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INOVAÇÃO
NOVAS CORDOALHAS PARA PROTENSÃO
EVOLUÇÃO DOS PROCESSOS PRODUTIVOS, PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DE USO, VANTAGENS E DESAFIOS DOS NOVOS AÇOS PARA CONCRETO PROTENDIDO, CUJOS AVANÇOS RECENTES DA TECNOLOGIA DE USINAGEM, NAS LIGAS METÁLICAS E NA UTILIZAÇÃO DE ELEMENTOS QUÍMICOS MAIS NOBRES POSSIBILITARAM ELEVAR A TENSÃO DE RUPTURA PARA 2.100 MPa, COM PREVISÃO DE ATINGIR ATÉ 2.400 MPa
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POR GABRIEL MOREIRA MIGLIORE * GUILHERME ARIS PARSEKIAN ** WARLEY RICARDO DOS SANTOS ***
GUILHERME ARIS PARSEKIAN GABRIEL MOREIRA MIGLIORE
WARLEY RICARDO DOS SANTOS
(*) Coordenador de projetos da Migliore Pastore Engenharia (**) Professor Doutor da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar (***) Gerente de produto da Belgo Bekaert
1. INTRODUÇÃO
Ao longo das últimas décadas, a evolução da Engenharia Estrutural ocorreu principalmente devido ao avanço de quatro fatores essenciais: a) materiais e componentes estruturais; b) ensaios e confiabilidade de modelos; c) processos de cálculos e de projetos; d) métodos e procedimentos construtivos. O desenvolvimento de novos aditivos e adições para o concreto promoveu melhorias de qualidade, maior durabilidade e aumento de resistência à compressão, que atualmente ultrapassa valores típicos de 50 MPa aos 28 dias, chegando a casos de 250 MPa para concretos de ultra alto desempenho. Com o avanço industrial de ligas metálicas, principalmente devido a utilização de elementos mais nobres na composição química do aço e às melhorias no processo de trefilação e tratamento termomecânico, recentemente foi disponibilizado no mercado brasileiro o aço de alta resistência CP-210 RB, com importantes aplicações em estruturas de concreto protendido, tanto nos segmentos de infraestrutura quanto de edificações. Atualmente a siderúrgica nacional está em processo de desenvolvimento do aço CP-240, com resistência à ruptura de 2.400 MPa e previsão de ser disponibilizado a partir do 2º semestre de 2022.
2. AÇOS DE PROTENSÃO
2.1. Processo de produção
O processo siderúrgico geral para obtenção do aço de protensão é similar para todos os aços, o qual decorre de uma série de operações de transformação metalúrgica e de conformação mecânica, podendo ser resumido o processo em cinco grandes etapas: a) preparo de matéria prima (coqueria e sinterização); b) produção de ferro-gusa (alto-forno de 1.500 °C); c) produção de aço (aciaria); d) refinamento e lingotamento; e) conformação mecânica (laminação e trefilação). As etapas básicas do processo de produção de fios de aço são ilustradas na Figura 1. O fio-máquina de alto carbono (aço longo de seção
FIG. 1 – SÍNTESE DO PROCESSO DE PRODUÇÃO DE FIOS DE AÇO. – FONTE: SANTOS (2016)
circular resultante da laminação) é a matéria-prima para a fabricação do aço de protensão. A primeira obra em concreto protendido no Brasil, a ponte do Galeão, construída no Rio de Janeiro em 1948, utilizou fios de aço de 5 mm importados da França. Poucos anos depois, em 1952 a Cia. Siderúrgica Belgo-Mineira, atualmente Belgo Bekaert, iniciou a produção brasileira de fios de 5 e 7 mm de diâmetro. Inicialmente eram produzidos no Brasil os aços com resistência característica à ruptura de 1.300 MPa. Atualmente os aços para protensão possuem características especiais e contam com composição química ausente de compostos fragilizadores e aumento de pureza, o que confere ao fio-máquina resistência à ruptura superior a 1.000 MPa. Essa pureza permite que o fio-máquina de aço-carbono seja trefilado, passando por diversas fieiras, reduzindo o diâmetro em até 85% e elevando a tensão de ruptura para atuais 2.100 MPa e com previsão de atingir 2.400 MPa. A diferença básica entre o processo de fabricação de aços menos resistentes e de aços mais resistentes consiste no número de passes na trefilação, possibilitada por sua pureza na composição química. Após o processo de trefilação são formadas as cordoalhas de aço compostas por três ou sete fios por meio de encordoamento. As cordoalhas de relaxação baixa (RB) são produzidas mediante tratamento termomecânico para estabilização, ou seja, durante o processo térmico ocorre simultaneamente estiramento da cordoalha. A etapa final de produção consiste no acondicionamento e identificação de cordoalha em rolos de cerca de 3 tf. As cordoalhas são disponibilizadas na forma nua e engraxada. De modo a diferenciar as cordoalhas engraxadas de CP-190 e CP-210, a indústria nacional utiliza bainhas de PEAD (polietileno de alta densidade) com cores padronizadas, azul (CP-190) e laranja (CP-210). A Figura 2 ilustra os diferentes tipos de aços de protensão disponibilizados no mercado nacional.

(a) fio de CP-175 e cordoalha nua de 3 e 7 fios de CP-190 (esq. para dir.)
(b) cordoalha engraxada de CP-190 e CP-210 com bainha de PEAD (esq. para dir.) FIG. 2 – FIO, CORDOALHA NUA E ENGRAXADA DE AÇO DE PROTENSÃO
2.2. Principais características

O Quadro 1 apresenta as principais características das cordoalhas nuas de 7 fios de aços CP-190, CP-210 e CP-240 com relaxação baixa (RB). As cordoalhas de CP-210 foram incluídas na ABNT NBR 7483 a partir de 2008 e as cordoalhas de CP-240 a partir de 2021. Nota-se no Quadro 1 que as cordoalhas de CP-190, CP-210 e CP-240 apresentam mesma bitola, diâmetro e massa nominal. Ambos os aços devem apresentar módulo de elasticidade Ep de 200 GPa, alongamento mínimo na ruptura de 35‰ e relaxação máxima de 3,5% para atender às exigências da ABNT NBR 7483:2021. Pode se observar também que o CP-210 apresenta resistência à ruptura por tração 10% superior ao CP-190 e que a resistência do CP-240 é 15% superior ao CP-210.
FIG. 3 – CONSUMO DE AÇO DE PROTENSÃO POR REGIÃO NO BRASIL. – FONTE: CAUDURO E GARCIA (2015)
Características do aço de protensão
Categoria do aço de protensão
Resistência característica à ruptura (MPa)
CP-190 RB 1.900 Características das cordoalhas nuas de 7 fios
Diâmetro nominal da cordoalha (mm) Área nominal da seção de aço da cordoalha (cm²) Massa nominal (kg/m)
9,5 0,56 0,441
CP-210 RB 2.100 12,7 1,01 0,792
CP-240 RB 2.400 15,2 1,43 1,126
3. VIABILIDADE ECONÔMICA
Fonte: Adaptado de ABNT NBR 7483:2021.
2.3. Aplicação nacional
Até meados da década de 60 eram utilizados, anualmente, apenas 2.500 tf de aço para protensão no Brasil. Em 1973, com a execução da Ponte Rio-Niterói, no Rio de Janeiro, foi atingida a marca de 22.000 tf. Entre 1980 e 1995, o consumo médio brasileiro de aço para protensão era da ordem de 15.000 tf por ano. Em 1997 foi iniciada a produção nacional de cordoalhas engraxadas e plastificadas e, em 2002, ocorreu o início da produção de cordoalhas para estais, utilizadas na construção da Ponte do Rio Guamá, no Pará. Com o crescimento do uso da protensão no país, tanto nas indústrias de pré-fabricados, quanto nas obras de edifícios e de infraestrutura, no ano de 2.000 o consumo foi superior a 55.000 tf, atingindo o seu maior consumo histórico em 2013 de 80.000 tf, principalmente devido as obras destinadas aos eventos esportivos no país, Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016 (CAUDURO; GARCIA, 2015). A Figura 3 apresenta o percentual de consumo de aço de protensão por região no Brasil no ano de 2015. É possível observar que a região com maior consumo de aço de protensão é a região Sudeste, representando 43% do consumo total. Cabe destacar que a região Nordeste é a segunda maior consumidora de aço de protensão, com 30% de todo o consumo nacional.
2.4. Aplicação internacional
Desde 2006 são realizados estudos nos Estados Unidos, principalmente no estado de Virginia, com o intuito de investigar a aplicação e o desempenho de cordoalhas de aço Grade 300 (CP-210), com resistência à ruptura por tração de 300 ksi (2.070 MPa). O resultado destes estudos possibilitou a construção, em 2008, de uma ponte localizada no Condado de Scott, com superestrutura composta por vigas protendidas com cordoalhas de aço Grade 300. A partir de 2013 estudos são realizados, principalmente na Coréia do Sul, sobre cordoalhas de aço com resistência à ruptura por tração de 2.400 MPa para aplicação em elementos de concreto protendido. Entretanto, ainda não existe regulamentação internacional para esse tipo de aço de protensão. O estudo de viabilidade econômica de viga pré-moldada protendida com aço CP-210 RB realizado por Migliore et al. (2020) para obras de artes especiais, com tabuleiros rodoviários classe 450, com comprimento de 20 a 35 m, constatou que o custo de ancoragem ativa representa cerca de 15% a 20% do custo de produção das longarinas analisadas, sendo esse percentual maior que o custo dos serviços de concreto e de forma. Os resultados estão detalhados em Migliore et al. (2020). A quantidade de aparelhos de ancoragem influência, de modo significativo, no custo de produção do elemento protendido e a quantidade de ancoragens está relacionada ao número de cabos de protensão. As especificações e os custos dos dispositivos de ancoragem dependem do diâmetro e da quantidade de cordoalhas, bem como da categoria do aço. Como exemplo, para uma mesma força de protensão inicial, a quantidade de cordoalhas pode ser reduzida em cerca de 40% quando o diâmetro é alterado de 12,7 mm para 15,2 mm. De modo semelhante, a substituição da categoria do aço de CP-190 para CP-210 pode diminuir a quantidade de cordoalhas em cerca de 10% e para substituição de CP-190 para CP-240 em cerca de 25%. A partir dos comparativos de consumo e de custo de produção apresentados por Migliore et al. (2020), foi observado que o custo da cordoalha


FIG. 4 – CUSTO DE PRODUÇÃO DE LONGARINA PRÉ-MOLDADA ISOSTÁTICA – FONTE: MIGLIORE ET AL. (2020)
de CP-210 é maior que a da CP-190, em cerca de 8%, quando comparados os custos de um mesmo fornecedor. Entretanto, o consumo de armadura ativa de CP-210 RB, utilizado para produção de viga pré-moldada, foi menor quando comparado ao CP-190 RB, resultando no custo final de produção de viga protendida com aço CP-210 menor do que viga protendida com aço CP-190, em torno de 2%. Sendo assim, é verificado que o ganho de resistência do aço em 10% é inferior ao aumento do custo do material em 8%. A Figura 4 ilustra as retas de tendência de custo de produção de longarinas pré-moldadas por área de tabuleiro para as soluções analisadas por Migliore et al. (2020). Nota-se na Figura 4 a redução de custo quando utilizado aço de maior resistência e pode ser também observado que para tabuleiros com comprimentos maiores que 22 m é mais econômico utilizar vigas protendidas que vigas armadas. Os custos de produção foram determinados para as situações com armadura passiva e ativa, com protensão limitada e completa, para os tabuleiros em estudo, onde foram fixados a quantidade de longarinas isostáticas e a largura do tabuleiro rodoviário segundo padrão do DER-SP, variando apenas a altura da seção transversal da viga em função do comprimento nominal do tabuleiro.
4. CONCLUSÕES
Novos aços para concreto protendido foram recentemente desenvolvidos, com o CP-210 já disponível no mercado desde 2013, e o CP-240 a ser em breve disponibilizando, possibilitando aumento de 15% e 25% na resistência em comparação com o tradicional CP-190. Foi notado no estudo de Migliore et al. (2020) que os custos dos dispositivos de ancoragem influenciam de modo significativo no custo de elementos de concreto protendido com pós-tração aderente. A utilização de um menor número de cabos de protensão pode resultar em um menor custo de produção. A simples troca da categoria do aço de CP-190 para CP-210 diminuiu a quantidade de cordoalhas em cerca de 10% e a troca de CP-190 para CP-240 em cerca de 25%. Um menor número de cabos também permite um melhor arranjo de armadura ativa e passiva. No estudo realizado, o uso de CP-210 em substituição ao CP-190 permitiu uma redução média de cerca de 2% no custo de produção de viga protendida. Deve ser destacado que os dispositivos de ancoragem (placa, bloco e cunhas) para os aços CP-210 e CP-240 não devem ser os mesmos dos desenvolvidos para o aço CP-190, pois a força de protensão transmitida por cordoalha é maior.
5. REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 7483: Cordoalhas de aço para estruturas de concreto protendido – Especificação. Rio de Janeiro, 2021. CAUDURO, E. L; GARCIA, D. L. Evolução dos aços para protensão no Brasil. Revista Concreto & Construções, São Paulo, n. 78, p. 69-71, abr./jun. 2015. MIGLIORE, G. M. et al. Viabilidade econômica de longarina pré-moldada protendida com aço CP-210 RB para obras de artes especiais. 2020. Revista Concreto & Construções, São Paulo, n. 100, p. 74-80, out./dez. 2020. DOI – http://dx.doi.org/10.4322/18097197.2020.100.0005 SANTOS, W. R. Processo produtivo do aço para concreto protendido. In: III SELAP - Seminário latino-americano de protensão, Guarulhos, 2016. Anais do III Seminário latino-americano de protensão. Guarulhos: SELAP, 2016.