Ed. 161 - Revista Caros Amigos

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trema pobreza. Oaxaca é o segundo Estado mais pobre do país, só perde para Chiapas. A distância econômica entre pobres e ricos é abissal.

Denúncias A pobreza excludente permite que essas pessoas vendam seu voto em troca de uma cesta básica, uma quantidade de algum tipo de material de construção ou ainda uma pequena quantia em dinheiro. Como não são atendidas por nenhum tipo de política pública, ainda acabam considerando esse crime como uma bondade do governo do PRI. A pressão dos priistas sobre os servidores públicos, para que votem pela continuidade do governo, também é dramática. Há relatos de que esses eleitores são acompanhados por seus chefes até as seções eleitorais, onde recebem destes um celular para fotografar o voto no interior da cabine. Na saída, esses funcionários devem entregar o celular com a prova de que mantiveram o PRI no poder. No município de Xoxocotlan, onde está localizado o aeroporto de Oaxaca, havia denúncias de que militantes do partido estariam oferecendo três mil pesos para que os mesários não comparecessem às zonas eleitorais. Mas é a violência disseminada por meio de grupos paramilitares, financiados pelo governo de Oaxaca, que tem sido o elemento central desse tipo de política. Várias lideranças oposicionistas foram assassinadas no decorrer do processo eleitoral de 2010. Apesar do risco iminente de um banho de sangue, desta vez a estratégia da disseminação do terror não se confirmou. A eleição de 4 de julho transcorreu, praticamente, sem incidentes. Apenas um morteiro foi atirado contra uma das urnas. Em Oaxaca, as urnas são colocadas no meio das praças, ao longo das ruas e mesmo quando o colégio eleitoral funciona no interior de uma escola, as cabines eleitorais ficam no pátio e não dentro das salas de aula, como é comum no Brasil. A população oaxaqueña não se amedrontou, foi às ruas e optou pela mudança. Elegeu o economista Gabino Cué, da coalizão de oposição, para assumir um mandato de seis anos, que começa a partir de dezembro. A principal dificuldade agora será governar com um arco de alianças tão amplo como o que lhe deu a vitória. A coalizão Paz e Progresso reúne partidos que vão da esquerda (Partido da Revolução Democrática, PRD, e Partido do Trabalho, PT) à direita (Partido da Ação Nacional, PAN), passando pela centrista Convergência, de Cué. No discurso para uma multidão em uma das principais praças da capital, logo após as pesquisas de boca de urna apontarem a vitória da oposição, o governador eleito não esqueceu de citar o presidente Felipe Calderón, do PAN. A mensagem deixa claro que pretende tê-lo como aliado. Calderón é considerado pela oposição o principal responsável, ao lado do governador Ulises Ruiz, pelo massacre que ocorreu em 2006 quando forças policiais federais sufocaram a insurreição popular, que se levantou contra o autoritarismo do governador priista. A justificativa apresentada pelo então presidente recém-eleito para a medida truculenta era a de que precisava conter um

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bando de vândalos que sublevaram o Estado. Na verdade sabe-se que Calderón temia que a força do poder popular pudesse marchar para o distrito federal e derrubá-lo do poder, já que sua eleição também era contestada pela oposição. A reportagem da Caros Amigos conversou com Gabino Cué no dia seguinte à eleição. O discurso político da véspera se manteve. Ele prometeu uma administração pautada na transparência e austeridade e uma gestão comprometida contra a impunidade, a corrupção e a pobreza. A geração de emprego foi outra bandeira destacada pelo político, que fez questão de ressaltar ainda, que sua gestão não irá impor nada. As decisões serão tomadas após consultar a população. Oaxaca é o único Estado da República onde a maioria da população é indígena. Concentra 16 grupos etno-linguísticos. Isso criou uma situação especial no processo de resistência e rebeldia de seu povo. A luta pela autonomia sempre representou uma tensão muito forte da população indígena contra a estruturação central do Estado mexicano. Oaxaca possui 570 municípios, dos quais apenas 152 elegem seus prefeitos e representantes locais baseados na estrutura político-partidária. Os demais 418 seguem uma norma que eles definem como usos e costumes. Os moradores desses 418 municípios seguem regras próprias e só vão às urnas para eleger governador e deputados, além do presidente da República.

Apoio ao zapatismo Coube aos triquis, uma das principais etnias indígenas oaxaqueñas, a primeira manifestação de apoio à Revolução Zapatista em 1994. Foi deles a primeira carta declarando que os zapatistas não estavam sós nessa luta em defesa da população de Chiapas, mas que contavam com o apoio das comunidades da zona triqui. Esse foi o primeiro gesto de respaldo aberto que os zapatistas receberam. O comprometimento com as causas sociais e populares, além da atuação em defesa da autonomia de seu território rendeu a fúria do poder estatal. Neste momento a comunidade triqui de San Juan Copala está sendo dizimada por forças paramilitares, patrocinadas pelo governador Ulises Ruiz, que cercou a região. Os triquis estão isolados, sem comida, sem acesso a saúde, educação. Ninguém entra ou sai do território. Um comboio humanitário que tentou furar o bloqueio, em abril deste ano, foi fuzilado por paramilitares, um jornalista finlandês e uma ativista mexicana de direitos humanos foram assassinados no ataque. A repressão contra a etnia ocorre desde 2007, quando eles declararam o território autônomo, mas tem se intensificado nos últimos meses. A região pode ser considerada um oásis, com recursos naturais e água em abundância, em um território cercado pelo clima árido, muito comum no sul do México. A presença das mineradoras em Oaxaca tem sido fonte de violência contra a população indígena. O exemplo mais gritante das consequências desastrosas desse tipo de intervenção acontece no município de San Jose del Progreso, localizado a pouco mais de uma hora da capital, e onde também

existe um nascente importante de água. A Fortune Silver, responsável pelo empreendimento que deve entrar em operação em 2011, pretende explorar prata por 50 anos com possibilidade de renovação do contrato de concessão. Quando não conseguem a adesão espontânea das pessoas, que na maioria das vezes são ludibriadas a vender suas terras por uma bagatela, os emissários dos exploradores e a prefeitura partem para ameaças e violência física. Até mesmo o padre da região foi agredido porque se posicionou contra as mineradores durante a missa. Espancado precisou ser hospitalizado e teve o carro apedrejado. Em setembro, nos dias 11 e 12, San Jose del Progreso sedia a assembleia de atingidos ambientais, que vai reunir representantes de 50 movimentos do México e de várias partes do mundo.

Poder popular O papel desempenhado pelas organizações indígenas na vida política de Oaxaca tem sido fundamental. Durante a insurreição popular de 2006 não foi diferente. A tradição de compartilhamento de poder se expressou na organização da Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca, que ficou conhecida mundialmente pela sigla APPO. Estrutura de luta que mesmo sem ter um escritório para a realização de suas reuniões, até hoje, continua se pautando pela horizontalidade no comando das ações, reunindo centenas de organizações populares e de classe. Essa identificação do povo com a APPO despertou o ódio da classe dominante. A mídia passou a veicular ataques contundentes contra suas lideranças. As rádios foram tomadas pela população. E o governo passou a divulgar sua versão por meio de uma rádio pirata e a instigar a violência contra os membros da APPO. Aos professores que acampavam no centro da capital, os locutores dessa rádio incentivavam os apoiadores priistas a oferecer alimentos com veneno. Em julho de 2010 não houve incentivo explícito ao envenenamento dos opositores. Mas a mídia continuou inflamada contra a oposição. A maioria dos jornais de Oaxaca estampou manchetes explosivas destacando o perigo de uma vitória da oposição. O Despertar, que segundo consta pertence a Ulises Ruiz, era um dos mais raivosos e apesar de custar seis pesos foi distribuído gratuitamente no dia da eleição. Sua sede é diariamente protegida por seguranças armados com fuzis. O México é um dos países onde mais se assassinam jornalistas no mundo. A violência contra esses profissionais é quase em sua totalidade cometida a mando dos donos do poder. A presença de uma missão internacional de comunicadores e observadores de direitos humanos, integrada pela reportagem da Caros Amigos, além da Ciranda, contribuiu para inibir a violência do governo priista, segundo relataram lideranças sociais, políticas e intelectuais. Além do Brasil, integraram a comissão, representantes da Argentina, Espanha, Itália, Suécia e do Uruguai. Lúcia Rodrigues é jornalista Luciarodrigues@carosamigos.com.br

caros amigos agosto 2010

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