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terreno estreito

UMA HABITAÇÃO PARA O TRÓPICO ÚMIDO: projeto para um terreno estreito

Ronaldo Marques de Carvalho

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Fábula de um arquiteto A arquitetura como construir portas, de abrir; ou como construir o aberto; construir, não como ilhar e prender, nem construir como fechar secretos; construir portas abertas, em portas; casas exclusivamente e portas e tecto.

O arquiteto: o que abre para o homem (tudo se sanearia desde casas abertas) portas por- onde, jamais portas-contra; por onde livres :ar luz razão certa

João Cabral de Melo Neto

1.INTRODUÇÃO

Este capítulo resulta da monografia desenvolvida no Curso de Especialização em Arquitetura nos Trópicos (CARVALHO, 1986) e trata da elaboração de uma proposta de projeto arquitetônico para uma habitação em terreno estreito, visando a sua adequação climática em uma cidade do trópico úmido - Belém do Pará14 .

O conhecimento da cidade, e suas raízes históricas quanto a origem urbano-arquitetural, características climáticas, o estudo da localização do terreno, da legislação urbana, do programa de necessidades, dos partidos e o pré-dimensionamento são importantes para o desenvolvimento da proposta arquitetônica. Pretende-se com este trabalho contribuir com uma solução voltada ao projeto de habitações

14 Para saber mais, consulte MIRANDA, Cybelle Salvador; CARVALHO, Ronaldo Marques de; TUTYIA, Dinah. Uma Formação em curso: esboços da graduação em Arquitetura e Urbanismo. Belém: Universidade Federal do Pará, 2015, v.1.

em lotes estreitos, adequando-os aos condicionamentos climáticos de Belém, e através de estudos compatíveis com nossa realidade subsidiar a atividade profissional dos arquitetos. Ademais, o processo metodológico do estudo servirá de referência didática às aulas de projeto arquitetônico.

A beleza tropical, com seus rios, baías, igarapés, alagados, florestas, campos e cidades, da Zona Bragantina à Ilha do Marajó, serve de substrato à arquitetura. A Terra, na sua viagem pelo espaço, acompanha seu guia maior, o sol, no movimento de rotação que consideramos ser em torno de um eixo imaginário e no movimento de translação que se processa em torno deste, que condiciona decisivamente a vida como um todo. A partir do sol temos o dia e a noite, o clima de um modo geral, os meridianos. Os Trópicos de Câncer e capricórnio determinam um setor que se chama região tropical.

São as nossas Matas, nossos Rios, nossos Ilhas, nossos Ventos nossa Fauna, nosso Sol, nosso Solo, nossos Recursos Minerais, nossos Alagados, nossa forma de viver, que de fato devem se evidenciar na criação dos espaços em que vivem os seres humanos.

A disponibilização de um terreno com suas características físicas, dimensões e localização, priorizam antes de tudo a reflexão em torno de uma proposta de projeto arquitetônico e, portanto, a análise do lote urbano com seu contexto histórico e sua situação quanto à radiação solar, aos ventos e precipitações pluviométricas contribuem para uma boa solução. Então, partindo-se de uma necessidade real, pode-se elaborar um programa de necessidades que define as características dos partidos arquitetônicos prováveis e sua transformação em ambientes.

A adequação de um projeto se condicionará aos dispositivos legais referentes ao uso do solo urbano, cabendo, portanto, uma análise quanto a sua implantação em terrenos estreitos, procurando-se mostrar as várias alternativas de estabelecimento dos partidos gerais até chegar aquele selecionado. De posse do partido escolhido, passamos

à proposta de implantação, levando em conta as soluções que propiciem uma climatização natural que favoreça o aproveitamento da vegetação e a captação dos ventos e a proteção contra os excessos da radiação solar e da chuva.

Com o conhecimento e a definição de todos esses condicionantes, o desenvolvimento do partido proposto leva à etapa da elaboração da proposta final, na qual a escolha do sistema estrutural, as vedações, coberturas, acabamentos e detalhes são planejados. Em cada um desses itens, o conforto ambiental depende também de uma adequada tecnologia propiciando o uso de materiais regionais.

Assim, a análise necessária para obter o melhor aproveitamento dos ventos, proteção contra as chuvas e aos rigores da radiação solar, torna-se possível utilizando-se observações in loco e com a aplicação das técnicas de mascaramento solar (FONSECA, 1982).

As especificações do projeto serão apresentadas no decorrer do seu desenvolvimento e as instalações complementares para consecução de um projeto executivo não serão aqui consideradas, uma vez que a proposta se refere a um anteprojeto e detalhes desta ordem viriam com a definição imposta ao projeto executivo.

Então, adequar a arquitetura ao clima é antes de tudo criar condições a esta arquitetura de oferecer aos seus ocupantes, proteção contra o sol, chuva, ruídos, poeiras e permitindo também proteção quanto a segurança físico-psicológica. O sol também é necessário, porém sem causar desconforto e o vento é fundamental para a aeração dos ambientes, embora não exageradamente, de modo a não ocasionar danos construtivos (IZARD, 1983).

No cotidiano de quem atua como profissional no campo do planejamento arquitetônico, com destaque às habitações unifamiliares, quer seja em grandes terrenos ou em terrenos reduzidos, o reconhecimento dos fatores ambientais é essencial para que o abrigo atenda aos requisitos de conforto humano ao longo de todo o ano.

2. A CIDADE E A ARQUITETURA

Santa Maria de Belém do Grão-Pará, assentada no estuário do Amazonas sob o signo da fortificação do Castelo ou Presépio, construída às margens da baía do Guajará, confluindo com o igarapé do Piri, guarda ainda hoje em parte da cidade alguns traços fisionômicos arquitetônicos e urbanísticos do que foi há quatro séculos passados. Localiza-se a uma latitude sul de 1º28’ e uma longitude oeste de 48º27’, caracterizando-se climaticamente como uma cidade do Trópico Úmido, situando sua área original em terreno que oscila em altitude de 0 a 10 metros, por conseguinte, baixo, apresentando uma malha líquida constituída por igarapés que a penetram como se fossem ruas. A cidade localiza-se numa ponta que se limita ao norte pela Baía do Guajará e ao sul pelo rio Guamá e por estas características tem o seu território com influência marcante das baixadas, que constituem aproximadamente 40% do seu sítio. Os Terrenos da cidade são consequentemente de baixa resistência estrutural. Possui clima quente e úmido apresentando temperaturas que vão em média de 22º a 32ºc, tendo umidade relativa que varia de 80 a 90º durante quase todo ano. Implanta-se em contato com a densa floresta Amazônica; os ventos predominantes de Este e Norte equilibram a ventilação durante a dia e a noite e o índice pluviométrico, em média, está a 488 mm. O céu apresenta-se na maioria dos meses com intensa nebulosidade, mas com grande radiação solar.

A cidade de Belém, que se originou sob influência eminentemente portuguesa, caracteriza-se com sua arquitetura primordial guardando traços consequentes da matriz. Com o advento de novas tendências arquitetônicas, a cidade passou a assimilar, tanto nos seus aspectos urbanos quanto nos seus edifícios, novas influências europeias com técnicas e materiais construtivos variados. Até o século XIX, foram

marcantes as adaptações europeias que respondiam aos anseios das condições climáticas da região Amazônica (TOCANTINS, 1976).

No início do século XX até a sua metade, com os movimentos da Arquitetura no Brasil apareceram novas tendências de projetação e construção com influências internacionais, via sudeste brasileiro, que logo foram assimiladas no Norte fazendo aparecer em Belém a arquitetura dos bangalôs, das testadas, das lajes em concreto e dos edifícios.

Atualmente, estudos são desenvolvidos sobre o clima da região amazônica, e estes já permitem avaliar os condicionantes que determinam a adequação do projeto às condições de conforto necessárias, levando ao melhor desempenho das atividades humanas. Dentre estes, destacam-se com maior agressividade climática ao organismo humano a umidade e o excesso de radiação, que são consequências da localização geográfica da região. Sendo assim, apesar das inovações quanto às técnicas construtivas, a arquitetura moderna de Belém ainda não é satisfatória, do ponto de vista do projeto e da construção, quanto aos condicionantes e fatores climáticos, mostrando-se inadequada ao conforto biológico.

Belém nos primeiros séculos de sua história teve influências marcantes da arquitetura portuguesa e europeia com ligeiras adaptações regionalistas e assim os chalés, ainda existentes, apresentando varandas amplas, grandes beirais e muitas aberturas para a circulação do ar no interior, de modo a proporcionar bem-estar em seus ocupantes (CRUZ, 1971). Os materiais e as técnicas construtivas empregadas pela arquitetura portuguesa tais como pedras, tijolos e telhas cerâmicos contribuíram para amenizar os rigores do clima, propiciando nas fachadas altas e largas janelas além da presença dos óculos ventilando os porões e no interior fazendo circular ar através do forro, graças aos vazados existentes entre o forro e a cobertura, usando o ático como o meio de aeração, o qual funciona como um exaustor. No decorrer

da evolução de nossa arquitetura, com destaque às importações tipológicas e tecnológicas, muitas soluções vinham inspiradas em climas temperados, com necessidade da adaptação ao clima tropical.

Figura 1: Uso de forros vazados

Fonte: Ronaldo Marques de Carvalho (1980).

Azulejos nas fachadas, adornavam e minimizavam a transferência do calor pelas paredes ao interior dos ambientes, venezianas permitiam a circulação do ar mesmo em ambientes fechados, forros vazados faziam fluir para o ático o ar quente. O piso em madeira elevado do solo, ao mesmo tempo que isolava o prédio deste, permitia ao ambiente um teor de frieza ajudados pelos óculos, proporcionando um conforto térmico agradável.

Nas habitações unifamiliares construídas sobre lotes estreitos, a solução era o tipo puxada, com corredor extenso que dava acesso aos dormitórios, nos quais a ventilação e iluminação era indireta,

proporcionando um relativo conforto térmico que poderia ser considerado agradável para um clima equatropical.

3. O LOTE URBANO

Belém teve o seu desenho inicial com ruas e travessas que se interligavam formando quadras divididas em lotes que geralmente apresentavam-se com pequena largura, 5 a 6 metros, e profundidades que variavam de 30 a 50 metros. Com o crescimento e formação de novos bairros, como a Campina e o Reduto, as tradições de loteamento mantiveram as dimensões, regra geral e mesmo nos bairros mais novos os lotes pouco aumentaram, principalmente no que diz respeito a sua testada.

Com a posse de grandes áreas consideradas suburbanas, novos sítios foram parcelados e o aparecimento de loteamentos fez surgir vilas, passagens e alamedas que contribuíram para as pequenas dimensões dos lotes urbanos. Com o avanço da cidade que passa a se estender até a Primeira Légua Patrimonial no atual bairro do Marco, grandes quadras são planejadas, embora o desmembramento destas quadras acabasse por propiciar o aparecimento de lotes com predominância de pouca largura.

Na arquitetura urbana existe um traço bem característico que é a relação desta com o tipo de lote em que está implantada. A arquitetura se adapta melhor às modificações do plano econômico social do que o lote, uma vez que a modificação deste exige em geral alteração do traçado urbano. As cidades brasileiras, em geral seculares, como é o caso de Belém apresentam os seus desenhos fundamentados em antigos preceitos de urbanização, caracterizando, portanto, seus lotes ainda hoje estas marcas.

É evidente que, pela anexação de antigos locais tidos como rurais ao corpo urbano, nos dias de hoje passam estes lotes a compor um

conjunto com os antigos, criando a falsa impressão à primeira vista, que a variação destes lotes é fruto de soluções da mesma época. O lote, por estar ligado ao desenho urbano, está intimamente ligado à rua. Nas cidades concebidas e construídas no século XX no Brasil é bom notado a relação dos lotes com as vias, como no exemplo de Brasília, cujas superquadras denotam bem a sua relação com os prédios e as vias (REIS FILHO, 1978).

3.1 O LOTE COLONIAL

No período colonial, a nossa arquitetura residencial urbana ocupava lotes com características bem definidas. Tomando como base antigas tradições do urbanismo português, as cidades brasileiras tinham aspecto uniforme, tal como ocorre em Belém, especialmente nos bairros mais antigos (Cidade Velha e Campina), onde as residências ocupam os limites dos lotes com as fachadas no alinhamento das vias, delimitando o traçado das ruas. Não existia jardim, salvo nos fundos dos terrenos, onde os quintais se faziam presentes como áreas livres, até palácios foram construídos no período colonial com suas fachadas no alinhamento das vias.

Figura 2: As edificações ocupavam os limites dos lotes

Fonte: Ronaldo Marques de Carvalho (1980).

As casas térreas e sobrados, sempre construídos ao nível do chão, originalmente com suas fachadas no alinhamento, demonstravam que as ruas se constituíam num grande passeio onde os veículos da época e os pedestres se misturavam; a ausência do verde nas ruas sempre foi uma constante e o que se tinha era pedra, beiral as esquadrias e paredes. Segundo Reis Filho, “A uniformidade dos terrenos correspondia à uniformidade dos partidos arquitetônicos: as casas eram construídas de modo uniforme e, em certos casos, tal padronização era fixada nas Cartas Régias ou em posturas municipais” (1978, p. 24).

Foi durante o século XVII que as posturas municipais portuguesas começaram a fixar para as residências dimensões e números de aberturas, altura dos pavimentos e alinhamento com as edificações vizinhas. Nesta época, tudo o que se fazia continuava sob a égide portuguesa. As casas de um pavimento e os sobrados tinham as mesmas características, sendo que as habitações em lotes de esquina tinham privilégios de apresentar mais de duas fachadas com aberturas.

3.2 O LOTE NO SÉCULO XIX

Até meados de 1800, as cidades brasileiras sofrem influência da transformação da colônia e o intercâmbio do Brasil com outros países, no auge de uma revolução tecnológica e industrial, promove as primeiras manifestações de mudança da tipologia da habitação urbana. Entretanto, as edificações continuam ocupando os limites naturais do lote e o alinhamento das ruas.

Mas, a partir da fundação da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro, passa-se a absorver os padrões menos rígidos relativos à implantação das edificações oriundas de outras nações europeias e tendo como consequência a dissolução de laços rígidos com Portugal. A presença da missão cultural francesa ao Brasil difunde a arquitetura neoclássica, que passa a favorecer as novas concepções e

melhores soluções em lotes pequenos e a expansão para os grandes lotes, gerando novos tipos de habitação com jardins laterais, gradis e com a importação de materiais e equipamentos, as habitações ganham nova aparência. Surgem os porões ventilados, pés direitos bastantes elevados, uso de bandeira vazada sobre portas e janelas e o saguão como opção de ventilação e iluminação libera uma lateral do terreno, já se define melhor a adequação ao clima. Aí os beirais passam a ser resguardados por platibandas na fachada principal e os interiores passam a ser valorizados.

Na segunda metade do século XIX, ainda sob a influência da missão francesa, predomina o ecletismo e, mesmo as habitações urbanas passam a ser construídas com tijolos e cobertas com telhas tipo Marselha e a mecanização da construção e os operários remunerados se especializam com mestres europeus e muito contribui para os arremates de esquadrias, beirais que facilitaram a adequação da arquitetura ao clima, embora neste momento os lotes passem a ter dimensões mais generosas.

As residências libertam-se dos limites do lote, passando a ser locadas no centro do terreno, de modo que as águas do telhado voltam-se às laterais, surgindo os chalés que agora passam a ter o ático ventilado graças ao uso dos “óculos”.

3.3 O LOTE NO SÉCULO XX

Após a 1ª guerra mundial surgem nas cidades brasileiras as grandes residências, alocadas em regiões afastadas do centro, que mesmo durante o século XIX começou a se implantar como consequência de herança de chácaras coloniais, em Belém foram marcantes as rocinhas. Nas cidades começa a preocupação com o tráfego de veículos, fazendo com que a expansão daquelas deem novos rumos ao desenho urbano e o consequente uso do lote para edificações. Mas, devido as exigências

ainda se basearem nos antigos preceitos de construir embora usando técnicas novas, persistiu o uso dos limites dos terrenos nas zonas urbanas. Nas cidades com o advento da Art Nouveau passando pelo neocolonial e caminhando ao modernismo, as habitações buscam a libertação dos limites dos lotes levados pela necessidade de exibir suas fachadas, propiciando sempre melhor a adequação ao clima. Até 1950 as habitações passam por uma verdadeira mistura de estilos.

O Modernismo se instala no país e em Belém os exemplares existentes até hoje definem bem uma arquitetura de linhas retas, grandes testadas, painéis com poucas aberturas, vigas e pilares de concreto armado, causando grande transtorno quanto à adequação ao clima.

De 1950 a 1970, a arquitetura difundida no Brasil e especificamente em Belém, pouco se relaciona com o lote muito menos com o clima tropical úmido. Tanto as habitações unifamiliares como os edifícios de apartamentos começam a ser projetados e construídos segundo influências de uma arquitetura internacional e o uso do concreto, metal, vidro se faz de maneira indiscriminada, em que o exibicionismo tecnológico sobrepuja a simplicidade coerente às condições amazônicas. Mesmo nas cidades planejadas após 1950, as tendências da arquitetura são de uma personalidade pouco coerente com a realidade brasileira e a relação prédio x lote x via, não é compatível com os condicionantes locais.

4. LEGISLAÇÃO QUANTO AO USO DO SOLO URBANO EM BELÉM

A Lei Municipal nº 7068 de 28 agosto de 1978 passa a ter nova redação com a Lei nº 7.121 de 28 dezembro de 1979 e o Sistema Normativo do Uso do Solo de Belém passa a ter como objetivo e diretrizes: “A orientação e atuação da prefeitura na tarefa de coordenar as atividades públicas e privadas desenvolvidas no território municipal

do modo a garantir ocupações e usos mais adequados através da adoção de instrumentos de controle e avaliação”. O Sistema Normativo do Uso do Solo de Belém é constituído basicamente pelos instrumentos legislativos relativos a: 1 – Organização do Solo Urbano 2 – Urbanização 3 – Edificação 4 - Instalações 5 – Controle do exercício das Funções 6 – Controle Administrativo

Entre os objetivos específicos atingidos pelo Sistema Normativo do Uso do Solo, podemos destacar: 1 – Preservar-se as condições do meio ambiente e construído. 2 – Preservar as condições ótimas de conforto e salubridade.

Pela legislação em vigor a partir de 1979, os terrenos que apresentassem testada inferior a 8 metros não poderiam ser edificados, já que os afastamentos exigidos para a edificação não permitiriam os objetivos específicos aqui selecionados principalmente o que se refere a condições de conforto e salubridade. Fica estabelecido que os lotes terão que apresentar no mínimo 10 x 25 m, sendo sua forma retangular. Assim, todos e quaisquer lotes com menos de 8 metros seriam considerados estreitos e grande parte dos terrenos a construir ou oriundos de demolição de prédios não poderiam ser edificados. Prendiam-se os legisladores aos condicionantes da arquitetura moderna, que previa a necessidade de circulação de ar e áreas não edificadas nos lotes.

Considerando o percentual elevado de terrenos estreitos, na sua maioria com menos de 6 metros, o direito à moradia e ao uso da propriedade privada estava seriamente ameaçado na cidade. A partir de portarias oriundas da municipalidade, vindo ao encontro principalmente dos cidadãos, o terreno estreito passou a ser liberado e a exigência inicial da obrigatoriedade dos afastamentos do prédio em relação aos limites do lote foi desconsiderada e a construção até aos limites do terreno permitida. Com isto, apresenta-se o desafio da adequação do projeto ao clima, tirando-se partido da melhor forma de captação dos ventos e proteção contra a insolação, fazendo com que as dimensões mínimas de um lote não sejam contraditórias em relação as exigências de conforto e salubridade.

Só a partir do advento da legislação relativa a loteamentos, estabelecendo lotes com um mínimo de 10 metros de testada é que áreas basicamente urbanas passaram a dispor de terrenos maiores. Entretanto, com o incremento da iniciativa às invasões que atingiram o ápice na década de 80, muitas glebas de propriedade de terceiros foram desapropriadas pelo governo e loteadas para alojamento da população, apresentando geralmente cada lote dimensões de 5 a 6 metros de frente por 25 de fundos. Fica assim autorizada a edificação em lotes pequenos na cidade.

Portanto, a proposta de um projeto para terreno estreito é compatível com a realidade da cidade de Belém e converte-se em uma necessidade de exercício de adequação de nossa arquitetura ao clima, levando em conta as condições adversas onde as dimensões mínimas dos terrenos tornam-se um desafio.

5. O PROJETO ARQUITETÔNICO

A concepção do projeto, produto final dos estudos desenvolvidos ao longo do curso de especialização em Arquitetura nos Trópicos,

contou com a aplicação dos conhecimentos obtidos nos módulos constantes no curso, enfatizando-se o de “Técnicas do Controle Ambiental”, “Metodologia Projetual” e “Teoria da Arquitetura”, ministrados pelos professores Marcio Vilas Boas, Luiz Carlos Chichierchio, Azael Rangel Camargo e Edgar Albuquerque Graeff, respectivamente.

5.1. LOCALIZAÇÃO DO TERRENO E DADOS METEOROLÓGICOS

Localiza-se na Passagem Maria dos Anjos Acatauassú Nunes, situada entre as travessas Almirante Wandenkolk e Dom Romualdo Coelho, no perímetro compreendido entre as avenidas Senador Lemos e Jerônimo Pimentel, no bairro do Umarizal, tendo a referida passagem a largura de 7,00 metros, possuindo todos os serviços infra estruturais básicos. O terreno apresenta como dimensões 6,00 metros de frente com 40 metros de fundos, com forma retangular, possuindo topografia plana, tendo como limites: a) nos fundos – muro de 4,00 metros de altura; b) nas laterais esquerda e direita, residências de um pavimento. No seu entorno, além das edificações limítrofes existem outras habitações de pequeno porte. O terreno, que originalmente é oriundo de baixada, é parte de uma área que há décadas passadas foi ocupado por uma “vacaria”. Por ocasião do loteamento, toda área recebeu aterro de areia e de acordo com amostragens executadas em sondagens em subsolo, apresenta-se com grande quantidade de argila, o que é plenamente justificada pela proximidade desta área da avenida Visconde de Souza Franco, que em épocas passadas foi um dos muitos igarapés de Belém.

O lote apresenta-se com sua testada voltada para o quadrante Noroeste, tendo a sua longitudinal a 30ºN.O. Os fundos, pela sua regularidade, volta-se para o S.E., sua lateral direta para o quadrante N.E. e a esquerda para o quadrante S.O. De acordo com os dados levantados pelo Ministério da Aeronáutica e Ministério da Agricultura,

a ventilação na cidade de Belém apresenta-se de janeiro a dezembro, com velocidade que vai até 5m/s incidindo sobre a cidade de Belém, sendo que nos meses de janeiro, fevereiro, julho, agosto e dezembro a velocidade é de 3m/s; de março a junho é de 2m/s; setembro e novembro 4m/s somente em outubro atinge 5m/s.

Quanto a direção dos ventos a partir das 3 hs da madrugada até o meio dia, provêm do Leste, entre o meio dia e 14horas, em geral, existem uma calmaria e, a partir daí o vento provém do Norte, canalizado pela baía do Marajó. A ventilação da tarde pelo fato de não encontrar obstáculos atinge maior velocidade, ao contrário da matutina que por terra enfrenta obstáculos vegetais e edificações. Pela manhã, a ventilação incide a 110º e pela tarde 10º considerando o eixo Norte/Sul.

O lote em questão, de acordo com a sua localização, recebe predominantemente os ventos matutinos na lateral direita e nos fundos e vespertinos na lateral direita e testada. Em relação a lateral direita, os ventos da manhã incidem aproximadamente com 60º e os da tarde 40º.

A temperatura da cidade de Belém, de acordo com dados meteorológicos apresenta em média, temperatura mínima de 23ºC e máxima de 33ºC e Umidade relativa do ar média de 80%. De acordo com os dados levantados, o mês de março é o menos insolado e o mês de julho o mais insolado, ficando por conta de junho, julho, agosto e setembro os maiores índices de insolação. Utilizando-se a Carta Solar para Belém, é possível demonstrar que sua testada e a lateral esquerda recebem, durante todo o ano, insolação que começa às 12 hs, estando expostas ao sol no maior tempo de intervalo crítico que vai de 10 às 16 horas. Como em toda a região Amazônica, a cidade de Belém apresenta no mês de março uma precipitação pluviométrica na casa dos 500 mm, sendo que de agosto a novembro as chuvas são mais reduzidas.

Os ângulos de incidência que predominam nas chuvas, além do chuvisco em 90º, são 45º e 60º de Leste, sendo que em função do vento geralmente nas chuvas eventuais do Norte/Sul chega a formar até 30º com o solo. Levando em conta a situação do terreno onde será implantado o projeto, observa-se que as chuvas mais frequentes vêm de leste precipitando-se sobre a lateral direita e sobre os fundos. A fachada principal voltada para o Norte sofre poucos efeitos de chuvas que raramente vem deste hemisfério.

5.2 O PROGRAMA DE NECESSIDADES E O PRÉ-DIMENSIONAMENTO

De acordo com as necessidades dos clientes da habitação unifamiliar, destinada ser habitada por um casal que possui duas filhas e uma empregada doméstica, e em contato com os proprietários do futuro imóvel, chegou-se ao seguinte programa e respectivo pré-dimensionamento:

Ambientes

Quadro 1: Pré-dimensionamento dos ambientes

Sala de Estar Sala de Refeição Cozinha Lavabo Área de serviço Quarto de Empregada W.C. Serviço Dormitório Casal (suíte) Dormitório Filhas (suíte) Estar íntimo

20 15 12 1,5 3 8

2 14,5 14,5 10

Fonte: elaborado pelo autor

Complementam o programa: varandas, garagem para um carro e áreas de integração.

A partir do programa de necessidades e respectivo pré-dimensionamento, chegamos aos estudos correspondentes a área total construída e, desta forma, pode-se determinar a implantação do projeto quanto a ocupação do lote.

Áreas

Quadro 2: Áreas totais

Área do lote Área total edificação Interligações Internas Área Ocupada por Paredes Área Total Construída 240 112,5 11,5 12 136

Fonte: elaborado pelo autor

Considerando que a estas áreas deverão ser acrescidas varandas, áreas livres, jardins, garagem, escada e levado pela necessidade da adequação climática, a ocupação do entorno do lote e à legislação vigente na cidade, opta-se por uma setorização em que social e serviço deverão ocupar o pavimento térreo, destinando-se ao setor íntimo o pavimento superior com um a dois níveis. Após setorização e já analisados os condicionantes do projeto, concluímos que, quanto ao sol, vento e chuva, a disposição dos setores seria:

Figura 3: Setores do projeto

Fonte: Carvalho (1986, p. 70).

Em função das dimensões do terreno, principalmente no que concerne à largura, o estudo do partido geral priorizará a aeração no projeto, principalmente no que diz respeito à captação da ventilação predominante, uma vez que a utilização de elementos vegetais é

restrita. Assim, o combate ao excesso de insolação deverá ser atingido por meio do uso de beirais. O aproveitamento da ventilação também será maximizado partindo-se da concepção com “ventilação cruzada”, tirando partido de aberturas e detalhes arquitetônicos concebidos no projeto.

Nesse sentido, foram realizados esboços formatando partidos gerais em que os setores social e o serviço formam um bloco, o setor íntimo um segundo pavimento e define-se então um terceiro piso destinado a um especial escritório. Após a análise das necessidades e condicionantes foram definidos os setores: social, íntimo e serviço, além de um especial (escritório).

Figuras 4 e 5: Estudos nº 1 e nº 2

Fonte: Carvalho (1986, p. 73-74).

Figura 6: Estudo nº 3

Fonte: Carvalho (1986, p. 75).

Escolhendo o partido 3 como o mais adequado em função dos condicionantes gerais estudados (aproveitamento de espaço, conforto ambiental e legislação), iniciamos os estudos, levando às primeiras

concepções do projeto configurando-se plantas e elevações em forma de esboço.

No nível 1 foram alocados os ambientes destinados aos setores social e de serviço da casa. Entre os espaços social e serviço existem áreas de interligação que se caracterizam em apresentar espaços laterais que propiciarão um movimento de ar no interior.

No ambiente destinado ao jantar e acesso aos níveis superiores foi criado um volume vazado com pé direito duplo que promoverá ventilação ascendente, considerando-se que o nível 2 (mezanino), onde se localiza o escritório, ocupa um volume construído de pequeno porte. Chegando-se ao nível 3, que conterá apenas os dormitórios com varandas, os banheiros e o hall em piso de madeira com 0,5 cm de afastamento, complementa-se a boa aeração, mantendo-se as ilhas de ventilação emanadas do pavimento térreo e no teto deste volume central, um forro vazado em madeira, que retirará o ar quente do ático e permitirá que, através de elementos vazados, também o ar quente proveniente da carga térmica das telhas seja expulso.

A criação do setor íntimo no nível 3 prende-se ao fato de que as edificações existentes nos limites laterais do terreno impedem a livre circulação dos ventos até uma altura de 4 metros, com isso a liberação de 3 paredes dos dormitórios os beneficia, bem como a altura. A composição dos volumes da construção propicia aos níveis 1 e 2 maior liberdade principalmente quanto a iluminação e ventilação natural.

Os efeitos do sol e da chuva e o aproveitamento dos ventos, analisados previamente à concepção final da proposta, justificam os detalhes de paredes cegas nos limites, dando ênfase para o poente, de esquadrias em madeira e os elementos vazados em pisos e forros. Paralelamente à concepção final vão sendo estudados os efeitos do sol, chuva e aproveitamento dos ventos, que são demonstrados, gerando os detalhes e explicitando a funcionalidade dos espaços.

Figuras 7, 8, 9, 10: Plantas e cobertura

Fonte: Carvalho (1986, p. 77-80).

Figura 11: Fachadas

Fonte: Carvalho (1986, p. 81)

Figura 12: Elevação lateral direita

Fonte: Carvalho (1986, p. 82)

Figura 13: Corte AA’

Fonte: Carvalho (1986, p. 84)

5.3 ANÁLISE DO PROJETO SEGUNDO A CARTA SOLAR

Por ocasião da análise da insolação na cidade de Belém e estudo neste momento, as incidências relativas ao lote no qual se implanta o projeto foram verificadas através do uso da carta solar. O estudo de insolação em todas as fachadas foi efetuado utilizando-se como meio de análise no terreno um prisma retangular, cuja base coincide com a área total do terreno. Diante destes estudos, ainda utilizando a carta solar para efeito de orientação do movimento do sol e com a ajuda de um modelo em volume, foi representada a pré-proposta do projeto, sendo analisada por meio de fotografias e, posteriormente, através de análise de contornos gráficos em planta, uma comprovação preliminar dos efeitos do sol durante o ano todo. Este estudo foi desenvolvido tomando as fotografias e a posterior silhueta em planta no horário das 15:00 horas, o que vem implicar por relacionamento simétrico: o inverno para as 9:00 horas, ou seja, a fachada insolada voltada na experiência para o poente estaria às 9:00 horas sombreada.

Figura 14: Estudo de mascaramento das fachadas

Fonte: Carvalho (1986, p. 91)

Nas fotografias anexas e nos contornos gráficos pode-se constatar a insolação durante o ano. Demonstra-se que as fachadas frontal e lateral esquerda serão fortemente insoladas, sendo que a lateral direita nunca será insolada pela parte da tarde e a posterior sofrerá pequena insolação no intervalo crítico de 9:00 às 15:00 horas, recebendo somente

nos meses de outubro, novembro, dezembro, janeiro e fevereiro a insolação até as primeiras horas vespertinas, nunca ultrapassando das 15:00 horas.

Figura 15: Maquetes com demonstração da incidência solar

Fonte: Carvalho (1986, p. 88)

Figura 16: Estudo de insolação do poente

Fonte: Carvalho (1986, p. 89)

De posse desta primeira análise da pré-proposta passa-se para os estudos gráficos experimentais que indicarão como serão propostos os elementos que propiciarão a proteção contra a incidência do sol. É bom observar que estes estudos têm implicação também quanto a captação dos ventos e a incidência da chuva.

Tomando como base a ideia preliminar da cobertura parte-se para os primeiros estudos gráficos de mascaramento desta, relativo aos beirais, considerando aqueles que protegerão o nível 3 do projeto relativo aos dormitórios.

Outro beiral selecionado para estudo corresponde ao bloco posterior da residência, levando em conta que esta, conforme análise anterior, será insolada em alguns períodos pela parte da tarde, implicando num exercício para proteção. Os outros beirais, como o da fachada frontal, por exemplo, não merecem aqui o estudo de mascaramento, uma vez que neste caso a garagem proposta, que se estende ao limite frontal do lote, funcionará também como uma grande varanda que antecede a sala de estar.

As fachadas laterais, com exceção do trecho correspondente a cobertura dos dormitórios, não foram consideradas para efeito de mascaramento, uma vez que grande parte destas, levado pelo próprio condicionamento do lote, apresentam-se com “paredes cegas”.

Nos mascaramentos foram considerados apenas os aspectos relativos à proteção horizontal, já que neste projeto o lote estreito que já sofre influência das construções limítrofes laterais não seria aconselhável a locação de elementos verticais, que prejudicariam a ventilação. Contudo, se utiliza recursos relativos a elementos vazados e venezianas entre outros, porém em áreas onde serão continuidade das paredes e jamais nas varandas e na garagem, que precisam funcionar como espaços cobertos livres de obstáculos verticais, levando em conta de que o projeto está sendo implantado em terreno de dimensões não generosas.

No mascaramento das fachadas frontal e lateral esquerda dos dormitórios, foi previsto inicialmente o combate à insolação até às 16:00 horas, mas, de acordo com a graficação, verificou-se que ter-se-ia que projetar beirais maiores dando-se com isto proteção total à própria varanda e a partir então daí, outro mascaramento foi estudado considerando a incidência só a partir das 15:00 horas, que implicaria numa menor proteção da varanda porém sem prejudicar o dormitório.

No mascaramento do bloco posterior referente ao setor de serviço foi pensada incialmente a proteção a partir das 9:00 horas, o que implicaria em beirais exageradamente grandes e considerando-se as características da insolação matutina e a necessidade de alguma captação pela parte da manhã, partiu-se para a proposta final de proteger a partir da 11:20 horas o que gerou um beiral de 85 cm.

5.4 EFEITOS DOS VENTOS E DAS CHUVAS NO PROJETO

Figura 17: Incidência da ventilação

Fonte: Carvalho (1986, p. 100).

Conforme o estudo de incidência da ventilação sobre o lote, procurou-se resolver o projeto de maneira que a ventilação predominante de Leste e do Norte circule através dos ambientes, passando pelas áreas livres a fachada lateral direita que são maiores que a da lateral esquerda, fazendo com o que os ventos tenham acesso aos diferentes níveis e cruzem os ambientes abertos saindo pela outra lateral. Para conseguir este efeito criou-se obstáculos que permitem o direcionamento do vento atravessando os ambientes. A criação do volume com pé direito duplo proporciona um deslocamento de ar no sentido ascendente, levando em conta os elementos horizontais vazados (piso e forro). A ventilação através dos áticos é permitida considerando-se que tanto no bloco central como nos frontais e posterior haverá comunicação através de elementos vazados. O posicionamento privilegiado dos dormitórios permite pelos afastamentos, pela altura, varandas e esquadrias, uma boa aeração.

A incidência da chuva sobre a habitação proposta, conforme análise realizada, se faz sobre as fachadas lateral direita e posterior. A maior preocupação relativa à chuva implica em garantir a boa aeração dos ambientes mesmo durante a vigência pluvial. Para isto, a proteção das esquadrias é conseguida com recuos em relação às paredes, através de beirais e as varandas que complementam os dormitórios.

O pavimento inferior terá a proteção das habitações vizinhas, embora os detalhes previstos no projeto criem independentemente boa proteção. Os elementos que permitem aeração dos áticos e dos ambientes do pavimento térreo sendo tijolo de boca, permitem uma certa melhoria quanto a impenetrabilidade da chuva. Com o estudo de forros aparentes e vazados e a possibilidade de algumas portas e janelas permanecerem abertas durante a chuva, consegue-se um satisfatório conforto térmico nos ambientes. A utilização do beiral quebra-chuva/quebra-sol permite que se consiga também o conforto proposto.

5.5 ESPECIFICAÇÕES E DETALHES DE COBERTURA

Toda a cobertura será em estrutura de madeira de lei, apoiada nas extremidades sobre as paredes e pilaretes de concreto, sendo que os apoios intermediários serão em castelos de alvenaria repousados sobre a laje e onde não houver laje, as peças serão especificadas em bitolas que resistam ao vão máximo de 6 metros, considerando que as águas propostas no projeto não serão superiores a 3 metros de apoio a apoio.

O madeiramento será em maçaranduba nas cumeeiras, terças e frechais e nas estruturas referentes às treliças dos beirais das varandas superiores. Os caibros serão de piquiá e as ripas, onde houver, de pau-amarelo. A estrutura de telhado aparente referente a garagem a às varandas constitui-se de caibros espaçados de tal maneira que o canal fique apoiado no sentido longitudinal. Será utilizada a telha cerâmica tipo capa/canal regional em toda a cobertura.

A cobertura do prédio apresenta-se como elemento de proteção de 3 blocos: Acesso-social, serviço e íntimo. No acesso-social foram criados 2 módulos de 2 águas cada, havendo uma integração entre eles través de uma calha de concreto. Entre os apoios das extremidades das águas serão assentados tijolos de topo que ocasionarão a ventilação do ático sobre a laje da sala de estar e mesmo na garagem sem forro.

No bloco de serviço, também constituído de cobertura em duas águas, tendo uma parte forrada e outra aparente, o tijolo de topo permite a boa aeração e serão assentados dentro da mesma linha do bloco 1.

No bloco central também será utilizado o tijolo de topo, inclusive permitindo uma continuidade dos 3 áticos condicionando uma boa renovação de ar que culmina com o forro vazado no eixão vertical do bloco.

Figura 18: Detalhes de cobertura

Fonte: Carvalho (1986, p. 108-109)

5.6 ESQUADRIAS

As esquadrias serão projetadas de modo a permitir boa iluminação e aeração. As janelas terão 70% de venezianas, sendo 50% na parte de baixo e 20% na parte superior, sendo que entre os dois panos de venezianas haverá 30% de vidro. As portas internas terão bandeiras superiores em venezianas horizontais e na folha 30%; na sua parte inferior será em veneziana a 30% e a parte superior em madeira maciça. Nas esquadrias internas será utilizando o mogno e nas externas e áreas molhadas a sucupira.

A intenção de, nas janelas, se utilizar o vidro sempre numa posição intermediária tendendo para cima, é levado pela necessidade de circulação do ar nos ambientes e a redução de carga térmica nestes, proveniente da incidência dos raios solares sobre as fachadas. Todos

os vidros utilizados nas esquadrias serão especificados de maneira a não devassar os ambientes. Receberá tratamento especial a janela do escritório e dos dormitórios voltados para o nascente, que será protegida por um nicho em lâmina de concreto.

Figura 19: Esquadrias

Fonte: Carvalho (1986, p 111)

5.7 ELEMENTOS VAZADOS E FORRO

Os elementos vazados considerados no projeto dizem respeito ao tijolo de topo ou de boca, chanfrados, comporão painéis voltados para o interior dos ambientes como também na parte superior dos forros, objetivando a ventilação. Deve-se cuidar para que, na aplicação do tijolo de topo, sua face externa obtenha ângulo oblíquo em relação à parede, a fim de impedir a penetração da chuva no ático.

Figura 20: Tijolos de Boca

Fonte: Carvalho (1986, p 112).

Apresenta tratamento especial o forro do volume central, sobre o hall que leva o térreo aos 2°e 3º níveis, sendo que ele se apresenta vazado no centro, com uma estrutura em tronco de pirâmide arrematado com lambris com 10cm de largura, aplicados de formas alternadas no centro, contribuindo com um bom efeito estético e propiciando a boa aeração dos ambientes e do bloco central.

Figura 21: Detalhe do forro do Hall

Fonte: Carvalho (1986, p 113)

5.8 PISO

Os pisos serão executados em lajota no 1º nível, no mezanino e nos ambientes molhados, sendo que o piso do hall do nível 3 será estruturado em concreto revestido com tábuas em angelim rajado. Nos dormitórios será utilizada tábua corrida em pau-amarelo, assentada sobre a laje. A escada será construída em concreto e terá o piso revestido em pau-amarelo.

Figura 22: Estrutura do piso

Fonte: Carvalho (1986, p 114).

5.9 ESTRUTURAS E PROTEÇÃO DE PAREDES

Todo o prédio será estabilizado em concreto, desde as fundações em blocos sobre estacas de madeira até os pilares, vigas, lajes e calhas que muito facilitarão quanto a flexibilidade das divisões dos ambientes.

Os elementos estruturais em concreto serão dimensionados de acordo com as bitolas, em função dos esforços calculados, com acabamento em concreto aparente, principalmente nas vigas e pilares.

Todos os elementos de concreto serão produzidos na própria obra utilizando na sua confecção formas de madeira, sendo que as paredes apresentarão revestimentos internos.

As paredes internas serão tratadas de acordo com as especificações anexas e as paredes cegas nos limites do terreno terão tratamento

para evitar infiltrações e reduzir a transmissão de calor para dentro da habitação.

As paredes laterais correspondentes ao nível 1 (sala de estar e o setor de serviço) por estarem nos limites do terreno interfaciando com as paredes do prédio vizinho, estarão protegidas da insolação; entretanto, os efeitos relativos à infiltração só poderão ser combatidos com o capeamento superior com telha de barro canal.

Nos painéis relativos aos dormitórios indo destes até o pavimento térreo se procederá o revestimento em lajotas cerâmicas na sua parte externa, protegendo contra os efeitos da umidade e da insolação, reduzindo principalmente a carga térmica exterior que através da condução prejudicaria o conforto térmico dos dormitórios.

6. COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS

Durante uma imensidão de tempo, muito lenta e gradativamente, todo mundo vivo diversificou-se na extraordinária variedade de seres que habitaram ou habitam a Terra, cada um deles adaptando-se a um tipo peculiar de existência, a vida de uns dependendo da vida dos demais, em um inter-relacionamento extremamente complexo, uma verdadeira teia biológica no qual cada organismo interage com os demais e com o habitat, formando ecossistemas em que, de alguma forma, todos dependem de todos (CÂMARA, 1985).

O crescimento descontrolado da humanidade e de seu poder de interferir na natureza levaram a biosfera à crise ambiental contemporânea que se traduz pela rápida destruição de ecossistemas inteiros, desequilíbrio ecológico, devastação florestal, desertificação, extinção acelerada de plantas e animais, eliminação de solos agriculturáveis e poluição do ar, da terra e das águas.

No Brasil, como também ocorre na grande maioria dos países em desenvolvimento, a crise ambiental assume proporções gigantescas.

Temos, é verdade, uma legislação razoavelmente adequada para a defesa das condições ambientais. Não obstante, observa-se facilmente em todo país que nosso desenvolvimento está sendo feito a um custo ecológico altíssimo, motivado pela impossibilidade dos órgãos governamentais responsáveis exercerem um mínimo satisfatório de controle e de fiscalização do cumprimento das disposições legais, pela falta de sensibilidade da população para os problemas ecológicos e sua gravidade, pela ignorância quase generalizada da legislação e, principalmente, pela busca de lucros fáceis, a curto prazo, sem qualquer preocupação com o uso racional dos recursos naturais e sua preservação para o presente e futuro.

O Homem acha-se diante de uma crise ecológica. Esta crise desenvolveu-se como consequência do crescimento desenfreado da população. Ela não apenas ameaça novas chances de encontrar um padrão adequado de vida para a atual população mundial, como também ameaça as nossas expectativas de continuar existindo como uma espécie. Os sinais de advertência dessa crise aparecem em problemas específicos tais como o desequilíbrio entre a produção de alimentos e o crescimento da população, a redução da produtividade de grandes áreas de terra e água devido modificação climática quer regional ou global, como resultado das atividades urbanas e práticas agrícolas, a destruição da vida selvagem e a perturbação de comunidades bióticas, e o crescente número de pragas e organismos daninhos (ARAÚJO NETO, 1985, p. 2).

A concepção de uma Arquitetura ecologicamente amazônica requer a fuga de projetos inadaptáveis ao clima tropical, que causam problemas de higiene, saúde, bem-estar, que nem sempre são percebidos pelos usuários ou proprietários, que pensam em desfrutar de uma casa “moderna” ou “funcional”, como erroneamente julgam, porque o moderno nem sempre coincide com o funcional e nem o

funcional se expressa daquela maneira no clima quente e úmido do trópico amazônico.

Muitos fatores socioculturais, econômicos e históricos têm contribuído para a constância destes problemas. Entretanto, em suas raízes está a crescente exploração dos recursos naturais pelo Homem e sua ignorância acerca dos processos naturais que são afetados por esta exploração.

Os terrenos estreitos na cidade de Belém existem em decorrência de um processo cultural emanado principalmente dos nossos colonizadores. As soluções voltadas para a habitação pouco ou quase nada refletem da cultura de civilizações nativas, salvo soluções empíricas, regra geral, a tipologia rural. As construções em lotes estreitos, quando apresentam bons resultados ainda se deve às habitações que adotam soluções europeias que aos poucos foram evoluindo ao ponto de criar detalhes que levaram a melhor adequação ambiental, a partir do emprego de materiais e tecnologias locais.

As soluções para habitação em terrenos estreitos baseadas em projetos sem o devido conhecimento da climatologia do trópico úmido e a consequente conscientização de que a arquitetura é um reflexo de um habitat maior regional, tem gerado inadequações. Entretanto, a busca de soluções naturais através de uma tecnologia e aproveitamento de materiais regionais e também importados, expressos em detalhes, nas áreas livres, dos elementos vazados e nas coberturas é fundamental. Com estas soluções é possível usufruir da ventilação, protegendo da chuva e combatendo a insolação e a aproveitando quando necessário. Tais elementos permitirão ao arquiteto conceber uma arquitetura equatorial que se assentará de maneira satisfatória mesmo em lotes de dimensões reduzidas. E assim, sempre aprofundando estudos se poderá chegar a adequação, seja em que espaço disponível for, a uma arquitetura do trópico úmido, a uma Arquitetura Amazônica.

REFERÊNCIAS

ARAUJO NETO, Mario Diniz de. A Ecologia e a Crise ambiental. Brasília: UNB, 1985.

CÂMARA, Ibsen. O Problema Ecológico no Brasil. Brasília: UNB, 1985.

CARVALHO, Benjamin de Araújo. A História da Arquitetura. Rio de Janeiro: Tecnoprint Gráfica S.A, 1967.

CARVALHO, Ronaldo N. F. Marques de. Proposta para uma ha-

bitação a ser implantada em terreno estreito na cidade úmida

Belém do Pará. 1986. Monografia (Especialização em Arquitetura nos Trópicos) – Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Pará, Belém, 1986.

CRUZ, Ernesto. As edificações de Belém. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1971.

FONSECA, Marçal Ribeiro da. Desenho Solar. Bahia: Projeto Editores Associados, 1982.

IZARD, Jean-Louis. Arquitetura Bioclimática. Barcelona: Gustavo Gilli, 1983.

REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1970.

TOCANTINS, Leandro. Santa Maria de Belém do Grão-Pará. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.