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Megalitismo vs Turismo
A “descoberta turística” do Megalitismo, o exemplo de Évora
Levantamentos gráficos de algumas antas de Évora, século XIX
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Numa perspetiva historiográfica, o reconhecimento dos numerosos vestígios megalíticos no Alentejo Central, é um fenómeno bastante antigo. Poderíamos recuar ao Século XVIII, quando as primeiras e fantasiosas “memórias” sobre as antas e seu significado, surgiram no seio da Academia Real de História. No entanto, limitamos a nossa retrospetiva à transição do século XIX para o século XX, altura em que a Real Associação dos Arqueólogos e Architectos Portugueses, foi chamada a colaborar na identificação e seleção dos monumentos considerados de interesse nacional. No real decreto publicado em 1910, nas vésperas da implantação da República, constam já várias antas dos arredores de Évora, classificadas como “Monumento Nacional”. A esta circunstância, não deverá ser estranha a participação no processo, do arqueólogo e historiador eborense Gabriel Pereira, a quem se devem alguns dos primeiros levantamentos (fig.1). A posterior ação do Grupo Pro-Évora, a mais antiga Associação de Defesa do Património do país, fundada em 1919, também viria a ter um papel importante no reconhecimento e na salvaguarda de algumas antas da região. Mas quem, pela primeira vez, viria a chamar a atenção de forma direta para o potencial turístico do megalitismo eborense, seria o presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses, Afonso do Paço, num pequeno artigo publicado em 1963 na revista A Cidade de Évora (fig.2). À época, o alemão Georg Leisner tinha já publicado, em português e também na referida revista, um inventário de centena e meia de dolmens, (Antas dos arredores de Évora, 1949) instrumento de trabalho ainda hoje útil para o conhecimento do megalitismo regional. Afonso do Paço, embora se refira à arqueologia em geral, começa por abordar a mais valia turístico-cultural do megalitismo de Évora, dando como exemplo pelo seu estado de conservação e acessibilidade, a “Anta do Barrocal”, localizada nas proximidades da Tourega. Provavelmente, tal chamada de atenção, terá estado na origem dos trabalhos de restauro ali promovidos pouco depois (1964) pela Junta Distrital de Évora e dirigidos pelo arqueólogo Henrique Leonor de Pina. Durante esses trabalhos, graças a informações recolhidas junto da população, Pina viria a identificar a Anta Grande do Zambujeiro e o Cromeleque dos Almendres, protagonizando as grandes descobertas megalíticas da década.
Em todo o caso, o primeiro “instrumento” de apoio à visita turística do megalitismo eborense, organizado já numa perspetiva de "guia" (Roteiro de alguns megálitos da região de Évora) surgiria apenas uma década mais tarde, ficando a dever-se a José Pires Gonçalves, médico e arqueó-


Publicação de Afonso do Paço Desdobrável baseado no “roteiro” de Pires Gonçalves

logo amador de Reguengos de Monsaraz. Aquele trabalho, um opúsculo-separata de A Cidade de Évora, editado em 1975, dava realce aos núcleos megalíticos de Évora e de Reguengos mas abrangia também importantes monumentos de Montemor e de Avis. No entanto, a grande novidade desse "roteiro", era a chamada de atenção para a nova vertente megalítica que resultava da recente descoberta no Alentejo do megalitismo não funerário: menires e recintos de menires, também conhecidos como “cromeleques”. Para além dos monumentos daquele tipo que o próprio Pires Gonçalves identificara na zona de Monsaraz (como Xerez, Outeiro ou Bulhôa) aparecem também, já devidamente referenciados, os menires e cromeleques de Évora, como os Almendres e a Portela de Mogos. O "Roteiro" de Pires Gonçalves, seria a base de divulgação turística do megalitismo da região até ao final dos anos 80 do século passado, graças a um "desdobrável" produzido a partir do mesmo, com arranjo gráfico e desenhos originais de António Covinha, editado pela Câmara Municipal de Évora (CME) e distribuído durante largos anos no posto de turismo da cidade (Fig.3). Posteriormente, inicia-se nova fase de divulgação do megalitismo eborense, já especialmente focada na monumentalidade da Anta Grande do Zambujeiro e do Cromeleque dos Almendres, cujos acessos haviam sido entretanto melhorados pela autarquia. Um novo desdobrável, apostando nalguma estética “Asterixiana ” , propunha a visita àqueles monumentos excecionais, através de um percurso circular, a que se associava a possibilidade de passagem na Gruta do Escoural ou na Anta-Capela de São Brissos (Fig.4).
Em 1992, entretanto, foi possível conjugar os meios da Câmara e dos serviços regionais da Cultura, num projeto que à divulgação, aliava alguma intervenção no terreno. Partindo da informação disponível, identificaram-se os monumentos que, pelo estado de conservação e acessibilidade, poderiam de facto ser integrados num verdadeiro percurso megalítico. Selecionados duas dezenas e meia de casos, negociada com os proprietários a criação de acessos quando necessários (como o estabelecimento de corredores de ligação às estradas nacionais ou municipais e instalação de algumas "porteiras"), passou-se de seguida ao "plano de sinalização". O projeto partia do princípio que o turista poderia procurar descobrir os monumentos sem o apoio de terceiros e para além da informação escrita que seria disponibilizada num novo e completo roteiro (Fig.5), uma brochura editada em português, inglês, francês e espanhol, foi concretizado no terreno um plano de sinalização. Este incluía sinais de identificação ou mesmo de simples direção, através de um logótipo criado para o efeito. Propunham-se três circuitos diferenciados, todos com início e fim na cidade de Évora. O primeiro, de maior potencial, orientava-se para Oeste e para além dos sítios paradigmáticos como o Cromeleque dos Almendres ou a Anta Grande do Zambujeiro, incluíam as antas de Vale Rodrigo, em escavação por arqueólogos alemães, bem como a anta do Barrocal, já mencionada por Afonso do Paço. O

Folheto do Circuito Megalítico, início dos anos 90 roteiro ignorava o Cromeleque da Portela de Mogos, já conhecido mas sem condições de visita, bem como o Cromeleque de Vale Maria do Meio, então ainda não identificado. Propunham-se ainda dois percursos complementares. Um na direção da Azaruja, facilitando a visita a vários monumentos mas com especial destaque para dois exemplares excecionais, as antas do Paço das Vinhas e da Herdade das Cabeças. O outro, orientado para a Torre dos Coelheiros, recuperando a memória de alguns monumentos, como as antas de Freixo de Cima que, tal como a do Paço das Vinhas, tinham sido objeto da atenção do arqueólogo francês Émile Cartaillac, no século XIX.
Não terminou neste projeto a valorização do património megalítico eborense, bem pelo contrário. Nos anos imediatos e ao longo da década de 90, com o apoio dos fundos comunitários (Projetos LIFE), a Câmara Municipal viria a promover diversas intervenções, concentradas na zona de Guadalupe-Valverde, que consolidariam este recurso patrimonial, como uma mais valia com futuro. Destacaram-se as escavações e restauros realizados nos recintos megalíticos dos Almendres e Portela de Mogos, sob direção de Mário Varela Gomes e em Vale de Maria do Meio, entretanto identificado e estudado por Manuel Calado. Infelizmente, em contraciclo com o crescente interesse público por este património, seguiu-se um longo período de inação por parte das diferentes tutelas, sempre justificadas por dificuldades financeiras ou administrativas. O aumento muito significativo de visitantes verificado ao longo da última década, em particular nos Almendres e na Anta Grande do Zambujeiro, veio entretanto colocar novos desafios de gestão e de conservação que tardam a ser assumidos. Se nos Almendres, ainda assim, tem sido possível responder provisoriamente às questões mais prementes dos acessos e estacionamento, já as questões relacionadas com a valorização e conservação continuam a aguardar resposta. Nesse aspecto é especialmente dramática a situação de degradação estrutural da Anta Grande do Zambujeiro, que se agrava cada dia que passa. Os diagnósticos e soluções de restauro estão disponíveis, o modelo de intervenção envolvendo proprietários privados, município e direção regional de cultura, está finalmente estabelecido. Só falta mesmo a capacidade financeira e executiva para avançar, antes que seja tarde demais.

António Carlos Silva
Arqueólogo