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Confluências

BOLETIM ESCOLAR

Confluências

(2ª Série) abril-junho 2017

A poesia está na vida Evocar e celebrar Abril na Escola Hoje e Ainda!

Álvaro Cunhal e a Democracia (15 de maio)

A presença de Sua Excelência o Presidente da República numa aula-debate! (Página 19)

Em final de ano letivo, e com os exames à porta, para muitos, é hora de rever aprendizagens e de almejar voar para novas paragens! Felicidades!

Nesta edição:

Scriptomanias …..……. Hamlet …………….……. Bolsa Caloiros ………... Hamlet ………………….. Mafra ……………………. Conc. Lit. Camões ….... Dia Aberto ………..…… Scriptomanias ………... Encontro ’Literário’ … Desafio Matemática … Problema ambiental ... Aula Presidencial …… Breves …………………...

pp. 2-3 p. 4 p. 4 p. 5 pp. 6-9 pp. 10-12 p. 13 pp. 14-16 p. 17 p. 17 p. 18 p. 19 p. 20


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Confluências SCRIPTOMANIAS Uma Genuína Farsa “À Gil Vicente” N’ ”A Barraca”, situada no Cais do Sodré, assistimos à representação da “Farsa de Inês Pereira”. Uma representação, na minha opinião, muito bem conseguida, com atores e interpretações que fizeram justiça às personagens carismáticas criadas por Gil Vicente. Simultaneamente, a representação que observámos consegue, penso, reproduzir uma atmosfera leve, pouco formal, e descontraída, comum à comédia de Gil Vicente, o que capta também a atenção de um público de idades menos avançadas (não digo crianças, mas sim adolescentes), tarefa que é, por vezes, bastante difícil de executar mas que foi

bem conseguida pelos atores. Vimos também um grau de interação com o público bastante elevado, especialmente a seguir ao casamento de Inês com Pero Marques, momento no qual os atores convidaram alguns membros da audiência (e quase puxaram outros) para uma breve dança, para grande agrado do resto da plateia. Notaram-se por vezes pequenas adições pessoais dos atores aos textos ditos pelas personagens de Gil Vicente o que mostrou um certo grau de empenho e uma imersão na personagem a ser representada. Quanto aos aspetos negativos, não encontro nada de muito importante a realçar porque, tal como disse, gostei da representação de uma maneira geral. Penso, no entanto, que o

A “Farsa de Inês Pereira”

Título: Confluências Iniciativa: Departamento de Estudos Portugueses Coordenação de edição: António Souto, Manuel Gomes e Lurdes Fernandes Periodicidade: Trimestral Impressão: GDCBP Tiragem: 250 exemplares Depósito Legal: 323233/11 Propriedade: Escola Secundária de Camões Praça José Fontana 1050-129 Lisboa Telefs. 21 319 03 80 21 319 03 87/88 Fax. 21 319 03 81

No dia 22 de março, foi realizada uma visita de estudo ao teatro A Barraca, onde foi visualizada uma peça de Gil Vicente, a “Farsa de Inês Pereira”. Falando primeiramente de uma forma geral, na minha modesta opinião, a encenação pode ser considerada como boa. Os atores, para além de muito expressivos, eram bastante carismáticos, especialmente Pero Marques, o Escudeiro e Inês Pereira. O cenário possuía características minimalistas que achei bem adequadas e bem construídas, fazendo-se notar a casa, composta apenas por vigas desproporcionadas e desencontradas de madeira. De forma, agora, mais particular, gostaria de falar sobre a representação dramática propriamente dita. Para já, fazendo-se notar ao longo da peça, Inês Pereira, apesar da sua criatividade, diria que fez uma representação sem nada de particularmente excecional. Afirmo este facto comparando-a com Pero Marques que, devido à sua extravagância e carisma, fez uma atuação excelente, passando direta e claramente a ideia de que Pero Marques era de facto um “labrego”, ignorante e ingénuo, que dava grande liberdade à sua mulher. Achei também expressiva e engraçada a atuação do Escudeiro que,

mais significativo tenha sido uma tentativa por vezes um bocadinho forçada de aproximação a um público jovem, ou seja, os aspetos positivos que referi acima foram excessivos em alguns momentos, tornando-se negativos. De uma maneira geral, a representação desta peça de Gil Vicente foi descontraída, divertida, e com ótimos atores e uma boa utilização do cenário. Apesar de não ser uma representação perfeita, é na mesma merecedora de mérito, e, assim, dou os meus parabéns aos atores e organizadores a quem foi dado o difícil desafio de representar esta peça perante várias dezenas de alunos do 10º ano. Tiago Garrão, 10º A

devido às mesmas características de Pero Marques, conseguiu transferir para a audiência exatamente o que pretendia, um Escudeiro nobre, cortês, mas abrutalhado, que não valorizava a sua mulher, Inês Pereira, como ser humano livre. Falando agora de forma mais global, pode-se dizer que as personagens secundárias (para além dos Judeus) tiveram uma prestação medíocre, sem pontos altos que captassem realmente a atenção do espetador. Os Judeus, conseguiram exatamente o que pretendiam, dois judeus, enganadores, que se preocupavam mais em vender o seu “produto” para ganhar o seu dinheiro do que com a felicidade de Inês. Relativamente ao cenário, como já referi, achei brilhante a apresentação minimalista. A peça passa-se quase toda no mesmo cenário, a casa de Inês Pereira cuja simulação feita de barrotes de madeira permitia ao espetador ver o que dentro se passava. Queria também fazer notar que apesar de nos ter “entretido”, não considero esta representação excessivamente boa. Para além do mais, e referindome também ao título do trabalho, pareceu-me que Inês Pereira teve um papel não muito marcante.

Vicente Mateus, 10º A


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Confluências SCRIPTOMANIAS A cidade é como um coração: As ruas as suas veias e artérias, Ora movimentadas, ora vazias; As pessoas e seus carros nelas pulsam, Como se fossem constituintes do sangue Que precisam de se movimentar Para que a cidade se mantenha viva.

poluição; Quando está agitada traz barulho, Quando está calma reina o silêncio. Somos parte deste organismo vivo Do qual estamos dependentes Que deveria ser por nós cuidado Mas é todos os dias corrompido Pelo nosso egoísmo e ganância Que se transforma em podridão E que lentamente se alastra Sem que ninguém se aperceba.

As luzes, os cheiros, os sons São sinais da sua vitalidade: Quando acorda traz consigo luz, Quando adormece reina a escuridão; Quando está saudável traz cheiros natuA cidade é como um coração, rais, Nós somos constituintes do seu sangue Quando está doente reina o aroma de Que se está a tornar negro

Com as nossas ações intoxicantes E assim traçamos o nosso fim. Fazemos o coração implodir E a cidade morrerá connosco. Com o fim do domínio do Homem A Natureza voltará lentamente, E com a sua pureza Anulará os nossos estragos Até outros seres cruéis a invadirem. O domínio do puro e do corrupto Irá sempre alternar, E este ciclo nunca terminará.

Joana Durão, 11º J

vezes. Mas sei que me vês, e como eu te deleitas. Obrigada, tenho saudades. Solidão feliz. Calor desamparado.

Eu sei… Eu sinto-o… Eu sei… Está em mim. E mesmo assim… …Não sei nada de todo. De todas as coisas que me atraem… Vais sempre afastar-te de todas as outras. Prender-me livre. Deixar-me permanecer.

…Eu lembro-me… Vi todo aquele afeto eterno através das suas lágrimas, ouvi-o através do seu canto… E vejo agora tornar-se meu, pertencer à minha melodia… É um legado. Passá-lo-ei quando for altura… É tudo tão belo agora.

Percorro as ruas que sempre conheci… Elas são minhas. Volto a perder-me para nunca mais ser encontrada. Ninguém me vê – mas não estou só. Precisava de fugir para me encontrar outra vez.

O texto aumenta, E mesmo assim nunca escreverei o suficiente.

Tudo o que sou está aqui. Tudo o que sinto e passa para o papel passou por aqui. Inspiração farta. Desolação calma.

…Tudo o que vejo deu-me as asas que usei para voar para longe. Usá-las-ei de novo

vezes mais… Porém, percebo agora, que fazes parte de mim, Desculpar-me-ás para sempre, Revivo toda a tristeza que senti quando… Aceitar-me-ás como for, e em qualquer circunstância… Mas não dói mais, conforta. E porque pertencer é o meu maior privilégio, Todas as cores, silhuetas, lugares escondidos… Vi tudo isto incontáveis e perdidas vezes antes…E agora sei que Voltarei sempre… Voltarei sempre… é correto, compreendo-o. …Desejava que estivesses aqui comigo, como estiveste tantas Procuro-te em cada rua, A cada passo que dou. Até que a noite fique tão escura Como um vazio naquilo que sou. Um vazio cheio de fado, Uma saudade sem fim, Porque não estás em nenhum lado Que se aproxime de mim. Já andei por ruas, caminhos, Que em vão tentei fixar Mas perdi-me de todas as vezes Que sem ti tentei caminhar. Um senhor passou por mim: “– uma moedinha?” disse-me assim E logo veio uma velhinha:

“– não tenho família, ajude-me a mim”. Se ao menos eu pudesse Essas pobres almas ajudar, Vendia o amor que não recebeste Para alguém as poder amar. Porque a maior pobreza que vejo É uma extrema falta de fé Aliada a corações partidos Falta de abraços e café. As pessoas entram no metro Umas ficam, outras vão Eu saio na próxima paragem Mas já não te trago na mão. Tu mudaste de linha Nunca mais apareceste

Maria Francisca Mota, 11º K E ainda hoje eu espero pelo passeio Que no terreiro me prometeste. Agora conheço a cidade Que me levou um dia até ti, Traz memórias e muita saudade De quem já não está aqui. Ruas cheias de história, Onde só se ouve falar Dos vitoriosos guerreiros Que todos insistem em recordar. Se ao menos eles soubessem Parte da nossa história, Aprenderiam que nem todas as lutas Acabam em vitória. Leonor Sousa, 11º K


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Confluências HAMLET Vingança Vingança. Uma palavra tão forte com uma mistura de sentimentos distintos. Raiva, amor pelo sofrimento do outro. Vingança parece ser uma maneira ótima de acabar com o sofrimento que nos causaram. Mas será que assim que acabemos esta, tudo irá melhorar? Não acredito. Acredito que vingança não seja um meio de satisfação, mas sim apenas algo que consideramos que nos irá ajudar a recuperar. Assim, após nos vingarmos, resta o vazio. Nada para melhorar. Simplesmente, fica-se pior, com

um vazio dentro de nós que não foi preenchido com a concretização da tal vingança. No entanto, todos nós pensamos neste método e todos queremos algo que acabe com a nossa infelicidade. Mesmo que sintamos que vingança é o caminho mais fácil e que nos trará felicidade, não é de todo correto segui-lo. Seria correto alguém querer fazer mal a outro para sua própria felicidade? Penso que não. Focar-se no futuro é o certo a fazer, deixar tudo para trás e lembrar que não é o fim do mundo. Logo, tudo irá melhorar e tudo irá ficar bem, só é necessário seguir em frente. Apesar da sua mor-

Towards the truth "What a piece of work is a man! How noble in reason, how infinite in faculty! In form and moving how express and admirable! In action how like an Angel! In apprehension how like a god! The beauty of the world! The paragon of animals! And yet to me, what is this quintessence of dust?" Hamlet, Act II, Scene 2 Montaigne wrote a famous passage conveying a similar feeling: "Is it possible to imagine so ridiculous as this miserable and wretched creature, which is not so much as master of himselfe, exposed and subject to offences of all things, and yet dareth call himself Master and Emperor."

te trágica, Hamlet nunca desistiu de vingar o seu pai. Sem o pai, ele não acreditava haver outro caminho sem ser castigar os culpados, fosse quem fosse. Toda esta vingança não o levou a lado nenhum, mas sem ninguém que o ajudasse sentia-se confuso sem saber no que acreditar. Querendo fazer o certo e justo, acaba por causar a morte de várias pessoas. No entanto, ele é apenas um jovem que acaba de perder o pai e, mesmo com o objetivo de praticar o bem, Hamlet tem um final trágico, tal como a sua família e a da Ofélia.

Beatriz Telo, 10º I

Hamlet is expressing how profoundly disappointed and disgusted he is about the behaviour of the people close to him. This famous speech is a moving and emotional statement which makes people think about humanity, because even though we have accomplished so much we are still nothing compared to the universe. If we look at ourselves in that perspective , it's possible to see how tiny we are, but that hasn't prevented us from doing things no one believed were possible. In the past we liked the idea of being at the centre of the universe, but by knowing and accepting what we really are perhaps we are taking a bold step towards the truth.

Sérgio Correia, 10º J

UNIVERSIDADE NOVA – BOLSA CALOIROS áreas de estudo. Esta foi a terceira edição da bolsa que premiou com um valor igual ao montante da propina, os alunos dos A Cerimónia diferentes cursos da NOVA que obtiveram a média de entrega da mais alta no fim do primeiro ano. http://www.unl.pt/noticias/geral/nova-atribui-bolsa-caloiros-aos-melhoresBolsa Caloialunos-de-licenciaturas-e-mestrados r o s 2 0 1 5 / 2 0 1 6 Numa cerimónia que distinguiu teve lugar no os ex-alunos camonianos Sara dia 11 de Canha e Manuel Ribeiro maio na Rei- (ambos com trabalhos publicados toria da Uni- em edições do Confluências), e v e r s i d a d e que contou com a presença do NOVA de Lis- Prof. João Jaime (diretor da Esc. Sec. de Camões), o boa. reitor da Universidade, ProfesA bolsa "Caloiros da NOVA" é sor Doutor António Rendas um reconhecimento do mérito dos alunos que mais (também ele ex-camoniano), se destacaram no primeiro ano das Licenciaturas e aproveitou para apelar a favor Mestrados Integrados e um estímulo à excelência da reabilitação da escola centeentre os alunos do primeiro ano nas mais diversas nária. NOVA atribui Bolsa Caloiros aos melhores alunos de licenciaturas e mestrados integrados em 2015/2016


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Confluências HAMLET

“Ser ou não ser – eis a questão” A vida é uma questão, uma dúvida eterna que não deve acabar. Talvez o sentido da vida seja esse e seja mesmo só um: a pergunta infinita que não morre nem com o cair dos corpos humanos. Hamlet caiu e renasceu das trevas da loucura. Hamlet morreu em desenho de papel, mas a literatura não vive apenas no pedaço impresso de qualquer folha. Literatura é um espelho de água, o mar inquieto que espelha o rosto das vidas dos Homens. Hamlet morreu, mas não a língua de Shakespeare, não a dúvida do ser, não o disfarce louco e desnaturado que se esconde por detrás do equilíbrio aparente da racionalidade. Será a ausência de racionalidade defeito de Hamlet? O descontrolo é um caminho pouco certo que nos deixa à beira de um desastre colossal em que vemos o mundo cair-nos em cima da cabeça. "Oh mother, I can feel the soil falling over my head". Quase quinhentos anos depois, ainda há quem se sinta na pele e no papel do nosso Hamlet, imortalizado nos pensamentos dos que o leram e dos que ainda o virão a ler. A vida é um sítio para termos perguntas. Mais do que tê-las, é um lugar para fazêlas. As mais difíceis são sempre as que fazemos a nós mesmos. Hamlet interroga-se. Hamlet carrega o peso inteiro do mundo nas mãos, nos pés, na cabeça, no corpo inteiro. Será que quando sentimos o peso inteiro do mundo, não teremos sido nós a colocar lá esse peso desmedido? Talvez não. Cada um tem as suas estratégias perante as adversidades do mundo e Hamlet não estava preparado. Ou estaria? Qual é o peso de nos confrontarmos com a nossa própria existência inteiramente individual? Hamlet, como qualquer um de nós

ao longo da vida, uns mais que outros, viu-se injustiçado, traído e abandonado. Há um momento em que nos é revelado que ninguém é capaz de conceber na sua mente os sentimentos de Hamlet. Ninguém à sua volta parece ousar ver o que apenas Hamlet vê. Agir é uma ousadia. Tomar uma posição, seja ela qual for, é um temor interno para quem está às portas de seguir um caminho. O labirinto da decisão leva -nos a cair no poço incontável dos delírios. Somos uma alma desnorte. "É natural que eu me sinta desnorteado, no meio de tanta fruta podre, abandonado. " Talvez Hamlet tenha ficado nesse pântano. Acho que todos temos medo do meio quando nos deparamos com ele, quando, como Hamlet, ficamos presos no embaraço de qualquer coisa. A morte é um fim, ainda que sem solução. Mas há momentos em que o mais assustador não é o fim nem o início. É o que está no meio, o meio é sempre o lugar onde é mais difícil sobreviver. O mais assustador é não saber o que fazer. O mais terrífico é sentir que as hipóteses nos estão a ser cortadas. O mais assombroso é ver o mundo fechado do outro lado. É ver uma sociedade fútil e superficial que é capaz de digerir sofrimentos como se fosse uma máquina metabólica. Hamlet sentiu o peso de uma existência sozinha e descoordenada, uma existência que desmontou toda a construção anterior de uma natureza humana genuína. Hamlet descobre, talvez demasiado cedo, talvez demasiado sozinho, a genuinidade crua do mal. As escolhas estão sempre presentes em todos os momentos de respiração. A decisão é o primeiro e o último poder do ser humano. Tudo cabe numa decisão e tudo depende dela. Os sentimentos são falíveis e as pessoas também. Só Hamlet saberá se era loucura ou apenas

uma loucura encenada. O nosso mais íntimo pensamento é o que nos detém e nos sustentem na base das nossas ações. É legítimo Hamlet vingar-se? Não sei. Acho que também não era essa a pergunta que Shakespeare queria fazer. “Ser ou não ser”. Uma questão que Shakespeare também não respondeu, ou talvez tenha respondido ao revelar o que uma pergunta tão escassa em sílabas pode fazer ao ser humano. Ao Homem que respira. Ao Homem para quem respirar magoa. O ser humano que pensa e que sente é a essência de Hamlet e o botão eternamente a florir de dentro da literatura de Shakespeare. As coisas são incertas. A vingança é uma escolha para quem está cego de ódio. A loucura é a cura para quem não se sente parte integrante do mundo nem do seu tempo. O tempo também é algo que perde todos os seus direitos nas mãos dos transcendentes, ao lado das palavras imortais. Hamlet vive e viverá na mente de quem o quiser manter vivo. “Morrer, dormir…dormir…e talvez sonhar” “Pois quem suportaria as chicotadas e mofas do mundo, a tirania do opressor, a insolência do orgulhoso, as dores do amor desprezado, as delongas da lei, a arrogância do poder, o desdém que o mérito paciente recebe dos indignos, (…) ”? A dúvida da existência perante tais desenganos, a dor do confronto com a crueldade humana e com os enigmas internos das loucuras de cada um. Hamlet é uma personagem, é figura de papel. Não, não é. É realidade oportuna, é um conflito interno indecifrável, é o reflexo da natureza humana ao longo de séculos de existência dúbia. Ser ou não ser. Fica a questão. Enquanto ninguém souber responder, estamos vivos.

Leonor Gaião, 10º I


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Confluências MAFRA Apreciação crítica A obra Memorial do Convento, de José Saramago, apresenta-se como uma forte exaltação dos verdadeiros construtores do convento de Mafra – o povo – cuja construção foi feita, como promessa do Rei, para a obtenção de um herdeiro ao trono. A narrativa decorre durante o reinado de D. João V, período em que a Inquisição reforçava o seu poder e influência na sociedade, e divide-se em dois grandes planos de ação: a construção do convento, de caráter histórico; e a construção da passarola do padre Bartolomeu de Gusmão, aliada à relação amorosa de Baltasar e Blimunda, de origem ficcional. Em primeiro lugar, a simbologia presente no livro é abundante e eleva-o a um patamar de excelência. Deste modo, a associação de vários mutilados à construção do convento, como Francisco Marques e outros trabalhadores, ou até a ocorrência de algumas mortes durante o processo, são símbolos incontornáveis da procura desmedida e descuidada para a construção de um desejo ou promessa do Rei, bem como da importân-

cia que a realização da vontade real assume. Já a contrução da passarola evidencia, de forma categórica, a genialidade de José Saramago, que faz das vontades humanas, recolhidas pelos olhos únicos de Blimunda, força suficiente para erguer o engenho do padre. Além disso, a forma como o autor estabelece duras críticas à sociedade e aos costumes da época constituiria, por si só, uma obra de grande densidade e qualidade, não fosse Saramago adicionar-lhe ainda os seus pertinentes comentários que, com pitadas de atualidade, se encaixam perfeitamente na narrativa e conferem, por vezes, até um caráter cómico à obra. Em suma, como não poderia deixar de ser, uma das obras mais conceituadas do panorama nacional corresponde às expectativas e exalta as características únicas e torrenciais da escrita e do pensamento brilhante de Saramago, bem como o seu poder crítico algo ácido. À semelhança de outras narrativas do autor, o leitor é banhado por uma narrativa bastante agradável, fundida com um espaço de crítica social por parte de um dos grandes escritores portugueses.

O Dia Em Que Visitei El-rei D. João V Vou-vos contar a história, e Mafra não era sítio sem a certeza de que vos não minto, para D. João V viver do dia em que fui visitar os aposentos de D. João V Mas lá estava eu, à porta do convento, Estava el-rei em seu quarto, à espera que el-rei permitisse era meio-dia em ponto, minha entrada em seu aposento. quando cheguei eu a Mafra para lhe mostrar meu novo conto. Esperei, esperei, esperei e ninguém aparecia lá fora: Mas muito ocupado estava a procura do cinto do rei este nosso rei dos quintos: levava já alguma demora! sua querida e amada filha desaparecera-lhe com os cintos! Até no convento o procuraram, na cela de um agostinho, Como iria aparecer a todos mas o nosso querido rei um rei de extrema vaidade tinha o cinto bem escondidinho. segurando, com as mãos, as calças e transmitindo autoridade? E eu, lá fora, à espera, ao vento e ao frio deixado Arcas, armários, aposentos, à espera que o raio do cinto tudo virado do avesso, fosse por eles encontrado. para encontrar um simples cinto antes do régio regresso... Até que me fartei! Desculpe-me el-rei pela rudeza, Regresso sim, mas há limites para todos, Que el-rei tinha que fazer, e também os há para nobreza!

Daniel Barreto, 12º C

Entrei de rompante pelo convento! E o que vi a seguir é de rir até mais não: a nobreza de rabo pró ar e o rei com as calças na mão! Até que me apareceu a princesa, de riso malvado e trocista, com um cinto de seu pai enrolado numa revista. Estava portanto num dilema daqueles difíceis de resolver: ou denunciava a princesa ou desafiava o régio poder! Como à princesa se deve respeito e ao rei, obediência, decidi retirar-me em silêncio do palácio de Sua Excelência. E é assim que eu me lembro deste meu dia distinto: O dia em que eu visitei os aposentos de D. João V. Francisco Monteiro, 12º C


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Confluências MAFRA As nossas pedras

A história da construção do Convento de Mafra é bastante conhecida: em 1717, homens de todas as idades foram arrastados das suas aldeias para ajudarem a erguer um monumento, mesmo sabendo que todo o mérito seria atribuído ao rei D. João V. Um dos episódios que nos é contado por Saramago é o transporte da Benedictione, a laje da varanda que se encontra acima da entrada do convento, travessia feita por centenas de homens e bois. Agora imaginem que, em vez de centenas de homens e bois, era apenas um homem, o Inácio. Pelo bem, do nosso homem vamos dizer que a laje dele não pesa 31021 quilogramas, mas apenas 1000. Já é uma diferença considerável. Para o ajudar, o Inácio tem à sua disposição vários equipamentos e fica umas horas a pensar numa estratégia que torne a sua tarefa possível, tendo várias ideias que considera boas em teoria, mas que, na prática, são falhanços completos. Quando, finalmente, engendra um bom plano, começa a pô-lo em prática e, positivo e confiante, o nosso homem anda cem metros antes do seu corpo fraquejar e, enquanto descansa, pensa num novo plano, tendo, novamente, várias ideias que se revelam inúteis. À beira do caminho de Inácio, aparecem umas pessoas a encorajá-lo e a dar conselhos. No entanto, nenhuma delas pega na pedra e muitos dos conselhos são completamente dispensáveis. Então decide continuar com o seu plano anterior, que já lhe adiantou cem metros. Resignado, Inácio retoma a sua viagem e anda duzentos e cinquenta metros duma só vez, começando a sentir-se orgulhoso e capaz. Até que o seu corpo começa a estalar e deixa a pedra cair não mais que dois míseros centímetros ao lado do seu pé. Inácio amaldiçoa os céus, o rei, a pedra e o saco de carne fraco que tem como corpo. Põe em causa tudo o que fez, perde toda a fé em si mesmo e duvida de todas as suas decisões. Como é que é suposto fazer tal tarefa sozinho? Sente o corpo a doer, a alma a doer, fome, cansaço e, por amor de Deus, alguma solidão e desespero! O nosso homem fica assim durante horas e horas até que, de alguma forma, consegue reconstruir o seu espírito e prosseguir com o trabalho. Segue o seu plano durante mais cem metros. Olha para a direita e vê as pessoas a encorajá-lo. Duzentos metros! Olha para a esquerda e vê outro homem a carregar outra pedra parecida. Trezentos metros! Olha para cima e imagina o seu convento. Quatrocentos metros! Olha para baixo e vê o caminho que já percorreu. Quinhentos metros! Olha para a frente e vê quatro homens com o dobro do seu tamanho a aproximaremse. Um dos homens dá-lhe um pontapé na perna, mas, nem pensar, o Inácio não larga a pedra! E depois leva um murro e outro e outro, até que a pedra cai e o nosso homem segue o caminho do Francisco Marques. Isto é exatamente o que sentem todos os estudantes que experienciam a época de exames e que tencionam ir para o ensino superior. É claro que alguns têm mais força, ou acesso a melhor equipamento, ou um plano mais produtivo. Alguns dos Inácios até são capazes de seguir o caminho do Baltasar e não do Francisco, mas todos temos de lutar e, embora haja sempre alguém a encorajar-nos, ninguém pode levar a pedra por nós. E, no final, quando chegamos lá acima ao lugar onde vamos erguer o nosso convento, apercebemo-nos que, para o construir, precisamos de voltar a fazer o mesmo caminho várias vezes e de carregar muitas, mas mesmo muitas, mais pedras. Sara Roseira Pimenta, 12º E


nesta mesma abegoaria, a tocar as suas próprias peças aqui mesmo ne aqui Página 8

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MAF Era uma vez um convento Aos olhos da maior parte das pessoas, o convento é só o convento, Mafra é só Mafra, a igreja de Santo André é só a igreja de Santo André. Talvez por ter uma imaginação muito fértil ou talvez por ter muito presente toda a história escrita por Saramago ou talvez ainda por gostar bastante de descobrir o passado, seja qual for a razão, ao olhar para o convento não vejo apenas o magnífico monumento, vejo também a sua construção, os homens que o construíram, as histórias que por ali passaram, vejo Baltasar e Blimunda que moram lá em baixo na vila, vejo um cenário completamente diferente, numa época distante. Pouco a pouco tudo se transforma. As estradas, edifícios e praças deixaram de ser estradas, edifícios e praças e passaram a ser relva, trilhos de terra e árvores. Só lá ao fundo se avistam algumas casas, pobres e pequenas, como é a casa de Baltasar e Blimunda. Do outro lado está a ilha da Madeira. A pequena e pobre casa de Baltasar e Blimunda parece muito acolhedora comparada com as barracas de madeira onde os homens que trabalham na construção do convento dormem. Ah! O convento! Ainda não está acabado, longe disso. A estrutura principal já está bem composta e já é possível imaginar a tal obra magnífica que daqui sairá um dia, mas ainda não está acabado. Isto pode comprovar Baltasar, que trabalha arduamente na construção do convento e que aí vem subindo, aos poucos, a encosta lamacenta. Não tinha ainda começado o quartel e já estava cansado. Não admira, afinal Mafra sempre fica numa cova e o caminho desde a pobre e pequena casa de Baltasar até ao Alto da Vela é longo e sempre a subir. Ainda no outro dia, numa clara madrugada, seguia à frente de Baltasar um homem já com alguma idade, com uma barba comprida e esbranquiçada, homem este que escorregou na subida, caiu por completo na terra e da barba branca nada restou, pois a lama cobriu o homem por completo. Riu Baltasar e riram os homens que, com pouca vontade, seguiam para o mesmo destino. Eram estes momentos que animavam o espirito daqueles que todos os dias, fizesse chuva, fizesse sol, se levantavam para realizar o difícil trabalho que deu origem a um dos mais admirados monumentos portugueses. No meio destes pensamentos fiquei para trás, os outros já lá vão no cimo, sobem as escadas que vão dar à basílica. Mas antes de entrar na basílica é necessário um momento para admirar as esculturas barrocas na entrada. Há qualquer coisa de mítico, de divino nestas esculturas. Talvez por se assemelharem tanto à nossa figura mas, ao mesmo tempo, serem de tão grandes dimensões, talvez pelas expressões, talvez pelas histórias por detrás destas obras de arte, como é a história

de São Sebastião, que parece sereno e calmo enquanto as setas indiferentes lhe perfuram a pele despida. No total eram cinquenta e oito estátuas encomendadas de Itália, só podiam vir de Itália, em Portugal era impossível nasceram estas obras deslumbrantes, daqui só se aproveitaram a pedra, o tijolo e a força do homem. Mas as estátuas foram apenas uma pequena parte do enorme tesouro que D. João V mandou vir da Europa, pois que mais se havia de fazer às grandes quantidades de ouro e riquezas vindas de Macau, de Goa, de Moçambique, de Angola, de São Tomé, de Cabo Verde, dos Açores, da Madeira e das terras longínquas na América? De qualquer maneira, por mais ouro que houvesse, não havia quem o utilizasse corretamente, não havia quem transformasse este ouro e estas riquezas em empreendimentos que pudessem originar mais ouro e riquezas, não havia qualquer organização económica e, assim, todos estes tesouros entraram e saíram do país, deixando para trás um Portugal igual, um Portugal atrasado em relação à Europa, mas pelo menos já com um convento lá no meio. Se o espaço exterior da basílica já era maravilhoso, para o seu interior é difícil encontrar palavras. Mas, apesar de todas as esculturas, de todos os quadros, de todos os ornamentos trabalhados na pedra, de todos os minuciosos detalhes, o que mais se destacou foi o conjunto de órgãos. Seis belos instrumentos criados para tocarem como um todo. E são estes instrumentos que me fazem recordar Domenico Scarlatti, o compositor italiano. Está sentado mesmo à minha frente, a tocar o seu cravo, na abegoaria da Quinta de S. Sebastião de Pedreira. Parece triste, toca levemente nas teclas, tem a cabeça baixa, os olhos fechados. À sua volta estão telhas caídas, fragmentos de metal espalhados e alguns objetos que indicam que alguém ali habitou, só não se avista a passarola. A máquina voadora partiu há pouco tempo, com os seus três passageiros, já lá vão ao longe. Scarlatti ainda os viu, ainda acenou discretamente, pensa que talvez volte a encontrar os construtores da passarola mas, por agora, está sozinho. Já sente a saudade das tardes, às vezes dias, passados


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Confluências

FRA nesta mesma abegoaria, a tocar as suas próprias peças para Baltasar e Blimunda enquanto estes trabalhavam. Pouco depois levanta-se e, com esforço, leva consigo o cravo que deita no poço. Ficou então o cravo no fundo do poço, abandonado, e abandonado ficou também Scarlatti. Voltando à basílica, olhemos agora para cima. Lá está a pomba branca no ponto mais alto da construção. Também a passarola, que veio desde S. Sebastião da Pedreira, parecia uma pomba branca, a voar sobre o convento ainda por terminar. A conduzir a passarola ia o padre Bartolomeu Lourenço, a conduzir o seu sonho finalmente realizado. Mais uma vez, enquanto me perdia nestes pensamentos, os outros, seguindo lentamente a guia, afastaram-se. E foi por pensar em Scarlatti e no padre Bartolomeu Lourenço que não ouvi a explicação sobre as esculturas… Descemos agora para a parte antiga da vila. Ao meu lado vai Baltasar sete-sóis que, após mais um dia de trabalho pesado, anseia por voltar para a sua Blimunda Sete-luas, que o espera pacientemente. O casal mora perto da igreja de Santo André, igreja pequena, de pedra acastanhada, com janelas ainda mais pequenas, cobertas por estruturas em metal feitas à medida, e uma porta de madeira escura, escondida do sol forte da tarde por várias árvores que, por sua vez, são agitadas pela brisa agradável que corre. Daqui veem-se os campos verdejantes que brilham ao sol. Estendem-se por vários quilómetros até encontrarem o céu na linha do horizonte. Lá está Blimunda, à porta da pequena e pobre casa. Esta noite vão Baltasar e Blimunda cear enquanto ele lhe conta as dificuldades do dia e as histórias que ouviu dos seus companheiros. Por exemplo, hoje mesmo, chegaram mais alguns homens à obra. Não eram muitos e da força que outrora tiveram pouco restava. Contaram que foram arrastados das suas casas, amarrados com cordas e assim viajaram até Mafra. Isto porque Excelentíssima Majestade deseja fazer a sagração da basílica no seu aniversário, dia 22 de outubro de 1730 e, por isso, tudo tem de estar pronto nesse mesmo dia, sendo assim necessária mais mão-

de-obra. Também Blimunda viu passar os homens, pobres coitados. Se estivesse em jejum, ao olhar para eles, não veria nenhuma nuvem de vontade, nem qualquer vestígio dela. Só alguns destes homens ficarão aqui a trabalhar. Serão os escolhidos. Os que servirem passarão agora os dias a usar a força que lhes resta e as noites encaixados onde houver espaço, no meio de outros corpos desgastados, tentando dormir como puderem. Os que não servirem são postos de parte, ficam perdidos no meio de uma terra que não é a sua, tentam voltar para casa, talvez alguns o consigam. Afinal não parece haver grande diferença entre 500 tijolos e 500 homens. Tempo de voltar, voltar para Lisboa, voltar para o presente, mas até o caminho de regresso me faz viajar uma última vez para o passado, pois a estrada, apesar de agora estar muito diferente do que era no século XVIII, é a mesma estrada percorrida pela pedra gigante e por aqueles que a levaram desde Pêro Pinheiro até ao Alto da Vela, onde foi colocada na varanda principal. O transporte desta pedra de enormes dimensões e de peso ainda maior foi um processo muito complicado, como se pode imaginar. Por esta estrada caminhou Francisco Marques que, exatamente no dia em que iria passar a noite com a mulher e os filhos, é esmagado por uma roda numa das manobras. Pobre Francisco Marques que tentava fazer o seu trabalho o melhor que podia, pobre mulher que esperava o marido em casa naquele dia e em vez disso recebeu um corpo desfigurado coberto por uma manta, agora vermelha de sangue, e pobres filhos que irão crescer sem pai. E como Francisco Marques muitos outros deixaram esta terra à custa da construção do convento e, assim, naquelas bonitas paredes, naqueles ornamentos de pedra e nos pormenores que enriquecem o monumento está também a lembrança de todos aqueles que partiram e das suas histórias que ficaram por contar. Ficou assim feita a visita ao convento de Mafra e também a visita à construção deste mesmo convento no século XVIII. Encontrámos Baltasar e Blimunda e também Joaquim Marques que lá ia na estrada, prestes a enfrentar o seu destino cruel, e recordámos ainda Domenico Scarlatti e, claro, o padre Bartolomeu Lourenço. Se ficou alguém por mencionar foi porque os nossos caminhos não se cruzaram naquele dia. Ao final da tarde já estava outra vez em Lisboa, a percorrer as ruas habituais de regresso a casa. Ficarão guardadas memórias deste dia, do dia em que aprendi um pouco mais sobre a construção do convento, do dia em que conheci um pouco melhor alguns dos lugares e personagens da excelente obra de José Saramago. Beatriz Santos, 12º C


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Confluências CONCURSO LITERÁRIO CAMÕES 4 de maio. Auditório Camões. Cerimónia de entrega dos prémios da XII edição do Concurso Literário Camões. Com a ‘presença’ de figuras da nossa memória literária (Fernando Pessoa, Natália Correia, Sílvia Plath e Walt Witman), deram-se a conhecer os vencedores e procedeu-se à entrega dos respetivos prémios. O Confluências regista os laureados em cada categoria. e eis que te libertas das amarras do 1º prémio Bruno Filipe Rodrigues Pinto espaço e do tempo (12º 3ª) Uma folha de papel um lápis afiado talvez um pincel mergulhado em uma ou outra tinta. Ajustas a cadeira à vertigem da folha branca e o instrumento ganha consciência de si. Os seus lábios de carvão tocam a intimidade branca de um corpo nu. Timidamente uma linha duas linhas três linhas traçadas

e a tinta começa a escorrer pelos silenciosos canais do ser e uma emoção grita e sangra perante a estranheza do que será visto no espelho da folha branca. Já nada destrói a latente imagem que nas entrelinhas das tuas pinceladas deslinda a ponte fundeada nas impalpáveis margens do papel e derramas-te como quem vive recolhendo redes no caminho percorrido entre o gesto não dito e a consumação da flor do nosso sangue.

2º prémio de forma a desenhar a tangente Bruno Filipe Rodrigues Pinto definitiva, (12º 3ª)

fechamos na terra os olhos enquanto as mãos reviram os bolsos em busca da chave de casa. riscamos o asfalto com a ponta do pé descalço

inocentes nos moldes da nossa união. tocamos ao de leve no nosso ofício e celebramos cada grão da substância que nos estreita ao peito de cada

3º prémio Maria Beatriz Simões Rodrigues (11º L) multidão Encontro-te na multidão na rapariga da bilheteira do cinema com uns olhos iguais aos teus (não são iguais, mas já nem me lembro bem dos teus) no senhor da livraria que tem um casaco como o teu (aquele que tanta vez deixaste no meu quarto) no colega da minha turma que escreve os As como tu (os As com que escrevias “amor” na minha palma) onde estás procuro por ti na multidão encontro-te em toda a parte encontro-te, e partes encontro partes

um. e o riso que se desprende dos rostos de ontem percorre lentamente cada veia da nossa idade e estremecemos nos fundamentos da sua candura erguida a prumo da raiz ao fruto.

de ti encontro-te de costas na saída do metro corro para ti mas quando lá chego não és tu quando chego partes e eu fico com as partes que deixaste para trás com os pedaços de poesia que deixaste para trás os As no caderno ao meu lado o casaco que esqueceste na livraria os olhos que pestanejam como os teus o perfume que deixaste na minha cama não quero os pedaços não quero a poesia quero o poeta


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Confluências CONCURSO LITERÁRIO CAMÕES 1º Prémio Sara Pacheco, 12º A A rapariga da janela Em tempos existia uma casa em Alfama, naquela pequena rua que desemboca num beco grafitado igual a tantos outros becos. Nessa casa vivia uma bela rapariga que tinha o costume de espreitar à janela e por lá ficar durante longos períodos de tempo. Não havia mais nenhuma como ela, certamente porque as outras raparigas nunca conseguiriam fingir uma expressão tão surpresa, tão maravilhada, exatamente como se estivessem a olhar para aquela rua pela primeira vez, depois de tantos anos. Tão nova, mas ao mesmo tempo tão velha - só os velhos é que têm a decência de parar para olhar o mundo em que vivem. Fossem que horas fossem, passasse quem passasse, a probabilidade de olhar para cima ao andar por aquela pequena rua e de encontrar a rapariga, que permanecia sempre com a sua típica expressão, era quase certa. O seu nome, ninguém o sabia, e a sua história, menos ainda. No entanto, era dado como certo que esta vivesse sozinha. Só uma pessoa que vive sozinha é que passa tanto tempo a contemplar o mundo: os que vivem acompanhados contemplam-se a si mesmos. Muitos rumores juravam que estava trancada naquela casa, porque nunca ninguém a tinha visto sair. Muitos outros contavam que aquele olhar focado no horizonte não era comum de uma pessoa que estivesse sã e que a situação devia ser denunciada. Outros ainda compreendiam que nada tinham que ver com a vida da tal rapariga e que, para lidar com problemas, já lhes chegavam os seus. (…)

Nunca mais a rapariga veio à janela. Ao contrário do que se possa pensar, inicialmente não foi algo muito notado. Mas depois de se passarem três, quatro, cinco dias, houve quem se apercebesse que a sua presença constante deixara de ser constante. Se esta estivesse mesmo trancada, teria com certeza acontecido algum tipo de acidente que não lhe permitisse ir à janela apanhar ar. Sabia-se lá se a rapariga tinha tido um ataque cardíaco, se um armário lhe tinha caído em cima, enfim, aquilo que se sabe é a facilidade com que os terceiros começam a inventar. Finalmente, houve quem tivesse a decência de ir bater à porta. Logo aí, com a mão no ar ainda antes de embater na madeira, apercebeu-se da existência de um pequeno bilhete. "Fui".

2º Prémio Maria Beatriz Simões Rodrigues, 11º L A estante A Álvaro sempre lhe foi dito que a vida é curta, um corrupio, que começa e acaba rapidamente, como uma aragem fria de Inverno se torna nas folhas afloradas da Primavera. Mas ele nunca sentiu a vida assim. Para ele, viver é um longo e demorado aperto nos pulmões, um aborrecimento constante e inevitável, um acordar e saber, ainda antes de abrir os olhos, que nada de novo vai acontecer. Com quarenta e sete anos feitos em abril, um apartamento demasiado caro nos arredores de Lisboa, três gravatas lavadas no armário e o coração vazio, Álvaro sobrevive. Acorda todos os dias às cinco para as oito (domingos e tudo), põe o vinil da Aretha Franklin a tocar, usa uma das gravatas e, bebendo o seu café (longo e sem açúcar), senta-se na minúscula secretária que tem em frente à janela da sala. Teve na secundária as melhores notas da turma, e a universidade passou como um relâmpago – acabou a licenciatura com notas significativamente melhores do que qualquer outro aluno da sua turma e depressa arranjou contrato com uma edito-

ra. Havia mais de vinte anos que fazia o mesmo trabalho, para a mesma empresa, e estava satisfeito. Não pode dizer que vive completamente feliz, mas afinal o que é isso? Álvaro não conhece a felicidade. (…) Álvaro sente um aperto desmesurado no coração e sai desesperadamente. Fora da loja, no aconchego da rua, surge-lhe uma imagem imaginada da casa da rapariga e da estante semelhante à sua. Uma felicidade apavorante, um contentamento que nunca tinha sentido antes tonteia-o tanto que quase cai ao chão. Uma tranquilidade perturbante toma conta de si e, finalmente, num acesso de luz, Álvaro apercebe-se que, afinal, não há mal nenhum em não conseguir ler todos os livros do mundo, nem tê-los todos em casa, nem muito menos têlos organizadamente numa única prateleira em Lisboa. Todos os livros serão lidos. Se não por ele, sê-lo-ão por outro alguém qualquer. E, no fundo, não será isso o mesmo? Começa a descer a rua. Claramente, como nunca antes, Álvaro tem vontade de viver. De regressar à comodidade do lar, aos seus livros, ao prazer do seu viver. E talvez, quem sabe, ir à livraria mais frequentemente.


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Confluências CONCURSO LITERÁRIO CAMÕES 3º Prémio Helena Dias Duarte Fonseca, 11º B Antes que o sol se ponha

As horas circundam-me insultuosamente longas, deixando para trás o inconfundível sabor da tristeza a que me habituei. Perseguem-me desde que partiste, Daniel! Maldita a hora em que decidi regressar a casa para convencer meu pai que tomava a decisão certa. Maldita a hora em que te deixaste partir. Malditas, malditas, malditas! Deformas-me a alma…Seria de facto necessária uma tão precipitada atitude? A vida é feita de escolhas, Daniel, e a maior…A maior tomaste-a tu por mim… Deixei a minha casa e fiquei com a tua. Tinhas de escolher tão solitário e seco repouso…Pois bem, segui as tuas pegadas e deixei que o deserto me matasse como matou a ti. Aos poucos, toda a minha suculência se esgota. Foi em tempos um verde e húmido oásis de sapiência e alegria que tu tão repentinamente murchaste. Porquê? Verdadeiros habitantes das terras abertas, Abbuh, Mubarak, Farid e Ali levam-me onde a minha curiosidade deseja. Faz já dois anos que andamos nesta demanda e se nos primeiros dias procurava consolo, hoje procuro esquecer a tua curta e insignificante existência neste sítio. (…) Chego ao fim de mais um dia cansada com um sentimento vago de ambiguidade e imprevisão que traz pendendo a minha vida por um fio. Pouco dele resta presentemente: desfiado e mutilado, chego à conclusão que falhei. A linha ténue e fina que me segura impede-me de ser alguém e de viver. Já só posso morrer. Vejo o crepúsculo débil e saturado de nuvens, ilusão e devaneio à minha frente como o velho enfermo vê a luz que o guiará ao céu. Os camelos continuam a dirigir-nos pastelosamente para o nosso próximo destino, por enquanto perdido e distante. Finalmente sou livre, Daniel! O vento que me corre nas veias secou-me o sangue e a areia que perenemente transporta lima-me as arestas e arredonda-me os bicos. Morrerei com eles no horizonte quando já nada por polir restar. Chegou o momento em que giro a ampulheta e, gota a gota, ela recomeça a contagem do tempo. Já me encontrei mas voltarei a perder-me… A algum lado acabarei por chegar antes que o Sol se ponha. Agora o meu coração pertence apenas ao deserto.

Menção Honrosa Ana Catarina Baptista, 11º D Era uma noite de verão, daquelas noites em que as estrelas da cidade brilham quase tanto como as das pequenas vilas do interior. Quem tivesse um minuto para desperdiçar, encontraria no mapa estrelar o caminho até norte, começando por encontrar a ursa pequena correndo ao encontro dos braços de sua mãe. Mas ele não tinha sequer um segundo para dar. O som dos seus passos erguia-se tal coluna greco-romana do Partenon no Saara. As ruas encontravam-se silenciosamente desertas, e os poucos vultos que iam surgindo aqui e ali, não passariam talvez de meras ilusões da sua mente. Era altura de parar e refletir, de abrandar o ritmo da passada e respirar. Devia realmente ir? Afinal de contas tinha sido convidado por isso estava em todo o

seu direito de aparecer. Mas algo no seu subconsciente lhe dizia que ela só o convidara por educação, por regras de etiqueta, por ser o correto, a decisão mais adulta, por piedade… não, não, não… era um brinde aos velhos tempos, um golo das antigas memórias, um reviver doloroso dos pequenos prazeres de viver. (…) Ela sorria-lhe com os seus delicados lábios vermelhos, mas ele não conseguia sorrir-lhe de volta. Tinha havido uma colisão de universos paralelos, as constelações estavam instáveis, a ursa maior já não indicava o norte e Galileu não conseguia avistar o imperfeito astro sem lhe virem as lágrimas aos olhos. O prazer de viver tinha-se perdido numa noite de verão em que a cidade das estrelas já não parecia brilhar só para ele, pois a lua já não se encontrava no seu céu.


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Confluências DIA ABERTO

Fotos de Lurdes Fernandes


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Confluências SCRIPTOMNIAS Doces anos VIII Primeiro veio o entusiasmo e depois o peso esmagador da saudade, mas, pouco a pouco, comecei a adaptar-me, a seguir uma rotina que me mantinha ocupada e, mesmo com a constante presença das memórias da serra, da família e amigos, comecei a apreciar a vida na cidade. Apesar do brilho inicial ter diminuído, frequentemente encontrava coisas que nunca antes tinha visto. Um frasco com um líquido perfumado que as senhoras colocavam delicadamente atrás das orelhas e nos finos pulsos, um roupeiro onde, em vez de se guardarem as mantas e os xailes de lã, se guardavam várias peças de roupa de várias cores e feitios, o que para mim era algo muito estranho, pois estava habituada a ter apenas um vestido velho para o dia a dia e outro mais bonito para os domingos, e um pequeno animal alaranjado e enrolado sobre si mesmo com várias patinhas e longos bigodes a que as pessoas davam o nome de camarão e que, ainda por cima, comiam, que coisa tão pouco natural! Foi exatamente numa segundafeira, assim que o meu pai regressou do trabalho, que saímos do pequeno apartamento para visitar algo que também nunca tinha visto, uma igreja. Não é que não existissem igrejas na serra, pelo contrário, existem demasiadas, mas sempre que, por vontade da minha mãe, tínhamos de aguentar com a missa de domingo, subíamos até à capela no topo da serra em vez de descer até à vila, de modo que apenas conhecia a construção de pedra, com uma cruz no telhado e um altar, se é que se podia chamar àquilo um altar, também de pedra e nada mais. Subimos então a calçada até à rua principal onde apanhámos o elétrico. Eram quase sete da tarde, o sol já se tinha escondido, deixando um rasto de tons lilases que iluminavam a cidade enquanto os candeeiros não acendiam. Eu não podia estar mais feliz, com o meu melhor vestido, de mão dada ao meu pai, empoleirada nas traseiras do

elétrico a ver a confusão habitual de final de dia que se instalava nas ruas. Assim que fizemos a curva foi possível observar o edifício, todo em pedra branca, muito ornamentado, com a típica cruz de ferro no cimo, uma escadaria que cobria quase todo o passeio e com uma torre mais alta onde habitava um sino de grandes dimensões que tocava de meia em meia hora. A entrada era, na verdade, intimidante. Depois das escadas escorregadias encontrava-se um portão esverdeado muito velho e depois duas portas com o triplo da minha altura também com um aspeto antigo e algo assustador. O interior, no entanto, era bastante diferente, de uma riqueza inimaginável. O teto arredondado completamente preenchido com pinturas detalhadas, as paredes, feitas do que, à partida, parecia um mármore colorido, tinham como que pequenas grutas onde se colocavam estátuas de várias figuras importantes. Uma dessas estátuas chamou-me a atenção. Uma mulher de braços estendidos como se quisesse abraçar-me com ternura, um manto pintado de azul claro, um véu que deslizava até ao chão e uma expressão amável. Era a estátua de Maria, a mesma Maria que estava também esculpida na rocha da serra da Estrela, mais exatamente num sítio a que se dá o nome de Covão do Boi. A lembrança da Nossa Senhora moldada a partir da pedra das montanhas provocou-me uma repentina sensação de tristeza. Se fechasse os olhos conseguia ver perfeitamente as escadas escavadas que subiam em direção à senhora protetora dos pastores, conseguia ver as flores que se acumulavam aos seus pés, a neve fresca que a emoldurava e, do lado oposto, as pequenas cascatas que escorriam por entre as pedras e pequenas plantas que começavam a acordar depois do inverno. Se seguisse a estrada em direção à torre iria encontrar o cântaro magro, com toda a sua grandeza, e se, pelo contrário, descesse a estrada, então iria observar o vale glaciar que se estende até Manteigas. Dei por mim a olhar fixa-

mente para a expressão amável da escultura à minha frente, por um lado sentia-me completamente paralisada, por outro sentia o instinto urgente de correr, sair daquele espaço apertado e correr em direção à minha casa, em direção à serra, em direção à liberdade a que estava acostumada. Foi então que senti uma mão pousar no meu ombro, uma mão familiar e quente que me acalmou rapidamente. O meu pai também tinha visto a estátua e imaginado a sua terra, também tinha tido aqueles sentimentos de angústia e saudade e agora estava ali, com a sua mão pousada no meu ombro, sem dizer nada, não eram precisas palavras, aquele gesto dizia tudo por nós, está tudo bem, havemos de regressar a casa… Mais tarde, no caminho de volta para o pequeno apartamento, comecei a pensar nas diferenças entre aquelas duas obras. Uma, muito requintada, pintada com várias tonalidades e decorada com fios de ouro, disposta entre o corpo massacrado do seu filho carregando a cruz e a gravura de Santo António transportando o menino nos seus braços. Todos os dias era adorada, todos os dias lhe dedicavam inúmeras orações, algumas pensadas cuidadosamente, outras suspiradas sem muita atenção. A outra, muito simples, muito natural e, no entanto, muito bela. Por ela passavam os pastores várias vezes e lhe deixavam um pensamento sincero ou um pedido de proteção. Eu, que nunca acreditei muito nas histórias que me contavam aos domingos de manhã na capelinha, sentia algo de especial por aquela figura entrelaçada no granito, talvez porque a escultura em si tem algo de mítico, talvez pelas minhas memórias que estão também entrelaçadas naquele mesmo granito ou talvez apenas porque sabia que, se continuasse a andar pela estrada que passava pelo Covão do Boi, em pouco menos de uma hora estaria de volta à casa de pedra no alto das montanhas.

Beatriz Santos, 12º C


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Confluências SCRIPTOMANIAS O dia em que eu escrevi o meu último texto Caro leitor, Quero comunicar-lhe que já não lhe vou escrever mais. O meu contrato com quem me publica os textos está a poucos dias de caducar, não havendo perspetivas de uma renovação. Não existe interesse numa renovação por parte da escola, que não me quer ver repetir o ano, nem da minha parte, por querer concluir o secundário ainda este ano. Como tal, e como durante as próximas semanas tenho mais interesse em preparar-me para os exames do que andar a escrever coisas em Word, este é o último texto que tenho intenção de lhe escrever. Mas o que eu realmente queria fazer não era dar-lhe a conhecer a minha situação. Era, isso sim, deixar-lhe uma última palavra, para que o meu esquecimento na sua lista de escritores lidos seja adiado um dia ou 2. E é com esse propósito que lhe deixo “O dia em que escrevi o meu último texto”. “Estávamos no dia de 8 de maio de 2017, uma segundafeira. Da janela envidraçada do meu quarto, a pequena e simpática igreja da frente parecia entristecida. Havia já largas horas que o sol, sem dizer nada, se tinha encontrado com as feiosas nuvens do céu e tinha partido para um lugar tão distante que nem um Joule do seu rasto luminoso se sentia. E os carros, desnorteados, corriam a todo o gás à frente dela, talvez com pressa para chegar a algum sítio, talvez com pressa de dali saírem e não terem de confortar a enegrecida igreja da frente da minha casa…” ‒ Que é isso?! Que é essa lamechice?! O que é que se passa contigo?! Achas que é isso que os teus leitores querem ver? ‒ disse-me o Francisco. No meu processo de escrita, o Francisco é o meu lado realista, o meu lado que acha que a beleza da escrita está na descrição natural das coisas, sem opiniões nem animações. Do outro lado, está o Francesco. Ele é o meu lado que puxa pela página 349 do livro de português e tenta usar o máximo de figuras de estilo que consegue. E eu, que estou no meio, medito em todas as sábias palavras com que os dois sustentam os seus argumentos (modéstia à parte) … Mas o Francisco tem razão. Isto está muito mau. Vou começar de novo. “Estávamos no dia 8 de maio de 2017, uma segundafeira. O céu estava enegrecido, e tudo por baixo dele também. Ouviam-se os sinos e os murmúrios do terço na capela à frente de minha casa… e eu estava uma pilha de nervos. A parte má de trabalhar para uma editora de tão diversificado talento como a escola leva a que exista sobre quem escreve uma pressão dantesca, o que leva a que os alunos escrevam muitas vezes textos fast-food, não permitindo a criação de obras com a magnificência do que publicam as outras editoras. E essa pressão recaía sobre mim, que não tinha nada escrito no dia anterior à data limite de envio dos textos! Portanto, em vez de me preocupar com os murmúrios clericais da igreja em frente, decidi escrever.

Abri o computador, liguei-o, esperei que fizesse todos os barulhos de início e abri o Word. Vá! Anda escrever! Tu escreves bem! Se falhares,… ‒ disse eu para mim próprio antes que me deslizasse para a folha a parte final desta conhecida frase, integrante na cultura portuguesa por culto da ida da nossa seleção a França e do milagre do Euro 2016. Mas sobre o que é que vou escrever? – perguntei eu a Francisco e Francesco. E eles apareceram, quais mitras na mente de quem bem quer escrever, e começaram a falar: ‒ Faz uma daquelas coisas que fizeste com El-Rei D. João V! Daquelas em que pegas numa situação que poderia ter acontecido e tentas imaginar como seria, sempre sem inventar coisas absurdas. Lembra-te de que depois ficas sujeito a que chegue alguém aos 1000 km/h e que te contradiga, dizendo que não é essa a maneira de viajar no tempo. Não é, prémio Nobel? ‒ O Francisco tinha razão em muita coisa. Logo a começar pelo facto de os versos que fiz da minha visita a Mafra e ao já referido monarca terem sido um sucesso. Nunca tinha ouvido ninguém dizer tão bem de algo feito por mim! E tinha realmente razão quando dizia que qualquer estarola que um dia viaje a 1000 km/h e não viaje no tempo me pode contradizer. ‒ Não ligues a esse excremento pouco visionário! A cabeça dele é que anda a mil! Escreve um texto bonito, como tu sabes! Carrega nos recursos de estilo, nas referências à arte, ao desporto, a tudo! Quem sabe um dia não são os outros estudantes a esmifrarem os seus crânios para encontrarem nas tuas palavras ironias, antíteses, perífrases, hipérboles, intertextualidades e tudo mais! Pensa quão grandioso podias ser! Ias ao Goucha, à Tânia, à Júlia e a toda a outra malta dos programas da manhã! O céu é o limite!... ‒ Retaliou Francesco. Realmente, os textos de autores bem sucedidos estão sempre impregnados destas coisas, e eles não se parecem queixar muito. E só de pensar no figurão que fazia… Ui, ui! Dos programas da manhã… eu não gosto particularmente, mas porque não? Não é isso que todos fazem? E se as senhoras 760 gostam, quem sou eu para contrariar? Perante este impasse, pu-los a debater. E eles concordaram. Pus um no meu ombro direito e o outro no ombro esquerdo, e eles começaram a argumentar em prol da sua tese. Mas depressa a emoção tomou conta dos seus argumentos, e já estavam os dois quase à bofetada quando se lembraram que aquele debate estava destinado a ajudarme e tiveram o cuidado de retomar a discussão lógica. Estavam pelos meus cabelos. A conversa durou mais meia hora, mas tínhamos chegado a um impasse e, sem fim à vista, puseram-se os dois na alheta e deixaram-me sozinho, sem texto, sem inspiração, sem nada. Tive por isso, que escrever a primeira coisa que me veio à cabeça.” Peço desculpa a vossas excelências, mas é assim que fica, acabou-se-me a inspiração. Até sempre,

Francisco de Freitas Monteiro, 12º C


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Confluências SCRIPTOMANIAS Identity & Artists When we are young, the world seems to give us too many directions. We have to make constant choices and to overcome problems and difficulties that appear along the road of life. Now, “as time goes by”, like Sam said in the film Casablanca, we are all becoming adults. But before that moment we need to grow up and to learn a lot of things. More than learning we need to follow role models. What’s a role model? Well, that’s right; a role model is someone that becomes an example to us, someone who influences our behaviour and our way of thinking. It can be everyone but, in fact, role models start to appear when we are really young with the parents figure, and then that figure also starts to appear in friends. But, as we become teenagers it’s natural that role models start to be actors, singers, writers and all those famous people. Teenage years are a time of our lives when we are yet trying to discover who we are, and there’s nothing wrong about it. It’s just natural, no one is born taught, no one is born with a completely settled personality. Idols can be very good role models, of course, if we know how to choose them. Otherwise they can also be a very bad influence. But I would like to talk about the good effects of it, and, in fact, I think there are many. I think it’s quite stupid and out of sense when people say we shouldn’t imitate other people. I always though what the hell? Imitating is our life. No one lives without imitating anybody, and that’s not a bad thing. Only people with a lot of different views can be able to then create something of their own. Let’s take an example. If I have a favourite writer

he or she will certainly have an influence about the way I write, about the way I see things; if I have a favourite film director he or she will open my mind when it takes to cinema. A young film director can only be an expert if he has already watched thousands and thousands of films. No one just arrives somewhere and writes a book or makes a film without any learning, without any role models. Someone who can give an example to us is very important when constructing an identity. If we have bad examples or if we don’t have any examples at all, I think our minds will just become a big maze, without any starting point or safe place. And, of course, we all need a starting point, we all need someone to guide us, and not only when we are teens. What we learn when we are young can last a life time and adults also have role models. A century ago, Alfred de Musset, a French poet, said “Even to plant cabbages is to imitate someone”. Cabbage means “couve” in Portuguese. And because it’s a little bit strange, it may not make sense for you but, basically, it means that even a common thing such as planting cabbages is a state of pure imitation. Just like other people have planted cabbages before you, other people have done what you’re doing and even other thousands of people may have thought what you are thinking about now. What I mean is that there’s nothing wrong about it, and it doesn’t mean we are not unique. Otherwise, it just means that we are living with each other. And everything that we create will always be different because looking at others work doesn’t mean imitation, it means inspiration. And just like the French philosopher Alain said “Who does not imitate, does not invent”. Leonor Gaião, 10º I

LUX LIBERATRIX Hoje, mais do que nos outros dias, sinto-me cansado Sempre melancólico e magoado Quero que pare e que desapareça Como a nuvem que se condensa Na minha turva mente Ou será que é a minha alma que já não sente? Todos os dias vejo e sinto aquela luz Que me dá esperança e força Entre o caminho tenebroso Que me mata a cabeça de questões e depressões

E com o seu raio de claridade na minha face Aquele nó apertado à volta do pescoço subitamente tem o seu desenlace Mas com o final do dia vais desaparecendo E a mim o que me resta fazer? Apreciar cada segundo Fumo o meu último cigarro e despeçome de ti Sabendo que amanhã nos voltaremos a encontrar. Daniel de Almeida Dias, 11º J


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Confluências ENCONTRO ‘LITERÁRIO’ “Hoje [9 de maio] esteve connosco Luís Cardoso, escritor timorense, para partilhar com 4 turmas e respetivos professores, a sua escrita, as suas leituras, a sua experiência de uma vida em prol da causa timorense. Com uma voz que começa tímida mas que logo enche a sala, começou por nos falar sobre a sua infância em Timor. Filho de um casal com 11 filhos, viu a sua família aumentar para 20, crianças órfãs que se juntaram a esta já numerosa família. Falam-se 2 línguas em casa (em Timor há 32 línguas diferentes!) mas o tétum prevalece. Na escola começa a escrever em português. Faz redações para um colega português e em troca recebe um pão com manteiga - que dividia com os 30 colegas da turma. A 25 de abril de 1974 já estava a estudar em Díli e como era bom aluno consegue uma bolsa e vem estudar para Portugal. Aqui terá que trabalhar nas obras durante o dia e estudar à noite. Tira Silvicultura em Agronomia e Direito, mais tarde. Foi professor de matemática, de tétum, de português para timorenses. Durante a ocupação indonésia fez parte da resistência e desenvolve atividades políticas próindependência. Ao longo da conversa percebemos que estamos perante um homem que conheceu uma série

de individualidades ligadas à política, à cultura, às artes. António Guterres aprendeu tétum com Luís Cardoso. E na escrita? Contou que o primeiro livro que leu foi a Bíblia (era o único livro que havia). Mais tarde, por mão de um militar português leu José Cardoso Pires, Dinossauro excelentíssimo. Mas muitos outros vieram... O seu primeiro romance, Crónica de uma travessia, é considerado o primeiro romance timorense. É também um dos livros do projeto de leitura do secundário. Todos os seus romances são sobre Timor. O professor Mattoso diz que se pode conhecer a história de Timor através dos livros de Luís Cardoso. A BE/CRE tem apenas o primeiro romance mas, depois de termos sido cativados pelo escritor prometemos adquirir os restantes!” Teresa Saborida (Profª Bibliotecária) http://esccamoes.blogspot.pt/2017/05/encontro-com-oescritor-luis-cardoso.html 9 de maio de 2017

DESAFIO “MATEMÁTICA” (Solução e Vencedor)

X

X X-720m

720m

Barco A é mais rápido Barco B é mais lento

A percorreu x-720 m B percorreu 720 m

X é a largura do rio

T0

Quando os dois barcos partem vão encontrar-se a 720 metros da margem mais distante do barco A (porque anda mais rápido).

T1 Como as velocidades são sempre constantes e v=d/t

X 720m X-440m X-720m 400m

Quando se voltam a cruzar, a 400 metros da outra margem, o A terá andado 720m+(x-400)m e o B terá andado (x-720)m + 400m.

Ou seja

A percorreu 720m + (x-400)m B percorreu (x-720)m + 400m

T Nuno Garcia – 12º A

Como é um problema real a solução será 1760 metros.


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Confluências PROBLEMA AMBIENTAL CoastWatch Europe Lixos Marinhos

Lixo Marinho

Top 10 – O lixo marinho mais encontrado nas praias portuguesas Os lixos marinhos constituem um problema atual de extrema gravidade para os ecossistemas e para a saúde animal e humana, de tal forma que mobiliza a indústria, a investigação e a sociedade civil para o seu estudo e 1 – Beatas de 2 – Cotonetes 3 – Embalagens 4 – Tampas de 5 – Garrafas de Cigarros de Alimentos Garrafas Água para a procura de soluções. Os lixos marinhos ocorrem dispersos na superfície dos oceanos e na coluna de água e nas praias. Acumulam-se nas linhas de maré. São de todos os tipos, formas, textu7 – Pacotes de 8 – Sacos de 9 – Latas de 10 – Garrafas de ras e cores. Ocorrem objetos 6 –deRedes/Cordas Amarração Bebidas Plástico Bebidas Vidro metálicos, de pano, de couro, de plástico e outros. Cumpriram várias funcionalidades na indústria, na agricultura, nos transportes e na vida quotidiana das pessoas. Com efeito, nas praias, encontram-se beatas de cigarro, cotonetes, palhinhas para bebidas, brinquedos, calçado, sacos para compras, têxteis, plásticos rígidos, restos de aparelhos de pescas, material médico (seringas e luvas), garrafas de plástico e de vidros, embalagens de sprays. O Top 10 (ten) de ocorrência de lixos marinhos foi estudado pela investigação e está exemplificado na figura. A exposição realizada dia 4 do passado mês de maio, no Dia Aberto da Escola Secundária de Camões, teve como objetivo informar e sensibilizar os visitantes para este problema ambiental. A solução do problema passa pela corresponsabilização de todos os intervenientes no ambiente: cidadãos, governantes e agentes económicos. Mais ambiente, mais economia! (E vice-versa). Bruno Cardoso (aluno do 3º ano do Curso de Informática de Gestão)


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Confluências AULA PRESIDENCIAL

Presidente da República em aula-debate sobre

Álvaro Cunhal e a Democracia 15 de maio, Auditório Camões

O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa participou, na Escola Secundária de Camões em Lisboa, numa aula-debate com alunos do ensino secundário sobre Álvaro Cunhal e a Democracia. Após ter sido recebido pelo Diretor e pela Presidente do Conselho Geral da Escola Secundária de Camões, João Jaime Pires e Gabriela Fragoso respetivamente, o Presidente da República assistiu, já no auditório, a um momento musical pelos alunos da escola que interpretaram “Verdes são os Campos”. Antes do início da auladebate o Diretor da Escola usou da palavra. [Texto e fotos retirados, com a devida vénia, da página oficial da Presidência da República Portuguesa] http://www.presidencia.pt/?idc=10&idi=128791

“Numa 'aula' de mais de 90 minutos num auditório completamente cheio e em que foi recebido com aplausos entusiásticos, Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que o PCP "continua a ser um partido relevante da esquerda portuguesa, a manter uma percentagem eleitoral significativa, a manter um peso na vida sindical muito importante e a manter peso nas autarquias". Já sobre Cunhal, o chefe de Estado sublinhou que "marcou e marca a democracia portuguesa", tendo sido essa a razão pela qual incluiu o Liceu Camões ‒ onde o antigo secretário-geral do PCP estudou entre os 11 e os 17 anos ‒ numa ronda pelas escolas por onde passaram as que elege como quatro figuras centrais da democracia. Marcelo já visitou o liceu de Sá Carneiro, no Porto, o colégio onde estudou Mário Soares e, até ao final do mês, disse que conta ainda dar uma aula no liceu de Freitas do Amaral. Depois, revelou, terá uma iniciativa semelhante em relação aos anteriores Presidentes da República, além de Mário Soares: Ramalho Eanes, Jorge Sampaio e Cavaco Silva.” https://www.publico.pt/2017/05/15/politica/noticia/presidente-da-republica-interpreta-apoio-do-pcp-ao-governo-como-mal-menor-1772261


ESCOLA SECUNDÁRIA DE CAMÕES http://www.escamoes.pt

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BE/CRE

Confluências

B

R

E

V

E

S

http://esccamoes.blogspot.com/

A todos quantos colaboraram com a cedência de textos, fotos e cartazes para este Boletim, uma palavra de agradecimento.

Com o generoso apoio do

Grupo Desportivo e Cultural do Banco de Portugal


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