Separata à Atoleiros Nº 32

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atenção à operacionalização material em detrimento do aspecto humano da guerra e sobretudo ao considerar-se a referência britânica à indisciplina como insultuosa da autoridade militar portuguesa.

Que problemas foram, então, sentidos?

Esta “desatenção” e desconsideração pela experiência de guerra alheia levará a situações caricatas mas sintomáticas, relatadas em relatórios britânicos p.e.

Problemas materiais como, por vezes, a falta de armamento e munições que prejudicou a instrução pois nem todos os homens podiam realizar todos os exercícios previstos.

a) o descuido pelo não uso de meias e de gordura de impermeabilização pelos entrincheirados (com prejuízo da saúde e da operacionalização das tropas);

Problemas sanitários como o processo de vacinação das tropas portuguesas, quando se instalavam nos acantonamentos, após a chegada ao sector do CEP.

b) a recusa de cumprir ordens britânicas a horas consideradas descabidas para oficiais portugueses demasiadamente fatigados, como as formaturas às 23h;

A necessidade de vacinar contra a febre tifóide, o tifo e a varíola impossibilitava as tropas devido à reacção a curto prazo à vacinação, dificultando a instrução. As tropas sujeitas à vacinação atrasavam a sua apresentação à instrução e quando a iniciavam não podiam dar o seu máximo rendimento prejudicando a intensidade dos exercícios e obrigando a estratagemas que, por si, dificultavam uma instrução célere e coesa das unidades expedicionárias. Problemas de resistência. Maioritariamente passiva mas, por vezes, activa à instrução preparatória. Muitos oficiais portugueses resistiram à instrução fornecida pelos ingleses nas escolas do CEP, não prestando atenção aos ensinamentos e não comparecendo às “aulas teóricas”. Porquê? a) por considerarem os sargentos britânicos indignos de ensinarem o que quer que fosse a oficiais e a portugueses; b) a indiferença portuguesa pela importância de se construir um bom moral e de incutir disciplina nos subalternos para o sucesso da campanha, repetidamente salientada e fomentada pelos instrutores ingleses, era flagrante uma vez que preferiu-se dar

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c) o não cumprimento dos horários de refeições das praças por ter falhado a ordem superior de distribuição da ração; d) o desrespeito pela ordem do “silêncio das trincheiras” sob o pretexto de não se ter ouvido o clarim (usual em Tancos mas ausente por perigoso na linha da frente), etc. Situações geradoras da debilitação física dos combatentes e motivadoras de conflitos entre os aliados e, por conseguinte, desgastantes da cadeia de comando do CEP. Outros, mais activos, optam por desenvolver um ambiente de “anglofobia”, no CEP, nos salões de Paris e até nos corredores políticos portugueses, minando o ritmo dos calendários de instrução em França e questionando a relação aliada em campanha: os atritos irão desgastar as relações de autoridade e humanas entre os Comandos, o Estado maior e algum oficialato do CEP, justificadores do evoluir da campanha. A estes problemas de cariz humano, juntou-se a grande dificuldade portuguesa em transportar o CEP com brevidade e como um todo, para a Flandres, e a partir de

Janeiro de 1917. A chegada dos cerca de 55.000 militares portugueses ao sector do CEP fez-se a “conta-gotas”, com partidas de Lisboa e desembarques em Brest aos poucos e quando possível. A travessia ferroviária por terras espanholas permitiu a chegada de alguns oficiais ao sector do CEP mas a um ritmo descontínuo e tardio. Numerosos factores (a falta de navios britânicos e portugueses, a incapacidade de realizar embarques organizados e de lotação plena nos navios disponíveis, o processo de fuga à partida/desembarque em França por parte de praças (que se insubordinam ou desertam) ou por oficiais (que se refugiam num gabinete da Secretaria da Guerra ou num Serviço administrativo em Paris ou numa cama de hospital em Lisboa ou de imediato em Brest)) vão ditar a deslocação demorada de um total de 55.000 militares portugueses para França durante os dois anos de campanha, obrigando a uma instrução lenta, desfalcada de homens e por isso não coesa tal como uma deficiente organização e longa permanência na frente, com graves repercussões no êxito da campanha. Apesar deste grande conjunto de problemas vividos e mal resolvidos durante a campanha, previa-se que o processo de instrução preparatório à partida para as trincheiras terminaria com o tirocínio, isto é, o estágio de 48 horas na Linha de Frente com o “baptismo do fogo” das trincheiras orientadas pelos militares britânicos. O “baptismo de fogo” nas trincheiras iria transformar-se numa prova de iniciação, fundamental para a entrada do CEP nas trincheiras do sector a defender. Nessa prova aplicavam-se conhecimentos teóricos, mal ou bem exercitados na instrução da retaguarda e convencia-se os aliados que os portugueses estavam prontos para, finalmente, guarnecerem a Linha de Frente e lutarem contra o inimigo alemão. À medida que as unidades do CEP findavam o proces-

Mecanizada Brigada

EM Ó RI A

General Tamagnini) e britânicos (como o tenente Kerr) nos constantes relatórios e pedidos de revisão mas de difícil percepção pelo poder em Lisboa e pelo oficialato influente do CEP, durante a campanha, “deslumbrados” com o aparato dos concursos desportivo-militares e as formaturas do CEP, frente aos aliados.

1978-2018

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