Na devolutiva da pesquisa que fiz para a turma, A.C., ao ver uma foto que mostrava nossa sala organizada, disse: “Olha, é a creche!”. Ela não estava se referindo à creche que frequenta, mas ao espaço simbólico e lúdico de creche que criamos. Ela reconheceu o espaço de sempre, através de uma foto, com a simbologia que havíamos criado.
professora, extravasa suas referências e vivências, estas que são tão fortes em sua vida, levando a creche para casa ao nomear as bonecas e cantar as músicas que usamos na chamada e trazendo a creche para a própria creche, seja no papel da figura central que permeia as experiências dela neste espaço – a professora – seja na concepção que ela tem sobre o próprio espaço. Caso M.E. – “Pontu! Agola eu vô lavá aqui”. M.E., em um dos dias de pesquisa, brincadeira ou escuta das crianças (já não diferencio) escolheu uma bacia, algumas toalhinhas de crochê, alguns potes de massinha vazios, palitos, lápis, três esponjas, uma tampa rosa, um urucum, uma plaquinha da rotina com a foto das crianças fazendo colagem, em que estava escrito “Atividade” e um espremedor de laranja. Não me lembro do momento em que ela pegou todos os objetos; posso arriscar dizer que foi tudo de uma vez, o que deu, na euforia de todas as crianças querendo pegar tudo ao mesmo tempo. Quando me dei conta ela já estava sentada com as perninhas abertas, a bacia ao lado e arrumando as toalhinhas de crochê na sua frente: empilhava-as cuidadosamente, abrindo cada uma para não ficar com lombadas de tecido sobrepostas. Depois colocava na bacia, tirava, colocava dentro do pote de massinha que acabava de esvaziar, pois estava com as esponjas – que ela colocava geometricamente em cima das toalhinhas – empilhadas, mas não centralizadas, no canto. Continuou nessa concentração de arrumação e só levantou o olhar quando falei para outra criança que me entregou algum objeto que não me recordo: “Que que eu faço com isso?”; e quando a estagiária que trabalhava comigo perguntou para a turma “alguém mais quer fazer xixi?”, M.E. retornou à sua organização. Embrulhou a tampa com uma toalhinha de crochê e colocou-a na bacia. Magicamente, naquele mesmo momento, uma criança que estava na minha frente, conversando comigo enquanto eu filmava, me mostrou como sua avó costurava, fazendo de seu dedo indicador a agulha de tricô. As crianças se conectam e eu só posso perceber se estou com elas.
Imagem 5. Crédito: Piéra Varin
O que me chama atenção é que na foto não há nenhuma criança, e são as mesas que ficam diariamente organizadas na sala. Mas pelo contexto das fotos que eu mostrava, A.C. lembrou-se que este espaço era a creche da pesquisa, que demorava a ser ocupada pelas crianças, ficava um bom tempo vazia, e talvez por isso mesmo ela tenha reconhecido como tal. Sobre isso, ainda tenho muito a observar e refletir. “Importante reflexão esta dos espaços que revelam o que ali acontece ou não , Réggio Emília têm muito nos inspirado a esse respeito. Espaços muito arrumados e limpos, espaços por demais bagunçados, qualidade e quantidade de brinquedos (ou falta dos mesmos). A pintura e decoração das salas e outros espaços. Muitas falas à respeito das vivências infantis que ali acontecem cotidianamente.”
“A sensibilidade e o envolvimento do observador são a tônica que irão revelar – e desvelar -, em maior ou menor grau de detalhes, esta complexidade das tramas infantis. O mergulho que a autora fez é importante inspiração para quaisquer educador. Um exemplo de quem verdadeiramente dá vez e voz às crianças e se abre para escutá-las.”
A leitura que ela faz nesta foto traz à tona a consciência que ela tem: ela sabe o que acontece neste espaço, quais são as pessoas que atuam nele e como atuam, a disposição de móveis e objetos que há nele, as relações possíveis que acontecem ali. Ela, vivendo a
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