionados com, mas são diferentes de, identidade de género. A identidade de género refere-se à experiência profunda, interna e individual de género de uma pessoa, que pode ou não corresponder à sua fisiologia ou ao seu sexo designado à nascença. O sexo geralmente é categorizado como feminino e masculino, mas existem variações das características sexuais, a que se dá o nome de intersexo. O termo "intersexo" é usado como um termo guarda-chuva para indivíduos nascidos com variações naturais das características biológicas ou fisiológicas (incluindo anatomia sexual, órgãos reprodutivos e/ou padrões cromossómicos) que não se enquadram nas definições normativas de feminino e masculino. Aos bebés, normalmente atribui-se o sexo do homem ou da mulher à nascença com base na aparência da sua anatomia/genitália externa (WHO, 2021). O Sexo, um Atributo Biológico À semelhança do conceito de género, o conceito de sexo também pode ter significados diferentes, consoante o contexto em que se utiliza. Na sua origem, o termo sexo deriva do latim sexu com o mesmo significado de sexo. O Grande Dicionário da Língua Portuguesa (Teixeira, 2004, p. 1410) define sexo como “conjunto de características físicas e funcionais que distinguem o homem e a mulher, e nos animais, o macho da fêmea”; “conjunto de pessoas que têm morfologia idêntica relativamente ao aparelho sexual”; “órgãos sexuais”; “relação sexual”; “actividade reprodutora” e “sensualidade; prazer sexual”, além de em sentido figurado referir “sexo forte os homens” e “sexo fraco/frágil as mulheres”. 201
Ora, estas designações, numa análise do ponto de vista da biologia estão carregadas de conceções não aceites cientificamente, pois quando é referido “o homem e a mulher, e nos animais, o macho da fêmea …”, constata-se de imediato a negação da inclusão da espécie Homo sapiens sapiens no mesmo reino dos outros animais, sendo portanto mais um constructo social separar os humanos do sistema de classificação dos seres vivos. Este aspeto poderia levar-nos a refletir também sobre o conceito de raça, na medida em que para os outros animais falamos sem constrangimentos das várias raças de cães, de gatos, de rinocerontes, etc., mas instituiu-se não ser aplicável o mesmo conceito de raça em biologia quando se trata de humanos. Aliás diz-se que o conceito de raça se aplica às outras espécies, mas não aos seres humanos, considerando que a variabilidade genética é inferior a 0,1% (Bezerra & Machado, s/d). Ora a variabilidade genética pode também ser considerada entre homem e mulher, que sendo da mesma espécie e tendo a mesma cor de pele, de olhos e de cabelo, comportam códigos genéticos diferentes (com destaque para os cromossomas sexuais X e Y), podendo apresentar uma percentagem superior de variabilidade genética sobretudo se ocorrerem mutações, algumas das quais se expressam fenotipicamente em doenças raras. Outras das incorreções das definições apresentadas no dicionário acima referido encontrase em “conjunto de pessoas que têm morfologia idêntica relativamente ao aparelho sexual”. Ora não existe um aparelho sexual, pois do ponto de vista da biologia um aparelho é um conjunto de órgãos funcionais, existindo sim o aparelho reprodutor com alguns órgãos que também têm função sexual. Serve esta análise para advertir que em cada área de conhecimento devemos apropriar-nos das conceções cientificamente aceites, sob pena de incorrermos em publicações que não contribuem para a apropriação do conhecimento científico. Em suma, sexo não é aparelho sexual, embora muitas vezes o termo seja invocado para designar os órgãos genitais externos. A relação sexual também assume muitas vezes esta expressão sem o ser. No entanto, o que se verifica é que o que se relaciona com aparência física distintiva e interação íntima cabe no guarda-chuva de sexo. E assim assistimos a um uso do termo que passa das características para as ações. As ideias de “sexo forte” para os homens e “sexo fraco” para as mulheres pode pressupor a existência de características físicas de cada um dos sexos que lhes conferem tais adjetivos, mas também tende acentuadamente para a hierarquia estipulada pelo género. Se olharmos esta classificação sob a perspetiva biológica, e considerando médias de tamanho, capacidade ventilatória e força muscular, talvez se compreenda o sentido sem que seja tão pejorativo. Por outro lado, entendido numa perspetiva social já se torna alvo de contestação. De facto, os sexos são diferentes e indivíduos de sexos diferentes têm capacidades e habilidades diferentes, como iremos a analisar adiante. Para Dorlin (2008) o sexo designa geralmente três coisas: o sexo biológico, que é atribuído à nascença (masculino ou feminino); o papel ou comportamento sexuais que supostamente lhe correspondem (género), provisoriamente definidos como os atributos do feminino e do 202
masculino que a socialização e a educação diferenciadas dos indivíduos produzem e reproduzem; e a sexualidade, ou seja, o facto de ter uma sexualidade, de ter ou de fazer sexo. O sexo como atividade sexual é também assim interpretado por Kohner (1999) no seu livro “Como falar de sexo às crianças” em que a autora explora a abordagem de sexo não só como a relação sexual, como também as manifestações de afeto envolvidas no relacionamento íntimo, entendendo-se que se refere a sexualidade em vez se referir propriamente a sexo. Evidências Científicas das Diferenças de Sexo As diferenças entre os sexos começam logo no momento da fecundação, com a constituição do par de cromossomas 23, o par sexual, que é determinado pelo espermatozoide, já que este gâmeta pode transportar um cromossoma X ou um cromossoma Y. E este conhecimento é importante, para que socialmente as mulheres não sejam mais culpadas por não dar um filho homem aos seus parceiros de procriação, como muito foram acusadas em tempos que desejamos passados. Seguidamente, no ambiente intrauterino, o desenvolvimento do feto decorre da interação entre o cariótipo aleatoriamente formado e o seu ambiente hormonal. E a partir daí desencadeia-se a diferenciação sexual. Em situação normal, o desenvolvimento embrionário do sexo fetal humano pode ser dividido em três fases: o estágio indiferenciado, quando estruturas sexuais primitivas idênticas se desenvolvem em embriões 46,XX e 46,XY; a diferenciação da gónada bipotente em ovário ou testículo; e a diferenciação da genitália interna e externa, dependente da ação de hormonas testiculares. A diferenciação sexual normal parte de estruturas indiferenciadas e, por volta da terceira semana de gestação, a ação de genes específicos é que vai determinar se as gónadas se diferenciarão em testículos ou em ovários. Por volta da sétima semana de gestação, a genitália interna e externa diferenciar-se-á em masculina ou feminina, dependendo da concentração de androgénios na circulação sanguínea. Para que isso aconteça, no embrião os ductos de Wolf e de Müller (Figura 1) desenvolvem-se um junto ao outro. Por volta da sétima ou oitava semana de gestação, se os testículos se desenvolverem, será produzida a hormona anti-Mülleriana (HAM) pelas células de Sertoli e grandes concentrações de testosterona pelas células de Leydig. A ação destes androgénios (HAM e testosterona) sobre os primórdios dos órgãos reprodutores internos leva à atrofia dos ductos de Müller e à diferenciação dos ductos de Wolff em órgãos do aparelho reprodutor masculino, mais precisamente os epidídimos, os canais deferentes e as vesículas seminais (Michelatto, 2016). Na ausência de androgénios, os ductos Wolff atrofiam e os ductos de Müller levam ao desenvolvimento dos ovários e dos restantes órgãos reprodutores femininos.
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Figura 1: Diferenciação sexual interna (Fonte: Michelatto, 2016)
Estas diferenças também se traduzem a nível somático, acentuando-se na puberdade com a expressividade dos caracteres sexuais secundários, devido às alterações hormonais características desta fase desenvolvimental. Assim, os rapazes começam a desenvolver mais massa muscular, enquanto as raparigas passam a ter mais tecido adiposo. Este ganho de massa muscular pelos rapazes confere-lhes a capacidade de ter mais força, ao ponto de conseguirem levantar objetos com o dobro da sua massa corporal (vulgarmente chamada de peso), enquanto para uma rapariga será difícil carregar um objeto com a sua massa corporal. Do mesmo modo, a expansão do tórax do rapaz confere-lhe maior capacidade pulmonar, o que lhe permite, por exemplo, conseguir correr mais rapidamente que a rapariga já que a sua capacidade ventilatória também é maior. Por sua vez, mais tecido adiposo, além de conferir forma corporal diferente às raparigas, também lhes permite menor dispêndio de energia na manutenção da temperatura corporal e pensa-se também que esse tecido constitui uma reserva energética para suportar a gestação. Notam-se também diferenças na distribuição dos pelos corporais, nas secreções das glândulas sudoríparas e sebáceas e na voz. Além destas diferenças visíveis, há ainda outras internas, a nível do esqueleto e do cérebro.
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No que respeita ao esqueleto, podemos ver o exemplo da cavidade pélvica, também chamada de pélvis ou pelve. Como se pode observar na figura 2, a pélvis feminina apresenta maior inclinação anterior e tem um formato arredondado, enquanto a masculina tem um formado oval. A cavidade pélvica masculina apresenta-se afunilada, ao passo que a feminina tem formato cilíndrico. O ângulo subpúbico é de 60º no sexo masculino e de 90º no feminino.
Figura 2: Diferença entre a Pélvis masculina e feminina (Fonte: Melati, 2014)
Estas diferenças esqueléticas, além de se traduzirem em diferentes formas corporais, relacionam-se também com a capacidade de gestação para as mulheres (arco púbico amplo) e têm influência na inclinação do fémur (mais inclinado nas mulheres e mais direito nos homens), o que interfere em movimentos corporais. Para elucidar, um exercício interessante é desafiar homens e mulheres a cruzar as pernas e depois tentar entrelaçar o pé de cima por detrás da perna que fica por baixo. As mulheres consegui-lo-ão fazer, mas os homens não. A nível cerebral, as influências também ocorrem logo desde o período intrauterino, devido à ação das diferentes hormonas. De acordo com Brizendine (2006) devido às flutuações hormonais, que começam logo aos três meses e se prolongam até depois da menopausa, a realidade neurológica da mulher não é tão constante como a do homem. A autora afirma que os cérebros feminino e masculino processam de modo diferente os estímulos auditivos, visuais e sensoriais, assim como calculam de modo diferente o que os outros sentem. Têm sistemas compatíveis e altamente eficazes, mas recorrem a circuitos diferentes para desempenhar as mesmas tarefas e atingir os mesmos objetivos. Em análises microscópicas e de ressonância magnética as diferenças cerebrais revelaram-se vastas e complexas. A autora exemplifica que: 205
“(…) nas áreas cerebrais destinadas à fala e à audição, as mulheres dispõem de mais 11% de neurónios que os homens. O hipocampo, que é o centro principal da emoção e da formação da memória, também é maior no cérebro feminino, o mesmo acontecendo com o circuito adstrito à linguagem e à observação das emoções alheias. (…) Em contraste com isto, os homens têm um volume cerebral duas vezes e meia maior no que respeita ao apetite sexual, assim como também é maior o espaço dos centros destinados à ação e à agressividade. Em média o cérebro masculino confronta-se a cada cinquenta e dois segundos com um pensamento de índole sexual, o que na mulher ocorre apenas uma vez por dia, ou talvez três ou quatro vezes, num dia de especial excitação.” (Brizendine, 2006, p. 24) Esta neuropsiquiatra afirma ainda que a biologia é o alicerce da personalidade e dos comportamentos, mas que essa realidade pode ser alterada em função de vários fatores, incluindo as hormonas sexuais. Perspetiva Evolutiva da Investigação em Género e Educação para a Sexualidade O European Experts Group for Sexuality Education (2016), ao fazer uma retrospetiva sobre as abordagens em matéria de educação para a sexualidade, carateriza as últimas décadas com base em temas diferentes, cabendo às duas últimas as questões de género, enquanto nos anos noventa do século vinte houve um foco na temática do VIH/SIDA e na década anterior a problemática de destaque foi a gravidez na adolescência. Felizmente, estas problemáticas têm conduzido à implementação de políticas públicas conducentes à melhoria das condições de vida e bem-estar dos indivíduos, assim como à liberdade ou possibilidade de tomar decisões acerca da vivência da sua sexualidade, quer em termos de relação quer de reprodução. Podemos confirmar esta tendência, por exemplo, numa pesquisa rápida pelas bases de dados mais acessíveis, pelos títulos dos artigos publicados e suas palavras-chave. Esta evolução revela a preocupação da sociedade em ir resolvendo os problemas sociais. Embora se tivesse assistido a um esbatimento do duplo padrão sexual nos anos 1980/90, o sexismo continua presente. A emancipação da mulher tem levado à sua colocação em esferas profissionais que perduraram no tempo como papéis do género masculino. A maioria das profissões têm sido estereotipadas e assiste-se a uma tentativa de erradicação de estereótipos. Vários estudos têm sido feitos neste sentido e têm sido atribuídas responsabilidades para a mudança social a instituições educativas. Num estudo realizado com estudantes de ensino superior de Educação Básica (Mendonça et al., 2019), problematizava-se o facto de a esmagadora maioria ou a totalidade das turmas serem constituídas por pessoas do sexo feminino. Questionadas as e os estudantes sobre a possibilidade de se definirem quotas de acesso, as respostas tenderam para a oposição, considerando que a oportunidade existe para
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todos. O fenómeno é interpretado como estereótipo de género, atribuindo a educação de crianças ao género feminino. Se o estudo fosse replicado num curso de Engenharia Mecânica, certamente teríamos proporções inversas. Assim, importa refletir se é estereótipo de género ou se é uma questão de aptidão para determinadas áreas e funções devido às diferenças cerebrais, pois se as mulheres têm a área cerebral responsável pela fala mais desenvolvida do que os homens, poderão estar mais vocacionadas para a profissão de professor. E se têm maior perceção das emoções dos outros (Brizendine, 2006) isso poderá conferir-lhes maior capacidade para lidar com crianças. Certamente, estereótipos de género e características biológicas coexistem. Importa investigar o que predomina nestas escolhas. Expectativas Sociais face ao Sexo e ao Género O problema da discriminação não está no sexo com que se nasce. O problema está no género, porque a sociedade é que julga o papel do indivíduo mediante o seu sexo. E independentemente do sexo que possui, o indivíduo tem e terá que ter sempre o direito de exercer o papel que quiser ou que gostar/desejar, de livre vontade sem ter que obedecer a imposições sociais conducentes à sua aceitação ou não. Ficamos contentes quando sabemos que o avião em que viajamos está a ser pilotado por uma mulher, porque é diferente, é incomum … julgamos até uma evolução grande e emancipação da mulher e chega a ser notícia, como aconteceu acerca do primeiro voo direto entre a Austrália e a Europa com duração de 17 horas, se bem que foi destacado que a comandante era “mulher e mãe de dois filhos”. A comandante, a australiana Lisa Norman, afirmou então que sempre tinha desejado ser piloto, mas achava que tinha nascido no corpo errado e não tinha o género necessário para tal, pois quem a rodeava não lhe reconhecia esse seu desejo (Jornal de Notícias, 2018). Mais recentemente foi notícia (Público, 2021) a astronauta italiana Samantha Cristoforetti, por ser a primeira mulher europeia a comandar a Estação Espacial Internacional. Por outro lado, o homem que faz tricot é achincalhado e considerado afeminado. Mas esquecemo-nos que o alfaiate nunca foi posto em causa e que embora a cozinha de casa continue a ser atribuída à mulher, quando se trata de fama, os mestres cozinheiros são homens. Podemos fazer o exercício de tentar listar os chefes de cozinha por sexo. Mas não esqueçamos de averiguar quem os auxilia nas lides que preparam o vai e o que sai do fogão e da mesa. Género e Saúde Os grandes problemas associados às questões de género, residem no sexismo, na ideologia de género e na violência baseada no género. A Organização Mundial de Saúde considera que o género influencia a experiência e o acesso das pessoas aos cuidados de saúde. A forma como os serviços de saúde são organizados e prestados pode limitar ou permitir o acesso de uma pessoa a informação, apoio e serviços 207
de saúde, bem como o resultado desse acesso. Os serviços de saúde devem ser económicos, acessíveis e aceitáveis para todos, e devem ser prestados com qualidade, equidade e dignidade. A desigualdade e a discriminação de género com que as mulheres e raparigas se deparam põe em risco a sua saúde e bem-estar. Elas enfrentam frequentemente maiores barreiras do que os homens e os rapazes no acesso à informação e aos serviços de saúde. Consequentemente, as mulheres e raparigas enfrentam maiores riscos de gravidezes indesejadas, infeções sexualmente transmissíveis, incluindo VIH, cancro cervical, malnutrição, visão reduzida, infeções respiratórias e abusos. As mulheres e raparigas enfrentam também níveis inaceitavelmente elevados de violência com raízes na desigualdade de género e correm sérios riscos de práticas prejudiciais, tais como a mutilação genital feminina e o casamento infantil, precoce e forçado (WHO, 2021). As normas de género - especialmente as relacionadas com noções rígidas de masculinidade também podem prejudicar a saúde e o bem-estar dos rapazes e dos homens. Por exemplo, estereótipos de masculinidade podem encorajar rapazes e homens a fumar, a correr riscos sexuais e outros riscos para a saúde, a abusar do álcool e a não procurar ajuda ou cuidados de saúde. Tais normas de género também contribuem para que rapazes e homens perpetrem violência - assim como para que sejam eles próprios sujeitos a violência. Tudo isto também pode ter graves implicações para a sua saúde mental. A isto se juntam as pessoas com identidades sexuais diversas, alvo de estigmatização e de violência, o que pode culminar em suicídio (WHO, 2021). Enquadramento Político e Educativo da Igualdade de Género Os documentos orientadores de processos educativos e de cidadania, tanto a nível nacional como internacional têm vindo a acrescentar conteúdos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento assentes no conceito de género. Veja-se por exemplo a evolução das orientações técnicas da UNESCO referentes à Educação para a Sexualidade no que toca aos conceitos que enuncia, tendo a primeira versão (UNESCO, 2009) seis conceitos chave (Relacionamentos; Valores, atitudes e competências; Cultura, sociedade e direitos humanos; Desenvolvimento humano; Comportamento sexual; e Saúde sexual e reprodutiva) e a edição revista e atualizada (UNESCO, 2018) já oito conceitos chave (Relacionamentos; Valores, direitos, cultura e sexualidade; Compreensão de género; Violência e segurança; Competências de saúde e bem-estar; Corpo humano e seu desenvolvimento; Sexualidade e comportamento sexual; e Saúde sexual e reprodutiva), onde o conceito de género adquire a expressão de um conceito específico. As questões de género constam ainda na regulamentação da Comissão Europeia (CE) e a nível mundial estão incluídas nos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), a que a CE também faz referência na Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025 (Regiões, 2020). A CE congratula-se com os indicadores já alcançados, mas afirma que ainda nenhum Estado-Membro atingiu plenamente a igualdade de género, pelo que é necessário continuar a rumar nesse sentido.
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“Embora as disparidades de género na educação estejam a diminuir, continuam presentes ao nível do emprego, da remuneração, dos cuidados, dos lugares de decisão e das pensões. Demasiadas pessoas continuam a violar o princípio da igualdade de género com discursos de ódio sexistas e bloqueando medidas contra a violência de género e os estereótipos de género. A violência e o assédio com base no género continuam a registar níveis alarmantes. O movimento #MeToo tem demonstrado a extensão do sexismo e dos abusos que as mulheres e as raparigas continuam a enfrentar. Ao mesmo tempo, deu às mulheres de todo o mundo os meios para tornar públicas as suas experiências e instaurar processos judiciais.” (Regiões, 2020, p. 2) A estratégia é considerada um “contributo para criar um mundo melhor para mulheres e homens, raparigas e rapazes” (Regiões, 2020, p.2), dando resposta ao ODS 5, embora o tema seja transversal a todos. De entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o 5 intitula-se precisamente “Igualdade de Género” e enuncia-se por “Alcançar a Igualdade de Género e Empoderar todas as Mulheres e Raparigas”. Nos seus objetivos específicos constam a eliminação de todas as formas de discriminação, de violência e de práticas nocivas, bem como a promoção da responsabilidade partilhada em casa e na família, a participação e a igualdade de oportunidades para a liderança, o acesso à saúde sexual e reprodutiva, o direito aos recursos económicos e acesso a propriedades, o aumento do uso de tecnologias para promover o empoderamento, assim como a adoção de políticas promotoras de igualdade de género e emancipação de todas. Importância de Educar para a Diversidade de Género desde a Infância A CE afirma que “A prevenção eficaz da violência é fundamental. Tal implica educar rapazes e raparigas, desde tenra idade, sobre a igualdade de género, e favorecer o desenvolvimento de relações não violentas.” (Regiões, 2020, p.4) Em Portugal, a Comissão para a Igualdade de Género (CIG) e o Ministério da Educação têm desenvolvido recursos educativos adequados desde a Educação Pré-escolar até ao Ensino Secundário. Contudo, estas matérias continuam no domínio da transversalidade e, apesar de serem transversais, as suas abordagens vão-se diluindo por entre as responsabilidades curriculares específicas. No entanto, mesmo a nível de legislação é percetível o esforço para uma educação para a cidadania e inclusão. CONSIDERAÇÕES FINAIS Perante os dados aqui apresentados e discutidos, talvez o conceito de igualdade de género não esteja bem aplicado. Talvez fosse mais correto falar em igualdade de oportunidades para os diferentes géneros. É que talvez estejamos perante um paradoxo. Porque concordamos que existem diferentes géneros, tal como diferentes sexos. Então, nas ações de lutas sociais, não será certamente igualdade de género que queremos, mas antes que os diferentes 209
géneros tenham o mesmo direito de exercer qualquer papel social, consoante a sua vontade e aptidão, sem que a sociedade os conteste ou discrimine. Por tal, talvez fosse melhor adotar o conceito de equidade de género. É que por vezes, por muito que um indivíduo queira fazer ou exercer algo, a sua condição física, também pode não lho permitir. Por outro lado, não deixa de ser estranho que se admire a capacidade de a mulher exercer atividades características dos homens e isso seja entendido como sinal de valentia. Já o inverso, quando o homem se dedica a atividades associadas ao sexo feminino é entendido como fraco homem. Aqui está subjacente não só a luta pela igualdade de oportunidades para a mulher e a sua emancipação, mas mais a prevalecente ideia de que o homem é o sexo forte e a mulher o fraco. Daí a valentia para a mulher que desempenha funções de homem – emancipação – e a discriminação para o homem que exerce funções tipicamente (por estereótipo) de mulheres – diminuição de estatuto e de poder ao olhar social. Em suma, homens ou mulheres, somos todos diferentes entre géneros e intra género. Daí que a igualdade de oportunidades e a equidade de género não se deveriam situar no ponto de reclamação, mas antes ser há muito direitos e deveres adquiridos. Acreditamos que a ação educativa e o trabalho que se está a desenvolver em matéria de inclusão consiga esbater as desigualdades e promover a saúde, o bem-estar e a aceitação de todos como elementos igualmente importantes de uma mesma sociedade.
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