Omnia Sanctorum, Histórias da História do Hospital Real de Todos-os-Santos e seus sucessores

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prefácio a d r i a n o

m o r e i r a

Presidente da Academia das Ciências de Lisboa

A publicação desta obra dá-se numa data em que o conceito segundo o qual nenhuma responsabilidade presente, nenhuma pertença a qualquer instituição, incluindo a Nações e a Estados, podem ser assumidas a benefício de inventário: a narrativa do passado, mesmo que tenha a natureza de Velho Testamento, exige seguramente releitura, mas não consente esquecimento. Nesta data, a narrativa das iniciativas inspiradoras das instituições que genericamente cabem, nos dicionários históricos, na designação de “assistência pública”, e que nesta oportuna indagação têm por referência essencial a história do Hospital de Todos-os-Santos, vem ajudar a iluminar um tema essencial do Ocidente em crise, que é o do Estado Social e a sua relação com as escalas de valores que servem de “eixo da roda” à evolução das sociedades. Lembremos, em primeiro lugar, os Objectivos do Milénio, que na Cimeira que se realizou entre 6 e 8 de Setembro de 2000, em Nova Iorque, reunindo 189 países membros da ONU, destacou os seguintes: reduzir em dois terços a mortalidade das crianças com menos de cinco anos; reduzir em 75% a taxa de mortalidade maternal; combater o SIDA , dominar o paludismo e outras grandes doenças, começando a inverter a tendência actual, tudo objectivos a conseguir até 2015. Seja qual for a semântica dos analistas, está a falar-se de um “bem público mundial”. A evolução que esta investigação documenta mostra que num largo período, que os historiadores situam entre a fundação do Reino até ao fim do século XV, domina o espírito da caridade cristã, lembrando a Ordem dos Hospitalários, que seguiu a inspiração de São Bento, um dos fundadores da Europa, e que se instalou em Portugal pelos começos do século XII, vindo mais tarde a enfileirar ao lado das restantes Ordens Militares; o segundo período, que se inicia com a intervenção ostensiva do Estado, com D. João II a orientar-se para os grandes hospitais, fusão das pequenas instituições, sendo o Hospital de Todos-os-Santos o primeiro, e portanto sem que a referência cristã deixe de ser a marca dos valores; a partir da mudança radical que foi a refundação dos Estados nos séculos XIX e XX, orientados pelo liberalismo político, vai-se fortalecendo o conceito da responsabilidade directa do Estado, até que o conceito de “Estado Social” passou a ser inscrito nas Constituições, incluindo a actual Constituição Portuguesa de 2 de Abril de 1976. Esta obra surge quando os princípios e valores referenciados pela narrativa parecem entrar numa das situações que Deforges chamou “zones grises”: a chamada

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