M.E. colocou tudo dentro da bacia, levantou-se do chão, caminhou até a mesa e apoiou sua bacia cheia de louça. De onde filmava não consegui registrar o que ela fazia, mas ela repetiu algo parecido com o que descrevi anteriormente, colocando tudo na bacia novamente e foi para o chão. Tirou algumas toalhinhas, mas as colocou rapidamente de volta, acrescentando com dificuldade de retirar do chão mais uma plaquinha de rotina. Nesse momento ela me olhou. Conseguiu colocar a plaquinha em cima da bacia, mas ao olhar para trás, virou a bacia e esta caiu; ela logo olhou para mim novamente, pois percebeu que eu estava filmando e queria saber o quê, e nem percebeu que a plaquinha caiu. Ela saiu do foco da câmera, ainda olhando para mim e para trás, procurando o que eu filmava.
categorização, e arrumou os palitos novamente. Mas, ao retirar mais uma esponja da bacia, ela também retirou outro urucum, fez uma fala para mim que não compreendi e deixou num espaço de outra categoria logo à sua frente. Pegou o espremedor, disse que ia lavar, colocou depois dos potes. Finalmente colocou a ultima toalhinha na pilha, retirou a única tampa e compartilhou comigo: “tampa!”, colocando-a ao lado do espremedor e o lápis no pote de lápis, claro, com a ponta virada para baixo como o outro que já estava lá. Ao retirar a última esponja (reparem que no início ela tinha apenas três, e agora eram cinco, uma ficou escondida embaixo de uma toalhinha), ela a colocou junto ao conjunto das esponjas e, arrastando a bacia para o lado, com as mãozinhas virando a palma para cima, disse: “pontu! Agola eu vô lavá aqui.”. Ajeitouse, sentou-se no chão, puxou a bacia para seu lado novamente, pegou a tampa, o urucum que logo largou e a esponja. Com a tampa numa mão e a esponja na outra, ela levou esta à boca e deu uma cuspidinha, molhando a esponja, e então esfregou a tampa. Ela lavou um lado e o outro da tampa e também os outros objetos, sempre dando esta cuspidinha na esponja.
Então ela se aproximou de mim, ficou bem ao meu lado, e eu virei a câmera para filmá-la. Ela se concentrava nas outras crianças, eu recuei com meu corpo, deixando espaço para ela, então ela sentou sobre os joelhos. Recomeçou a retirar cada item da bacia e este foi o trecho em que M.E. decidiu compartilhar comigo sua brincadeira, ao permitir que eu filmasse tudo, de uma maneira muito calma e centrada.
Vi-me nela. Organizando meticulosamente minha louça antes de lavar. Categorizando tudo, deixando tudo para o mesmo lado, talheres dentro de copos com água, prato em cima de prato da maneira que se encaixem melhor, utensílios únicos em espaços para eles e claro, um pouco de água na esponja para amolecer a sujeira da louça. Não percebi isso nem quando estava filmando, nem quando, mais tarde, assisti inúmeras vezes no meu computador. Percebi há pouquíssimo tempo, quando eu dava uma devolutiva da pesquisa para algumas professoras da rede de Santo André num evento de compartilhamento de experiências. Demorei a compreender o motivo pelo qual gosto tanto desse registro, dessa brincadeira da M.E. Mas, se observar o outro é observar a si mesmo, eu encontrava nas crianças o que me era familiar, o que me tocava, o que eu já tinha vivido de alguma maneira também:
Ela retirou uma toalhinha amarela e a empilhou em cima da branca, cuidando para que estivesse bem esticada, com o formato da toalha definido. Falou algo para mim que não compreendi enquanto colocava outra toalhinha em cima da amarela. Retirou dois potes da bacia e falou novamente comigo. Eu perguntei: “Lavô?”, e ela respondeu: “Ainda não”. Colocou os potes ao lado das toalhinhas, retirou a esponja que estava dentro de um deles e a colocou entre os potes e toalhinhas. Na bacia, pegou ao mesmo tempo, cada um em uma mão, um palito de sorvete e um lápis, colocou cada um em um pote diferente. Na sequência, retirou outro palito de sorvete que colocou no pote junto com o outro e uma toalhinha, que empilhou na pilha de toalhinhas. Da bacia, ela tirou um conjunto de esponjas, uma caiu para fora de seu espaço de organização. Ela pegou, pensou um pouco e colocou todas ao lado da outra que já estava lá, de maneira que ficassem paralelas, todas com a parte verde virada para cima. Retirou mais duas toalhinhas da bacia, colocou na sua devida pilha, mas ao estender a última, esta enroscou nos palitos de sorvete que caíram, juntando-se com o urucum que estava por perto.
“Quando o pesquisador mergulha nestes mundos infantis, é fato que irá se reconhecer, de uma ou outra forma, nas manifestações das crianças: tanto se identificando – naquilo que gosta quanto naquilo que desgosta de si mesmo. Tanto por elas imitarem o adulto com quem convivem, quanto por acontecerem – naturalmente – espelhamentos entre uns e outros, como se for de forma empática ou não. Reconhecer estes espelhamentos é importante para o educador conseguir discriminar se as suas percepções com relação às crianças não fazem também parte da sua psicologia interna.”
Com o próprio palito jogou o urucum para longe como se dissesse que aquilo não fazia parte daquela 34