Margens ameaçadas

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Margens ameaçadas Considerado o quinto mais poluído do Brasil, o Rio Gravataí é também responsável pelo abastecimento de mais de 1,5 milhão de pessoas. Suas águas sofrem com o descaso da população e do governo TEXTO E FOTOS: CARLA TESCH

Castigados pelas enchentes do Rio Gravataí, mais de 114 famílias ribeirinhas da Vila Olaria, em Cachoeirinha, são removidas

A

s margens do Rio Gravataí são a primeira imagem que Osnildo, o Cataúcho, vê todas as manhãs ao se acordar. Sentindo-se privilegiado, ele é um dos poucos moradores do município de Gravataí que tem sua casa banhada por suas águas. Morador da Vila Morada Gaúcha, o homem simples de 51 anos enxergou no terreno uma possibilidade de ganhar a vida e aproximar a população do rio. Há cinco anos, criou o Camping do Cataúcho, onde é possível pescar, praticar

ski, jogar bocha e vôlei, entre outras opções de lazer. Osnildo têm sua história de vida marcada pela Bacia do Rio Gravataí. Assim como ele, está outras 1,5 milhão de pessoas que são abastecidas diariamente pelo rio. Apesar de sua importância, o Gravataí vive hoje um dos seus piores momentos: suas águas estão ameaçadas pela crescente poluição. A gravidade é tamanha que já fez com que fosse considerado o segundo do Estado e o quinto mais poluído do Brasil,

segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010. Para o diretor técnico da Fundação Municipal do Meio Ambiente, Jackson Muller, entre os maiores problemas do Rio Gravataí estão o esgoto sem tratamento, a contaminação química pelo uso de agrotóxicos, o acúmulo de lixo e a ocupação habitacional irregular de suas margens. A extensão dos problemas já fez com que metade de suas águas fossem perdidas. DEZEMBRO 2015 EXP 33


ESGOTO: O MAIOR DOS PROBLEMAS As águas escuras evidenciam a falta de tratamento de esgoto como a maior dificuldade que o Rio Gravataí enfrenta hoje. Segundo o geólogo e presidente da Associação de Preservação da Natureza – Vale do Gravataí (APN-VG) e do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, Sérgio Cardoso, a qualidade do manancial é prejudicada pela falta de investimento público: “São cerca de 50 toneladas de esgoto sendo jogados ainda de forma bruta diariamente no Rio Gravataí”. Aproximadamente 90% de todo o resíduo coletado pelos nove municípios que formam a Bacia do Gravataí (Santo Antônio da Patrulha, Taquara, Glorinha, Gravataí, Cachoeirinha, Alvorada, Viamão, Canoas e Porto Alegre) é despejado sem qualquer tratamento no rio. Análises realizadas em 2014 pela Corsan identificaram colifomes fecais, bactérias e metais pesados como chumbo e zinco em quantidades excessivas. Essas medições colocam o Rio Gravataí na classe 4, a pior de acordo com as normas de controle do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Apesar dos investimentos de quase R$ 221 milhões em obras de saneamento básico, o programa Pró-Guaíba, criado pelo governo do Estado, ainda se mostra insuficiente para a demanda da população. Após 20 anos, apenas 24% de todo esgoto da Região Metropolitana recebem tratamento. AGRICULTORES X AMBIENTALISTAS Uma das maiores atividades econômicas do Estado é também a mais poluente sob o olhar dos ambientalistas. Sendo o único meio de sobrevivência de muitos agricultores, as lavouras de arroz irrigado e hortifrutigranjeiros junto à Bacia do Rio Gravataí já somam aproximadamente 12 mil hectares. A maior parte delas está dentro da Área de Preservação Ambiental (APA) Banhado Grande. Para o diretor técnico da FMMA, Jackson Muller, a exploração acaba afetando a qualidade do rio: “Cortam a mata ciliar,

lançam agrotóxicos e ainda retiram água para as lavouras num volume muito maior do que a capacidade de suporte do rio”. O uso de fertilizantes químicos não permitidos é alvo de discussão entre ambientalistas e produtores. Análises do FMMA comprovaram a destruição de uma área de 600 metros de vegetação nas margens do rio pelo uso desses produtos no final do ano passado. A responsabilidade pela fiscalização é da Fundação Estadual e Proteção Ambiental (Fepam). Porém, para Muller, os depósitos não são fiscalizados. A dificuldade em autuar os produtores é ampliada por questões burocráticas, já que muitos se encontram fora dos limites do município. Também, não há pessoal suficiente para uma correta fiscalização de suas águas. PELAS MARGENS DO RIO Mesmo com a casa elevada, Vanessa

Córdova, 27 anos, vê a água alcançar a porta. Ribeirinha da Vila Olaria, em Cachoeirinha, viver ás margens do Rio Gravataí não é de longe uma opção agradável: “Fui expulsa pelo rio da minha própria casa várias vezes, por causa das cheias. Agora eu e minha família estamos em um ginásio esperando a água baixar, mas não dá para ficar longe. Da última vez, roubaram tudo da minha casa”. Vanessa e outros 400 moradores da ocupação irregular da Vila Olaria preocupam entidades de proteção da Bacia do Gravataí. O uso da área para moradia causa o assoreamento, além de suas águas serem poluídas com resíduos de toda ordem despejados no rio. Para Muller, a presença dessas famílias é um importante fator de degradação: “O lixo gerado pelos ribeirinhos agride o solo e a vegetação, além de comprometer a qualidade da água”.

Arroio Barnabé, um importante afluente do Rio Gravataí, sofre com a poluição

“Há a necessidade de se implantar outro modelo de gestão, com a cobrança do uso da água, pelo lançamento de poluentes e uso das

águas subterrâneas. Esse modelo já foi previsto na legislação gaúcha, mas não há interesse em efetivá-lo”. Jackson Muller, diretor técnico da Fundação Municipal do Meio Ambiente 34 EXP DEZEMBRO 2015


Ex-morador da Vila Olaria, José Côrrea, de 66 anos, ajuda os vizinhos com a remoção para o Loteamento Chico Mendes A desocupação da Vila Olaria, em Cachoeirinha, começa aos poucos a tomar forma. Na ânsia de possuir um novo lar longe das intempéries, os próprios moradores realizam mutirões para erguer o Loteamento Chico Mendes, em Cachoeirinha. Após mais de cinco anos em construção, o local já recebe as primeiras famílias de ribeirinhos. O objetivo é servir de nova morada a 114 famílias da Vila Olaria e outras 186 da Vila Navegantes. A expectativa da FMMA é que os desequilíbrios gerados por esse tipo de ocupação devam ser amenizados com a desocupação das áreas. QUAL O FUTURO DO RIO GRAVATAÍ? As crianças atendidas pela Legião da Boa Vontade (LBV) em Glorinha não esperavam, mas o dia lhes reservava um Seminário de Educação Ambiental, com teatro, músicas infantis e ainda um passeio as margens do Rio. A iniciativa faz parte do projeto Rio Limpo, da Associação de Preservação do Meio Ambiente de Gravataí (APN-VG), que tenta disseminar práticas de uso racional dos recursos naturais. Apesar de alguns avanços sociais e estruturais realizados pelo Estado, ambientalistas e ONGs, o Rio Gravataí ainda sofre com a exploração e a degradação de sua vegetação. A falta de controle sobre seus mananciais, considerados Áreas de Prote-

ção Ambiental (APA), ameaça a biodiversidade da região. É o caso de Banhado Grande, que já teve seu território reduzido em 40 mil hectares. Para evitar que problemas como esse fossem prolongados, há 17 anos foi estabelecida a necessidade da elaboração de um Plano de Manejo, onde seriam regulados a ocupação e o uso dos recursos naturais. Mas foi apenas em 2014, após intervenção do Ministério Público Estadual e da Fepam, que foi definida a produção dos planos de manejo para as áreas de preservação de Banhado Grande e Refúgio da Vida Silvestre Banhado dos Pachecos. A conclusão dos planos está prevista apenas para fevereiro de 2017, podendo ser revogada, já que suas finalizações dependem de recursos financeiros ainda não liberados pelo governo do Estado. Muller acredita que o plano não causa efeitos práticos na melhoria do rio: “Há a necessidade de se implantar outro modelo de gestão, com a cobrança pelo uso da água, pelo lançamento de poluentes e uso das águas subterrâneas. Esse modelo já foi previsto na legislação gaúcha, mas não há interesse em efetivá-lo”. Já para o presidente da APN-VG e do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, Sérgio Cardoso, o Plano de Manejo

irá criar um controle mais efetivo e rigoroso sobre o uso do solo. Ele alerta sobre a importância do plano para a região do Banhado Grande: “Todo o suprimento de água dos seres vivos que são abastecidos pelo Rio Gravataí depende desta região. Proteger esse ecossistema é um dos objetivos fundamentais do plano”. Outra luta dos ambientalistas é pela construção de barragens como meio de reduzir o impacto da intervenção humana e aumentar a quantidade de reserva de água para a população. Porém, Muller alerta que a construção da barragem não pode ser vista como a única opção para preservar o manancial, sendo necessário antes proteger o ambiente e investir em novas tecnologias que reduzam as perdas. Entretanto, a vida do Rio Gravataí não depende somente de ações isoladas do governo, empresas privadas ou mesmo ambientalistas. O cenário não mudará sem uma organização coletiva na luta por um consumo consciente. Sérgio Cardoso, que também coordenada o projeto Rio Limpo, acredita que é preciso mudar a mentalidade da população: “Temos que investir fortemente na cultura das pessoas, formar a educação ambiental. O projeto Rio Limpo vai ajudar a mudar a cultura que a população tem sobre o Rio Gravataí”. DEZEMBRO 2015 EXP 35


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