Rituais de Apaziguamento

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-se-ia visto a eficácia das Nações Unidas em sancionar as violações do direito internacional e em repor a legalidade entre as Nações, mostrando-se garante dos princípios da soberania dos Estados. A “nova ordem internacional” que emergia da “Tempestade no Deserto” seria assim uma nova era em que os egoísmos nacionais ficariam vergados ao direito das gentes e em que o Conselho de Segurança da ONU asseguraria a estabilidade global. Os mais realistas, porém, não alimentavam estas ilusões. A lógica da vida internacional continuaria a ser a da correlação de forças. A operação militar contra o Iraque, mais do que uma intervenção das Nações Unidas, fora uma acção norte-americana com efeito de arrastamento sobre os aliados, embora com cobertura do Conselho de Segurança. O que esteve em jogo, ainda e sempre, foi a lei do mais forte. A superioridade militar é que continua a modelar o ordenamento internacional. Alguns outros pensam mesmo, quem sabe?, com uma nota de pessimismo, que o sistema internacional nascente se vai caracterizar pela afirmação da hegemonia dos Estados Unidos em todas as frentes, já que esse país é o único a ter condições para se constituir em "potência global", dotado como está de meios económicos e tecnológicos, políticos e militares para garantir essa função. Contra a tese do pretenso declínio americano, há autores que comparam a situação actual com a de Roma na transição da República para o Império. A vitória sobre Cartago teria permitido a Roma a concretização do sonho imperial. Do mesmo modo, ao vencerem Moscovo, a nova Cartago, os Estados Unidos estão, agora sim, em condições de estabelecerem o seu império mundial. Seria esta a "nova ordem" prometida por Bush? Na incerteza acerca do pensamento exacto do presidente americano, há lugar para nos interrogarmos quanto ao sentido da própria expressão “ordem internacional”. Antes de mais: haverá uma verdadeira “ordem”? A existência de um ordenamento da vida internacional parece desmentida pela realidade. O facto de o relacionamento entre os Estados ser determinado por interesses nacionais muitas vezes antagónicos gera uma situação de conflitualidade de que a guerra é a expressão mais intensa, já que cada Estado se sente legitimado para o uso da força armada quando os seus interesses são ameaçados. Mesmo fora da situação de guerra, as relações internacionais são demasiado marcadas por desequilíbrios e disfunções para se poder falar de "ordem mundial". A "desordem" vigente manifesta-se na incerteza quanto à própria existência de um direito internacional. Ao contrário do que ocorre nas nossas socieda209


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