revista municipal
LISBOA
O AMOLADOR de facas e tesouras
O som do tradicional apito anuncia a chegada. O amolador está nas ruas de Lisboa. O sol irradia, contrariando a anunciação de chuva que, misteriosamente, está associada à profissão. António Loureiro sobe, a pé, a Calçada da Ajuda, empurrando ao seu lado a bicicleta artilhada. Procura clientes. Tem 49 anos e é amolador desde os 14. [texto de Sara Inácio | fotografia de Ana Luísa Alvim]
sentir
António nasceu no Alentejo, numa terra pacata, Lavre, concelho de Montemor-o-Novo, mas hoje mora em Almada. Vindo de várias gerações a afiar facas e tesouras, aprendeu a sua profissão com o avô e o pai. É com orgulho que fala do seu trabalho, um dos muitos que poderá estar em vias de extinção: “Sou e serei sempre amolador, esta é a herança que carrego. Desde muito pequeno que via o meu pai e o meu avô amolar facas e tesouras, arranjar chapéus de chuva ou peças de barro que se partiam, soldar panelas, e facilmente aprendi o ofício.” São muitas as estórias que António tem desse tempo. Por exemplo, quando os putos das aldeias corriam atrás deles, ao ouvir o som da gaita e, em verdadeira algazarra, gritavam “vai dar água ao burro”. Ele explica: ” Sabe, isto é um trabalho muito duro e o meu avô contava que, quando paravam para descansar e entra-
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vam numa taberna para comer alguma coisa e beber um copito, diziam aos clientes que iam dar água ao burro. Hoje isto ainda acontece, mas eu até acho piada e não fico ofendido”. Enquanto nos fala, as perguntas disparam das clientes que assomam às janelas, para saber quanto custa afiar uma faca ou uma tesoura. “Um euro, a faca, três euros a tesoura”, responde, interrompendo o discurso animado. Rapidamente, entre enérgicas pedaladas, começa a afiar uma tesoura, na pedra de amolar da sua bicicleta modificada. Dona Anunciação, de 85 anos de idade, tenta pagar o trabalho com uma nota de 10 euros, enquanto outras clientes se juntam à volta. O amolador não tem troco para dar. “Há dias em que não me estreio”, desabafa, enquanto procura no bolso algumas moedas. Mais uma faca, mais um alicate de unhas, uma outra tesoura, faís-