Georges bataille o erotismo

Page 39

conjunto, por deslizamentos, formou-se uma área da imundície, da corrupção e da sexualidade cujas conexões são muito sensíveis. Em princípio, contigüidades de fato, de origem externa, determinaram a sua formação. Mas sua existência não tem menos um caráter subjetivo: a náusea varia conforme as pessoas, e sua razão de ser objetiva desaparece. Como sucessor do homem vivo, o cadáver não significa mais nada: igualmente, nada de tangível nos dá objetivamente a náusea, nosso sentimento é o de um vazio que nós experimentamos na falta. Não podemos falar facilmente dessas coisas que não são nada por si mesmas. Elas se manifestam, entretanto, freqüentemente com uma força sensível, inexistente nas coisas inertes que só nos atingem por suas qualidades objetivas. Como dizer que não é nada essa coisa fétida? Mas se protestamos, é porque, humilhados, recusamos ver. Acreditamos que uma dejeção nos enoja por causa de seu mau cheiro. Será que federia se, antes, ela não se tivesse tornado o objeto de nosso nojo? Parece que esquecemos depressa o trabalho que é comunicar aos nossos filhos as aversões que nos constituem, que fizeram de nós seres humanos. Nossos filhos não partilham nossas reações a partir deles mesmos. Eles podem não gostar de um alimento que recusam. Mas devemos lhes ensinar por gestos e, se preciso for, pela violência, a estranha aberração que é o nojo, que nos toca a ponto mesmo de nos fazer perder o controle e cuja transmissão data dos primeiros homens, continuando através de inumeráveis gerações de crianças repreendidas. Nosso erro é não levar a sério ensinamentos sagrados que, há milênios, transmitem-se às crianças, mas que, outrora, tinham uma forma diferente. O campo da repugnância e da náusea é em seu conjunto uma conseqüência desses ensinamentos.

O movimento de prodigalidade da vida e o medo desse movimento Com esta leitura, o que poderia se abrir em nós é um vazio. O que eu disse só tem como sentido esse vazio. Mas esse vazio se abre num ponto determinado. É, por exemplo, a morte que o cria através do cadáver, em cujo interior a morte introduz a ausência, e da decomposição ligada a essa ausência. Posso aproximar meu horror da decomposição (tão profundamente proibida que em mim é a imaginação que a sugere e não a memória) do sentimento que tenho da obscenidade. Posso me dizer que a repugnância e o horror são o princípio de meu desejo, e é na medida em que seu objeto não abre em mim um vazio menos profundo que a morte, que eles movem esse desejo que originalmente é feito de seu contrário, o horror. No primeiro movimento, este pensamento excede a medida. É preciso muita força para perceber o elo existente entre a promessa de vida, que é o sentido do erotismo, e o aspecto luxuoso da morte. A humanidade concorda em não reconhecer que a morte é também a renovação do mundo. Os olhos vendados, recusamos ver que só a morte garante incessantemente uma eclosão sem a qual a vida declinaria. Recusamos ver que a vida é a armadilha feita ao equilíbrio, que toda ela significa uma situação instável, desequilibrada, para onde nos conduz. É um movimento tumultuoso que se encaminha constantemente para a explosão. Mas se a explosão contínua não consegue

39


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.