Matéria Tostão - Revista do Cruzeiro (abril/maio 2014)

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Mineirinho

de ouro Tostão fala sobre as Copas de 1966 e 1970 e relembra sua trajetória na Seleção Brasileira Por Bruno Mateus Quando se destacava nas peladas no conjunto IAPI, em Belo Horizonte, aquele garoto franzino mal sabia que, algum tempo depois, estaria ao lado de Pelé e Garrincha disputando uma Copa do Mundo. O ano era 1966 e Tostão experimentava pela primeira vez a sensação de participar da competição que reúne as melhores seleções do planeta. Poucos podiam imaginar que aquele garoto

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de 19 anos se tornaria um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro. A estreia com a camisa da Seleção aconteceu pouco antes do torneio, no amistoso contra o Chile, no Morumbi, em maio. Vestindo a 8 amarelinha, Tostão começou a mostrar a genialidade do jogador que faria história no escrete canarinho. Dois meses

depois, viajaria com a delegação brasileira para o Mundial da Inglaterra. Buscando o Tri – o Brasil foi bicampeão em 1958 e 1962 - o time comandado por Vicente Feola fez uma péssima campanha e foi eliminado ainda na primeira fase. Tostão foi um dos poucos destaques da equipe e atuou, substituindo o lesionado Pelé, na derrota para a Hungria, por 3 a 1, quando fez o gol de honra dos brasileiros.


Sua estreia na Seleção Brasileira foi aos 19 anos, em maio de 1966. Pouco tempo depois, em junho, você já disputava sua primeira Copa, na Inglaterra. Em 1966, o Cruzeiro despontava como um grande time e havia uma expectativa de que eu, Dirceu Lopes e outros jogadores pudéssemos ser chamados. É bom lembrar que naquela época só se convocavam jogadores de São Paulo e Rio de Janeiro; atletas de outros estados não faziam parte da Seleção. Quando saiu a lista, a maioria da imprensa disse que a minha convocação, a do Nado, do Náutico, e a do Alcindo, do Grêmio, eram para agradar os estados. Eles não viam que a gente podia jogar a Copa do Mundo, os comentários na época eram esses. Eu tinha 19 anos, estava jogando muito bem no Cruzeiro, mas em início de carreira e, como falei, não era valorizado como são hoje valorizados jogadores de outros estados [fora Rio e São Paulo]. Fui muito bem nos treinos e amistosos, o Alcindo também, aliás, fazíamos dupla de ataque no time reserva. Na última convocação [para a Copa], eu estava presente. O Brasil não tinha um time formado e foi muito mal. Eu era reserva do Pelé e joguei contra a Hungria, pois ele se machucou. Fiz um gol, depois ele voltou contra Portugal e o Brasil foi desclassificado. Mas eu fui bem contra a Hungria e em todos os amistosos de preparação. Então, a partir de 1966, houve uma renovação e passei a fazer parte de todas as seleções que se formaram.

Eusébio, além de Pelé e Garrincha? Foi uma experiência espetacular e uma satisfação grande participar daquilo, estar ao lado do Pelé, do Garrincha, dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro. E me serviu também como preparação para a Copa de 1970. Em 1966, eu ainda não era conhecido internacionalmente, era um jovem como o Kaká em 2002, o Ronaldo em 1994, estava mais para adquirir experiência para outras Copas. Mas quando tive chance de jogar, fiz gol e joguei bem.

Em agosto de 1969, você sofreu o descolamento da retina e passou por uma cirurgia, em outubro. Ainda assim, nas eliminatórias para a Copa de 1970, você foi o artilheiro da Seleção. Havia muita desconfiança sobre sua participação no Mundial? O futebol brasileiro estava sem prestígio na época por conta da Copa de 1966, mas com o técnico [João] Saldanha, o Brasil formou um time que

encantou nas eliminatórias e fui o artilheiro. Foi o meu melhor momento, o meu auge na Seleção, ganhei prestígio nacional e internacional. Depois das eliminatórias, quando tive o descolamento da retina, fiquei ameaçado de não jogar a Copa do Mundo. Quase não deu, fiquei seis meses parado – fui operado em outubro [de 1969] e voltei a treinar já no período próximo à Copa. E ainda havia muita desconfiança, mas acabei me recuperando. Não joguei nas mesmas condições físicas dos outros jogadores, enquanto eles estavam treinando, eu estava me recuperando [da cirurgia no olho], então foi uma dificuldade grande voltar a jogar em boas condições. Fui titular com o Saldanha, mas o Zagallo achava que eu tinha as mesmas características do Pelé, então a Seleção precisava de um tipo específico de centroavante. Ele convocou o Dario e o Roberto [Miranda], e fiquei como reserva de Pelé. Mas próximo à Copa, ganhei a posição e joguei de titular.

O Saldanha foi demitido do cargo em 1970 e substituído pelo Zagallo.

Como foi para você sair de Belo Horizonte e participar de uma competição que tinha os maiores jogadores de futebol do mundo, como o inglês Bobby Moore e o português fevereiro/março 2014

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/////CRUZEIRO NAS COPAS De que maneira o grupo absorveu essa mudança de treinador? Todo mundo ficou sentido, todos gostavam do Saldanha. Ele era uma pessoa especial, para mim mais ainda, eu tinha muita admiração por ele, muito mais como pessoa humana e suas atitudes do que como técnico. Mas nós, jogadores, não íamos deixar de nos dedicar inteiramente à Seleção por causa da mudança de treinador. Havia um grande desejo de ganhar a Copa do Mundo. O Zagallo mudou a maneira de jogar do time, colocou mais um jogador no meio-campo, o Rivellino, colocou o Piazza de zagueiro. Será que a Seleção com o Saldanha também ganharia? Imagino que sim, porque muito mais importante que o estilo e o esquema tático era a qualidade dos jogadores, e o Brasil tinha Pelé, Rivellino, Gérson, Jairzinho, Carlos Alberto, Clodoaldo, ou seja, um timaço.

Como era atuar ao lado desses craques?

Quando jogava no Cruzeiro, eu era um meia, um jogador que vinha no meio armar as jogadas, eu e Dirceu Lopes trocávamos muito de posição. E na Seleção, me adaptei a jogar numa posição totalmente diferente, de centroavante. Seria mais ou menos hoje tirar o Fred e colocar o Oscar de centroavante. Mas me adaptei, fui um facilitador do Pelé, do Jairzinho, eles tinham uma agressividade enorme e ao lado deles. Meu estilo casou com o do Pelé, do Jairzinho, do Rivellino...

Em 1º abril deste ano, lembramos o 50 anos do golpe militar e é impossível não citar o clima tenso de 1970. Ditadura, repressão, torturas, censura, enfim, uma violência danada. Os jogadores conversavam sobre o assunto? Isso chegou a influenciar a Seleção de alguma maneira? Na verdade, o futebol ficou desvinculado da política. É preciso dizer que as torturas e outras atrocidades foram sendo reveladas com o tempo, na época nós não tínhamos conheci-

mento disso. Eu era totalmente contra a ditadura, dei entrevistas falando sobre isso, inclusive para O Pasquim, que era o principal jornal brasileiro contra a ditadura. Mas a gente [os jogadores] vivia intensamente a preparação para a Copa do Mundo, havia um ambiente de seriedade e profissionalismo para tentar ganhar a Copa, independentemente do que acontecia na política brasileira. Na época, torcedores revoltados com a ditadura falavam que não iam torcer pelo Brasil, mas quando começou a Copa, eles ficaram entusiasmados e todos vibraram com a conquista da Seleção, e ao mesmo tempo odiavam a ditadura. Era uma coisa separada da outra.

Na entrevista para a edição passada da Revista do Cruzeiro, o Piazza disse que foi muito emocionante e motivador ver como a torcida mexicana adotou e torceu pela Seleção Brasileira. Você também sentiu isso? Os mexicanos torceram para o Brasil, ainda mais depois que o México saiu da Copa. Acho que foi pela identificação de modo de vida, pelo fato de o Brasil ser um país parecido com o México, e eles adoravam o futebol brasileiro. Foi uma coisa impressionante como o mexicano incorporou a Seleção Brasileira como se fosse a Seleção deles. Foram muitos fatores favoráveis ao Brasil: a torcida do México, o calor, a longa preparação física. Tínhamos tempos para treinar.

Qual é o seu jogo, o seu lance inesquecível daquela campanha do Tri? Individualmente, eu poderia gado a Copa melhor do que eu tinha condições para isso. joguei porque estava numa 40 Revista do Cruzeiro · nº 123

ter jojoguei, Só não função


mais de facilitador de outros jogadores e não estava na minha melhor forma física. O jogo que tive mais destaque individual foi contra o Uruguai, participei dos dois primeiros gols com dois passes – foram, aliás, dois passes que estão entre os lances mais espetaculares de toda a minha carreira. Também teve o lance contra a Inglaterra, que é mais reverenciado até hoje, todos falam sobre ele, as pessoas me perguntam. Mas o jogo mais importante da Copa foi mesmo contra o Uruguai.

Tem uma frase do Nelson Rodrigues que eu acho fantástica: “A tabelinha de Pelé e Tostão confirma a existência de Deus”. Era mais ou menos por aí? [risos] O Nelson Rodrigues fala nessa crônica que eu e o Pelé, numa época em que não existia internet, laptop, com-

putador pequeno, só existiam computadores enormes, jogávamos com computadores instalados na meia e no calção, que mediam a velocidade de um e de outro e calculavam todos os detalhes. Eu me lembro dessa crônica, e era uma beleza como o Nelson Rodrigues escrevia.

Quem foi o seu maior parceiro na Seleção? Se é que se pode escolher apenas um. Além do Pelé, que é um caso à parte, o Alcindo, que era um jogador do Rio Grande do Sul e jogamos juntos a Copa de 1966, nos entendíamos muito bem. Me entendi muito bem com o Rivellino, com o Gérson. E foi uma pena que não pude fazer uma dupla com Dirceu Lopes na Seleção. Nós jogávamos com o olhar, um sabia o que o outro ia fazer.

Você se lembra de alguma história de bastidores da Seleção, alguma passagem curiosa em Copa do Mundo? Em 1970, o Zagallo resolveu me escalar em um jogo-treino [na preparação para a Copa] de titular, eu era reserva do Pelé. Ele me perguntou se eu poderia jogar de uma maneira diferente, mais na frente, de costas para o gol. Eu disse: “Não tem nenhum problema, vou jogar como o Evaldo joga no Cruzeiro”. Fizemos esse jogo-treino e joguei pela primeira vez nessa função. Foi espetacular, demos um show, a torcida aplaudiu. Quando acabou o treino, que era contra um time do México, ao sair de campo o Zagallo olhou para mim e deu uma risadinha de satisfação. Ali eu tive certeza de que seria o titular na Copa.

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