ATAS DAS I JORNADAS NACIONAIS DOS PROFESSORES DE LÍNGUAS – PIAFE

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mesmo sendo belas, / não resistem a dar umas picadinhas... //).” O nome Leopolina surgiu-me da mesma forma um pouco inexplicável como me surge uma imagem num poema. Daí a imaginar, a partir do ponto de vista de uma aranha, como devia ser triste estar condenado a fazer-se somente o que de nós é esperado foi um passo curto. Por isso foi-me natural escrever que “a pobre da aranha Leopoldina / era infeliz naquilo que fazia, / ou seja, em vez de teia, / só queria fazer meia / (não importava a cor, qualquer servia). // Podia ser vermelha, podia ser azul, / podia ser até toda às risquinhas. / O que ela mais gostava / era sentar-se ao sol / e tricotar em linhas muito finas.” A partir daí, acho que foi o delírio da palavra: “Na pata, um fio de teia, / ou então de retrós, / depois bordar as cores mais levezinhas, / aquelas que o sapinho, / ou mesmo o rouxinol, / têm espalhadas pelo corpo ou pela voz.” O que acabo de escrever conduz-me, por sua vez, a uma questão que tem, obviamente, que ver com o cânone: porque lhe chamamos “literatura para a infância”, assim a distinguindo de “literatura”? Porque falamos de “poemas para crianças”, como se houvesse a necessidade de a fazer contrastar com a outra, “poesia para:..”. Pergunto: “para adultos?” Não. Ninguém diz isso. Quando é preciso falar destas coisas, fala-se de literatura infantil e de literatura – só. Tal como quando se fala da famosa “escrita feminina”, se fala, por contraste, simplesmente de “escrita” – afinal, ninguém usa a designação “escrita masculina”. Ou seja, parece que a chamada “literatura infantil” se inscreve num universo menor, em que a própria categorização é já sinónimo de exclusão de qualquer coisa. Essa qualquer coisa parece ser, e volto ao início, o cânone. Eu explico: não faço distinção entre a minha poesia e o que escrevo para crianças, no que se refere à exigência, ou ao rigor; a única diferença é que escrever para crianças é algo que me dá um imenso e profundo prazer, sem a angústia que a “outra” escrita sempre me produz. Quando eu digo que alternar entre a escrita de textos poéticos e a escrita de textos infantis é para mim natural, penso que isso tem também a ver com o facto de a escrita da poesia pressupor um posicionamento a partir de um lugar de enunciação onde tudo se torna possível: no poema, eu posso ser, se quiser, um papagaio, ou um rio, ou, mais simplesmente, mas sempre (e isso sou-o sempre), um outro eu. Deflectido, desviado. Ora esta possibilidade, que é fornecida pela imaginação, adquire aspectos quase delirantes na escrita para crianças, um terreno 40


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