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Doce Pranto para Rita

Meu pai faleceu em dezembro último. Foi o primeiro familiar próximo que eu perdi. Fui tomado de tristeza e pavor, muito menos por ele, que encontrou a paz que tanto ansiava em seus derradeiros dias; partiu dessa pra melhor, como se costuma dizer. Muito mais por mim mesmo, que senti o meu pai dentro de mim transfigurado. Mil fichas caindo. Freud organicamente fazendo sentido. O pavor fica por conta da compreensão da finitude, a ficha mais pesada. Dias depois ele me visitou num sonho de penetrante realidade. Na ocasião, escrevi no grupo da família: “Sonhei com papai. Foi uma visita rápida. De repente estávamos sentados diante de um lugar bonito, arborizado. Ele tinha sei lá, uns 60 anos. Cheinho, saudável, moreno. Ele perguntou: O que você quer, meu filho? Eu respondi: Quero que você viva pra sempre, papai. Ele fez aquela conhecida cara de poucos amigos, quando achava que o afeto era pertencimento dos outros. Eu lhe beijei a testa e a visita acabou.”.

Não sou místico nem espiritualizado, gostaria de ser. Tudo seria mais fácil. “I Want to Believe”, diria Fox Mulder. Mas aquele sonho foi tranquilizador. Deixo as explicações pra vocês.

Fui tomado de uma tristeza semelhante, de qualidade diferente, com a recente passagem de Rita Lee. Algo se perdeu. Como uma autêntica musa, continuou musa até os últimos dias. Todos da minha geração e proximidades, gostassem ou não dela (pobres haters), foram profundamente influenciados por sua presença. Sua alma fulgurante de vitalidade e alegria suavizava as pauladas das transgressões continuadas com que fustigava a caretice.

Medeiros

Santa Rita executou o milagre da transmutação, ao se multiplicar em 6 e virar “As Frenéticas” lá pros anos 1980. Sem Rita elas não existiriam. Vi ontem na TV o Nelson Motta dizer que a famosa música do sexteto terminava em “Vou te deixar louco, muito louco”, e que Rita, letrista genial, transformou em “Vou te deixar louco, muito louco, dentro de mim”. A Liga das Senhoras Católicas ficou horrorizada, mas nada podia ser feito contra o poder caliente e vital da deusa. As pobres senhoras da Liga hoje se horrorizariam com os defensores dos bons costumes, os fiscais do fiofó alheio, que na intimidade pintam e bordam. Rita era a antítese dessa hipocrisia. Íntegra, genial, forte, feminina, corajosa. Continuou linda até na velhice. A beleza não está na idade. O talento e a inteligência valem mais que uma tonelada de botox e cremes da Lancome. Nada contra.

Fiquei desamparado. Chorei porque a justiceira do Rock não existe mais pra me defender. Mas a arte dela é eterna e continuará a nos consolar. Vai pra luz, minha doce vampira. Cante um refrão pro meu pai, que era careta mas que nunca proferiu um insulto contra ti.

Enquanto isso, os haters continuarão cantarolando em segredo as canções de Rita Lee.