
11 minute read
Roteiro Megalítico
O Megalitismo no concelho de Évora no contexto do Alentejo Central -
Alguns apontamentos
Advertisement
Menir dos Almendres – Évora (Foto: Gustavo Val-Flores)
É no Alentejo Central que o fenómeno do “Megalitismo” em território português, atinge a sua maior expressão e importância patrimonial, sendo na região de Évora que se situa uma concentração muito significativa de monumentos megalíticos, cujo significado continua a constituir um mistério. Nesta região, entre os rios Sado e Guadiana, na confluência de três ecossistemas principais de marcado caráter mediterrânico, onde os solos apresentam maior aptidão para a atividade agrícola e a existência de áreas de granito e quartzito granitoide, é o local onde também o homem encontrou os recursos de que necessitava para se fixar e se desenvolver em comunidade. É neste contexto, que em meados do VI milénio e os finais do IV/inícios do III milénio a.C., as sociedades camponesas se desenvolvem e se consolidam as comunidades agro-pastoris. Decorrente da sedentarização das populações, do consequente aumento demográfico e da crescente complexificação social, emergiu em finais do IV inícios dos III milénio a.C., o fenómeno das inovações tecnológicas que permitiu melhorias no sistema produtivo, conduzindo ao aumento da mão-de-obra disponível, que pôde ser canalizada e aplicada na construção dos grandes monumentos megalíticos. A partir daqui as sociedades passam a depender do sucesso das suas colheitas e emerge o fenómeno megalítico como elemento agregador e memorial coletivo de grupos mais ou menos homogéneos e de matriz cultural comum. Este fenómeno corporizou algumas manifestações rituais das sociedades neolíticas, com as quais nos é permitido traçar um ideário, ou melhor convencionar o que seriam essas sociedades, onde as convicções magico-religiosas estavam presentes no quotidiano e na vida além da morte. Deste universo de monumentos megalíticos (do grego megas=grande; e lithos=pedra) são inúmeros os testemunhos na região de Évora, dos quais se destacam, pela sua monumentalidade, a Anta Grande do Zambujeiro, o Menir e o Cromeleque dos Almendres.

Alto de São Bento – Évora (Foto: André Bagorro- CME)
Povoado do Alto de São Bento
O Alto de São Bento, situa-se a cerca de 3 km a Oeste da cidade de Évora e 364 metros de altitude e constitui «o melhor miradouro sobre a cidade», sobre uma colina de grandes afloramentos graníticos. Ali, desde cerca de 3000 anos a.C., [embora pareça que o sítio possa ter sido habitado em época anterior, numa fase em que as últimas sociedades de caçadores recolectores deram lugar às primeiras sociedades agrícolas e pastoris, ocorrida, no nosso território entre os finais do VI e inícios do V milénio a.C.], erguia-se um povoado pré-histórico, provavelmente um dos maiores e mais importantes povoados dos construtores dos monumentos megalíticos da região, do qual ainda subsistem importantes vestígios Enquanto sítio arqueológico é conhecido desde os finais do século XIX através de Émile Cartailhac que o visitou e referenciou no seu “Les âges pré-historiques de l'Espagne et du Portugal” em 1886, embora tenha permanecido praticamente desconhecido e ignorado ao longo de quase todo o século XX. No contexto geográfico e arqueológico, a ocupação pré-histórica do Alto de S. Bento assume um estatuto muito especial não apenas pela antiguidade relativa de alguns dos vestígios identificados, como pelas relações paisagísticas com os maiores monumentos megalíticos a Oeste de Évora e também pela sugestiva e inevitável ligação com a cidade de Évora e com as respetivas origens. Ali podem observar-se, sobre o imponente afloramento granítico, junto aos moinhos, um conjunto de sulcos alongados associados a manchas e picotados e estruturas negativas cilíndricas, de formas extremamente regulares, cujo significado se desconhece, embora possam estar associados a épocas antigas e a objetivos rituais. No local foram também encontrados alguns vestígios materiais (artefactos em sílex e raros fragmentos de cerâmica decorada) pelo que pode considerar-se o Alto de São Bento como um dos grandes povoados neolíticos da região. Atualmente situa-se ali o Núcleo Museológico dos Moinhos do Alto de São Bento, como hino à produção e moagem de cereais, base de subsistência das comunidades que o habitaram, que vem enriquecer ainda mais a panorâmica desta colina que continua a marcar a paisagem da cidade. O Alto de São Bento é, hoje, também, classificado como património natural a defender e valorizar.
Menires e Cromeleques
Estas construções que aparecem isoladas ou em grupo, assumem, no Alto Alentejo uma expressão monumental, cujo significado mais profundo continua a ser um enigma. Local de reunião, de observação astronómica? Não sabemos. Sabemos que face à sua monumentalidade e ao esforço despendido para a sua construção, deveriam ser lugares de grande importância mágico-religiosa e simbólica de carácter territorial.
Os menires
A palavra Menhir, de origem bretã, significa men (pedra) e hir (grande) e ao agrupamento de menires alinhados numa determinada planta, que pode ser variável, é atribuída a designação científica de cromeleque –do bretão crom'lech. Os menires terão sido a primeira manifestação do fenómeno megalítico, no Alentejo Central, cujo início, embora em data incerta, terá ocorrido no «Neolítico», quando as comunidades já se encontram consolidadas e hierarquizadas e em que a delimitação da propriedade se terá tornado uma necessidade. Simbolicamente, os grandes monólitos, para além de marcadores territoriais da propriedade de solos particularmente férteis, por parte das

Alto de São Bento – Évora (Foto Mário Carvalho)


Menir dos Almendres –Évora (Foto: Gustavo Val-Flores - CME)
comunidades que os ocupavam [defendem alguns autores] estariam associados à fertilidade desses mesmos terrenos, necessários à sobrevivência das comunidades que os detinham. Gradualmente foram perdendo a carga simbólica com que foram talhados e erguidos e foram sendo, nalguns casos, reutilizados na construção das grandes antas ou dolmens.
O Menir dos Almendres
Situável, sensivelmente entre cerca de 5000 e 4500 a.C., pode encontrar-se próximo do Monte dos Almendres – Guadalupe, Évora - a cerca de 1,5km a nordeste, e em linha reta, do Cromeleque dos Almendres, a aproximadamente 60 metros abaixo da cota do Cromeleque. Implanta-se no alinhamento do Cromeleque, cuja linha marca o nascer do Sol no Solstício de Verão. Construído em granito porfiroide – matéria-prima inexistente nas proximidades – encontrava-se tombado há alguns anos. Mediria cerca de 5 metros de altura. Após ter sido reerguido, mede acima do nível do solo, 3,5 metros e pesa entre 10 a 12 toneladas.
Os Cromeleques
Os Cromeleques constituem, recintos fechados, delimitados por menires, que poderão ter desempenhado um papel idêntico ao dos menires.
Cromeleque dos Almendres
Situável, cronologicamente entre o V e IV milénios a.C., é um dos maiores recintos megalíticos estruturados da Península Ibérica, e um dos mais importantes e mais antigos monumentos do seu género em toda a Europa, cuja construção terá tido

Cromeleque dos Almendres – Évora (Foto: Gustavo Val-Flores - CME)
Cromeleque dos Almendres – Évora (Foto R. Leal - CME)
diversas fases. Seria constituído originalmente por mais de uma centena de menires, mas atualmente é composto por 95, com alturas que variam entre os 2,30 metros e 1,10 metros. O seu material é constituído por granito de diversas proveniências, algumas delas de distância superior a 2 quilómetros. Constituiria um dos lugares de eleição das populações do «Neolítico», sendo de admitir uma utilização ritual astronómica, face à sua orientação evidente que aponta ao nascimento do Sol, no solstício de Verão e da linha equinocial e posicionamento a meia encosta, da qual se avista uma extensa área, nomeadamente a cidade de Évora, Alguns monólitos – cerca de dez- apesar da erosão a que estiveram sujeitos, apresentam decoração que, eventualmente, terá sido realçada com qualquer colorante que lhes conferisse maior protagonismo, incluindo «báculos» símbolo de poder, e outras figuras solares radiadas, que serão integráveis numa derradeira fase de utilização do monumento, situável já no «Calcolítico» (finais do III milénio a.C.).
Anta Grande do Zambujeiro
Onde há vivos também se morre. As antas são também designadas de dolmens, cuja diferenciação reside na sua forma e dimensão Trata-se, portanto, de um monumento funerário, local de tumulação coletiva, que podia receber centenas de deposições (enterramentos) constituindo autenticas marcas na paisagem. A sua arquitetura contempla corredor longo com cerca de 15 metros de comprimento e câmara poligonal de 7 esteios com cerca de 6 metros de altura, encostados entre si, em cunha, que suportavam a



grande pedra de cobertura - “mesa” “tampa” ou “chapéu” - entretanto deslocada junto à mamoa. A mamoa que envolvia o dólmen era igualmente colossal e media mais de 50 metros de diâmetro. O corredor, definido por ortóstatos e ainda com 3 pedras de cobertura, permitia que uma pessoa de estatura média pudesse ali circular. Pelas suas dimensões verdadeiramente colossais é considerada uma das mais notáveis peças megalíticas de uma área extremamente rica em testemunhos do período, sendo a maior anta portuguesa e uma das mais monumentais da Europa, e por isso considerada a «joia da coroa» do Megalitismo português. Terá sido construída durante a fase final do denominado «Neolítico Final», situado cronologicamente na segunda metade do IV milénio a.C., ou seja, a fase do apogeu do Megalitismo, entre cerca de 3500 a 2900
a.C.
O seu corredor estava orientado para o quadrante do nascer do sol, na crença da existência para além da morte, razão pela qual os defuntos eram acompanhados de oferendas constituídas por objetos votivos para uso quotidiano e mágico simbólicas: as placas de xisto gravadas, pontas de seta, vasos cerâmicos, colares de contas. Este sepulcro corporiza um dos derradeiros monumentos megalíticos, expressão do esforço coletivo das comunidades que os construíram, espaço sagrado, a cujo interior talvez só alguns tivessem acesso.
Núcleo Interpretativo do Megalitismo de Évora
Encontra-se localizado no antigo Convento de Nossa Senhora dos Remédios, fundado como mosteiro masculino, em 1504 pela Ordem dos Carmelitas Descalços em terreno junto às Portas do Raimundo e mais tarde, em 1606, transladado para um edifício construído de raiz, cuja

Núcleo Interpretativo do Megalitismo de Évora – Convento dos Remédios – (Foto: CME)
denominação ainda hoje se mantém, situado às Portas de Alconchel. O edifício conventual, foi remodelado em 2006, para acolher o Centro de Conservação / Restauro e Núcleo de Arqueologia da Câmara Municipal de Évora, onde em 2008, é criado o Núcleo Interpretativo do Megalitismo de Évora, numa primeira fase como Núcleo Interpretativo do Património de Évora, denominado Megalithica Ebora. Resultou dum projeto de colaboração de um conjunto de entidades e desenvolvido no âmbito de um protocolo de colaboração entre diversas instituições – Câmara Municipal de Évora, Faculdade de Belas Artes e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e o Grupo de Estudos do Megalitismo Alentejano - com a coordenação científica da responsabilidade dos Professores Manuel Calado (FLL) e Luís Jorge Gonçalves (FBAL). Este núcleo expositivo abarcava, inicialmente, os períodos megalítico e romano, com referência aos vestígios patrimoniais mais importantes que subsistem na cidade e na região, pela particular importância que estes períodos assumem para a sua história e cultura. O Património Megalítico é particularmente notável não apenas no contexto regional, como nacional e até internacional, cuja importância é expressa pelas inúmeras antas e recintos que povoam a nossa paisagem. Os vestígios romanos, são igualmente importantes não apenas no contexto português como internacional, com destaque particular para as ruínas do Templo, bem visíveis no centro da mais antiga zona da cidade, constituindo o seu ex-libris. Objeto de remodelação no ano de 2016, passou a constituir apenas o Núcleo Interpretativo do Megalitismo, no qual estão representados os principais monumentos da região e algumas peças mais representativas da cultura material da época em questão, encontradas nas diversas escavações realizadas na Anta Grande do Zambujeiro e Anta 2 da Mitra e cuja cedência se deve ao Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo e Universidade de Évora – Laboratório de Arqueologia Pinho Monteiro. Atualmente, o Centro acolhe outros espólios, razão pela qual se estuda uma nova proposta de renovação, que contempla uma redistribuição funcional dos diversos espaços, com a definição de novas zonas e discursos expositivos, no sentido de responder às novas lógicas museográficas, que permitam potenciar a experiência da visitação, que se quer para todos, e que a riqueza e importância do tema impõem.
Rosária Leal
Arqueóloga – Divisão de Cultura / Câmara Municipal de Évora
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
ALVIM, Pedro, Recintos Megalíticos do
Ocidente do Alentejo Central –
Arquitectura e Paisagem: na
Transição Mesolítico/Neolítico,
Tese de Mestrado em Arqueologia e
Ambiente Apresentada à
Universidade de Évora, (2009), pp. 6-95. BILOU, Francisco, As Fortificações de
Évora: Imagem, Valor e Recurso,
https://dialnet.unirioja.es/descarga/ar ticulo/7898534.pdf pp. 187-200 CARDOSO, João Luís, Pré-História de
Portugal, Editorial Verbo, (2002), pp.155-236. CALADO, Manuel, CARVALHO, Mário –
Alto de São Bento: antes das
Origens de Évora http://megasettlements.blogspot.co m/2007/01/alto-de-s-bento-antesdas-origens-de.html CALADO, Manuel – Menires do Alentejo
Central - https://www.academia.edu/1724714 0/Menires_do_Alentejo_Central -
Génese e evolução da paisagem megalítica regional, Vols. 1 e 2. FEIO, Mariano e MARTINS, António, O
Relevo do alto Alentejo (traços
essenciais), In Finisterra, XXVIII, (1993) 55-56, pp. 149-199
https://www.researchgate.net/pu blication/28181623
OLIVEIRA, Jorge de - Menir da Meada,
o Mais Antigo,
https://nationalgeographic.pt/historia /grandes-reportagens/2725-menirda-meada-o-mais-antigo PEREIRA, Paulo, Artes Antigas. Rev.
João Pedro Tapada. [Lisboa]: Círculo de Leitores, imp. 2 014. 279 p. (Decifrar a Arte em Portugal; 1).
ISBN 978-972-42-4961-2.