Museu do Bairro da Pompéia

Page 1

Projeto Museus de Bairro Secretaria de Estado da Cultura

ITINERÁRIOS NO TEMPO Memória Vila Pompéia!

Realização:

CENTRO CULTURAL POMPÉIA Rua Ministro Ferreira Alves, 305 tel. 3873 7449

Apoio: ESCOLA ESTADUAL ZULEIKA DE BARROS PROJETO E MONTAGEM ESCRITÓRIO JULIO ABE WAKAHARA SCL.


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

APRESENTAÇÃO Ao longo do tempo, Lydia Bindi, moradora da Vila Pompéia, acumulou e preservou diversos registros que são testemunhos dos itinerários que sua família percorreu em São Paulo. Vindos da Itália, os Bindi chegaram ao Brasil no final do século XIX, como tantos outros imigrantes que aqui aportaram, na esperança de ter uma vida melhor. No baú de dona Lydia, entre fotos e documentos, repousava uma antiga planta -- propaganda do loteamento -- que deu origem à Vila Pompéia.

2

O precioso registro, repassado para a terceira geração dos Bindi, no Brasil, serviu como ponto de partida para a localização de famílias que, tal qual a de Dona Lydia, fixaramse, viveram e vivem na Pompéia. São essas pessoas que refazem, agora, através do Projeto Museus de Bairro da Secretaria de Estado da Cultura, alguns itinerários que como numa trama intercalam-se, expondo diante de nós um tecido comum -- a Memória da Vila Pompéia!

Agradecimentos A todos que nos abriram as portas de seus baús e suas casas.. Alexandre Krisztan Ana Ligabue André Cristovam Benedito Sérgio A. Arques Carlos Henrique Montes Carlos Verna Celso Vecchione

Claudia Franceschi Claudio Vianna Cleber Falcão Carneiro Pessoa Conceição Xavier da Cunha Criatiane de Biaggi Barros Dalva Coutinho Nunes Delfina Gomes Machado Delphin M. da Silva Diva Vieira Dorival Seriacope Edith de Barros Firace Elenice Araújo Ernani Eunice Araújo Evanite Gaggini Fernanda Cristina Scalvi Flavia Oliva Ortiz de Camargo

Alexandre Bombarda e Edmunto Trusti em partida de xadrez no quintal da casa da família Bombarda. 1947. (Coleção José Luiz Figueiredo)

Francisco Garcia Peres Gilberto Kawabe Gilda Rossi Irene Coutinho Nunes Joana Bombarda José Luiz Figueiredo José Toniollo Lourdes Fernandes Lourenço Diaféria Luiz Carline Luiz Otávio Vianna Marcelo Mastrobuono Marcelo Saviani Maria do Rosário Gouveia Maria Eugênia de Carmo Pedrosa Maria Helena de Araújo Lima Maria Lizalda Penteado Teixeira Marietta Coutinho Nunes Martha Molina Monica Iafrate Monique Dupré Beyrière Nair Bindi Nelson Botton Neylde Nivea Coutinho Novaes Noêmia Rodrigues Caldas Oberdan Cattani Olga Penteado Teixeira Oswaldo Vecchione Padre João Zago Padre Velocino Zorteia Paulo Carone Paulo Penteado Teixeira Regina Garcia Peres Renata Kovacsik Ruben Farinelli Samantha Vianna Sandra Campos Sarah Rodrigues Caldas Sarita Rodrigues

Sérgio Fernandes Sidnei Carriuolo Silvio Gaggini Tânia Bindi Botton Tibério Correa Ulises Bindi Valdemir Gomes Pereira Vera Campos Walter Story Zélia Ugolini Vianna

Hospital e Maternidade São Camilo Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Pompéia Província Camiliano Brasileira Escola Global Escola Estadual de Segundo Zuleika de Barros Escola Estadual de Primeiro Grau Miss Browne Departamento do Patrimônio Histórico Sagrado Coração de Jesus Julmira, Lydia Bindi e Julia. Década de 1940. (Coleçao Família Bindi)

Momento de lazer na “Vila da Francesa”, rua Caraíbas. 1931. (Coleção Monique Dupré Beyrière)

FICHA TÉCNICA Governo do Estado de São Paulo Governador Mario Covas

Revisão de Texto: Marcos Antonio de Moraes

Logotipo Morandini

Secretaria de Estado da Cultura Secretário Marcos Mendonça Secretário Adjunto Sérgio Barbour

Colaboração Marietta Coutinho Nunes Tânia Bindi Botton Maria Helena Araújo Carlos Verna

Projeto Memória Vila Pompéia Centro Cultural Pompéia Coordenação: Cléber Falcão Carneiro Pessoa Equipe: Cláudia Franceschi Sandra Campos Vera Campos Ernani Maurício Fernandes Jacqueline Franco Teixeira Cristiane de Biaggi Barros Samantha Viana Renato dos Anjos Gilmar de Araújo Menezes

Departamento de Museus e Arquivos Marilda Suyama Tegg

Projetos Museus de Bairro Coordenação: Julio Abe Wakahara Wagner Sugamelle

Pesquisa e Textos: Carla Nieto Vidal Morro da rua Cajaíba. 1948. (Coleção Francisco Garcia Peres)

Projeto e Montagem: Escritório Julio Abe Wakahara SCL. Projeto Gráfico: Claudio Wakahara Haroldo Kinder Daniel Ho Montagem: Roberto Wakahara Gisele Henrique Silva Antonio Carlos Kishita


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

“A SUISSA PAULISTA”

3

As origens de Vila Pompéia Até fins do século XIX a cidade de São Paulo era rodeada por chácaras. De propriedade da elite paulista, cumpriam importante função agrícola e residencial.

Em direção às várzeas do rio Pinheiros e Tietê, os terrenos também começam a ser loteados, dando origem a bairros operários e de classe média.

No início do século XX, atendendo às necessidades que o crescente desenvolvimento urbano impôs à cidade, essas chácaras passaram a ser vendidas e loteadas. É nesse período que uma série de bairros começa a surgir, diminuindo a distância entre o centro da cidade e as regiões mais isoladas

Foi assim que na década de 1910 a Companhia Urbana Predial, de propriedade do Sr. Rodolpho Miranda, adquiriu uma porção de terras entre a Água Branca e a Lapa, visando a construção de um bairro voltado para a classe média.

Em direção à zona oeste, surgem os bairros de Campos Elísios, Santa Ifigênia, Consolação e Cerqueira César. Na Avenida Paulista, Pacaembu e Higienópolis, suntuosos casarões são erguidos por ricas famílias, proprietárias das fazendas de café e das indústrias.

“Lembro-me como se fosse hoje, tão profunda foi a impressão que me deixaram os primeiros contactos com Vila Pompéia. Naqueles primeiros messes de nossa vida em São Paulo, quando ainda não tínhamos nem casa, nem igreja própria, forçados a rezar a Santa Missa onde podíamos, ocorreu-nos de celebrar umas vezes na Matriz da Lapa, a pedido do zeloso vigário, pe. Venerando Nalini, e também em Barueri. Usando como condução o bonde 'Lapa`, ao chegar à altura do largo Pompéia, avistava-se, à esquerda, uma tabuleta com estes dizeres, em letras garrafais: Villa Pompéia, a Suíça Paulista” (Padre Inocenti Radizzani, A Gazeta, 21/11/1958) “Eu sei de duas histórias sobre a fundação do bairro, uma delas diz respeito à Família do ex-senador Rodolpho Miranda. Nós temos aqui duas ruas, a Augusto de Miranda e a Miranda de Azevedo que eu acho que são as ruas mais antigas da Pompéia, pelo próprio casario. O Rodolpho Miranda, como político, fazia referência de que a família dele havia sido fundadora do bairro; se ele era parente do Barão do Bananal, eu não sei. A outra história é a de um casal que tinha uma filha doente e viajou para a Itália, visitando uma igreja na cidade de Pompéia, em busca de um milagre. Em 1922, com a filha curada, eles ergueram uma capelinha no alto da Avenida Pompéia, como agradecimento, e depois dessa capelinha, em 1928, teve inicio a construção da própria igreja que demorou alguns anos para ficar pronta.” (Francisco Garcia Peres)

Em homenagem à sua esposa, D. Aretusa Pompéia, Rodolpho Miranda batizou o loteamento de Villa Pompéia. A localização nas alturas - com quase 800 m de altitude -, ar puro e clima ameno, quase europeu, levou Roldopho Miranda a apelidar a Villa Pompéia de “Suissa Paulista”.

Rodolpho Miranda. (Coleção Noêmia Rodrigues Caldas) Rodolpho Nogueira da Rocha Miranda, nasceu em Rezende, RJ, em 1860. Filho de D. Amélia Brasilia Nogueira e Luiz da Rocha Miranda Sobrinho, o Barão do Bananal, Rodolpho Miranda seguiu a carreira política, atuando no partido republicano. Foi ministro da agricultura no governo de Nilo Peçanha e senador da Republica pelo Estado de São Paulo. Como ministro da agricultura criou o Serviço de Proteção ao Índio, nomeando para o cargo de coordenação o Marechal Rondon. Empreendedor, aplicava seus rendimentos na compra de terras, fundando bairros e cidades como Mirandopólis e Pompéia no interior paulista. Morreu em 1941 na cidade de São Paulo.

Na década de 1910, a Avenida Pompéia só era uma trilha. (Arquivo Província Camiliana Brasileira)

“A minha família comprou um lote, na rua Sete, que tinha um córrego. Eles falavam que aqui era uma fazenda da família Miranda. Toda noite eles pegavam uma ferramenta e empurravam o córrego um pouquinho para lá. Naquele tempo já havia malandragem!” (Ulisses Bindi) “Quando nós viemos para a Pompéia, ela já era um bairro programado. Eu lembro que se falava que aqui era a Suissa Paulista, na rua Melo de Oliveira temos 700 m de altitude, então as pessoas que eram mais frágeis, que tinham problemas de anemia, de pneumonia, mudavam para cá, porque aqui era um bairro alto...” (Edith de Barros Firace)

No baú de família encontrou-se o documento que atesta a ocupação da Vila Pompéia -- a Suissa Paulista. As ruas só receberam nomes a partir de 1919, até então eram identificadas por números. Boa parte das ruas paralelas à Avenida. Pompéia no sentido da Lapa, receberam nomes de familiares de Rodolpho Miranda. As paralelas, no sentido de Perdizes, receberam nomes de grupos indígenas, talvez em homenagem ao trabalho do Marechal Rondon, nomeado por Rodolpho Miranda para coordenar o Serviço de Proteção ao Índio. Década de 1910. (Coleção Lydia Bindi)

Os primeiros compradores ilustravam a propaganda do loteamento, muitas dessas famílias ainda vivem na Pompéia. Década de 1910. (Coleção Lydia Bindi)

“Meu pai trabalhava para a Companhia Urbana Predial, mas ele não podia comprar um lote direto da companhia, que era da família Miranda. Ele era o vendedor dos terrenos, e na minha casa tinha uma sala que era o escritório e uma mesa cheia de cadernetas, dos compradores de lotes. Depois da igreja só havia chacareiros e eles vinham pagar as prestações mensalmente em casa. A companhia tinha uma cláusula dizendo que quem não pagasse três prestações seguidas, perdia o terreno, mas meu pai não deixava que isso acontecesse, ele sempre ajudava ou fazia um acerto. Então, ele era muito querido por essas pessoas, pelos chacareiros.” (Edith de Barros Firace)


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia! 4

UMA GRAÇA CONCEBIDA No ponto mais alto, uma capelinha... Em 1920, o casal Cláudio de Souza e Luíza Leite de Souza partiu de São Paulo rumo à histórica cidade de Pompéia, na Itália. Em suas bagagens, além de seus pertences, levavam fervorosas preces. Na cidade de Pompéia, o casal visitou o Santuário de Nossa Senhora do Rosário, onde depositou toda a sua fé e esperança pela cura da filha, que se encontrava gravemente doente.

marcando o elo entre as duas Pompéias, a italiana e a paulistana. O singelo ato abençoado, em 12 de outubro de 1922, pelo vigário Venerando Nalini, da Freguesia de Nossa Senhora da Lapa, resultou no primeiro passo para a ocupação definitiva da região.

Ainda em Pompéia, receberam a notícia de que a jovem apresentava melhoras e se sentia totalmente curada.

Em 1923, a pequena capela é entregue aos padres da Ordem de São Camilo de Léllis que acabavam de chegar ao Brasil, vindos da Itália .

Retornando ao Brasil, confirmaram o fato e em reconhecimento à graça concebida, ergueram uma capelinha no ponto mais alto do desabitado loteamento de Villa Pompéia.

A partir de 1928 uma nova igreja começou a ser construída no lugar da capelinha, culminando com a criação da paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, em 1939.

A construção de 7 por 14 metros recebeu um oratório e uma imagem de Nossa Senhora do Rosário vinda da Itália,

“Aconteceu adoecer uma sua filha, e de uma moléstia quase incurável 'Só um milagre diziam os pais pode curar nossa filha'. Fizeram longa viagem à Europa, deixando a moça aqui, com a intenção de visitar o Santuário de Pompéia, na Itália, confiando muito na intercessão da Virgem de Nossa Senhora do Rosário. E foi exatamente lá, quando estavam naquele celebre santuário, que receberam uma carta da filha, declarando-se completamente curada, de uma forma um tanto extraordinária (...) Voltando a Pátria, e constatando a graça recebida, batizaram a capelinha, em boas linhas arquitetônicas, com dimensões, se a memória não me falha, de 7x14, com sacristia e dois quartos no fundo. Por um instrumento legal, fizeram doação a Curia Metropolitana de São Paulo, da capelinha com cinco mil metros de terrenos anexos.” (Padre Inocente Radrizzani, A Gazeta, 21/11/1958) “Poucas notícias nos foi possível conhecer, antes de aqui iniciarmos a nossa vida camiliana; e aqui estamos desde então. Na época de nossa definitiva transferência, todo o morro da Pompéia pertencia à Companhia Predial, já repartido em quadras e lotes, e em pleno trabalho de compra e venda. O único caminho transitável era a avenida Pompéia, que, partindo do largo, subia até a capelinha já existente, no mesmo local onde hoje se levanta a nossa igreja. Era uma capelinha muito branca, muito linda, lá em cima no alto do morro...” (Padre Inocente Radrizzani, A Gazeta, 21/11/1958)

Ata de Fundação da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia. 1939. (Arquivo Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Pompéia)

O Arcebispo de São Paulo, Dom Gaspar de Affonseca e Silva, abençoa a Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, 1939. (Arquivo Província Camiliana Brasileira)

O Projeto da nova igreja, inaugurada em 1939, reproduzia as linhas arquitetônicas da Igreja de Nossa Senhora do Rosário em Pompéia, Itália. 1930 ( Arquivo Província Camiliana Brasileira).

A capelinha erguida em agradecimento. 1922. (Arquivo Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Pompéia).


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

GENTE DE CASA

5

A Pompéia foi povoada, em boa parte, por estrangeiros italianos, portugueses, húngaros, espanhóis, franceses... Lá, aprenderam uma nova língua, ergueram suas casas, realizaram seus ofícios, criaram seus filhos... Vieram para ficar e não mais sair...

Família Rabello, década de 1920. (Coleção Sarita Rodrigues)

“Eu vim para São Paulo em 1935, antes tinha vindo a minha irmã com outros irmãos. Meu pai foi criado no Brasil, mas era italiano de Nápoles, e minha mãe era da Calábria. Casaram-se em São Carlos e foram viver num lugarejo chamado Dobrada, onde meu pai tinha negócios. As sucessivas crises do café fez com que ele perdesse tudo, aí ele veio para São Paulo e, como nós tínhamos família aqui, ficamos todos na Pompéia.”. (Gilda Rossi)

Anne Mathilde Barbecanne, a francesa que veio sozinha para o Brasil em 1921. (Coleção Monique Dupré Beyrière)

Família Coutinho, 1949. (Coleção Marietta Coutinho Nunes) Família Gouveia, década de 1920. (Coleção Família Gouveia)

“Meu pai e minha mãe nasceram em Portugal e vieram ainda crianças para o Brasil, indo morar em Manaus. Eles eram órfãos, lá se conheceram, casaram e tiveram as filhas. A gente tinha loucura por São Paulo, aí meu pai ficou doente e viemos para São Paulo para que ele pudesse se tratar; como tínhamos parentes aqui ficamos na Pompéia. Eu amo esse lugar!” (Marietta Nunes Coutinho)

Os irmãos da Família Peres, década de 1940. (Coleção Francisco Garcia Peres)

Família Gomes, década de 1930. (Coleção Delfina Gomes Machado)

“Meu pai e minha mãe vieram praticamente adolescentes da Espanha, moravam em aldeias vizinhas, mas não se conheciam. Aqui, no Brasil, foram para Pirangi, uma cidadezinha que fica próxima de Catanduva e lá se conheceram e casaram. Depois foram para Presidente Venceslau, onde tiveram os filhos. A minha mãe dizia para o meu pai que deveríamos ir para um lugar melhor, onde os filhos pudessem estudar, ela não queria que os filhos levassem uma vida de interior e acabou convencendo o meu pai. Então, em 1939 nós viemos para São Paulo. Meu pai tinha economias que dariam para nós vivermos em São Paulo, mas quando descemos na Estação Sorocabana, naquele tempo não havia assaltos, havia muitos batedores de carteira, roubaram tudo o que ele tinha no bolso, todos os documentos, inclusive os documentos da mudança, que vinha no trem. Ele fez amizade com uma pessoa que gostou e confiou nele, que autorizou-o a sacar os móveis da Estação e aí fomos morar na Vila AngloBrasileira, na rua Mundo Novo.” (Francisco Garcia Peres)

“As pessoas que vieram para a Pompéia, vieram para ficar, para montar aqui o seu alicerce, são famílias que cresceram, seus filhos cresceram aqui. Esse tempo foi maravilhoso tínhamos uma grande comunidade, hoje é diferente.”. (Edith de Barros Firace)

Família Bindi, década de 1960. (Coleção Família Bindi)

Família Ugolini, década de 1940. (Coleção Zélia Ugolini Vianna)


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

AO TRABALHO !

6

Operários de Vila Pompéia Entre os bairros da Água Branca e Lapa, a presença da malha ferroviária à margem do rio Tietê, contribuiu para que ali inúmeras empresas se instalassem, convidando operários a viverem em suas proximidades. Na região da Vila Pompéia fixaram-se fábricas como as Indústrias Reunidas Matarazzo, a Fábrica de Vidros Santa Marina, a Companhia Melhoramentos, o Curtume Francobrasileiro, a White Martins e a Fábrica de Tambores dos Irmãos Mauser.

Foram nessas fábricas que, a partir da década de 1920, moradores da Vila Pompéia aprenderam inúmeros ofícios. Numa época onde quase não havia transportes, caminhavam, diariamente, vários quilômetros para o cumprimento de suas funções. A dura jornada só era compensada pela esperança de poder acumular algum dinheiro que os levasse a alcançar novos vôos.

Em 1921, na Vila Romana, a Cia. Melhoramentos instalou mais uma de suas fábricas. A foto da década de 1930 mostra a urbanização da região. (In: DONATO, Hernâni. 100 anos de Melhoramentos. Editora Melhoramentos, SP, 1990.)

Carteira de sócio do clube de funcionários da Cia. Melhoramentos. (Coleção Família Bindi)

“No horário de pico, um monte de pessoas subia o morro para trabalhar na fábrica da Melhoramentos.” (Ulisses Bindi) “Eu nasci em São Paulo e depois fomos para Ribeirão Preto. Meu pai perdeu tudo lá e veio trabalhar como guarda-livros no Curtume Franco-brasileiro. Tinha outras fábricas, onde hoje é o supermercado Sonda era a fábrica do Matarrazo... A fábrica tinha um mau cheiro; eles faziam vela com o sebo dos animais, o cheiro era horrível...” (Conceição Xavier Câmara da Cunha) “Meu pai veio da Itália quando tinha três meses de idade. A família dele seguiu para a Argentina, mas não se adaptou e acabou vindo para São Paulo, radicando-se na Água Branca, onde tinha as Indústrias Matarazzo. Meu pai foi trabalhar lá, na fábrica de louças, onde conheceu a minha mãe. Depois que eles casaram vieram morar na Vila Pompéia, onde constituíram família e fizeram uma casinha nos fundos de um terreno grande; na frente fizeram uma horta para poder sobreviver. Naquela ocasião eles já tinham saído da fábrica de louças e montado uma mercearia. Nós crescemos nesse armazém.” (Joana Bombarda)

Interior da Fábrica de Tambores dos Irmãos Mauser na década de 1940. A fábrica serviu também para a Ibesa que fabricava motores de geladeiras. Nos anos 80, após longo abandono, a antiga fábrica foi recuperada e transformada pela arquiteta Lina Bo Bardi, no centro de lazer Sesc Pompéia. (In: Lina Bo Bardi. Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, SP, 1993.)

Nos anos 20, o Conde Francisco Matarazzo montou um império na cidade de São Paulo. Em suas indústrias inúmeros pompeanos trabalharam ao longo dos anos. Na foto operários comemoram o aniversário do Conde, década de 1930. (Coleção Sérgio Fernandes)

Na Fábrica de Vidros Santa Marina, três milhões de garrafas eram produzidas por mês, trabalho que contou com mãos pompeanas. Década de 1920. (In: BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Santa Marina - Um Futuro Transparente. DBA, SP, 1996.)

“Meu pai falava que a vida na Matarazzo era muito dura. Eu lembro de uma coisa muito forte, na época havia uma estabilidade funcional trabalhista quando os operários completavam 10 anos de casa, então, era muito comum com nove anos e nove meses as pessoas serem dispensadas para não ter a estabilidade. Meu pai trabalhava na Singer e quando ele completou nove anos e alguns meses ele foi demitido, aí ele foi para a Matarazzo. Na época, a Matarazzo fabricava sabão, depois passou a fabricar as caixas de sabão e depois o óleo Sol Levante. Ele trabalhou muitos anos lá. Quando saiu da Matarazzo, passou por diversas firmas, até se estabilizar como corretor de imóveis na região da Pompéia.” (Zélia Ugolini Vianna) “Os húngaros trabalhavam no Curtume Franco-brasileiro, na Matarazzo, na Santa Marina, na Corneta. Essas eram as maiores firmas da época e o povo todo da Vila Anglo-Brasileira trabalhou nelas. Eles iam a pé até a fábrica porque aqui não tinha condução para lugar nenhum.” (Walter Story) “A Matarazzo tinha uma cooperativa, onde os funcionários podiam comprar tudo o que precisassem por um preço muito mais barato, até lã se comprava lá..” (Gilda Rossi) “Na minha família três gerações trabalharam nas fábricas do Matarazzo: meu avô trabalhou 50 anos e ganhou um diploma de Honra ao Lavoro, assinado pelo Rei Vitório Manuel da Itália; a minha avó dizia que em vez do diploma eles deveriam ter dado uma casa, meu pai trabalhou 32 anos e meu irmão também trabalhou. Eu trabalhei na White Martins e na Ibesa que era uma fábrica de motores para geladeira, que ficava onde hoje é o Sesc Pompeía. Quando meu pai trabalhou na Matarazzo, ele começou em Santana e depois veio para a Pompéia, e teve uma época que nós moramos na vila operária do Matarazzo, que ficava onde hoje é o supermercado Sonda.” (Sérgio Fernandes )


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

PATRÕES DE SI MESMOS O trabalho fora das fábricas O trabalho na Pompéia não se resumiu somente ao duro cotidiano das fábricas. Chacareiros, pequenos proprietários de armazéns e empórios, ambulantes, artesões e muitos autônomos, levaram para o bairro serviços que, até então, só eram encontrados em áreas mais desenvolvidas da cidade como a Lapa e o Centro.

Esses pequenos negócios atendiam as necessidades de seus moradores, facilitando suas vidas e gerando fortes vínculos de amizade e solidariedade.

Facilitando a vida dos moradores. Nos anos 30 surge a Empresa de Autoônibus da Pompéia, uma cooperativa que teve como incentivador o inesquecível Chico Gordo. Na foto de 1937, Chico Gordo e sua equipe de motoristas e cobradores. (Coleção Delfina Gomes Machado)

Os moradores mais abastados possuíam seus negócios fora da Pompéia, como os Gouveia, proprietários de um importante empório na Estação da Luz. Década de 1920. (Coleção Família Gouveia)

“Meu pai trabalhou na Santa Marina, depois foi chofer de praça e mais tarde junto com outros portugueses, ele resolveu montar a companhia de ônibus Empresa de Auto-ônibus Pompéia Ltda. No inicio, cada um tinha seu ônibus; depois formaram uma sociedade de oito pessoas.” (Delfina Gomes Machado)

“Na Guaicurus com a Rua Duílio, havia uns turcos, que tinham um grande empório e havia mais um empório na Água Branca, nós competíamos nos preços. Nosso armazém era muito grande, tinha quatro ou cinco portas e embaixo tínhamos um depósito. Durante a revolução de 32, tivemos uma grande crise, havia falta de açúcar, farinha. As pessoas compravam macarrão para molhar e fazer pão; nós tínhamos um grande estoque de mercadorias, tanto que meu pai vendia o pão mais barato do que na padaria. Fazia fila... para comprar pão.” (Joana Bombarda)

“Meu pai começou a ir para o interior mascatear, ele comprava roupas na José Paulino, colocava numa mala e ia para a região de Pirangi vender nos sítios. No início ele vendia à vista, mas depois ficou conhecendo as pessoas e passou a vender a prazo, e vivo como ele era, achou uma forma de ganhar dinheiro, na ida e na volta. Em vez de receber dinheiro recebia ovos e galinhas e mandava para a nossa casa, na rua Mundo Novo, e nós saíamos vendendo esses ovos e galinhas pela rua, a gente ia de casa em casa na Pompéia, virava o bairro de ponta- cabeça.” (Francisco Garcia Peres)

“A mamãe teve uma escola de corte e costura, todo mundo a conhecia como Maria Costureira. Ela tinha alunas de manhã, tarde e noite, que eram filhas de imigrantes. Essas meninas acabaram se tornando as costureiras do bairro, muitas montaram oficinas, outras viraram modistas e instalaram-se na parte mais nobre do comércio, que era ali na rua Clélia, perto da praça Cornélia. Anos mais tarde a minha mãe adoeceu e teve que fechar a escola de costura, mas acabou montando um conservatório livre de música. Na família dela a música era algo muito forte. Ela era irmã do César Dias Baptista que é o pai dos meninos dos Mutantes.” (Zélia Ugolini Vianna)

Carteira de habilitação, do sr. Antônio Bindi, para condução de carroças. (Coleção Família Bindi)

Bar São Francisco na rua Miranda de Azevedo esquina com a Desembargador do Vale, década de 1950. (Coleção Marietta Coutinho Nunes)

As vendas feitas nos armazéns e empórios eram registradas em enormes livros como mostra a foto. (Coleção Família Bindi)

Antônio Bindi em mais um dia de trabalho, década de 1930. (Coleção Família Bindi)

Armazém da família Bombarda na rua Coronel Melo de Oliveira, década de 1930. (Coleção José Luiz Figueiredo)

7


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

TIJOLO POR TIJOLO Construindo suas moradas Os estrangeiros que chegaram ao Brasil a partir do início do século XX, uma vez empregados, tinham como desejo imediato -- construir suas casas. Até que isso acontecesse muitos hospedavam-se em casas de amigos e parentes ou iam viver nas vilas de propriedade das fábricas em que trabalhavam. Ao conseguirem um pedaço de terra aproveitavam a folga dos finais de semana para assentar tijolos, rebocar paredes e dar acabamentos. As obras prosseguiam ao passo de suas posses e de sua paciência. De seus países de origem os imigrantes trouxeram técnicas de construção, até então, inéditas na cidade. Muitos chegaram exercendo o ofício de mestre-de-obras, legado de seus pais e repassado para seus filhos.

portões de ferro desenhados e inúmeros detalhes. Das mais suntuosas às mais simples, todas as habitações construídas a partir do século XX traziam uma referência estrangeira. Bairro em formação, a Pompéia atraiu muitos desses construtores que ao se dirigirem para lá, no exercício de suas funções, acabaram eles próprios escolhendo o bairro para viver. Na Avenida Pompéia ergueram-se casarões que reproduziam, na medida do possível, as mansões da Avenida Paulista, abrigando a classe média alta . Em outras ruas, casas simples, conjuntos populares e pequenas vilas, testemunhavam festas e inesquecíveis batepapos nos portões.

As casas de São Paulo, aos poucos, receberam em seu interior pé-direito altos e porões, e as fachadas receberam enfeites,

Projeto da residência da Família Farinelli, na rua Tucuna. Década de 1930. (Coleção Rubens Farinelli) Residência da Família Farinelli na rua Tucuna. Década de 1930. (Coleção Rubens Farinelli) Influência estrangeira nos detalhes da casa já demolida. (Coleção Rubens Farinelli)

“Muitos húngaros trabalharam na construção, eles faziam qualquer tipo de serviço. As mulheres húngaras eram verdadeiros homens para construir casas. Passavam os sábados e domingos levantando paredes, e eles se ajudavam muito.” (Gilda Rossi) “Nós não tínhamos problemas por causa das origens e isso deve muito ao fato de as crianças brincarem na rua, filhos de italianos, de portugueses, húngaros e brasileiros, eram todos amigos. Nós brincávamos na rua até tarde, não havia televisão, e nossos pais sentiam-se totalmente seguros porque conheciam os vizinhos. Nós fazíamos festas juninas na rua, cada um levava um pratinho de doce ou salgado...” (Zélia Ugolini Vianna) “Eu morei por um tempo na vila operária que o Matarazzo tinha na rua Turiassu, éramos todos muito unidos, um ajudava o outro, tinha muita solidariedade.” (Sérgio Fernandes)

Casa da Família Vianna em construção, na rua Coronel Melo de Oliveira. Foto tirada a partir da rua. Década de 1930. (Coleção Zélia Ugolini Vianna)

Na construção de suas casas a família toda ajudava. Residência na rua Coronel Melo de Oliveira, década de 1930. (Coleção José Luiz Figueiredo)

“Meu pai era construtor e eu acredito que ele tenha vindo morar aqui em função do trabalho. A Pompéia era um loteamento novo e ele deve ter pegado alguma obra por aqui e falaram: -- É aqui mesmo que vamos ficar. Se você correr pela Vila, vai ver muitos estilos. Aqui chegaram alguns construtores que tinham seus estilos e foram fazendo pequenas variações de uma casa para a outra. As vilas foram construídas para o aproveitamento dos lotes. Em um lote de 50 metros quadrados construiu-se uma casa, o restante era praticamente quintal.” (Rubens Farinelli) “Meu pai comprou um terreno na Melo de Oliveira, lá ele construiu a nossa casa, ele ainda fez varias construções no bairro.” (Joana Bombarda)

8


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

RELEVOS DO PASSADO As Construções Desaparecidas (...) Minha casa é tão bonita que dá gosto a gente ver! Tem varanda, tem jardim Ainda agora estou esperando uma rede só para mim a embalar de quando em quando. Minha casa é uma riqueza , pelas jóias que ela tem.

Árvores frutíferas, hortas e jardins floridos. Algumas construções da Vila Pompéia apagadas pela transformação inerente ao tempo, tornaram-se verdadeiras pinturas no bucólico cenário de morros e córregos. Quando erguidas, desfrutaram da vista privilegiada de um bairro quase inabitado e de uma cidade sem aranha-céus. Abrigaram numerosas famílias que testemunharam festas e encontros ....

(Trecho da canção Minha Casa, de Joubert de Carvalho)

Árvores frutíferas no jardim da “Vila da Francesa”, 1931. (Coleção Monique Dupré Beyrière)

O agradável jardim da casa da família Gouveia foi cenário de inúmeras travessuras dos doze irmãos que lá viveram, 1930. (Coleção Família Gouveia).

“O castelinho da Coronel Melo de Oliveira com a Avenida Pompéia, foi feito por um escritor espanhol, muito interessante, com uma cara de pão e vinho. Ele era casado com uma moça que se chamava Marieta e era muito apaixonado pela esposa. Fez essa casa para ela e construiu um mirante -- nesse tempo a Pompéia não tinha prédios -- para que a esposa tivesse uma vista bonita. Quando a casa ficou pronta, ela falou que não queria morar aqui porque não tinha gostado da casa e nem gostava do bairro e eles foram morar na Avenida Paulista. Quando eu era adolescente meu padrinho veio morar nessa casa, eu vivi muito nessa casa, todo sábado tinha festa, vivia cheia de gente, eu tenho lindas lembranças dessa casa.” (Edith de Barros Firace) “Nós morávamos numa casa enorme, cada um tinha o seu quarto, eram doze filhos. Tinha dois andares, era quase uma chácara, cada duas janelas um quarto. Meu pai, em alguns finais de semana, quando ele morava no Largo Coração de Jesus, pegava o De Soto, o carro dele, e falava para o motorista: -- Vamos lá para o sítio. E o sítio era aqui na Vila Pompéia. Nós tínhamos criação de gado, era quase uma fazenda, pegava uma quadra toda. Depois nós moramos lá. Nós tínhamos um porão, uma garagem enorme que dava para quatro carros; tinha, também, um lugar onde se colocava o porco, depois de morto, para fazer as lingüiças. O Zequinha de Abreu morou na rua Ministro Ferreira Alves e, às vezes, ia tocar na minha casa. Em casa todos tocavam algum instrumento, tinha violoncelo, bandolim, piano... A gente tocava na varanda... Mais tarde, tivemos que vender a casa... Primeiro para um hospital que era o Sanatório Vila Pompéia, mas a parte que tinha a chácara, o jardim, fomos vendendo em lotes.” (Mariinha Gouveia)

O caprichoso jardim de Anne Barbecanne, “Vila da Francesa”, rua Caraíbas, 1931. (Coleção Monique Dupré Beyrière)

A “Vila da Francesa”. Na rua Caraíbas, entre a Alfonso Bovero e a rua Cajaíba, uma das primeiras habitações foi uma pequena vila. Construída pela francesa Anne Mathilde Barbecanne, a “Vila da Francesa”, como ficou conhecida, era privilegiada pela vista magnifica. Muito pouco ficou dos traços dessa vila, onde imigrantes de vários países viveram. Na preciosa foto de 1929 vê-se, ao fundo, a caixa d'água da rua Alfonso Bovero. Atualmente a “Vila da Francesa” recebeu o nome de travessa Caligasta. (Coleção Monique Dupré Beyrière)

Ocupando quase um quarteirão, a residência da Família Gouveia, na rua Desembargador do Vale, nasceu para ser um sítio; posteriormente, a grande família passou a viver na casa, transformando-a no ponto de encontro dos amigos. Na década de 1950, a casa foi vendida e passou a abrigar o sanatório de Vila Pompéia. Foto de 1929. (Coleção Família Gouveia).

9


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

SOLIDARIEDADE

10

A presença dos Camilianos na Vila Pompéia Servir aos doentes por amor e fé. Aos doentes do corpo e da alma. Vivendo essas premissas em 1582, São Camilo de Léllis fundou em Roma uma nova congregação religiosa -- a de São Camilo. No Brasil, os camilianos chegaram em 1923 e se estabeleceram, primeiramente, na Vila Pompéia, tendo como artífice de sua missão, no país, o padre Inocente Radrizzani. Já nos primeiros anos na Vila Pompéia, arregaçaram as mangas e puseram-se a trabalhar em prol da comunidade que crescia junto com eles. Fortaleceram a vida religiosa construindo uma paróquia, ergueram uma escola e em 1932, uma policlínica que assistia aos doentes gratuitamente em diversas especialidades médicas.

A maior obra, entretanto, realizada pelos camilianos para os moradores de Vila Pompéia foi o exercício da solidariedade. Na década de 1960, a Paróquia de Nossa Senhora do Rosário destacou-se no cenário religioso. Através do padre Alfonso Pastore, reforçou o conceito de comunidade ao levar a igreja para dentro das casas, promover reuniões de família, encontros de casais e a criação de nove comunidades em torno da paróquia. As comunidades eclesiais de base, como ficaram conhecidos esses pequenos núcleos, orientaram famílias para com os deveres aos mais necessitados e para com a experiência de viver relações mais fraternas, servindo como inspiração para diversos trabalhos missionários pelo Brasil a fora.

“A vista panorâmica, bonita e encantadora, convidava a olhar para aquela proeminência montanhosa ainda despovoada, porém alegre, com seus tufos e folhagens, com sua bela avenida repartindo o bairro em dois logradouros silenciosos e aprazíveis. O que, porém, chamava mais atenção, era a igrejinha branca e solitária lá no alto, como que convidando a vencer a subida íngreme e cansativa, logo remunerada por um doce repouso aos pés da Virgem do Rosário. Toda vez que para lá transitava, não podia resistir ao convite de olhar para cima, e sempre acorria-me o pensamento de que poderia servir para nós aquela igrejinha, não fosse o bairro um tanto longe da cidade. A cidade, de fato, na sua regular sistematização, acabava praticamente no largo da matriz das Perdizes; apenas começavam a aparecer as primeiras casas, ao longo da avenida Água Branca. Foi unicamente por esse motivo que não iniciamos prática alguma a respeito de Villa Pompéia, volvendo alhures nossas visitas e esforços (...) O arcebispo da época D. Duarte Leopoldo e Silva, quando ofereceu a igrejinha e o terreno aos camilianos e eu não aceitei, disse então aquele arcebispo: Se os Padres de São Camilo não aceitam, Vila Pompéia será entregue a outros, mas estes se arrependerão bem depressa. Essas palavras, pronunciadas com energia e um tanto pesadas, nos obrigaram a refletir mais seriamente, e pelo que descobrimos mais tarde, o Sr. arcebispo falava em nosso favor, dando-nos a preferencia sobre outros religiosos, dispostos a aceitar o que nós recusávamos. Foi então que sustamos as entabulações com a Cia. City, sobre um terreno na Vila América, e a primeiro de novembro, tomamos conta definitivamente da capelinha. Era o ano de 1923.” (Padre Inocente Radrizzani, A Gazeta, 21/11/1958)

São Camilo de Léllis. (Coleção Evanite Gaggini) Consultório médico da Policlínica, 1935. (Arquivo Hospital e Maternidade São Camilo)

Escola Nossa Senhora do Rosário, criada pelos padres camilianos em 1925. (Coleção Família Gouveia)

Padre Inocente Radrizzani. (Arquivo Igreja Nossa Senhora do Rosário)

Padre Alfonso Pastore, década de 1960. (Coleção Evanite Gaggini)

Obras de construção do Hospital São Camilo, 1949. (Arquivo Hospital e

“A primeira missa da Pompéia foi rezada por um padre da Igreja de Nossa Senhora da Lapa, o primeiro vigário do bairro foi o padre Inocenti, depois dele veio o padre Simoni, que era um padre bonachão, forte, que vivia andando pelo bairro a pé; a molecada corria para beijar a mão dele; ele era muito brincalhão e ficou muitos anos na Pompéia. Nós tivemos, posteriormente, aqui na Pompéia, um padre excepcional que foi o padre Alfonso Pastore, isso no final dos anos 50. O padre Afonso era muito dinâmico, fundou o Movimento Familiar Cristão no Brasil, iniciado aqui na Pompéia. Os encontros de casais começaram aqui e foram levados para o Brasil todo, foi um trabalho missionário...” (Francisco Garcia Peres)

A Policlínica São Camilo atendeu inúmeros moradores da Vila Pompéia em diversas especialidades médicas, foi o embrião do complexo hospitalar que se formou na região. Foto de 1935. (Arquivo Hospital e Maternidade São Camilo) Maternidade São Camilo)


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

ESCONDIDOS, DE VERGONHA

11

Os córregos da água preta e da água branca Cuidado, você pode estar andando sobre um rio! Estão escondidos, mas a Vila Pompéia é delimitada por dois córregos. Um é o córrego da Água Preta, que nasce nos Campos da Escolástica, margeia a Vila Anglo-Brasileira, caminha pela rua Ribeiro de Barros, segue pela Miranda de Azevedo, atravessando o Sesc Pompéia até o Largo da Pompéia. O segundo é um dos ramais do córrego da Água Branca, que, por sua vez, vem da rua Caiowaá, seguindo pela rua Diana até cortar o clube do Palmeiras. Juntos esses córregos escorrem para o leito do rio Tietê. Ainda na década de 1940, as águas limpas dos córregos podiam até ser consumidas e eram o local preferido da molecada do bairro para a armação de inúmeras travessuras.

de chuvas corriam a brincar na enxurrada, ocasionando acidentes, alguns deles, com vítimas fatais. À medida que o bairro crescia, suas margens foram sendo ocupadas e a população ribeirinha passou a poluí-los com dejetos, móveis e até animais mortos. Como resposta, os córregos ofereceram à comunidade inúmeras enchentes, onde famílias perderam todos os bens que possuíam. Na década de 1960 foram canalizados, não evitando que ruas como a Turiassu ficassem alagadas nas torrenciais chuvas de verão. Sobre eles ergueram-se as novas habitações da Vila Pompéia -- os edifícios, de onde brotam, ainda hoje, nascentes teimosas de se esconder...

Desavisados dos perigos a que estavam expostos, em épocas

“Um dia minha mãe perguntou para a nossa pajem onde nós estávamos. Estávamos todos brincando no córrego quando elas chegaram, todo mundo apanhou. A água era barro puro.” (Mariinha Gouveia) “Nas casas havia luz, na rua não. Demorou muito para chegar a iluminação nas ruas. Quando saí da Pompéia em 1953, as ruas ainda não eram calçadas, o córrego ainda não era canalizado o córrego era muito poluído, ali jogavam gato, cachorro cheirava muito mal.” (Joana Bombarda) “Antigamente tinha um lugar que era chamado de represa. Entre a Vila Anglo-Brasileira e a Vila Pompéia o córrego da Água Preta fazia uns meandros e passava por um lugar que era redondo, hoje eu acho que esse lugar é uma praça. Devia ter sido um lugar muito bonito no começo dos anos 30, porque o córrego da Água Preta não tinha água preta coisa nenhuma, era uma água limpinha. Ele passava pelo largo da represa e lá tinha umas passarelas de concreto bonitas e no meio tinha uma espécie de coreto que era cercado por balaústres. Em 1941-42 ainda tinha isto e a gente chamava este lugar de largo da represa, só que já não era mais usado, porém, tudo leva a crer que antes aquilo era fechado, enchia de água... Devia ter sido muito bonito. Quando comecei a conhecer a represa ela já estava deteriorada.” (Francisco Garcia Peres) “O Largo Pompéia converge para dois rios. Um que vem da Avenida Sumaré e passa sob a calçada do Palmeiras e outro que passa sob o Sesc Pompéia. O Largo Pompéia em qualquer chuva inundava, nós perdemos muitos amigos... Na época das enxurradas, não víamos o perigo e íamos para lá.” (Rubens Farinelli)

“Eu tinha uma prima que morava em Santo André e de vez em quando ela vinha passar uma temporada aqui em casa. Calhou de ela estar ali num dia de temporal. Na tarde desse dia, minha mãe passava roupa e meu pai dormia, porque ele trabalhava à noite na fábrica do Matarazzo. Quando a chuva passou e tudo se normalizou, minhas duas irmãs e minha prima resolveram olhar o córrego que era protegido por uma cerca. Não sei o que deu na cabeça delas, pois resolveram fazer uma brincadeira: uma das minhas irmã se escondeu, a outra e a minha prima vieram me contar que ela tinha caído no rio. Como eu estava perto da minha mãe, ela escutou e saiu para a rua gritando e meu pai, ouvindo os gritos da minha mãe, saiu atrás, só de cuecas. Tinha um tal de Zeca do Bode que se atirou no rio para ajudar. Eu nunca vou me esquecer desse dia.” (Nair Bindi)

Vista da casa Provincial em direção a rua Miranda de Azevedo. Década de 1940. (Arquivo Província Camiliana Brasileira)

O cenário. No fundo da casa da família Bombarda, passava o córrego da água Preta. A família na ponte, que construíram, sobre o córrego. 1942. (Coleção José Luiz Figueiredo)

Na década de 1960, o córrego da Água Preta é um grande esgoto a céu aberto. Foto de 1961. (Coleção José Luiz Figueiredo)


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

NOS MORROS, OS VIZINHOS

12

Vila Anglo-Brasileira e campos da Escolástica A característica dos bairros vizinhos da Vila Pompéia é um vaivém incessante de subidas, descidas e curvas. É preciso ter pernas para caminhar ao longo da Vila Anglo-Brasileira e dos Campos da Escolástica, onde a topografia é das mais acidentadas. A barroca, como era conhecida a Vila Anglo-Brasileira, surgiu do loteamento da Companhia Urbana Predial, a mesma que loteou a Vila Pompéia. Os portugueses foram os primeiros a chegar, assim ocorreu nos Campos da Escolástica, seguidos, no período entre guerras (1914-1945), pelos húngaros que fugiam do esfacelamento de sua nação.

húngaros empregaram-se nas fábricas, trabalharam na construção civil, na lavoura e desenvolveram toda a sorte de serviços para poder sobreviver. Na década de 1940, na Vila Anglo-Brasileira, chegaram os membros da comunidade negra que introduziram entre os imigrantes o futebol de várzea e o batuque, criando diversos grêmios, como o Faísca de Ouro, que anos mais tarde seria o embrião da escola de samba Águia de Ouro. Com o seu jeito simples de viver os vizinhos da Vila Pompéia, de diferentes etnias, integraram-se facilmente, assimilando cada um a cultura do outro.

Os portugueses montaram suas chácaras, servindo o mercado municipal de Pinheiros, a população local e da Vila Pompéia, os

Boa parte da Vila Romana, também foi aterrada para poder ser loteada. Foto de 1947. (Coleção José Luiz Figueiredo)

Morro no final da rua Cajaíba, em direção aos Campos da Escolástica, 1948. (Coleção Francisco Garcia Peres)

Aspectos da rua Mundo Novo na década de 1950. (Coleção Valdemir Gomes Pereira - Dequinho)

“Quando nós morávamos na rua Mundo Novo, foi levado para cima do morro um cruzeiro muito grande e pesado que saiu da igreja da Pompéia numa procissão muito grande, cheia de pessoas, muito bonita. Esse cruzeiro foi colocado no alto do morro da rua Sapezal e à noite, acendiam-se as luzes, era muito bonito, hoje ele não existe mais.” (Francisco Garcia Peres) “As pessoas conheciam aqui como a barroca da Pompéia e segundo diziam aqui tinha muitas olarias. Era várzea e olarias. Quando eu nasci tinha mais chácaras e não havia, ainda, a parte de baixo da Avenida Pompéia, no sentido da Heitor Penteado.” (Walter Story) “A vida aqui era sofrida, a gente tinha muitas dificuldades na Vila Anglo. Quando, chovia as ruas ficavam intransitáveis, era um barro só. Até para as carroças passarem era difícil. A gente tinha que ir descalço até o bonde ou ônibus e quando chegava lá, lavava o pé e calçava o sapato.” (Walter Story)

Umas das ruas principais da Vila Anglo-Brasileira, a rua Mundo Novo, era quase intransitável, década de 1950. (Coleção Valdemir Gomes Pereira - Dequinho)

Na Vila Anglo-Brasileira havia inúmeros morros, na foto moradores no morro do Alceu, década de 1950. ( Coleção Valdemir Gomes Pereira Dequinho)

“A Vila Anglo-Brasileira era dividida da seguinte forma: a rua principal era a Mundo Novo. Você vinha pela antiga rua Sapezal (atual Félix Della Rosa) e desembocava na Mundo Novo; de um lado havia casas e do outro era um morro. Se você entrasse à direita, em direção ao Hospital São Marcos, aí tinha um pouco de casas e morro, e lá era a região dos húngaros, os moradores chamavam lá de Vila Anglo, e entrando à esquerda tinha muitos negros. O pessoal dizia que do lado direito era a Vila Anglo e do lado esquerdo a Vila Brasileira. Naquele tempo não havia tanto racismo porque tinha os húngaros, os negros, os italianos, os espanhóis. Todos tinham a mesma condição social, todos estavam no mesmo barco. A gente sempre achava um momento de lazer, sempre encaixava no trabalho. Embora desde criança a gente sempre tenha trabalhado, sempre sobrava um tempo para jogar futebol. Na época, a gente era mais conformado, éramos pobres, a vizinhança toda era pobre. A gente era a periferia da Pompéia, de lá para a frente só existiam algumas construções no Butantã, na Vila Madalena, você não via nada, era só chácaras. Os vizinhos todos e nós éramos alegres, eu lembro das minhas irmãs lavando roupa e cantando. Havia uma solidariedade muito grande.” (Francisco Garcia Peres)

A difícil geografia dos arredores da Vila Pompéia - No morro ao fundo, atualmente, passa a rua Heitor Penteado, década de 1940. ((Coleção Valdemir Gomes Pereira - Dequinho)


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

O CAMINHO RELIGIOSO Na Pompéia, a grande maioria dos imigrantes europeus e seus descendentes, seguiu os dogmas da igreja católica, fazendo com que a Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia estivesse sempre presente em suas vidas, numa sólida e estreita relação. Foi em seu interior que quatro gerações vivenciaram pela primeira vez sentimentos intangíveis como a fé e a religiosidade. Na infância receberam o óleo batismal e sua confirmação, já jovens tornaram-se Filhas de Maria e

13

Congregados Marianos, e quando adultos casaram-se ou seguiram a vida religiosa no seminário dos camilianos. Como Filhas de Maria e Congregados Marianos, alguns moradores da Vila Pompéia, criaram amizades que perduram no tempo e na distância. Desenvolveram, também, inúmeras atividades em benefício do Hospital São Camilo e da Paróquia, como peças de teatro, festas juninas e bazares. Ao longo dos anos, novas religiões e seus adeptos passaram a conviver no bairro de forma pacífica e respeitosa.

Hino da Congregação Mariana Do Prata ao Amazonas, do mar às cordilheiras Cerremos as fileiras Soldados do Senhor. O teu nome Maria Ó Virgem soberana nos une e nos irmana nos da força e valor. José Luiz Figueiredo em sua primeira comunhão na igreja de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, década de 1960 (Coleção José Luiz Figueiredo).

Ao verno ruge enfurecido altar e trono quer destruídos Da vida entramos na luta ardida por Deu pugnamos por nossa vida. Tu nos proteges o Mãe potente contra inimiga cruel serpente De mil soldados não tema a espada Quem pugna a sombra da Imaculada. Dum ideal celeste, seguimos os encantos Vendo em amargos prantos A terra esmorecer Seguimos a Maria, será nossa Ventura Teus filhos Virgem pura Sempre queremos ser Tânia Bindi Botton (Coleção Família Bindi)

A primeira comunhão - passagem obrigatória nas famílias da Pompéia, década de 1940. (Coleção Zélia Ugoline Vianna)

Filhas de Maria em missa campal em louvor à Padroeira, 1956. (Coleção Zélia Ugolini Vianna)

Na Pompéia, os camilanos instalaram, também, um seminário. Foi para lá que alguns moradores dirigiram-se para seguir a vida religiosa. Na foto, seminaristas no jardim da Casa Provincial. Década de 1940. (Arquivo Província Camiliana Brasileira)

“A Congregação Mariana e as Filhas de Maria criaram laços fortes de amizade. À medida que íamos casando, um ia tornando-se compadre do outro. Nosso grupo comprou uma casa na praia, formamos uma grande família, nossos filhos tornaram-se amigos.” (Zélia Ugolini Vianna) “Meu marido era da Congregação Mariana e fazia teatro para ajudar o padre Simoni, que nos casou. Nós fazíamos teatro quase todos os meses e o dinheiro arrecadado era usado para auxiliar as obras da igreja, esses festivais eram feitos no porão da igreja.” (Conceição Xavier Câmara da Cunha) “O Hospital São Camilo começou a ser construído da Tavares Bastos para baixo e como tinha uma área grande de terreno, todo ano tinha a festa junina em beneficio do hospital. Quem ficava nas barracas eram as Filhas de Maria, a gente sublimava a beleza delas e freqüentava muito essas quermesses... tirava linha, um flerte, aquela coisa de olhar, amor platônico.” (Francisco Garcia Peres)


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

BENDITO FUTEBOL! O jogo na várzea O futebol chegou ao Brasil no final do século XIX, conquistando rapidamente a população. Em São Paulo, as primeiras práticas futebolísticas foram realizadas pela elite paulistana, mas seduziram facilmente as classes sociais menos favorecidas.

Nas várzeas da cidade diversos campos celebravam o esporte bretão, que tornou-se um ritual dos garotos e nem tão garotos de toda São Paulo. Na Pompéia não foi diferente, vários times foram sendo organizados, espalhando pelo bairro partidas muito animadas.

Os Campos de Várzea “Como a maioria dos brasileiros da minha idade, eu também fui jogador de futebol na várzea. Vejam bem que eu não disse jogador varzeano. Jogador varzeano já tinha um certo padrão de categoria; alguns, muitos deles, chegaram a profissionais. Jogar na várzea tinha mais sentido lúdico, de prazer. É evidente que no tempo em que eu jogava na várzea havia várzeas. Muitas várzeas. Uma delas a do Nacional, de terra pretíssima, gordurosa, quase um tipo de turfa. Nessa eu joguei. Presenciei também muitos jogos na várzea do Glicério, vizinha da fábrica de cigarros Sudan. Cheguei mesmo a cabular aulas durante a semana para ir assistir a renhidas partidas disputadas com raça naquele local à margem do rio Tamanduateí. Outra várzea muito minha conhecida foi a da Vila Anglo-Brasileira, onde pontificavam o Penharol e, se não estou fazendo confusão de memória, também o Faísca de Ouro e o Rabo de Galo Futebol Clube. Tenho vagas lembranças do SulAmericano, do Bom Retiro, e, é claro, não poderei esquecer jamais o time da extinta Congregação Mariana da Vila Pompéia, que teve como seu melhor técnico o competente e rigoroso Toniolo, e como uma de suas estrelas o famoso jogador doutor Pelsen Cruz Navega (...)” (Lourenço Diáferia, trecho da crônica Futebor publicada no Jornal da Tarde em 4 abr. 1986.)

Onde hoje se localiza a rua Bárbara Heliodora, havia o campo de futebol do Corinthians Pompeano, time fundado em 1934. Na foto da década de 1940, o flagrante de uma partida. (Coleção Família Bindi)

As fábricas da região, como a Saturnia, também organizaram seus times. Década de 1950. (Coleção Sarita Rodrigues)

“No Faísca de Ouro antigo só jogavam os negros. O Faísca teve duas fases uma na década de 40 e outra na década de 70. Na Pompéia tinha: o Rabo de Galo, o Novo Mundo, o São Lourenço, o Floresta, o Maracanã, o Corinthians Pompeano, o Bando da Lua, o Ás de Ouro, o Glorioso da Pompéia, o Penharol etc. ... Havia muita rivalidade entre esses times e muito futebol porque a gente tinha uma infinidade de campos de várzea. A diversão no final de semana era o futebol.” (Walter Story) “Aqui tinha um clube, o Corinthians Pompeano, que foi fundado em 1934. Eu era moleque, mas eu lembro da construção da casa, que era a sede. Você tinha que ver o campo do Corinthians Pompeano, era mais acidentado do que a rua Guiará. No intervalo do primeiro para o segundo tempo do jogo, a gente ia tomar água numa casa, a água era do poço. Antes dos jogos todos eram amigos, mas na hora das partidas a amizade acabava e era um inferno.” (Ulisses Bindi) “O Atlântico tinha uma sede pequenina num porãozinho. Nossas camisas foram compradas do Rabo de Galo, a prazo, e não tivemos dinheiro para terminar de pagar, demos um calote. Um dia, a sede amanheceu arrombada, tinham levado a bola, as camisas, e feito uma porção de sujeira; nós sabíamos que quem tinha feito aquilo era o pessoal do Rabo de Galo, mas éramos moleques e eles não, aí não deu para ir brigar com eles.” (Francisco Garcia Peres)

Time juvenil do Atlético Pompeano. 1947. (Coleção Francisco Garcia Peres)

“Na década de 40, o primeiro time varzeano que eu conheci foi o Penharol, que era um time briguento e de maior torcida do bairro. O campo deles ficava cercado de pessoas, era duro para o adversário jogar lá. O Penharol, para você ter uma idéia, quando começamos a disputar com outros times, a gente comprava a taça deles, porque eles tinham tantas taças que vendiam. O Penharol e o Corinthians Pompeano ficaram muitos anos sem jogar entre si, porque teve uma briga muito feia e eles cortaram relações totais e ficaram quase seis anos sem jogar. O primeiro jogo que fizeram posteriormente, foi um negócio interessante, misturaram os jogadores para não ter briga.” (Francisco Garcia Peres) Com a proteção da Virgem Maria. O time da Congregação Mariana fazia bonito nas várzeas. 1957. (Coleção Zélia Ugolini Vianna) Na foto de 1979, a segunda geração do Faísca de Ouro, time criado na década de 1940. (Coleção Walter Story)

O time do Ás de Ouro da Vila Anglo-Brasileira. Década de 1950. (Coleção Valdemir Gomes Pereira)

14


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

O MITO Oberdan Cattani A estrela que se fez pelas mãos, Oberdan Cattani chegou em São Paulo em 1940, vindo de Sorocaba, cidade em que nasceu em 1919. Filho de um italiano e uma cabocla, Oberdan cresceu com nove irmãos em meio à chácara e a fábrica de bebidas da família.

posição de goleiro do Palestra. Começava aí a trajetória de um dos maiores goleiros do futebol brasileiro. Ao longo de quinze anos, Oberdan brilhou como goleiro titular do PalestraPalmeiras, participando de momentos marcantes da história do time alvi-verde e consagrando-se campeão inúmeras vezes.

Foi no grupo escolar Coronel Antônio Padilha, em sua cidade natal, que teve os primeiros contatos com o esporte que lhe daria a fama; aos oito anos já era o goleiro preferido da turma nas partidas de futebol.

Com suas gigantescas mãos, levava a torcida à loucura, cada vez que mergulhava ou saltava na área em defesa de seu time.

A cidade de São Paulo tornou-se sua conhecida por abrigar o seu time do coração, o Palestra Itália, e por ser o local onde freqüentemente dirigia-se no exercício de sua profissão -motorista de caminhão.

Em 1945 mudou-se para a Vila Pompéia. A fama, no entanto, não lhe trouxe fortuna, diferente dos jogadores da atualidade. O mito, Oberdan Cattani, brilhou numa época em que futebol estava distante das cifras que hoje o movimentam.

Aos 21 anos, o jovem sorocabano mudou-se em definitivo para a capital, quando recebeu o convite para fazer um teste na

“Eu me orgulho em dizer que fui caminhoneiro, eu vinha trazer frutas no mercado municipal e já naquela época, 1937-1938, eu encostava o caminhão no Parque Antarctica para assistir o jogo do Palestra. Eu sou palestrino!” (Oberdan Cattani) “Meu pai é português e foi ainda criança para Manaus. Em Manaus não tínhamos rádio em casa e ele já ouvia falar e gostava muito do Oberdan Cattani e do Palmeiras. O Oberdan era o ídolo dele. Mais tarde, quando a gente já tinha um rádio, ele ouvia todos os jogos que faziam em São Paulo e ficava maluco. Eu sou palmeirense desde quando eu ainda vivia em Manaus! Na década de 1940, nós viemos morar em São Paulo e a maior coincidência é que viemos morar no bairro do Palmeiras e do Oberdan, que também morava aqui. Na nossa casa tinha uma garagem só que não tínhamos carro. Sabe o que aconteceu? Alugamos a nossa garagem para o Oberdan que tinha carro, mas não tinha garagem. O meu pai quase morreu do coração quando veio a saber que ia alugar a garagem para o Oberdan. Foi extraordinário.” (Marietta Coutinho Nunes) “Eu tive a grande felicidade de receber o convite do meu mano e de um grande beque do Palestra Itália que foi o Miguel Vascarelli, para fazer um teste no Palestra em 1940. E quando eu vim fazer o teste, tinha quinze goleiros participando e eu fui o último. O treinador era o Sr. Caetano Domenico e ele jogava a bola com a mão, lá de fora da área. Eu tinha feito um preparo em Sorocaba, e fui feliz no teste, tomei três gols. Nessa dia, eu fiquei treinando contra o Luizinho, Canhoto, Etchevarrieta, Lima e Pipi. Aí, eu falei: --Meu Deus, eu tô ficando louco!” (Oberdan Cattani) “Todo mundo sempre falou que o Oberdan tem a mão grande. Eu pegava as bolas com uma mão só, as bolas eram de capotão. Eu pulava salto com vara, então, eu tinha facilidade para sair do gol, ia até a área de pênalti. Eu posso contar nos dedos os gols que eu tomei de cabeça e olha que no meu tempo a gente tinha os melhores cabeceadores como o Waldemar de Brito, o Baltazar, o Heleno de Freitas.” (Oberdan Cattani)

Campeão Paulista 1947. (Coleção Oberdan Cattani)

“Eu ganhava 350 mil réis e o ordenado era de 800 mil. Eu joguei em 1941 e 1942 e não ganhei luva, não ganhei nada, eu já era Campeão Paulista e Bicampeão Brasileiro. Eu gostava do clube, eu, antes de jogar no time, já era Palestrino. O Corinthians, uma época, chegou a me oferecer 80 mil réis e eu fiz por 30 mil para o Palmeiras.” (Oberdan Cattani) “Em 1945, quando eu fui disputar a copa ROCA pela seleção brasileira, no Chile, nós estávamos concentrados na cidade e depois mudamos para um bairro chamado Macu, ficamos numa casa maravilhosa: eu, o Domingos da Guia, o Norival, o Rui Campos e outros. A comida lá no Chile era arroz e peixe, tudo branco. A gente tinha vontade de comer um feijãozinho com arroz e não podia, era arroz e peixe todo dia. A gente estava acostumado a comer um macarrãozinho no domingo... Aí mandaram um cozinheiro lá da Urca, só que em vez de ele pegar um avião para o Chile, pegou um para a Colômbia, demorou quatro dias para chegar! Aí nós resolvemos fazer a comida, a gente escolhia feijão para vinte e cinco pessoas, fazia o café da manhã. Jogador de futebol não tinha as comodidades de hoje e além de tudo era malvisto. Uma vez a gente foi jogar em Caxambu e as moças da cidade tinham sumido.” (Oberdan Cattani)

Oberdan Catani - Omaior goleiro da história do Palmeirasdécada de 1940.. (Coleção Oberdan Cattani)

O grande goleiro em ação contra o São Paulo na histórica partida de 1942, quando o Palestra Itália virou Palmeiras. (Coleção Oberdan Cattani)

Quadro oficial do Palestra Itália no Campeonato Paulista de 1941. Da esquerda para a direita: Etchevarrieta, Canhoto, Capellezzi e Lima. Em pé, da esquerda para a direita: Del Nero, Oliveira, Pipi, Oberdan, Begliomini, Pancho e Juarez. (Arquivo Oberdan Cattani) Oberdan Cattani tornou-se famoso rapidamente. Nas revistas e jornais esportivos era comum encontrar charges que explorassem o tamanho de suas mãos. Década de 1940. (Coleção Oberdan Cattani)

15


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

SOCIEDADE ESPORTIVA PALMEIRAS O Parque Antarctica, de propriedade da Companhia Antarctica Paulista, foi inaugurado em 1902. Abrigando um bosque, um campo de futebol e um fino restaurante tornou-se, rapidamente, um local de lazer para os paulistanos mais abastados. Em 1917, o Palestra Itália, fundado em 1914 pela comunidade italiana radicada em São Paulo, adquiriu os terrenos do parque pelo valor de 500 contos de réis. A partir de 1919, o Palestra Itália começou a realizar obras no parque como a construção de quadras de bola-ao-cesto e de um estádio, inaugurado em 1933. Em função da Segunda Guerra Mundial, em 1942, temendo represálias, o Palestra Itália teve seu nome alterado para

Sociedade Esportiva Palmeiras. Ao longo do tempo, apesar de o futebol ser a estrela, tornou-se um dos melhores e mais bem aparelhados clubes do Brasil. O localização na Pompéia transformou o Palmeiras no centro de lazer de várias gerações de moradores do bairro, que participaram de esportes como o hóquei, o basquete, a natação, o ciclismo e ginástica. Atividades culturais ocorriam com freqüência no clube, como os “mingaus”, animadas matinês dos domingos, onde jovens do bairro iam para dançar, namorar ou apresentar o rock pompeano. A Sociedade Esportiva Palmeiras contribuiu para unir gerações em torno do esporte e para que amizades duradouras florescessem na Pompéia.

“Eu nasci dentro do Palmeiras, pratiquei esportes no Palmeiras. A grande maioria de imigrantes que vieram viver aqui eram palmeirenses. Hoje, com os prédios, mudou muito, pois tem muita gente de fora. Mas os palmeirenses você conhece pelo brilho dos olhos...” (Rubens Farinelli) No início do século XX, o Parque Antarctica atraía os paulistanos a desfrutarem do seu cenário bucólico. Década de 1910. (Arquivo Fundação do Patrimônio Histórico da Energia)

Em1965, a CBF, pela primeira e única vez, cedeu as camisas da seleção brasileira para que o Palmeiras enfrentasse o Uruguai e representasse assim o Brasil. Da esquerda para a direita: Valdir, Servilho, Julinho, Waldemar Carabina, Ademir, Djalma Dias, Djalma Santos, Rinaldo, Ferrari, Dudu e Tupãzinho. (In: HELENA JR., Alberto. Palmeiras: A Eterna Academia.

Vista área do conjunto da Sociedade Esportiva Palmeiras. Em primeiro plano as obras de construção da arquibancada de concreto do campo suspenso. 1964. (Coleção Sérgio Fernandes)

O Futebol do Palestra-Palmeiras A trajetória do futebol do PalestraPalmeiras foi gloriosa. Ao longo do século XX conquistou diversos títulos e boa parte de seus jogadores integraram os quadros da Seleção Brasileira. Na década de 1960 foi um dos poucos times que rivalizou com o Santos da magnífica “era Pelé”. Ainda nesse período, quando iniciou a época das grandes conquistas, da “Academia do Futebol” o Palmeiras era considerado a própria Academia.

Equipe Juvenil de Hóquei, destaque no esporte. Década de 1960. (Coleção Celso Vecchione)

“A gente começou a jogar hóquei no Palmeiras encaminhado por um amigo do meu pai. A nossa vida era o esporte, era uma união em torno do esporte. Nós freqüentávamos o Palmeiras mas éramos corinthianos. O Oberdan Cattani sempre me carregava no colo e me fazia falar que eu era Palmeirense. O campo do Palmeiras não era suspenso como é hoje, era no chão. No final do ano sempre tinha almoço de confraternização de todos os esportistas, então a gente conhecia todo mundo.” (Celso Vecchione)

“Pela proximidade da casa da minha avó com o Palmeiras, meu pai resolveu comprar um título. O que eu acredito que tenha sido muito difícil e duro para ele, porque era corinthiano fanático. É nessa época que começa a minha história com a Pompéia. No primeiro dia em que eu entrei no Palmeiras, eu fiquei fascinado com o clube, eu nunca tinha visto uma piscina daquele tamanho, eu era muito pequeno, eu tinha quatro anos de idade. Eu me apaixonei pelo clube, eu vinha para cá e passava o tempo todo dentro do clube, vinha para nadar, para passear...” (André Cristóvam)

Desde 1925, o Palmeiras se destacou com brilhantes seleções de basquete. Nas décadas de 1950, 1960 e 1970, boa parte de jogadores da Seleção Brasileira de Basquete fazia parte de seus quadros, como: Alcindo, Carioquinha e Oscar. (Coleção Sérgio Fernandes)

16


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

BEM-ME-QUER O Romance na Pompéia Na Pompéia estavam centralizadas quase todas as atividades de seus moradores. O trabalho, o comércio, o estudo, e também o romance. Numa época em que a autoridade dos pais falava mais alto e pouca liberdade se tinha, foi em passeios pelas ruas do bairro que a juventude despertou para os primeiros olhares, o flerte, a paquera. O encontro amoroso, o par ideal, geralmente, tinha a mesma origem -- a Vila Pompéia

Os mais devotos não ficavam de fora do jogo. Filhas de Maria e Congregados Marianos no meio das orações, nas festas da padroeira ou nas festas juninas, achavam sempre um tempinho para esticar o olhar.

Uma prática tradicional, o footing, como era chamado o exercício da paquera, resumia-se em uma bela caminhada que começava na igreja de Nossa Senhora do Rosário e descia até a padaria Paramount, na esquina da Avenida Pompéia com a Desembargador do Vale.

A prática do footing, o namoro de bairro, o casamento com alguém da comunidade, foi comum até meados da década de 1960, momento que uma juventude contestadora começou a surgir, derrubando tabus, ganhando mais liberdade e alargando as fronteiras do encontro com o outro.

Mocinhas e rapazes mais ousados podiam, também, praticar o esporte na praça Cornélia, na rua 12 de Outubro ou no centro da cidade.

“Meu tio tinha um empório na Tavares Bastos e um dia eu estava voltando de lá, e em vez de descer a Augusto de Miranda errei o caminho e desci a Miranda de Azevedo; abençoado erro! Quando eu cheguei na esquina eu vi o João, foi aquele negócio... Amor à primeira vista! Eu olhei para ele e fui embora para a Augusto de Miranda, onde eu morava, perto da rua Clélia. No dia seguinte, eu quis errar o caminho de novo para ver se eu encontrava com ele, mas não deu certo. Durante quatro meses eu procurei por ele, até que, nessa época, nós fomos morar na Miranda de Azevedo, onde compramos uma casa. Uma noite ele apareceu na esquina e eu o vi e ele me viu. Ficamos muito mais de um mês, só nos olhares. Aí ele começou a entrar na sorveteria, primeiro como freguês, depois como amigo; ficava até eu fechar. Isso tudo foi em julho. No fim do ano ele me convidou para ir assistir `a missa do galo no largo do Paissandu; minha mãe e minhas irmãs foram junto, 'as velas', porque naquele tempo precisava... Na missa, ele pegou na minha mão e me pediu em namoro. Foi num lugar muito bonito, muito gostoso, foi emocionante.” (Marietta Coutinho Nunes).

Na hora do namoro a coisa era diferente. Sobre os olhares atentos dos pais era dentro de casa que jovens casais trocavam eternas juras de amor.

“Eu fazia o footing na rua 12 de outubro, onde tinha maior movimento, a gente ia a pé, porque não tinha condução. Tinha o bonde, mas o tempo que você levava para ir até o ponto do bonde, na Guaicurus, já dava para chegar na Lapa... Mas para namorar, tinha que ser dentro de casa, a mocidade era diferente, hoje tem muito excesso.” (Joana Bombarda)

“Aquela padaria que hoje se chama Primor, antigamente chamavase Paramount e todos, os meninos ficavam lá em volta; nos sábados e domingos das 18 as 21 horas nós ficávamos, lá, fazendo footing, ia até a Barão do Bananal, fazia o contorno e voltava para a Paramount. Os meninos vinham falar com a gente.” (Sarita Rodrigues)

Marietta Coutinho Nunes em um dos dias mais felizes de sua vida. 1951. (Coleção Marietta Coutinho Nunes)

“A gente participava de movimentos da igreja e naquela época vinham os Redentores, que eram padres missionários, fazer grandes pregações no bairro para ativar mais fiéis e religiosos. Eles faziam um movimento separado para as meninas e os meninos. Eu já era Filha de Maria e sonhava em achar o meu príncipe encantado ou ser freira, o que era muito comum na época. Eu não sabia bem o que queria, então, eu pedia para que Deus me guiasse. Houve uma missão dos Redentores, aqui na Pompéia, e o Luiz Fernando veio participar com os amigos e se encantou com o movimento, resolvendo entrar para a Congregação Mariana, e quando eu o vi passando pela primeira vez, eu disse: -- É esse! Foi uma coisa... Nós éramos muito religiosos e eu morava em frente à igreja, e todo dia de manhã ia lá. E ele, antes de ir para o trabalho, passava na igreja também. A gente não ia só para rezar. Começou assim. Na época as Filhas de Maria e os Congregados não podiam se encontrar. As senhoras do Apostolado não permitiam, elas achavam imoral. Até que a minha turma achou isso ruim e começou a fazer um movimentozinho de revolta... (Zélia Ugolini Vianna)

Marietta e João: um olhar e quatro meses de espera, o que eles não sabiam é que seriam vizinhos. 1951. (Coleção Marietta Coutinho Nunes)

Os vizinhos: Nadir e Ulisses no dia do seu casamento. Década de 1950. (Coleção Família Bindi)

Zélia e Luiz Fernando, romance iniciado nas contas de um terço. 1962. (Coleção Zélia Ugolini Vianna)

17


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

PROGRAMAS BEM POMPEANOS Passeios ao parque da Água Branca, à praça Cornélia, uma sessão de cinema no Cine Astral, na rua Cotoxô, ou no Cine Pompéia, na rua Tucuna, festas de famílias com mesas fartas e clubinhos organizados pelos jovens do bairro, tornaram-se o cenário do lazer na Pompéia. Eram nesses locais que grande

18

parte dos moradores desfrutava o seu tempo livre. A grande maioria envolta em seus ofícios, tinha pouco tempo para se aventurar em programas mais culturais pela cidade, com exceção de uma elite que residia nos belos casarões da Avenida Pompéia.

“Nós montamos um clube que se chamava Paulistinha e funcionava em uma casa na rua Caraíbas. No fundo tinha uma garagem, onde fazíamos bailinhos nas sextas, sábados e domingos. Não era bem visto por algumas mães, mas era bem organizado tinha um pessoal que era sócio e que freqüentava constantemente. Antigamente se a menina freqüentava um bailinho, um lugar ou uma festa, já se falava que não era bom... Tinha algumas mães que levavam as filhas e acompanhavam. O objetivo do clube era dançar. Tinha o cinema do padre que depois ficou conhecido como Cine Pompéia. Ficava na rua Tucuna e acredito que se chamava cinema do padre, porque foi um padre quem começou. Eles passavam dois filmes na matinê. Era todo com cadeiras comuns, de madeira. Assistíamos Flash Gordon, filmes de mocinhos e seriados...”. (Rubens Farinelli) Parque da Água Branca, década 1940. (Coleção Sarita Rodrigues)

Na praça Cornélia: Marietta, João e filhas. 1956. (Coleção Marietta Coutinho Nunes)

As primeiras festas juninas do bairro concentravam-se em frente à igreja. Década de 1930. (Coleção Família Gouveia)

“O primeiro cinema do bairro foi o Cine Pompéia, era na rua Tucuna na subidona quase na Alfonso Bovero ficava lotado nos finais de semana. Era um cinema extremamente incômodo de cadeiras duras. O Cine Astral era muito melhor e ficava na rua Cotoxô. Era todo decorado com astros símbolos da astrologia -- por isso acho que se chamava Cine Astral. Era um bom cinema, lá podíamos ver filmes que passavam na cidade, filmes bons, de romance.” (Francisco Garcia Peres)

As festas juninas na rua Xerentes atraíam muitas pessoas, 1956. (Coleção Zélia Ugolini Vianna.

Barracas típicas enfeitavam as festa juninas da Avenida. Pompéia, década de 1930. (Coleção Família Gouveia)

“As festas juninas eram muito bonitas, a gente saía da frente da igreja em grupos. Na frente ia uma carroça com o noivo e a noiva caipiras. Teve uma vez que eu fui a noiva e a minha mãe teve a infeliz idéia de me fazer um vestido de papel crepom, numa festa de fogos e fogueiras... A gente descia a Avenida Pompéia, na frente ia a carroça, depois o sanfoneiro e atrás os cinqüenta casais que iam dançar. No meio de cada um deles ia uma lanterna japonesa acesa. Chegávamos na rua Xerentes, onde tinha um terreno grande de umas famílias italianas e ali acontecia a festa. Era lindíssima, conforme os casais iam descendo, a população, que estava assistindo, ia atrás.” (Zélia Ugolini Vianna)


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

AS PRIMEIRAS ESCOLAS Na Pompéia as primeiras escolas nasceram da iniciativa da comunidade, como o Grupo Escolar de Nossa Senhora do Rosário, criado em 1925. Pequenas escolinhas formadas em casas de famílias do bairro também eram comuns nos primeiros anos da ocupação da Vila Pompéia e atendiam às famílias mais necessitadas.

Aula de educação física, no Colégio Sagrado Coração de Jesus. Década de 1940. (Arquivo Sagrado Coração de Jesus)

19

A partir da década de 1930 outras escolas começaram a ser criadas, como o grupo escolar de Vila Pompéia, que deu origem ao Miss Browne em 1942, e o Colégio Sagrado Coração de Jesus. Nesses estabelecimentos de ensino boa parte da primeira geração de moradores da Vila Pompéia aprendeu as primeiras letras.

Primeira turma de formandos do ginásio Conselheiro Lafayette. O ginásio localizavase rua Alfonso Bovero. Suas instalações abrigaram também o Liceu Tiradentes. O prédio já foi demolido.1952. (Coleção Rubens Farinelli) Aula de anatomia com a irmã Maristela. Colégio Sagrado Coração de Jesus. Década de 1940. (Arquivo Colégio Sagrado Coração de Jesus)

“Eu entrei no Sagrado Coração de Jesus em 1937, sou da primeira turma. O colégio ainda era pequeno, mas o terreno era enorme. Era rígido, começando pelo uniforme de algodão comprido que era uma saia pregueada. Tinha uma turma de cada ano, começou com a nossa. Eu vi a dificuldade das freiras para erguer o colégio. Eu estudava na parte da manhã, saía para almoçar e voltava para o colégio. Naquela época tinha internato e a gente ia para o colégio para brincar com as internas, para que elas não ficassem tão sozinhas.” (Delfina Gomes Machado) “No Sagrado havia poucas freiras, só tínhamos professoras de fora. Só umas das professoras era religiosa, a irmã Silvia, que muito famosa no colégio, uma pessoa que todo mundo lembra até hoje; era uma pessoa muito ativa, professora de português. Os professores de francês, matemática, desenho eram todos de fora.” (Delfina Gomes Machado) “Eu estudei no grupo escolar da Vila Anglo-Brasileira, que era onde estava o Hospital São Marcos.” (Francisco Garcia Peres) “A Pompéia era muito carente de escolas. Na Caetano de Campos, na Praça da República, só estudava filho de funcionário público. Nós tínhamos os grupo escolar que ficava lá embaixo, na avenida, perto da Turiassu, a maioria estudava lá. Havia um movimento que se chamava brigada pró- infância e como a nossa casa era muito grande, nós fizemos uma escolinha gratuíta para a comunidade. Depois da Segunda Guerra Mundial, chegaram muitos italianos e húngaros no bairro e eles foram estudar na nossa escola, aprendiam tudo. Um português chamado Ferreirinha ,construiu lá em cima, na Vila Anglo, uma escola. Foi o primeiro grupo escolar da Vila Anglo. E nós começamos a mandar os nossos alunos para estudar lá.” (Gilda Rossi)

Na rua Melo de Oliveira a inauguração de mais um edifício do Colégio Sagrado Coração de Jesus. Década de 1949. (Arquivo Sagrado Coração de Jesus)

Alunos do grupo escolar de Vila Pompéia, que anos mais tarde seria conhecido como Miss Browne. Década de 1930. (Coleção Família Bindi)

Edifício do grupo escolar da Vila Anglo-Brasileira, rua Mundo Novo. O edifício posteriormente abrigou o hospital São Marcos. Década de 1940. (Coleção Walter Story)


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

NAS ESCOLAS, A SEGUNDA GERAÇÃO Nas escolas do bairro três gerações se encontram. Pais e filhos, muitas vezes, aprenderam as primeiras letras com os mesmas professoras. As escolas propiciaram o encontro para que grandes amizades surgissem. Nelas os garotos que deram à Pompéia o status de berço do rock se olharam pela primeira vez, filhos dos amigos de infância se encontraram, recriando a amizade de seus pais.

20

Se nos primeiros anos de Vila Pompéia uma carência de escolas se fazia presente, ao longo dos tempos o bairro tornou-se um importante centro de ensino, que atraiu moradores de outras regiões da cidade.

Edifício onde se instalou o ginásio Conselheiro Lafayette e posteriormente o Liceu Tiradentes. Rua Alfonso Bovero. Década de 1960 (Coleção Rubens Farinelli)

Carteirinha escolar do Liceu Tiradentes. (Coleção Sarita Rodrigues)

Grupo de alunos do Instituto de Educação Florence, 1966. (Coleção José Luiz Figueiredo) Na sala de aula do Liceu Tiradentes. Década de 1960. (Coleção Sarita Rodrigues)

“O Sagrado começou com meninos e meninas. Como os meninos davam muito trabalho, durante uma temporada ficaram só as meninas. Depois, eles colocaram os meninos de novo e mais tarde retiraram novamente. Agora já tem meninos e meninas. Atualmente, a terceira geração da minha família estuda no colégio. Eu vivi a minha vida dentro da escola; eu adoro o Sagrado Coração de Jesus.” (Delfina Gomes Machado) “O Sagrado começou com meninos e meninas. Como os meninos davam muito trabalho, durante uma temporada ficaram só as meninas. Depois, eles colocaram os meninos de novo e mais tarde retiraram novamente. Agora já tem meninos e meninas. Atualmente, a terceira geração da minha família estuda no colégio. Eu vivi a minha vida dentro da escola; eu adoro o Sagrado Coração de Jesus.” (Delfina Gomes Machado)

Instituto Florence na Avenida Pompéia. Década de 1960 (Coleção José Luiz Figueiredo)

Festa Junina no Miss Browne. Década de 1960 (Arquivo Miss Browne) Olga Penteado Teixeira, no Instituto Florence. Década de 1960. (Coleção Família Penteado Teixeira)


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

ESSE TAL DE ROCK AND ROLL

21

Onde Tudo Começou... No final da década de 1950, o twist instrumental era obrigatório nas vitrolas dos bailinhos da cidade. Era uma febre! O ritmo americano embalava os jovens nas noites de sábado. Acostumados aos tangos, boleros e tragédias que seus pais ouviam, o twist representava uma forma de se rebelar. Cantores como Chuck Berry, Little Richard, Jerry Lee Lewis ou bandas como os Ventures e os Shadows, atraíam uma juventude sedenta por novidades. Os jovens da Pompéia acompanhavam as tendências, deixando-se seduzir pelo som das guitarras que se tornou o objeto de desejo de toda uma geração. Os encontros entre os garotos do bairro para ouvir a música, tornaram-se freqüentes em vários locais da Vila Pompéia, como no armazém da família Kawabe, na rua Cotoxô, onde o Pataca, filho da proprietária e dono de uma invejável coleção de discos, promovia verdadeiras sessões auditivas, logo acompanhadas pelas guitarras que começaram a adquirir. A presença dos irmãos Dias Baptista no bairro, iria servir como impulso para que a música virasse obsessão. Cláudio César, o mais

velho dos três, iniciou uma produção artesanal de guitarras na casa da família, na rua Venâncio Aires, que virou ponto de encontro preferido dos meninos. Em 1964, até então fãs dos Ventures e dos Shadows, os jovens da Pompéia iriam enlouquecer com um grupo de ingleses que já enlouquecia o mundo todo -- Os Beatles. I want to hold your hand, bagunçou a cabeça dos meninos: o que fazer com este som? Estava aberto o caminho para o Rock And Roll. É nesse período que uma figura armada com uma guitarra surge no bairro, o Bororó, e passa a tocar guitarra com os garotos de uma forma que eles nunca tinham visto antes. Sérgio e Arnaldo Baptista, já sacando o novo ritmo, conhecem Rita Lee, uma garota da vila Mariana, e com ela e outras garotas montam uma banda chamada O' Seis. Posteriormente, O'Seis sofre algumas baixas, então, Rita Lee, Arnaldo e Sérgio continuando juntos, criam os Mutantes. Viviam todos nos conturbados anos 60...

“Tinha um cara que se chamava Bororó, era a cara do Jimi Hendrix. Ele andava pela rua e tocava guitarra. O Bororó é a pessoa que ensinou um pouco o Sérgio Dias, eu e todo o pessoal do Made in Brazil. Ele foi o pioneiro... Tinham outros músicos no bairro, como o Tibério Correa que é baterista.” (Luiz Carline) “Em 1956, se eu não me engano, o Bill Halley e Seus Cometas estiveram aqui no Brasil fazendo uma excursão e quando a gente o viu tocando uma guitarra acústica nós ficamos doidos. E eu fiquei obcecado pela idéia de ter um violão. Eu consegui um violão, acho que eu tinha uns 14 anos, a minha mãe me deu um violão. Eu pensei: o que é que eu vou fazer com um violão? No colégio onde eu estudava, o Liceu Tiradentes, tinha aulas de violão e eu fui lá para assisti-las, o professor ficou tentando me ensinar a tocar um sambinha, foi horrível. Fui em uma aula e nunca mais apareci, só aprendi a afinar o violão. A gente acabou aprendendo, vendo os outros tocando.” (Celso Vecchione) “A gente não tinha lugar para ensaiar, aí a gente tocava no meio da rua, em na frente da casa do Pataca. Pegava o amplificador, botava na calçada e fazia tipo uma rua de lazer.” Tibério Correa) “Na década de 1960 você tinha que perguntar quem não tocava, em quase todo o local da Vila Pompéia, tinha uma onda de instrumentos musicais. Primeiro foi a fase da música instrumental, tinha os Shadows, era sempre espelhado no que acontecia nos Estados Unidos. E aqui o pessoal começou a ouvir essas músicas e começaram a fazer guitarras elétricas. Os Beatles foi uma coisa muito interessante. Eu estava em um baile e uma pessoa levou um compacto e colocou I Want To Hold Your Hand, na hora em que eu ouvi aquilo, fui até o local onde estava o som e falei: nossa o que é isso? Que coisa linda! Era um ritmo completamente diferente das batidas que a gente estava acostumado a ouvir.” (Gilberto Kawabe - Pataca) Um dos pioneiros do rock na Pompéia, Bororó, de camisa estampada, toca uma guitarra feita por Cláudio César. Década de 1960. (Coleção Tibério Correa)

Na Vila Pompéia os Mutantes: Sérgio Dias, Rita Lee e Arnaldo Baptista. Década de 1960. (CALADO, Carlos. A Divina Comédia dos Mutantes. Editora 34, SP, 1995)

“O Cláudio César era o mais velho dos irmãos Baptista e era o mentor intelectual. Ele tinha uma outra visão das coisas, sabia mais. Quando eu conheci o Claúdio, eu percebi que estava em frente de alguém que tinha muitos conhecimentos, e realmente ele me trouxe muitas informações” (Gilberto Kawabe -. Pataca) “No começo a gente não sabia muito bem como fazer as coisas, a gente fazia mais por intuição. Todas as músicas eram tiradas de orelhada, nós ficávamos ouvindo horas, ouvindo uma frase musical, para poder tirar exatamente aquela nota, aquele som.” (Gilberto Kawabe - Pataca) “A minha mãe tinha um empório na rua Cotoxô e era lá que a gente ensaiava. De repente você estava tocando e uma lata de cera Parquetina desprendia da prateleira, isso era por causa da vibração. Outras vezes a gente estava no meio da música e chegava algum freguês querendo comprar algo e a gente fazia a pessoa esperar” (Gilberto Kawabe -Pataca)

O engenhoso Cláudio César em trabalho. Suas guitarras conquistaram os músicos do Brasil. Década de 1960. (CALADO, Carlos. A Divina Comédia dos Mutantes. Editora 34, SP, 1995)

Os Mutantes conquistaram o Brasil com sua música, a reboque a Pompéia ficou conhecida. Cartaz do Primeiro disco do Mutantes. Década de 1960. (CALADO, Carlos. A Divina Comédia dos Mutantes. Editora 34, SP, 1995)


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

NÃO VÁ SE PERDER POR AÍ...

22

Vila Pompéia, o berço do Rock and Roll O movimento, musical, deflagrado na década de 1960 deu à Pompéia o justo status de “Berço do Rock Paulista”. Em função dos Mutantes que conquistaram o Brasil, e da produção de guitarras que Cláudio César Dias Baptista vinha desenvolvendo, a Pompéia passou a ser freqüentada por músicos de diversas regiões. No bairro vários músicos e bandas começaram a se formar, como Luiz Carline, Tibério Correa, Koquinho e o Made in Brazil, grupo dos irmãos Vecchione. As ruas da Pompéia viraram verdadeiros palcos musicais, que às vezes incomodavam os moradores, que não estavam

acostumados com tanta agitação. Ao longo das décadas de 1970 e 1980, o rock pompeano continuou produzindo bandas como: Patrulha do Espaço, Cavalo a Vapor, Crossfire e o Tutti-Frutti, uma das bandas de maior sucesso na década de 1970, formada por Luiz Carline, Lee Marcuzi e Rita Lee, que havia saído dos Mutantes. Mas nem só de rock vivia a Pompéia. Escondido em uma das vilas do bairro, André Christóvam, um dos mais jovens músicos do berço do rock, introduzia o som do Blues. Na Vila Pompéia se perder no Rock And Roll, não era difícil...

“Os Mutantes foram pioneiros tanto para o Brasil como para nós que vivemos a coisa de perto. A Venâncio Aires era a rua do rock. O fato do Cláudio César fabricar os equipamentos fez com que aqui virasse um point, tinha muita gente que vinha para comprar, ver encomendar, saber... Começaram, então, a freqüentar a rua, o Erasmo Carlos, o Gilberto Gil, o Caetano Veloso. Nós éramos moleques e esses caras eram os nossos ídolos.” (Luiz Carline) “O título de Berço do Rock And Roll é muito justo. Porque daqui saíram os Mutantes, o Made in Brazil que tem mais de trinta anos, isso é muito louvável, saiu a Patrulha do Espaço o Tutti-Frutti. No Brasil inteiro perguntavam da Pompéia. Como era a Pompéia, se era verdade que tinha gente tocando em todas as esquinas, se tinha um monte de conjuntos de garagens...” (Luiz Carline)

O Tutti-Frutti, com Rita Lee. Na década de 1970 a banda brilhava com músicos bem pompeanos como Luiz Carline quarto da esquerda para a direita. Década de 1970. (CALADO, Carlos. A Divina Comédia dos Mutantes. Editora 34, SP, 1995)

“A gente ensaiava em casa nos sábados e domingos , os vizinhos ficavam estéricos com o barulho; teve um que até se mudou.” (Celso Vecchione).

“Eu conheci o Luiz Carline na casa do Sérgio Dias. Ele era um pouco mais novo que a gente. Hoje em dia essa diferença não é nada. Mas antes, eu e o Serginho olhávamos para ele e o achávamos um moleque, era só três ou quatro anos de diferença.” (Celso Vecchione) “A guitarra que eu queria ter era uma Gibson, por causa do Luiz Carline. Eu tinha visto uma apresentação do Tutti-Frutti no Teatro Bandeirantes e eu pirei quando eu vi aquele cara tocando com uma Gibson. Ai eu faleí: Bicho, é isso que eu quero na minha vida” (André Christóvam) “O primeiro músico que eu conheci aqui na Pompéia, era meu ídolo quando eu era moleque. Era o Celso Vecchione, ele era da turma mais antiga que freqüentava as piscinas do Palmeiras” (André Christóvam) “Musicalmente eu nasci na Santa Cecília, mas eu fui batizado, crismado e condecorado Cavaleiro da Tábula da Pompéia pelas pessoas que fizeram isso ser tão relevante, pelas histórias que eles criaram e tudo mais. Ter a benção musical do Sérgio Dias, do Arnaldo Dias, do Celso Vecchione, do Oswaldo Vecchione, da Rita Lee, do André Jereissati, ter tocado com todos os músicos que são importantes como o Koquinho, o Franklin, é muito bom. Eu ainda continuo sendo o caçula daquela geração. Vou ser sempre o último daquela geração...” (André Christóvam) Garotinhos. O Made In Brazil se apresenta no programa de Júlio Rosemberg, na TV Tupi... era só o começo. 1967 (Arquivo Made in Brazil) Na Pompéia a primeira formação do Made In Brazil, 1967. (Arquivo Made In Brazil) Com mais de trinta anos de estrada o Made In Brazil é considerada, no mundo, a banda com o maior número de formações. Acompanhado as tendências de cada época, inovaram o visual inúmeras vezes. Mas a música sempre foi inspirada no bom e velho Rock and Roll. 1968. (arquivo Made in Brazil)

Na primeira foto oficial do grupo, um visual bem comportado. Da esquerda para direita: Celso Vecchione, Oswaldo Vecchione, Albert Seid e Celso Cebolinha. 1967. (Arquivo Made In Brazil)


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

MOVIMENTOS CULTURAIS

23

Colocando a Pompéia no roteiro da cidade No final da década de 1970, importantes movimentos e espaços culturais começaram a surgir na Pompéia. Em 1976, na Vila AngloBrasileira, é fundada a Escola de Samba Águia de Ouro; na década de 1980 o Sesc Pompéia surge como uma atraente opção de lazer e cultura e, em 1988 um pequeno movimento, iniciado na rua Caraíbas, concebe o megaevento que é hoje a Feira de Artes da Vila Pompéia. Essas três iniciativas colocaram o bairro no roteiro cultural da cidade de São Paulo, tornando a Pompéia conhecida em vários lugares do Brasil.

A sua primeira edição reuniu cerca de mil e quinhentas pessoas, conquistando rapidamente a simpatia da maioria dos moradores do bairro. A cada ano uma nova rua passou a ser incorporada na realização do evento, que em sua última edição reuniu mais de 230 mil pessoas espalhadas, por cinco ruas do bairro. Palco para o lançamento de novos artistas, espaço para a discussão dos problemas do bairro e para o desenvolvimento de uma economia informal, a de Feira Artes da Vila Pompéia inspirou outros bairros a organizarem eventos semelhantes.

A Feira de Artes da Vila Pompéia teve como objetivo, na sua fundação, recuperar as tradições do uso do espaço público - a rua.

“Nós estávamos preocupados em fazer mais. Por isso organizamos um espaço que é o Centro Cultural Pompéia. A idéia era ter atividades freqüentemente. Mas é difícil, pois nem sempre temos recursos. Mas tem um aspecto muito positivo que é o envolvimento dos garotos do bairro com o Centro Cultural. Para você ter uma idéia, as escolas tinham sérios problemas com a pichação, nós, então resolvemos captar os garotos do bairro para fazer grafite, você pode ver que na Vila Pompéia há poucos espaços pichados. Os meninos do bairro, começaram a ajudar a organizar a Feira e sempre participam dos eventos que o Centro promove.” (Cláudia Franceschi) “São duzentas mil pessoas agregadas em função da arte e isso é muito significativo numa cidade como São Paulo, carente de fazer e extremamente violenta.” (Ernani Maurício Fernandes)

Através da Feira de Artes problemas do bairro também são discutidos, como a verticalização tema da terceira edição. 1989. (Arquivo Centro Cultural Pompéia)

Entrada principal do Sesc Fábrica Pompéia. Década de 1980. ((In: Lina Bo Bardi. Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, SP, 1993.)

Cartaz da terceira edição da Feira de Artes da Vila Pompéia. Recuperar o espaço público através da arte. 1996. (Arquivo Centro Cultural Pompéia)

A Feira de Artes da Vila Pompéia, oferece, anualmente, inúmeras atrações,1999. (Arquivo Centro Cultural Pompéia)

Ala das Baianas no desfile da Águia de Ouro 1988. (Coleção Walter Story)

Interior dos Sesc Pompéia no dia de sua inauguração. Diversos eventos são realizados periodicamente no espaço. Década de 1980. (In: Lina Bo Bardi. Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, SP, 1993.)

“Em 1988, já existia a Creperie Pour Qua Pas, na rua Caraíbas, eu passei a freqüentá-la, gostei e fiquei por lá. Tinha sempre uma atividade cultural e artística. A creperie tinha problemas com a vizinhança, que reclamava do barulho. Como resposta a esse problema, a gente resolveu colocar o que acontecia no bar, na rua. Resolvemos mostrar a nossa programação para os vizinhos porque era muito legal. Nesse primeiro momento, chamamos os evento de Arte na Rua, e só a comunidade do bairro participou, tivemos 1.500 pessoas. Depois perceberam que o evento recuperava a tradição de festas na rua e quiseram mais. Aí resolvemos fazer uma vez por ano e o evento que se chamava Arte na Rua, passou a se chamar Feira de Artes da Vila Pompéia.” (Cleber Falcão Carneiro Pessoa)

“Em São Paulo não existe opção de lazer popular de qualidade. Tudo é caro e distante. A Feira de Artes é um evento popular e tem caráter socio-cultural. Eu acho que isso é um exercício de nãoviloência, as pessoas vem para a feira para aprender algo, escutar música, se divertir.” (Vera Campos) “O futebol tinha um batuque que ia junto com o Faísca de Ouro. Aí surgiu a idéia de se fazer uma escola de samba e fundamos a Acadêmicos da Vila Pompéia em 1974. Só que essa escola durou pouco. O nosso primeiro samba era um samba exaltação e falava da história da Vila Pompéia. A Águia de Ouro foi fundada na Vila Madalena, mas ela não teve atividades lá. Ela foi trazida para a Vila Anglo em função do Faísca de Ouro e foi inspirada, na Portela do Rio de Janeiro.” (Walter Story)

Milhares de pessoas transitaram pelas ruas da Vila Pompéia, durante a Feira de Artes de 1999. (Arquivo Centro Cultural Pompéia)

A bateria nota dez da Escola de Samba Águia de Ouro. 1988. (Coleção Walter Story)


Projeto Museus de Bairro

ITINERÁRIOS NO TEMPO

Secretaria de Estado da Cultura

Memória Vila Pompéia!

CONDUTORES OU CONDUZIDOS?

24

A transformação da cidade A transformação é um processo inerente ao tempo. Num movimento constante a cidade, seus espaços e sua população recriam-se a cada novo instante.

Os moradores, condutores ou conduzidos, são os agentes da história....

Ao longo do tempo na Vila Pompéia, suas crianças cresceram, suas casas cederam lugar aos arranhas céus, pessoas partiram e outras chegaram

“Todas as minhas lembranças estão ligadas à Pompéia. Aqui eu tive toda uma vida. O meu pai foi o vendedor dos lotes do bairro; minha infância, adolescência e juventude foram aqui; eu me casei e vim morar aqui, meus filhos nasceram e cresceram aqui. Os amigos dos meus filhos eram filhos dos meus amigos de juventude. Quando eu me casei, tive a oportunidade de morar em outros locais, eu nunca quis ir. Eu acho que o bem viver é também você desfrutar o pedaço que você tem, é aquilo que te apresenta a vida; o momento; e o espaço. Eu gosto muito de um pensamento do Antoine de Saint-Exupéry que diz: 'ultrapassado o espaço o que nos resta é aqui, e ultrapassado o tempo, o que nos resta é o agora'. A minha filosofia é o aqui e o agora.” (Edith de Barros Firace) “Os prédios transformaram o bairro numa selva de pedras, já não é mais indicado para doentes do pulmão, muito pelo contrário.”.(Delfina Gomes Machado) “Se eu morasse no Jaçanã, eu viria à Pompéia para comprar pão. A Pompéia é mágica, encanta. Você conhece e faz parte da história do bairro. Quem vive aqui não quer ir embora e quem foi quer voltar.” (Cláudia Franceschi) “Eu sou mineira e conheci São Paulo na rua Cotoxô. São Paulo para mim é esse pedaço.”(Tereza Araújo )

Walter, Joana, João e Zole. Década de 1950. (Coleção Walter Story)

“Eu morei em vários lugares de São Paulo, morei aqui na Pompéia e voltei. Aqui eu vivo bem, aqui eu sou feliz.” (Sandra Campo)

Kátia, Tânia, Eliana, Mário e Fátima. Década de 1960. (Coleção Sarita Rodrigues)

José Luiz Figueiredo, 1963. (Coleção José Luiz Figueiredo)

“A Pompéia é um dos poucos lugares onde a gente ainda vive bem e conhece os vizinhos. Antigamente nós tínhamos problemas de condução e esse, ainda é um problema. Mas eu amo a Pompéia.” (Marietta Coutinho Nunes)

Olga, Paulo e Regina. Década de 1960. (Coleção Família Penteado Teixeira)

A terceira geração da família Bindi na Pompéia. Década de 1960. (Coleção Família Bindi)

“A Pompéia sempre foi um bairro de muita solidariedade, ainda é, não só de solidariedade. O pessoal do bairro é muito atuante. Embora eu ache que hoje existe uma coisa que me preocupa muito, a memória do bairro está sendo perdida e o futuro do bairro está correndo um risco, porque estão mudando o nome do nosso bairro para Perdizes, isso eu não aceito! Eu fico muito bravo com isso e acho que deveria haver uma reação. As imobiliárias, para valorizar a área, lançam empreendimentos aqui como se fosse das Perdizes. Eles acham que valoriza, eu penso que isso é um engano, uma besteira muito grande. Se eu gosto daqui, tanto faz se chamar Pompéia ou Perdizes, eu gosto do lugar em que eu moro, não me interessa o nome. Eu fico muito bravo quando eu entro numa loja e vejo escrito Perdizes, eu sempre digo: -Não faça isso não, você está vendendo para gente que vive na Pompéia, seus clientes são todos da Pompéia, porque você colocou Perdizes? O pessoal das Perdizes não vem comprar aqui. Eu acho que deveria haver um movimento, principalmente em cima das imobiliárias, protestar, falar para eles que o pessoal da Tucuna não está nas Perdizes, está na Pompéia. No que Perdizes é melhor do que a Pompéia, no quê? Em nada, eu acho.” (Francisco Garcia Peres)

“O passado da gente é uma história; eu até estou deixando um livro com o passado da família, tudo o que aconteceu... A gente lembra tudo com muita saudade”. (Joana Bombarda)

“A Vila Pompéia está pouco preservada, isso em função dos prédios que estão sendo construídos. A valorização foi tão grande que houve uma corrida das Perdizes para a Pompéia. Isso não é bom, porque não temos infraestrutura para isso, o bairro não foi planejado para os prédios.” (Rubens Farinelli)

Terceira geração no Bairro - Década de 1960. Coleção Marietta Coutinho Nunes

Irmãos Bindi. Década de 1930 (Coleção Família Bindi)

Luiz Fernando, 1935. (Coleção Zélia Ugoline Vianna)


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.