Ed. 150 - Revista Caros Amigos

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Entenda os mecanismos que os ricos utilizam para driblar o Fisco

Mark Alan Arthur

O sistema tributário de um país é o reflexo da correlação de forças que há na sociedade. Existem três formas clássicas de tributação no mundo: sobre a renda, o patrimônio e o consumo. O peso que é atribuído a cada uma delas é que define quem irá arcar com o ônus da carga tributária nacional. Maior tributação sobre o patrimônio e a renda pressupõe maior justiça tributária, ou seja, paga quem é dono de propriedade ou detentor de capital. Já os impostos que são cobrados sobre o consumo penalizam, principalmente, os pobres, que destinam a maior parte de seu orçamento para a compra de produtos e serviços. Os trabalhadores assalariados de classe média também são atingidos por esse mesmo mecanismo, quando o governo opta pela ênfase nesse tipo de arrecadação de tributos. No Brasil, sempre se privilegiou a taxação do consumo em detrimento do patrimônio e da renda. Atualmente dois terços da arrecadação das três esferas (União, Estados e municípios) tributam o consumo. “Os ricos nunca pagaram muito tributo”, ressalta o presidente da delegacia de Campinas do Unafisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), Paulo Gil Introíni. O auditor fiscal explica à Caros Amigos alguns dos mecanismos utilizados pelos ricos para driblar o fisco e não pagar impostos, dentro da lei. O caso mais emblemático é o do ITR (Imposto Territorial Rural). Esse imposto é praticamente residual no total da arrecadação da carga tributária. Segundo o estudo divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Economica Aplicada), a valor pago pelos donos da terra representou R$ 0,3 bilhão de um total de R$ 141,1 bilhões de tributos arrecada-

Paulo Gil, da Delegacia Sindical de Campinas da Unafisco.

dos incidentes sobre a propriedade e renda do capital, em 2006. “O Brasil é vice campeão mundial em concentração de terras, mas latifundiário não paga imposto.” Ao contrário do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), que é lançado pelas prefeituras, no ITR cabe ao proprietário rural lançar o valor de sua propriedade. Ele paga em cima daquilo que declara. O formulário preenchido é semelhante ao imposto de renda. Cabe ao Executivo verificar se a declaração é verdadeira ou não. Além dessas injustiças sociais, a tributação sobre a renda e o patrimônio praticamente não é progressiva. “Para se fazer justiça deveria se tributar progressivamente a renda e o patrimônio. Quem ganha mais e tem mais renda, deveria pagar proporcionalmente mais. Está na nossa Constituição. Só que esse princípio não é respeitado”, ressalta. Segundo Gil, a partir de meados da década de 90 houve um aprofundamento da injustiça tributária. O projeto capitaneado pelo ex presidente da República Fernando Henrique e operado pelo então secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, desonerou a renda do capital e aumentou a tributação sobre o consumo. No primeiro ano do governo FHC ocorreu uma grande reforma no imposto de renda, com a diminuição da tributação sobre a renda do capital e o aumento sobre a renda do trabalho. Pelo mecanismo proposto pelo governo tucano, “a pessoa física que ganhasse, por exemplo, R$ 5 mil estava sujeita a uma alíquota de 27,5%, já o empresário que retirasse, no mesmo período, R$ 50 milhões em lucros de sua empresa ficava isento do imposto de renda de pessoa física”, conta. A legislação aprovada garantia à distribuição de lucros, isenção. O argumento era o de que a empresa já havia pago o imposto como pessoa jurídica. “Mas o governo poderia fazer com que os empresários abatessem da pessoa física o que a jurídica pagou. Só que FHC não fez isso.” Os empresários, como pessoas físicas, não pagam um tostão de imposto de renda quando transferem os lucros de suas empresas. “Pagam o imposto de renda de pessoa jurídica de até 25%. Mas como pessoa física, o montante entraria na alíquota de 27,5%.” Nos países desenvolvidos a tributação das pessoas física e jurídica é separada, independente. Além desse subterfúgio, os setores empresarial e financeiro também se valeram de outro mecanismo para engordar ainda mais seus recursos: o juro de capital próprio. Existem duas formas de distribuição de lucro no país. Uma é a isenção pura e simples, a outra, o juro de capital próprio. Lançam mão do recurso do juro de capital próprio, as empresas muito capitalizadas e os bancos. Sobre um percentual de seu patrimônio liquido, eles calculam uma taxa de juros fictícia, baseada na TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo). É como se

estivessem tomando emprestado o seu próprio capital. É em cima dessa remuneração fictícia, que calculam quanto podem abater de tributos que deveriam pagar ao fisco, caso tivessem tomado de fato o empréstimo dos recursos no mercado financeiro. Normalmente pagam até 25% de imposto de renda de pessoa jurídica e 9% de contribuição social, mas o mecanismo permite abater a despesa fictícia na rubrica juros de capital próprio. Ao lançar isso como despesa, diminuem a receita e mascaram o lucro. A tributação sobre o lucro, cai. “Deixam de pagar os 34% de imposto e contribuição e passam a pagar 15%, apenas. Isso representa uma economia de 19%. O guia de um jornal econômico paulista recomendava essa forma de distribuição de lucros, como a mais vantajosa”, frisa o dirigente do sindicato dos auditores fiscais.

Desoneração dos ricos A principal medida do governo FHC para reformar o imposto de renda, em meados da década de 90, foi a da desoneração da renda do capital. A pessoa física, ao contrário, foi penalizada com o congelamento da tabela. E mais pessoas tiveram de passar a declarar à Receita. “A tabela ficou congelada por cinco anos e provocou uma defasagem de 35%. No ano 2000, o número de declarantes mais que dobrou.” A classe média também foi arrochada por FHC e passou a ser mais tributada. “Enquanto os ricos passaram a pagar menos ou a não pagar nada”, comenta. Houve um deslocamento da tributação da renda oriunda do trabalho e uma desoneração da renda originária do capital. Na base dos metalúrgicos do ABC, poucos trabalhadores apresentavam declaração de imposto de renda. Mas após 1995 muitos passaram declarar à Receita. Não ocorreu distribuição de renda, não houve aumento da massa salarial, pelo contrário a massa diminuiu. O que ocorreu foi que o governo avançou sobre a parcela dos salários, entrou no que se costuma chamar de mínimo existencial. O mínimo existencial é levado em consideração em alguns países, para não se tributar pessoas pobres. Trata-se de um mínimo de recursos de que a pessoa necessita para viver (para manter gastos com alimentação, moradia, saúde, educação, transporte e, inclusive, lazer). “Se a pessoa desvia algum recurso necessário à sobrevivência, para o pagamento de tributos, isso é considerado confisco.” Para Gil, a carga tributária do país é profundamente mal distribuída. “Há um falso debate, se é alta ou baixa. A pergunta fundamental que tem de ser respondida é quem é que paga a conta. Os que estão gritando que a carga tributária é alta, não são os que arcam com a carga. Quem arca de fato e nem sabe disso, são os trabalhadores, vítimas inocentes dessa história”, ressalta. “Quem tem isenção de lucros, não tem moral para dizer que a carga tributária é alta. Não são os banqueiros, não são os empresários das multinacionais, os grandes executivos, que pagam essa carga. São os trabalhadores. Pela ordem, os assalariados de baixa renda e a classe média. O nosso sistema tributário é Robin Hoodiano às avessas”, acrescenta. Lúcia Rodrigues é jornalista. setembro 2009

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