A Igreja de São Pedro

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A Igreja de São Pedro no contexto histórico da cidade de Elvas

JOSÉ FERNANDO REIS DE OLIVEIRA

B Y THE

BOOK



Les vrais musées sont les églises DESEINE , 1851


© Edição By the Book, Edições Especiais Título A Igreja de São Pedro, no contexto histórico da cidade de Elvas © Texto e Fotografia José Fernando Reis de Oliveira Impressão Real Base ISBN 978-989-8614-97-1 Depósito Legal 468154/20 Comunicação apresentada em 15 de Novembro de 2018 no Seminário "2018: Ano Europeu do Património Cultural" – Secções de Arqueologia, Artes e Literatura, Estudos do Património e Etnografia da Sociedade de Geografia de Lisboa

BY THE

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Edições Especiais, lda Rua das Pedreiras, 16-4º 1400-271 Lisboa T. + F. (+351) 213 610 997 www.bythebook.pt


7 Prólogo 9

Origens da cidade de Elvas

10 As muralhas defensivas. As cercas mouras e a cerca fernandina; as muralhas à Vauban 14

A conquista de Elvas por D. Sancho II (1230)

18

Peregrinando até à Igreja de São Pedro

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O Templo

Caracterização

Os estuques relevados da capela-mor da Igreja Paroquial de São Pedro

Nota Final

53 Anexos 56

Fontes e Bibliografia

62 Agradecimentos


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Prólogo

D

esejava há muitos anos escrever sobre a Igreja de São Pedro em Elvas, mas o impulso para o concretizar, realmente, só ocorreu quando na Secção de Etnografia da Sociedade de Geografia de Lisboa, conjuntamente com as Secções de Arqueologia, Artes e Literatura e Estudos do Património, celebrámos em 2018, o Ano Europeu do Património Cultural. A ocasião era, assim, propícia para tecer algumas considerações acerca daquela igreja, o que efectivamente ocorreu, tendo-lhe dado o título: “A Igreja de São Pedro, no contexto histórico da cidade de Elvas”, já que a sua história se confunde com a da cidade, desde a sua conquista aos mouros em 1230. De particular interesse, nesta igreja, são os oito estuques relevados da cúpula da capela-mor – verdadeiro tesouro artístico – testemunho de erudição e sensibilidade, inspirados na Emblemata de Andrea Alciato. Na exposição apresentada, três desses estuques mereceram uma análise detalhada, comparando as figuras com as gravuras contidas na Emblemata, de 1549, na tradução para espanhol, levada a cabo por Daza Pinciano. Mas porque as mensagens que se transmitem numa comunicação se esgotam no momento em que a mesma termina, optei por levá-la ao conhecimento de um público mais vasto e também interessado. É essa a razão de ser desta monografia.

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O Templo Caracterização

E

nquanto igreja do século XIII, São Pedro sofreu sucessivos restauros e intervenções, do século XV ao século XX , que alteraram a sua traça primitiva. Um dos momentos particularmente importantes dessa necessidade de reconstrução foi consequência do terramoto de 1755. Assim, o que resta como original é o portal romano-gótico da transição 17 ou gótico duocentista, refeito no século XV. O esbelto pórtico em granito possui três arquivoltas e tem adossados em cada lado três meio-colunelos, dos quais dois são menos espessos e suportam a moldura do arco de forma ogival, restaurado no século XIX. Os capitéis dos meio-colunelos estão decorados com folhas de hera e outros ornatos 18. Antecede o portal uma escadaria com seis degraus em mármore. A fachada principal, do século XVIII, baixa e incaracterística, é encimada, nos acrotérios, por uma cruz de mármore ladeada por fogaréus. Na base da cruz estão inscritas duas datas: E. 1227 (erguida) e R. 1877 (reconstruída). Terá a Igreja de São Pedro, sede paroquial e cabeça de uma comenda templária e depois da Ordem de Cristo, sido fundada antes da conquista (ou reconquista) definitiva de Elvas em 1230?

*** 17.  Luís Keil, Inventário Artístico de Portugal: Distrito de Portalegre, Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes, 1943, p. 77 18.  Luís Keil, op. cit., p. 77 22


A fachada posterior do templo, a NE , está adossada a edifícios voltados à ladeira de São Pedro e à Praça dos Combatentes da Grande Guerra, onde existiu a ermida de São Vicente, também conhecida por Nossa Senhora da Paz. A 2 de Março de 1926, o Presidente da Câmara Municipal de Elvas, Dr. Santana Marques, propôs superiormente que aquela ermida, já secularizada, fosse cedida para se proceder ao alargamento e embelezamento do largo de São Vicente 19, pelo que a mesma foi demolida em Julho do ano seguinte, transformando-se o local em jardim. Em 22 de Setembro de 1938, sob a presidência do Capitão Rodrigues Carpinteiro, inaugurou-se um monumento aos Combatentes da I Guerra Mundial, dando assim lugar à “Praça dos Combatentes 19.  Eurico Gama, Roteiro Antigo de Elvas, Elvas, s.n., Gráfica Calipolense de Vila Viçosa, 1972, p. 48 23


da Grande Guerra” 20, vulgo Largo de São Vicente, onde se encontra uma fonte de três bicas que fazia parte integrante da referida ermida. As imagens de São Vicente Mártir, Senhora da Alegria, Senhora da Paz, entre outras, a paramentaria, alfaias litúrgicas e telas, passaram para a Igreja de São Pedro, já que a ermida era filial daquela igreja.

*** Atendendo à zona geológica sensível em que assenta parte da cidade de Elvas, a Igreja de São Pedro – à semelhança do que ocorreu com outras igrejas implantadas na zona: a antiga Igreja do Salvador, São João da Corujeira (Ermida de São João de Malta), Igreja dos Terceiros de São Francisco – foi particularmente afectada pelo megassismo de 1755 (também o sismo de 28 de Fevereiro de 1969 causou estragos). Na sequência do grande terramoto, uns meses depois, a 20 de Janeiro de 1756, o Marquês de Pombal ordenou a realização de um inquérito a todos os Bispados do Reino, a fim de tomar conhecimento dos danos causados. Do notável “Inquérito do Marquês de Pombal” resultaram “Memórias Paroquiais” de valioso interesse, ainda que algumas tenham um conteúdo minimalista e até circunstancial. No semanário Linhas de Elvas, Rui Jesuíno transcreveu as memórias paroquiais de Elvas a partir do manuscrito que se encontra, como referiu, nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Das igrejas de Elvas, foi a resposta dada pelo pároco (Martins Restolho) da “Freguesia de São Pedro da cidade de Elvas e do seu distrito”, a 5 de Abril de 1758, a mais pormenorizada 21. 20.  Eurico Gama, op. cit., p. 49 21.  Cf. Rui Jesuíno: “As memórias paroquiais de Elvas: Igreja de São Pedro”, in: Linhas de Elvas, n.os 3430, 3431, 3432 e 3433, de 6, 13, 20 e 27 de Julho, respectivamente, ano 2017 24


Apesar de omissões indesculpáveis – como a não referência ao pórtico, entre outras –, o seu interesse é imenso para podermos compreender como era a igreja no tempo do terramoto e os restauros posteriores. Consideremos então alguns excertos dessa memória paroquial da Igreja de São Pedro: O pároco refere-se, no início da mesma, à localização da freguesia: “situada num vale a que se chamou Almocavar nos fins da dita cidade para a parte do Nascente e a igreja está quase no meio numa meia ladeira (…). O termo desta cidade, pela parte desta freguesia tem duas léguas até ao Rio Caia, que divide o Reino de Portugal do de Castela (…). O orago desta freguesia é nosso Pai e Senhor São Pedro, igreja muito antiga e muito mal feita, é de três naves e tabicada de madeira, e muito arruinada com o terramoto dos anos passados; de uma parte tem quatro arcos e de outra três, por quanto o lugar da pia baptismal ocupa o lugar do quarto arco (…). A capela maior é do Senhor São Pedro, é esta capela de abóbada e meia laranja (…) Tem esta igreja uma torre muito antiga e muito grande, com dois sinos e muito arruinada com o tremor passado, ameaçando grande ruína, e debaixo dela está a sacristia da igreja e sobre esta o consistório de Nossa Senhora da Luz, e sobre este fica a torre e o zimbório muito grande, e desta ruína fiz já aviso ao Excelentíssimo Marquês do Louriçal duas vezes de que não tive resposta, o qual está obrigado a estas obras serem canceladas por ser comendador desta igreja e lhe render a mesma mais de três mil cruzados (…) 22. Prosseguia o pároco enumerando as cinco capelas existentes, além da capela maior. Dentro do cruzeiro, da parte do Evangelho, a do Senhor Jesus Crucificado; da parte da Epístola, a Capela da Senhora da Piedade; uma capela com um quadro da Senhora dos Desamparados. Do cruzeiro para fora, da parte do Evangelho, uma capela da Senhora da Luz (com Irmandade administrada pelos hortelões) e em frente desta, a capela do Santíssimo Sacramento. 22.  Rui Jesuíno, op. cit., n.º 3431, 13 de Julho de 2017, p. 18 25


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Os estuques relevados da capela-mor da Igreja Paroquial de São Pedro

É

na cobertura em cúpula oitavada, da capela-mor, que um lanternim ilumina, que deparamos com a beleza e enigma de oito figuras em estuque branco relevado sobre um fundo castanho-camurça. Que representam? Que mensagem nos querem transmitir? Quem terá sido o mentor de um tal programa? Em que gravuras terá sido colhida a inspiração? Quem foram os seus criadores? Sobre as oito figuras em estuque que sobressaem em cada gomo, têm sido feitas leituras assaz interessantes. O erudito elvense, Vitorino d’Almada, alertou para o facto de serem em relevo algumas figuras de argamassa, em que parece haver toques de mitologia pagã e indiana, as quais devemos por isso referir ao tempo do estabelecimento português na África e na Índia 50. Destes estuques relevados fez desenhos D. Lluis Vermell i Busquets, pintor catalão, amigo de Vitorino d’Almada, quando residiu em Elvas, no período compreendido entre Agosto de 1874 e Maio de 1875 51. Daqueles desenhos desconhece-se o paradeiro e os mesmos não foram dados à estampa na O Occidente, ao contrário de outros trabalhos do pintor 52. Luís Keil referiu-se à cobertura em cúpula [da capela-mor], com decoração de alvenaria, no gosto do Renascimento, dividida em gomos, com pendurados, figuras, rótulos e laçarias 53. 50.  Vitorino d’Almada, “Apontamentos para a Chrónica da Cidade de Elvas: XI: as primeiras igrejas”, in: O Elvense, n.º 106, de 10 Fevereiro de 1883, p. 1 51.  Cf. José Fernando Reis de Oliveira, O Pintor Catalão Lluis Vermell i Busquets em Portugal, Lisboa, By the Book, 2017 52. Cf. O Occidente, n.º 7, de 1 Abril de 1878, p. 56; n.º 10, de 15 de Maio de 1878, p. 80; n.º 118, de 1 de Abril de 1882, p. 80; n.º 143, de 11 de Dezembro de 1882, p. 280 53.  Luís Keil, op. cit., p. 78 35


*** Alciato recorreu à mitologia grega: Acteon, caçador infatigável, foi vítima da cólera de Diana que, surpreendida por este no banho, o metamorfoseou em cervo, entregando-o aos cães, que, não o tendo reconhecido, o despedaçaram. Mensagem moralizante que poderemos reter: o ingénuo que favorece malfeitores arrisca-se a que um dia esses mesmos malfeitores se voltem contra quem os favoreceu ou, mais linearmente, há que fugir das más companhias.

*** Suprimido o título e o texto, face à ilustração, o artesão concretizou no estuque relevado o que da mesma assimilara.

Gravura [E. p. 126] da Emblemata

Estuque relevado correspondente à [E. p. 126] 44


O emblema seguinte, E. p. 172, intitula-se: La concordia insuperable OTTAVA ACEPHALA

(Concórdia Insuperável) Observando a ilustração parece estarmos na presença de uma divindade oriental, com três rostos e múltiplos membros (seis braços, seis pés e pernas, seis mãos), não fossem a veste militar e a coroa sobre a cabeça, que remetem para a imagem clássica de rei. Curiosamente, as três mãos esquerdas, apoiam-se num escudo, enquanto as três mãos direitas seguram uma lança e punhais.

*** Traduzindo o poemeto: Aqueles três irmãos foram tão unidos pela piedade e amor que não sendo nenhum deles vencido os seus reinos são tão livres e sãos que sendo três mereceram apenas um nome: o nome de Geryon. Neste emblema está subjacente a narrativa do mito grego dos doze trabalhos de Hércules, em que o décimo trabalho consistiria em encontrar e capturar os bois vermelhos de beleza extraordinária que pertenciam a Geryon. Uma versão do mito apresenta-o como rei de Tartassos, em Espanha – um monstro fabuloso reputado como o homem mais forte do seu tempo e que tinha nascido com três cabeças, seis braços e mãos, seis pernas e pés, tendo os três corpos unidos pela cintura; noutra versão do mito, Geryon era o título do rei Chrysaon da Eritreia, que possuía um rebanho de bois encarnados e que, apoiado pelos três filhos, defendia o seu reino (algures em Espanha), contra Hércules. Mas este matou-os e apoderou-se dos famosos rebanhos 66. 66.  Cf. Robert Graves, The Greek Myths, Vol. 2, Edinburgh, Penguin Books, 1957, pp. 132-141 45


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