Convivendo com a Doença de Gaucher

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CONVIVENDO COM A

DOENÇA de GAUCHER

Um manual prático para a pessoa com doença de Gaucher e seus familiares

AUCHER


 Apresentação Convivendo com a Doença de Gaucher: um manual prático para o paciente e seus familiares traz informações importantes, apresentadas de forma descomplicada, sobre a Doença de Gaucher. Com a intenção de se tornar um guia de consultas frequentes, este manual apresenta informações gerais sobre a Doença de Gaucher para pacientes e familiares, para que sintam-se mais seguros diante deste diagnóstico e na condução de seu tratamento. Também para que possam disseminar informações de qualidade em sua comunidade.

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A Doença de Gaucher é rara e pouco conhecida da maioria da população. Conhecer as bases da doença, a herança genética, os sinais e sintomas, os tratamentos disponíveis, e ações que melhoram a qualidade de vida do paciente, são informações imprescindíveis para quem quer viver bem. E isso é possível, desde que haja acesso à informação. Boa leitura!

 Sobre a autora Meu nome é Carolina Toneloto, sou professora universitária e divulgadora de ciência. Até ser diagnosticada com Doença de Gaucher do tipo 1, nunca tinha sequer ouvido falar dela. Depois disso, passei a buscar informações para compreender sua ação em meu organismo e sobre suas possibilidades de tratamento. Com vistas a compartilhar este processo, criei e mantenho um blog (uma espécie de “diário virtual”) que se chama “Eu sou gaucher” (http://gaucher.zip.net ). Nele, muitos pacientes têm trocado informações e vivências, e profissionais da saúde, com generosidade, dividem o que sabem sobre o tema. Todos aprendemos e todos ensinamos. Meus agradecimentos à dra. Elisa Sobreira, que fez a revisão científica deste trabalho, e ao dr. Charles Marques Lourenço, quem primeiro me falou a respeito da necessidade de um manual como este para os pacientes com Doença de Gaucher e seus familiares no Brasil.


Índice

Capítulo 1

Capítulo 5

Histórico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 A primeira paciente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 Quem foi Philippe Gaucher. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 Características . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

Importância do diagnóstico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 Aconselhamento genético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

Capítulo 2 O que é a doença de Gaucher?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 As causas da doença de Gaucher. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

Capítulo 3

Capítulo 6 Formas de Tratamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

Capítulo 7 Qualidade de Vida. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 Apoio aos Pacientes e Familiares. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 Referências Bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

A genética da doença de Gaucher. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 As possibilidades de transmissão da herança genética da doença de Gaucher. . . . . . . 9

Capítulo 4 A classificação da doença de Gaucher. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 Sinais e sintomas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 A doença de Gaucher e o comprometimento visceral. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 A doença de Gaucher e o comprometimento hematológico. . . . . . . . . . . . . . . . . 14 A doença de Gaucher e o comprometimento ósseo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 A doença de Gaucher e o comprometimento pulmonar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 A doença de Gaucher e o comprometimento neurológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

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Histórico  A primeira paciente A doença de Gaucher foi descrita pela primeira vez na história em 1882, pelo médico Philippe Charles Ernest Gaucher em sua tese de doutorado em medicina. Seu trabalho relatava o caso de uma paciente com 32 anos, com o fígado e o baço muito aumentados (hepatoesplenomegalia). A paciente apresentava, ainda, um tumor no baço que apresentava células com núcleos muito grandes quando observadas ao microscópio. O ineditismo do trabalho de Philippe Gaucher fez com que a nova doença fosse identificada e, após 1905, recebesse seu próprio nome: “doença de Gaucher”. 2


Capítulo  Quem foi Philippe Gaucher Philippe Charles Ernest Gaucher nasceu em 1854, na pequena cidade de Champlemy, na França. Seguindo os passos de seu tio, que era médico, decidiu estudar medicina na cidade de Paris.

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Em 1882 defendeu sua tese de doutorado, intitulada “De l’épithélioma primitif de La râte: hypertrophie de la râte sans leucémie” (“Carcinoma primário do baço: hipertrofia do baço sem leucemia” - tradução livre). Alguns anos mais tarde, a enfermidade descrita neste trabalho passou a ser conhecida como “doença de Gaucher”. Ao longo de sua vida, Philippe Gaucher atuou em muitas áreas da medicina, e integrou várias sociedades médicas, como a Sociedade de Anatomia, a Sociedade de Medicina Tropical, a Associação Francesa para o Estudo do Câncer, além da Academia Francesa de Medicina. Por seus esforços na Primeira Guerra Mundial, ele recebeu o título de oficial da Legião de Honra.

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Dr. Gaucher faleceu em Paris, em 1918, aos 63 anos de idade.


 Características Após a primeira descrição da doença, feita por Philippe Gaucher, vários outros casos semelhantes passaram a ser descritos na literatura médica. Uma das descobertas mais importantes em relação a esta doença é a de que se trata de uma doença genética, ou seja: é passada de pais para filhos, através da transmissão de genes. Curioso é que a doença de Gaucher é considerada uma doença que acomete, mais frequentemente, judeus Ashkenazi (judeus estabelecidos ou originários do Leste Europeu, mas que vivem por todas as partes do mundo), ou pessoas de origem judaica. 4

Dados históricos mostram a presença de alteração no gene responsável pela síntese de um tipo de enzima no interior das células desde antes do primeiro milênio (por volta de 800 d.C.) neste grupo étnico específico. Esta alteração é a causa da doença de Gaucher.


Capítulo O que é a doença de Gaucher? A doença de Gaucher é uma doença genética, causada por um defeito nos genes; hereditária, ou seja, passada de pais para os filhos; crônica: que acompanha a pessoa pelo resto de sua vida; e também progressiva, cujos sintomas pioram com o passar do tempo caso o paciente não receba tratamento adequado.

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Há tratamentos disponíveis e seguros, mas ainda não há cura. Ela é, ainda, uma doença rara que afeta de 8 a 10 mil pessoas no mundo todo. Estima-se que no Brasil haja pouco mais de 700 pacientes vivendo com doença de Gaucher. Por ser pouco conhecida pela maioria das pessoas, e por produzir sinais e sintomas que podem ser confundidos com os de outras doenças mais comuns, é possível que ela também seja subdiagnosticada: deve haver pessoas com doença de Gaucher vivendo sem receber o diagnóstico e o tratamento adequados.

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O médico responsável pelo tratamento de pacientes com doença de Gaucher geralmente é um hematologista ou um geneticista.  As causas da doença de Gaucher A doença de Gaucher caracteriza-se pela deficiência (ou redução) da atividade de uma enzima, chamada de ß-glicosidase ácida (ou glicocerebrosidase). Normalmente, em pessoas sem a doença, esta enzima é responsável pela “digestão” de um tipo de gordura (chamada de glicocerebrosídeo) no interior das células. O glicocerebrosídeo faz parte das membranas das células.

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As pessoas que tem a doença de Gaucher nascem com uma alteração no gene que produz a enzima glicocerebrosidase, o que faz com que haja acúmulo de gordura – glicocerebrosídeo – no interior das células. Mais especificamente nos lisossomos dos macrófagos.


Explicando melhor: quando as células envelhecidas morrem, o corpo não tem mais uso para o glicocerebrosídeo e ele é pego pelas células chamadas macrófagos. Os macrófagos são um tipo de glóbulo branco, e seu trabalho é engolir e quebrar os restos celulares e agentes patogênicos, como bactérias e vírus. Eles fazem isso enviando os itens indesejados para organelas minúsculas que ficam em seu interior, que são os lisossomos, onde são digeridos ou destruídos. Os lisossomos fazem a “limpeza das células” através de enzimas, que quebram moléculas grandes em menores e permitem que elas sejam reaproveitadas ou eliminadas. Na doença de Gaucher, ocorre a redução da atividade da ß-glicosidase ácida, que é uma das mais de 60 enzimas dos lisossomos. Ilustração de um macrófago normal

lisossomos

Ilustração de um macrófago afetado

Lisossomo com acúmulo de glicocerebrosídeo

Vistos através de um microscópio, os macrófagos de um paciente de Gaucher parecem “inchados”: são as famosas “células de Gaucher”, uma das principais características dessa doença.

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Esses macrófagos ficam grandes por conta do acúmulo do glicocerebrosídeo nos lisossomos, que têm falta da enzima própria para digeri-los.  As células de Gaucher acumulam-se principalmente nos tecidos do fígado, baço, pulmão e medula óssea, porque são locais ricos em macrófagos. Também os rins, os gânglios linfáticos e a pele podem ser acometidos. Em algumas situações, há também acúmulo nos tecidos do sistema nervoso central. A presença de células de Gaucher substituindo células normais faz com que os órgãos afetados tenham suas funções alteradas. Células de Gaucher na medula óssea

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Pelos motivos explicados, a doença de Gaucher é considerada, junto a outras mais de 40 doenças, uma doença do depósito lisossômico. O lisossomo é uma parte importante das células, responsável pela degradação de algumas substâncias, que serão descartadas. Nas doenças do depósito lisossômico as substâncias que deveriam ser degradadas, pela ação de enzimas específicas dentro das células, não sofrem esta degradação, e vão se acumulando, progressivamente. É pela incapacidade ou pela falta destas enzimas específicas de degradação que as doenças do depósito lisossômico são caracterizadas. A doença de Gaucher é, dentre as doenças do depósito lisossômico, a mais comum.


Célula sadia

Célula de Gaucher

Em uma célula sadia, algumas substâncias são degradadas pela enzima glicocerebrosidase dentro do lisossomo (1) e depois eliminadas naturalmente pela célula (2).

Na célula de Gaucher, não ocorre a degradação das substâncias pela falta ou deficiência da enzima. As substâncias não são eliminadas e acumulam-se progressivamente no lisossomo (1 e 2), prejudicando o funcionamento da célula.

2 1

1

2 Lisossomo com as substâncias que precisam ser degradadas pela enzima Substâncias degradadas pela enzima e prontas para serem eliminadas

Núcleo da célula

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A genética da doença de Gaucher A doença de Gaucher é uma doença genética, autossômica e recessiva. Se você tem doença de Gaucher, você já nasceu assim. Toda célula do corpo humano possui 46 cromossomos, com exceção do espermatozoide e do óvulo, sendo que 23 cromossomos são derivados do pai e 23 derivados da mãe. Ao se falar de doença genética, deve-se determinar se o gene causador da doença está nos cromossomos sexuais (os cromossomos X e Y) ou nos cromossomos autossomos (cromossomos do 1 ao 22). 22

cromossomos autossomos do pai

10

22

cromossomos autossomos da mãe

1X

cromossomo sexual do pai (XY)

1X

22

cromossomos autossomos do pai

22

cromossomos autossomos da mãe

1Y

cromossomo sexual do pai (XY)

1X

cromossomo sexual da mãe (XX)

cromossomo sexual da mãe (XX)

Uma menina!

Um menino!


Capítulo As mulheres têm dois cromossomos X, um herdado de sua mãe e um herdado de seu pai. Já os homens têm apenas um cromossomo X, herdado de suas mães, e um cromossomo Y, herdado de seus pais. A doença de Gaucher é classificada como autossômica por estar situada em um dos cromossomos não-sexuais (mais precisamente no cromossomo 1).

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É também uma doença de “herança recessiva” porque é necessário que haja duas cópias mutadas do gene GBA (responsável pela formação da enzima ß-glicosidase ácida, deficiente na doença de Gaucher) para que a doença se manifeste. Nas doenças de “herança dominante”, basta uma cópia mutante do gene para haver a doença. É por este motivo que você pode ser o único de sua família a ser diagnosticado com doença de Gaucher. Certamente seus parentes ascendentes mais próximos (pais, avós, bisavós...) são (ou eram) portadores do gene para doença de Gaucher: podiam transmitir o gene alterado a seus descendentes, mas não tinham a doença. Da mesma forma, a doença de Gaucher também pode ser comunicada a seus descendentes (filhos, netos, bisnetos...) de várias maneiras.

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 As possibilidades de transmissão da herança genética da doença de Gaucher são:

• Se ambos os pais não tiverem o gene alterado para a doença de Gaucher,

não há possibilidade de transmitirem a doença, tampouco o gene alterado, para seus filhos. Todos os filhos nascerão sem doença de Gaucher.

• Se um dos pais tiver o gene alterado para a doença de Gaucher, e o

outro não apresentar esta anormalidade em seu gene, seus filhos poderão ser portadores do gene para a doença de Gaucher, mas não serão afetados pela doença.

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• Se ambos os pais tiverem um gene alterado para a doença de Gaucher, a chance de gerarem um filho com doença de Gaucher é de 25% a cada gestação.


• Se um dos pais tiver doença de Gaucher, e o outro não possuir nenhum

gene alterado para a doença, seus filhos serão portadores do gene alterado, mas não apresentarão a doença.

• Se um dos pais tiver doença de Gaucher, e o outro possuir um gene

alterado para a doença, há 50% de chances, para cada gestação, de seus filhos nascerem com a doença.

• Se ambos os pais forem pacientes de Gaucher, todos os seus filhos nascerão com a doença. 13 Não carrega o gene da doença de Gaucher.

Carrega 1 gene da doença de Gaucher. É portador, mas não tem doença de Gaucher.

Carrega 2 genes da doença de Gaucher. Tem a doença de Gaucher.


N

N

N

N

N

G

P

P

N

N

N

P

P

G

14

P

P

N= Não afetadas

P

N

P

P

N

P

G

N

P

P

P

G

P= Portador

G G

G

G

P

G

G

G

G= Doença de Gaucher

Disponível em http://www.gaucherparapacientes.com.br/pt-BR/patient/genetics/InheritingGaucher.aspx

Imagem esquemática da transmissão de genes alterados para a doença de Gaucher. Se você tem doença de Gaucher, possui dois genes recessivos, e alterados: é a figura totalmente pintada de branco. Observe, na figura, que é por este motivo que, se você tem doença de Gaucher recebeu de seus pais genes recessivos, e alterados, para a doença.


Capítulo A classificação da doença de Gaucher Há diferenças importantes entre os pacientes de Gaucher, provocadas pelos diversos níveis de comprometimento dos órgãos e pela presença ou não de manifestações neurológicas. De forma didática, ela é classificada em 3 tipos.

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Vale lembrar que os sinais (achados físicos detectados através de observações, e de exames variados) e os sintomas (alterações que só o paciente é capaz de descrever), da doença de Gaucher variam de acordo com o tipo clínico, com a frequência e intensidade dos sinais e sintomas, e, principalmente, de pessoa para pessoa. 15


* Tipo 1, ou forma não-neuropática: É a forma mais comum dos casos descritos diagnosticados e em tratamento. É também a que melhor responde às terapias já existentes. Os pacientes apresentam manifestações hematológicas, viscerais e ósseas e não apresentam comprometimento primário do sistema nervoso central. Embora este tipo seja conhecido como a forma adulta da doença de Gaucher, ela acomete pessoas de todas as idades. O início das manifestações pode acontecer desde a infância até a vida adulta.

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Há muitos indivíduos com doença de Gaucher tipo 1 assintomáticos ou pouco sintomáticos, que podem passar boa parte da vida (ou a vida toda) sem receber diagnóstico.


* Tipo 2, ou forma neuropática aguda: Os pacientes apresentam grave comprometimento do sistema nervoso central, além do quadro de doença hematológica e visceral. Os sinais começam logo nos primeiros meses de vida e, pela gravidade das manifestações, a expectativa de vida é muito curta (geralmente vão a óbito antes de três anos de idade). * Tipo 3, ou forma neuropática crônica: Os pacientes também apresentam comprometimento do sistema nervoso central, porém, com início mais tardio e com evolução distinta do quadro do tipo 2. O quadro clínico inclui manifestações viscerais, hematológicas e ósseas, assim como no tipo 1; as manifestações neurológicas podem incluir alterações oculares e crises convulsivas. A expectativa de vida é menor que no tipo 1. O cuidado amoroso e os avanços da ciência constituem-se na esperança para os pacientes e familiares destes subtipos da doença de Gaucher.

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Sinais e Sintomas  A doença de Gaucher e o comprometimento visceral É comum que pacientes apresentem baço e fígado aumentados na doença de Gaucher. A doença provoca um acúmulo de substâncias que deveriam ser degradadas pelos lisossomos: são as ‘células de Gaucher’, que acabam ‘inchando’ estes órgãos. Dá-se o nome de esplenomegalia ao baço aumentado de tamanho, e de hepatomegalia ao aumento do fígado. Quando ambos os órgãos encontram-se aumentados, há, então, a hepatoesplenomegalia. Comprometimento do Baço O baço é um órgão que ajuda no processo de renovação sanguínea, eliminando as células envelhecidas do sangue para que possa haver a produção de células mais novas. 18

O baço do paciente de Gaucher possui sua atividade aumentada (hiperesplenismo), porque, a todo instante, ele elimina ‘por engano’, as células ainda jovens do sangue. O baço com volume aumentado pode gerar incômodo e dor abdominal. Em casos mais graves, infartos esplênicos (infartos do baço) também podem acontecer.


No passado, a retirada do baço (esplenectomia) era uma prática comum, realizada na tentativa de melhorar os sintomas viscerais e hematológicos da doença de Gaucher. Hoje em dia, a não ser em casos excepcionais (em que a esplenectomia é indicada), ela deixou de ser realizada, porque não representa mais a única forma de promover a saúde do paciente. Comprometimento do Fígado O fígado é um dos principais órgãos do corpo humano, responsável por grande parte das reações metabólicas do organismo. Ele também pode ser comprometido na doença de Gaucher. Da mesma forma que acontece com o baço, o fígado pode ficar impregnado de ‘células de Gaucher’, e assim aumentar de tamanho, e ter suas funções comprometidas. É frequente que o fígado ou baço aumentados apresentem pequenos nódulos, decorrentes do acúmulo das ‘células de Gaucher’ em seu interior. A estes nódulos dá-se o nome de gaucheromas, que são detectáveis em exames de imagem como ultrassonografia, tomografia e ressonância magnética. O aumento do tamanho do baço e também do fígado são importantes sinais clínicos na doença de Gaucher. Na maioria das vezes costumam gerar incômodo, inclusive estético.

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Sinais e Sintomas  A doença de Gaucher e o comprometimento hematológico Além de produzir um visível aumento no abdômen do paciente, a atividade aumentada do baço (hiperesplenismo) gera consequências na qualidade do sangue: as plaquetas (responsáveis pela coagulação sanguínea), os glóbulos brancos, também chamados ‘leucócitos’ (responsáveis pela defesa do organismo) e os glóbulos vermelhos, ou ‘hemácias’ (que contém a hemoglobina, responsável pelo transporte do oxigênio através do corpo) são retirados, de maneira antecipada, e continuamente, da circulação sanguínea. Desta forma, o paciente passa a sentir fraqueza, cansaço, sangramentos frequentes e contínuos, manchas roxas pelo corpo, falta de ar.

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Estes sintomas decorrem dos contínuos níveis abaixo dos considerados normais dos elementos presentes no sangue, principalmente níveis baixos de hemoglobina: ‘anemia’, e níveis baixos de plaquetas: ‘plaquetopenia’. Com o tratamento adequado, os níveis dos elementos do sangue podem voltar aos padrões normais, melhorando muito os sintomas descritos.


 A doença de Gaucher e o comprometimento ósseo Além do comprometimento visceral, um dos mais sérios problemas que acometem o paciente com doença de Gaucher é o comprometimento ósseo.

Imagem de raio-X mostrando fratura patológica de úmero

Imagem de raio-X mostrando osteopenia (desmineralização óssea) e osteonecrose

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Da mesma forma que o baço e o fígado, os ossos podem acumular células de Gaucher em seu interior. Desta forma, o paciente pode apresentar perda de massa óssea e desenvolver osteopenia e osteoporose precoces. Fraturas (em alguns casos espontâneas ou após traumas mínimos) e dores ósseas passam, então, a ocorrer com certa frequência. O fêmur em formato de ‘frasco de Erlenmeyer’ é uma deformidade causada pelo achatamento das extremidades do osso do fêmur, e um achado comum em exames de raio-x. Imagens de raio-X de fêmur mostrando deformidade em Frasco de Erlenmeyer

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O paciente com doença de Gaucher também pode sofrer episódios de crises ósseas, causadas pelo ‘infarto ósseo’, que ocorre quando o fluxo sanguíneo que leva oxigênio e nutrientes para os ossos passa a ser deficiente. As crises ósseas causam dores muito intensas, exigindo pronto atendimento médico, e em alguns casos, a internação do paciente para o tratamento da dor. As crises ósseas são mais frequentes nos ossos do fêmur (cabeça e colo do fêmur), mas também podem acometer outros ossos do corpo. E é na infância e na adolescência, em fases de ‘estirão do crescimento’, que elas costumam ocorrer com mais frequência. A osteonecrose (ou necrose avascular) também é um sinal grave da evolução da doença de Gaucher. Ela ocorre pelo acúmulo acentuado das células de Gaucher na medula óssea (estrutura que fabrica o próprio sangue, e que se localiza no interior dos ossos). Este acúmulo excessivo acaba matando o tecido ósseo por falta de oxigênio e de nutrientes vitais.

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A osteonecrose provoca dores agudas, e pode resultar em fraturas e problemas nas articulações. Se não forem tratadas adequadamente, podem gerar deformidades permanentes. Um quadro de osteonecrose também requer pronto atendimento médico, internações e, em muitos casos, intervenções cirúrgicas. Para realizar o adequado controle dos sinais e sintomas ósseos, vários exames de imagem (como raio-X, ressonância magnética e densitometria óssea) devem ser realizados periodicamente. É por este motivo que o médico ortopedista também compõe a rede de profissionais que cuidam do paciente de Gaucher. A boa notícia é que o tratamento adequado costuma diminuir a possibilidade de ocorrência de problemas ósseos, e também a gravidade destes sinais.

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Sinais e Sintomas  A doença de Gaucher e o comprometimento pulmonar A saúde dos pulmões também deve receber atenção adequada na doença de Gaucher. Problemas como hipertensão pulmonar e outros problemas respiratórios, podem ser encontrados em exames clínicos e de imagem. Dependendo de seu grau de comprometimento, o paciente pode sentir dificuldade ou esforço para respirar (dispneia), mesmo realizando atividades que não demandam grande esforço físico. Quadros de cianose (quando a pele, boca e unhas adquirem um tom azul arroxeado) também podem ocorrer se houver falta de oxigênio no sangue. A falência dos pulmões é um dos comprometimentos mais graves da doença de Gaucher, mas também é dos mais raros.

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Sinais e Sintomas  A doença de Gaucher e o comprometimento neurológico Um dos principais achados da doença de Gaucher dos tipos 2 e 3 é o comprometimento neurológico. Ainda não totalmente esclarecido, o acúmulo de células de Gaucher no cérebro e no sistema nervoso faz parte de um conjunto complexo de causas que levam ao envolvimento neurológico de alguns pacientes de Gaucher. As manifestações podem ser observadas precocemente em bebês com a forma da doença tipo 2. No caso da doença de Gaucher do tipo 3, estes comprometimentos vão aumentando de importância e de intensidade ao longo dos anos, até a idade adulta. Falta de coordenação nos movimentos (ataxia), convulsões e déficits cognitivos são sinais do comprometimento neurológico da doença de Gaucher dos tipos 2 e 3. 26

Algumas manifestações neuropáticas podem ocorrer mesmo nos pacientes com doença de Gaucher do tipo 1. Mas a descoberta da presença destes achados na doença de Gaucher do tipo 1 ainda é muito recente, e precisa ser melhor compreendida pela ciência.


Capítulo Importância do Diagnóstico Se você apresenta os sinais e sintomas descritos, ou conhece alguém que os apresente, deve consultar um médico.

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A doença de Gaucher é um erro inato do metabolismo. Por esta razão, em boa parte dos casos, é possível diagnosticá-la precocemente, nos primeiros meses ou anos de vida. Embora haja portadores de Gaucher assintomáticos, que podem passar a vida sem mesmo saber que têm a doença, a maioria apresenta algumas das manifestações descritas em alguma fase da vida. Muitas vezes tais sinais e sintomas são confundidos com indicativos de outras doenças que são mais frequentes. Isso dificulta o diagnóstico correto e atrasa seu tratamento.

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Muitos exames podem ser solicitados até que o diagnóstico seja fechado. O mais conclusivo deles é a dosagem da atividade enzimática da betaglicosidase ácida. Geralmente, esta análise é feita a partir da coleta e da análise de amostras de sangue. Laboratórios especializados avaliam a dosagem da atividade da enzima nos leucócitos. O estudo do DNA também pode ser solicitado, para a identificação das mutações genéticas envolvidas. Esta análise contribui para a conclusão do diagnóstico, para a pesquisa de portadores do gene de Gaucher na família e correlação com o tipo da doença de Gaucher.

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Por ser uma doença crônica, e de evolução progressiva, o tratamento da doença de Gaucher deve ser iniciado assim que o diagnóstico estiver concluído. Há alguns protocolos de tratamento, no Brasil e internacionais, que podem orientar os médicos quanto aos critérios de tratamento. Aconselhamento Genético O aconselhamento genético é particularmente indicado aos pacientes de Gaucher que desejam ter filhos. Além das atividades de aconselhamento genético, o médico poderá esclarecer as possíveis dúvidas, tanto do paciente quanto de seu(sua) companheiro(a), em relação à transmissão da doença.

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Formas de Tratamento Após a confirmação do diagnóstico, o tratamento da doença de Gaucher deve ser realizado durante toda a vida. De alto custo, os medicamentos para o tratamento da doença de Gaucher são distribuídos aos pacientes pelo Ministério da Saúde do Brasil em centros de distribuição específicos. O tratamento constitui-se, basicamente, de dois tipos: -Terapia de reposição enzimática (TRE): realizada por via endovenosa, em doses calculadas de acordo com a necessidade e o peso corporal de cada paciente. Estas infusões são realizadas a cada 15 dias, em centros especializados, ou em casa, sob a supervisão de um profissional de saúde devidamente capacitado. 30


Capítulo A Terapia de reposição enzimática (TRE) repõe, de maneira artificial, a enzima que falta ao organismo do paciente com doença de Gaucher, dissolvendo o excesso de gordura (glicocerebrosídeo) acumulado. -Terapia de redução do substrato (TRS): composto por medicamentos ingeridos oralmente e diariamente.

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A Terapia de redução do substrato (TRS) atua impedindo que haja acúmulo de glicocerebrosídeo nas células, minorando o impacto da deficiência da enzima glicocerebrosidase no organismo do paciente.

A doença de Gaucher vem sendo bastante estudada nos últimos anos pela ciência. Por isso, hoje em dia são várias as opções de medicamentos e de terapias disponíveis, cada uma com suas vantagens e desvantagens. Cabe ao médico responsável, ao paciente e à sua família (no caso de pacientes crianças e adolescentes), decidir pela opção mais adequada, de acordo com as necessidades e características de cada um.

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Qualidade de Vida

O paciente de Gaucher tipo 1 pode levar uma vida normal e comum. Sua aparência física geralmente não demonstra debilidades quando diagnosticado e tratado precocemente. Além de seguir seu tratamento corretamente, ele precisa visitar regularmente seu médico e realizar exames periódicos de acompanhamento. Exames de sangue (hemograma e outras análises feitas no sangue), de imagens (raio-X, ultrassonografia e ressonância magnética), e outros exames que o médico possa vir a solicitar, são importantes para o adequado controle dos sinais e sintomas da doença, e para a avaliação dos efeitos, e da dosagem da medicação prescrita.

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Uma alimentação saudável e exercícios físicos regulares (sem serem extenuantes e adaptados às condições de cada um) fazem parte das recomendações aos pacientes com doença de Gaucher. Nada muito diferente do que os médicos também recomendam à maioria das pessoas que pretendem viver bem e com saúde. Por ser uma doença crônica e que exige um tratamento contínuo, alguns pacientes recém-diagnosticados podem se beneficiar de um apoio psicológico inicial, para dar conta das mudanças que podem ser geradas por esta nova condição.

Capítulo

7

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Conversar com outros pacientes e com seus familiares, compartilhando emoções e experiências, é muito importante. A formação de grupos de discussão entre pacientes e familiares é uma prática que amplia e compartilha conhecimentos e vivências sobre a doença, e pode ser um valioso apoio para o enfrentamento desta situação. Além dos contatos estabelecidos pessoalmente, hoje em dia a Internet possibilita o encontro e o diálogo com pacientes e familiares do mundo todo, possibilitando que novas relações se estabeleçam através de blogs, fóruns de discussão, sites de relacionamento e outras ferramentas. E, para isso, basta o acesso à Internet (em computadores ou celulares) e a sua própria curiosidade.

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Ter doença de Gaucher, ou qualquer outra doença crônica, só é realmente ruim para quem não tem acesso à informação.

Vale a pena pensar nisso.


Apoio às Pessoas com Doença de Gaucher e Familiares Associação Nacional dos Portadores de Doença de Gaucher e outras doenças raras: http://www.anpdgaucher.org.br/ Blog “Eu sou Gaucher”: http://gaucher.zip.net Site “Gaucher para Pacientes”: http://gaucherparapacientes.com.br/ 35


Referências Bibliográficas

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Anotações

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A doença de Gaucher vem sendo bastante estudada nos últimos anos pela ciência. Por isso, hoje em dia são várias as opções de medicamentos e de terapias disponíveis, cada uma com suas vantagens e desvantagens. Cabe ao médico responsável, ao paciente e à sua família (no caso de pacientes crianças e adolescentes), decidir pela opção mais adequada, de acordo com as necessidades e características de cada um. Ter doença de Gaucher,ou qualquer outra doença crônica, só é realmente ruim para quem não tem acesso à informação. Vale a pena pensar nisso.

Carolina Toneloto


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