Esqueci-me como se chama | Histórias e poemas de Daniil Harms

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bruaa@bruaa.pt www.bruaa.pt

Esqueci-me como se chama Daniil Harms Gonçalo Viana

Nina Guerra e Filipe Guerra Helder Guégués Bruaá editora Bruaá design

Norprint, Artes Gráficas S.A. Setembro, 2011 978-989-8166-13-5 331965/11

Todos os direitos reservados. BRUAÁ EDITORA R. José da Silva Fonseca, 47 3080-140 Figueira da Foz


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ÍNDICE

UMA HISTÓRIA 6 NO JARDIM ZOOLÓGICO

12

A CORRIDA 14

óleo de peixe 18 O OURIÇO

4

CORAJOSO 20


ESQUECI-ME

COMO SE CHAMA 22 COMO A MACHA

OBRIGOU O BURRO A LEVÁ-LA À CIDADE

MISTERIOSO

26 acreditava em nada

30 Sobre o Kolka Pânkin,

que foi ao Brasil, e

28

UM CASO

o Petka Erchov Que Não

OPRINTINPRAM CIRCO

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UMA

HISTÓRIA – Pronto – disse o Igor, pondo um caderno em cima da mesa –, vamos escrever uma história.

– Vamos – disse a Lenotchka, sentando-se na cadeira. O Igor pegou num lápis e escreveu: “Era uma vez um rei…”

Aqui o Igor ficou pensativo e levantou os olhos para o tecto.

A Lenotchka espreitou o caderno e leu o que o Igor lá tinha escrito. – Já existe uma história assim – disse a Lenotchka. – Como é que sabes? – perguntou o Igor. – Sei, porque li – disse a Lenotchka.

– Então de que é que fala? – perguntou o Igor.

– Bem, uma vez o rei estava a beber chá com maçãs e de

repente engasgou-se, e a rainha começou a bater-lhe nas costas para o bocado de maçã voltar a sair da garganta. E o rei pensou que a rainha lhe estava a bater, por isso deu-lhe com o copo na cabeça. Aí a rainha zangou-se e bateu no rei com o prato. E o

rei bateu na rainha com a tigela. E a rainha bateu no rei com a cadeira. E o rei levantou-se e bateu na rainha com a mesa. E a

rainha fez tombar o aparador em cima do rei. Mas o rei saiu de baixo do aparador e atirou a coroa à rainha.

Então a rainha pegou no rei pelos cabelos e atirou-o pela janela. Mas o rei entrou de novo no quarto por outra janela, pegou na

rainha e enfiou-a no fogão. Mas a rainha saiu pela chaminé para o telhado, depois desceu pelo pára-raios até ao jardim e voltou a

entrar no quarto pela janela. O rei nessa altura estava a acender o fogão para queimar a rainha. 6


A rainha foi sorrateiramente por trás do rei e empurrou-o. O rei foi assim projectado para dentro do forno e ardeu todo. É esta a história – disse a Lenotchka.

– Uma história muito estúpida – disse o Igor. – Eu queria escrever uma completamente diferente. – Então escreve – disse a Lenotchka.

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O Igor pegou no lápis e escreveu: “Era uma vez um bandido…”

– Espera! – gritou a Lenotchka. – Já existe uma história assim! – Não sabia – disse o Igor.

– Mas é claro que existe – disse a Lenotchka –, será que não

conheces a história de como um bandido, fugindo dos guardas, saltou para cima do cavalo, mas não acertou e caiu do outro lado no chão? O bandido praguejou e voltou a saltar para

cima do cavalo, mas de novo calculou mal o salto e caiu do

outro lado no chão. O bandido levantou-se, brandiu o punho, saltou para cima do cavalo e falhou mais uma vez e caiu do

outro lado, estatelado no chão. Aí o bandido sacou a pistola do cinto, disparou para o ar e saltou de novo para cima do cavalo, mas com uma força tal que falhou o salto mais uma vez e

esborrachou-se no chão. Então o bandido arrancou o chapéu da cabeça, pisou-o e saltou novamente para cima do cavalo e

de novo falhou o salto, esborrachou-se no chão e partiu a perna. O cavalo afastou-se para o lado.

O bandido, coxeando, correu para junto do cavalo e deu-lhe um soco na testa. O cavalo fugiu. Nesse momento apareceram os guardas, agarraram no bandido e levaram-no para a prisão.

– Bem, então quer dizer que não vou escrever sobre o bandido – disse o Igor.

– Então vais escrever sobre quem? – perguntou a Lenotchka. – Vou escrever uma história sobre um ferreiro – disse o Igor.

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O Igor escreveu:

“Era uma vez um ferreiro…”

– Também já existe uma história assim! – gritou a Lenotchka. – Então? – disse o Igor e pousou o lápis.

– Então não sabes – disse a Lenotchka. – Era uma vez um

ferreiro. Um dia, estava ele a forjar uma ferradura, e levantou o martelo com tanta força que o martelo se soltou do cabo, voou pela janela, matou quatro pombos, bateu contra uma

torre de incêndio, desviou-se para o lado, partiu o vidro da casa do comandante dos bombeiros, voou por cima da mesa à qual estavam sentados o próprio comandante dos bombeiros e a

mulher, furou a parede da casa do comandante dos bombeiros e voou de novo para a rua. Na rua derrubou um poste de

lampião, fez cair no chão o vendedor de gelados e bateu na

cabeça do Karl Ivánovitch Schusterling, que por momentos tinha tirado o chapéu para arejar a cabeça. Depois de ter

batido na cabeça de Karl Ivánovitch Schusterling, o martelo ricocheteou para trás, de novo atirou ao chão o vendedor de

gelados, empurrou do telhado dois gatos que andavam à luta,

fez cair uma vaca, matou quatro pardais, voltou a irromper na forja do ferreiro e foi encaixar-se no

seu cabo, que o ferreiro continuava a segurar na mão direita. Tudo isto aconteceu tão depressa que o

ferreiro não reparou em nada e

continuava a forjar a ferradura.

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– Significa então que já foi escrita uma história sobre um

ferreiro, por isso vou escrever uma história sobre mim próprio – disse o Igor e começou a escrever: “Era uma vez o Igor…”

– Sobre o Igor também já existe uma história – disse a

Lenotchka. – Era uma vez um rapaz chamado Igor, e uma vez ele foi ter com…

– Espera – disse o Igor –, eu queria escrever uma história sobre mim próprio.

– Sobre ti também já foi escrita uma história – disse a Lenotchka. – Não pode ser! – disse o Igor.

– Acredita que foi – disse a Lenotchka. – Mas onde? – admirou-se o Igor.

– Olha, compra o livro ESQUECI-ME COMO SE CHAMA, e lá

poderás ler uma história sobre ti próprio – disse a Lenotchka. O Igor comprou o livro ESQUECI-ME COMO SE CHAMA e leu

exactamente esta mesma história que tu acabaste de ler.

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NO JARDIM ZOOLÓGICO – Já foste ao jardim zoológico? – Já.

– Viste o leão?

– Aquele com a tromba?

– Não, esse é o elefante, o leão não é assim. – Ah, um com duas bossas. – Não! Com uma juba!

– Ah! Sim, sim, com a juba, aquele com um bico. – Mas qual bico! Com presas. – Sim, com presas e asas.

– Não, isso não é um leão. – Então é o quê?

– Não sei. O leão é amarelo.

– Sim, amarelo, quase cinzento. – Não, é mais quase vermelho.

– Sim sim sim, com uma cauda. – Sim, uma cauda e garras.

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. rato

g se? om é es C o ã ! ei e le ás io d a J r sas. – que s com a o t s a r a m –M existe ê! Não u q l a u –Q – Pois claro. – Bem, então é um pássaro.

– É isso. Eu também acho que é pás

saro.

– Eu estava a falar-te do leão.

– E eu também, do pássaro leão.

– Mas achas que o leão é um pássaro

– Parece-me que é um pássaro.

?

E ainda por cima está sempre a chil

“TURLI - TIR

– Espera

rear:

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! Não é a

UT ”

quele cin – Isso zentinho mesm e amareli o. Cinz – Com nho? e n t i n a cab ho e am eça r – Sim arelinh edon o. , com da? uma –Ev c oa? abeç a red – Voa onda . . – En tão d igo -t – Poi e já: s clar é um o ! tenti É iss – Ma lhão! o me s eu s p mo: u ergun – Pro m te tei so nto, o ntilh bre o leão ão. leão. não v i.

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FIM

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Daniil Harms, de seu nome verdadeiro Daniil Ivánovitch Iuvatchov, nasceu em S. Petersburgo em 1905. Perseguido pelo regime e impedido de publicar (um par de poemas é tudo quanto consegue publicar em vida), Harms, tal como outros autores seus contemporâneos, consegue sobreviver escrevendo para revistas infantis. Estes textos, muitas vezes desafiando os moldes da produção literária didáctica e temente ao regime, acabam por atirá-lo para a prisão por duas vezes. Da segunda vez, Daniil Harms já não sairá com vida. Morre de fome a 2 de Fevereiro de 1942. Com Leninegrado já cercada pelo exército nazi, a sua mulher, Marina Malich, e o seu amigo Iákov Drúskin regressam à casa onde viviam, quase destruída por uma bomba, e recuperam a mala onde Harms havia guardado os seus manuscritos, salvando assim uma obra que só vinte anos depois começaria a ser divulgada e publicada na URSS. ESQUECI-ME COMO SE CHAMA é o nosso pequeno contributo para que cada vez mais leitores possam conhecer e celebrar uma das vozes mais originais da literatura russa do século XX.

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ISBN 978-989-8166-13-5

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