Cadernos do Arquivo Municipal n.º 9

Page 55

Cadernos1.qxd

05-07-2011

11:59

Page 53

Neste reinado, chega-nos também o testemunho de uma entrada em Sevilha (que antecede a refrega do Salado) na qual o cariz solene do evento é factor dominante “todos os grandes senhores do reino, que eram na corte saíram a seu recebimento fora da cidade, assim os prelados com toda a clerezia e com as santas relíquias que na cidade havia, de que não havia memória e postas em uma devota procissão, vieram a receber el-rei de Portugal e também outras pessoas da cidade de baixa condição” 5. A cerimónia aqui narrada por Rui de Pina é, em geral, comum em toda a Idade Média: procissão do clero, cortejo da nobreza e danças populares, que, fora das portas da cidade, recebiam em júbilo o monarca e daí o acompanhavam até ao Paço. Na ocasião, durante alguns dias haviam danças e trebelhos, folias, touros e canas, luminárias durante a noite e cocanhas diversas6. O progressivo papel desempenhado pelo município na organização das entradas régias faz-se notar a partir de D. Pedro I. Fernão Lopes deixa antever, relativamente às entradas do "Justiceiro" e de D. Fernando (as primeiras de que há registo na cidade de Lisboa) o relevo da administração local na organização deste tipo de evento: “Vinha el rei em batéis de Almada para Lisboa e saiam-no a receber os cidadãos e todos os dos mesteres com danças e trebelhos segundo então usavam e ele saía dos batéis e metia-se na dança com eles e assim até ao Paço” 7. No regresso de D. Fernando a Lisboa numa situação de saúde bastante preocupante, a regulamentação municipal depreende-se das palavras do cronista: “o trouxeram ao serão e nenhum não abria porta nem tirava candeia à janela porque tal pregão fora lançado e assim escusamente o levaram a seus paços” 8. É pois, com D. Pedro I, que se encontram as competências da Câmara, claramente definidas, para as actividades festivas. Incumbia-lhe entre outras acções, organizar a recepção oficial (receber o rei às portas da cidade), tal como proceder à limpeza de ruas, à fiscalização dos moradores na obrigatoriedade de ornamentarem as fachadas das casas situadas nas ruas do percurso régio e, ainda, cuidar da iluminação nocturna (colocação de luminárias). A organização de danças e folias era assegurada pelos ofícios. Quanto ao trajecto, a entrada tinha início fora da muralha e terminava no Paço, não existindo obrigatoriedade de pontos de paragem.

5

PINA, Rui de - Chronica de el-Rei D. Afonso IV. Lisboa: Biblioteca de Clássicos Portugueses, 1904. Cap. LVII.

A cocanha ou mastro de cocanha tem a sua origem em Nápoles, tornando-se muito comum nos séculos XVI e XVII. Nas origens desta prática encontra-se o hábito de no meio de uma praça pública construírem uma "pequena montanha" que simbolizava o Vesúvio. Da "cratera" em "erupção" saíam manjares, que caíam sobre as "abas" da "montanha", que estavam cobertas de queijo em pó, à maneira, de cinzas vulcânicas. Então o povo correndo, disputava entre si esses manjares. Mais tarde a "montanha" foi substituída por um mastro muito alto. Apesar de apresentar variantes geográficas, o costume mantem-se na sua essência idêntico em quase toda a Europa, sendo o termo usado com frequência para relatar situações que envolvessem a dupla vertente: divertimento e iguarias. 6

7

LOPES, Fernão - Crónica de el-Rei D. Pedro I. Lisboa: Biblioteca de Clássicos Portugueses, 1906. Cap. XIV.

8

LOPES, Fernão - Crónica de D. el-Rei Fernando. Lisboa: Biblioteca de Clássicos Portugueses, 1895. Cap. CLXXII.

53


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.