ENTRE CIFRAS E FACTOS: A TOPONÍMIA DE LISBOA COMO LOCUS MEMORIAE André de Oliveira Leitão 1
Introdução Designando a toponímia o ramo da onomástica (a ciência dos nomes) que se dedica ao estudo dos topónimos (isto é, dos nomes dos lugares – do gr. antigo tópos, «lugar» e ónoma, «nome»), a nossa abordagem neste breve ensaio incidirá sobre os arruamentos da cidade de Lisboa que englobam na sua designação algarismos, empregues quer como simples referencial numérico, quer associadas a factos históricos. A toponímia dos arruamentos tornou-se, com o passar dos tempos, num dos espaços ideais para a rememoração do passado comum (abrangendo não apenas personagens concretas, mas também feitos históricos variados); nesse sentido, a toponímia tem-se constituído, entre muitos outros veículos, num privilegiado «lugar de memória», seguindo o conceito primeiramente cunhado por Pierre Nora na sua obra homónima, Les lieux de mémoire 2. A maior parte dos estudos empreendidos sobre a toponímia lisboeta têm sido produzidos pela Comissão Municipal de Toponímia (a qual tem, periodicamente, levado a cabo as Jornadas de Toponímia de Lisboa, publicando as correspondentes actas e, bem assim, dando à estampa um variado conjunto de publicações sobre o tema 3); neste âmbito, devemos mencionar ainda um pequeno estudo produzido em contexto universitário, abordando a toponímia como lugar de memória e elencando a metodologia a ser seguida em investigações deste cariz 4. Nesse sentido, podemos afirmar que a presente investigação se enquadra na categoria dos estudos toponímicos que envolvem algarismos, independentemente da natureza que os mesmos revestem; iremos elencar sumariamente as diferentes tipologias de topónimos existentes em Lisboa e abordar as várias cifras empregues nas ruas lisboetas, a saber: números cardinais, números ordinais, números fraccionários e datas, a que se juntará, no fim, uma relação das ruas contendo números e datas entretanto substituídas por outras designações, e um anexo contendo os antigos arruamentos numéricos de Lisboa 5. 1. Tipologias toponímicas em Lisboa A expansão urbana de Lisboa, operada ao longo dos séculos XIX e XX (e que prossegue ainda, já em pleno século XXI), bem como a frequente redefinição das fronteiras do concelho (1852, 1885, 1886, 1895, 1955, 2012), ditaram a constituição de uma extensa malha urbana que cresceu para fora do casco histórico da cidade, fazendo assim aumentar exponencialmente o número de arruamentos de Lisboa. A mais recente reforma administrativa do município, consumada pela Lei n.º 56/2012, de 8 de (1) Investigador do Centro de História da Universidade de Lisboa (CH-ULisboa) e do Centro de Estudos de História Religiosa da Universida-de Católica Portuguesa (CEHR-UCP). a.leitao@campus.ul.pt (2) Nora (1984). (3) Vide, v.g., Botelho (1991), Pereira (2004). (4) Medina (2004): 35-43. (5) Sempre que possível, indicar-se-á, em nota de rodapé, a data do edital pelo qual os arruamentos de Lisboa receberam a sua denomina-ção presente – o que foi feito com recurso à página da Comissão Municipal de Toponímia (disponível em http://www.cm-lisboa.pt/toponimia/), onde se encontram disponibilizadas as informações relativas a cada arruamento, geralmente acompanhadas de uma reprodução do edital de atribuição do topónimo. 61