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Pontos de Cultura: olhares sobre o Programa Cultura Viva

Entretanto, a pesquisa deixa claro que, apesar de algumas situações desviantes, há avanços não previstos que devem ser preservados no momento de avaliação: Teve um lugar em que fomos, onde a Secretaria de Cultura foi criada por causa do ponto. Eu penso que o Ponto de Cultura, para muitos grupos, foi um divisor de águas e neste aspecto ele conseguiu mudar as comunidades, porque ganhou uma visibilidade e conseguiu outros editais, potencializando-se com outros recursos. (...) muitas pessoas falam: “depois do Ponto de Cultura a minha vida mudou”.12 Então é um negócio bem emocionante – esse é um exemplo. Outro exemplo se deu no Pará, onde um senhor analfabeto é o professor que orienta as crianças na redação das agendas da comunidade. As crianças lêem as agendas, interpretam e dão toda a orientação à comunidade. Uma pessoa analfabeta ensinou literatura – é uma coisa extraordinária! Acho que foram dois eventos bem interessantes.13

Tais consequências políticas e institucionais, longe de se configurarem como resíduos ou efeito colateral do programa, constituem em mudanças de modos de pensar e estar no mundo e realizam também aquilo que Certeau chama da dimensão invisível, mas estruturante de nosso cotidiano, em que os circuitos de trocas estabelecem uma teia de sociabilidade e solidariedade surpreendente e transformadora: Eu peguei um evento assim também, de recuperação. No caso foi com pessoas idosas que lidavam com fumo. Lá a cultura do fumo era muito intensa e elas trabalhavam durante o dia colhendo as folhas e, à noite, tiravam os talinhos. Elas contavam que era uma tradição do Município cantar músicas durante o trabalho, e que não acabou, mas quando o fumo foi perdendo a sua importância econômica, elas paravam de trabalhar e as músicas que cantavam foram sendo esquecidas – não eram registradas e nem escritas. E essas pessoas na comunidade eram assim: sentiam-se excluídas, porque perderam o seu trabalho e a sua cultura. O responsável de lá disse que havia uma separação entre os jovens e os velhos no Município. Os idosos ficavam com depressão, com problemas de pressão alta, de coração (...) E quando o Ponto de Cultura retomou as suas cantigas de trabalho, elas fizeram apresentações em outros lugares. Todos deixaram de tomar remédios. Fizeram uma apresentação lá, nós dançamos e choramos.14

O que parece ser a plataforma de transformação que o Ponto de Cultura realiza, é, reconhecidamente, uma ação de base local, mas com efeitos que transcendem as fronteiras, instituindo-se como modelos possíveis de organização e desenvolvimento por meio da cultura. A base parece ser o cotidiano e a realidade local, mas como a estratégia é nacional, identificam-se fragilidades que necessitam ser superadas: 12. Pesquisador no estado do Rio de Janeiro. 13. Pesquisador no estado do Pará. 14. Pesquisador no estado de Pernambuco.


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