25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
POESIA de Abril
Biblioteca ESAG
25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
Liberdade
Sérgio Godinho “Canções de Sérgio Godinho”, 1974
Viemos com o peso do passado e da semente esperar tantos anos torna tudo mais urgente e a sede de uma espera só se ataca na torrente e a sede de uma espera só se ataca na torrente Vivemos tantos anos a falar pela calada só se pode querer tudo quanto não se teve nada só se quer a vida cheia quem teve vida parada só se quer a vida cheia quem teve vida parada Só há liberdade a sério quando houver a paz o pão habitação saúde educação só há liberdade a sério quando houver liberdade de mudar e decidir quando pertencer ao povo o que o povo produzir.
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25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
ABRIL DE ABRIL
Manuel Alegre “30 Anos de Poesia”, 1997
Era um Abril de amigo Abril de trigo Abril de trevo e trégua e vinho e húmus Abril de novos ritmos novos rumos. Era um Abril comigo Abril contigo ainda só ardor e sem ardil Abril sem adjetivo Abril de Abril. Era um Abril na praça Abril de massas era um Abril na rua Abril a rodos Abril de sol que nasce para todos. Abril de vinho e sonho em nossas taças era um Abril de clava Abril em acto em mil novecentos e setenta e quatro. Era um Abril viril Abril tão bravo Abril de boca a abrir-se Abril palavra esse Abril em que Abril se libertava. Era um Abril de clava Abril de cravo Abril de mão na mão e sem fantasmas esse Abril em que Abril floriu nas armas.
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25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
Abril de Sim Abril de Não Manuel Alegre
“30 Anos de Poesia”, 1997
Eu vi Abril por fora e Abril por dentro vi o Abril que foi e Abril de agora eu vi Abril em festa e Abril lamento Abril como quem ri como quem chora. Eu vi chorar Abril e Abril partir vi o Abril de sim e Abril de não Abril que já não é Abril por vir e como tudo o mais contradição. Vi o Abril que ganha e Abril que perde Abril que foi Abril e o que não foi eu vi Abril de ser e de não ser. Abril de Abril vestido (Abril tão verde) Abril de Abril despido (Abril que dói) Abril já feito. E ainda por fazer.
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25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
GRÂNDOLA VILA MORENA
José Afonso LP, “Cantigas do Maio”, 1971
Grândola, vila morena Terra da fraternidade O povo é quem mais ordena Dentro de ti, ó cidade Dentro de ti, ó cidade O povo é quem mais ordena Terra da fraternidade Grândola, vila morena Em cada esquina um amigo Em cada rosto igualdade Grândola, vila morena Terra da fraternidade Terra da fraternidade Grândola, vila morena Em cada rosto igualdade O povo é quem mais ordena À sombra duma azinheira Que já não sabia a idade Jurei ter por companheira Grândola a tua vontade
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25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
CANTATA DA PAZ
Sophia de Mello Breyner Andresen CD “Canções Com Aroma de Abril”, Strauss, 1994
Vemos, ouvimos e lemos Não podemos ignorar Vemos, ouvimos e lemos Não podemos ignorar Vemos, ouvimos e lemos Relatórios da fome O caminho da injustiça A linguagem do terror A bomba de Hiroshima Vergonha de nós todos Reduziu a cinzas A carne das crianças D'África e Vietname Sobe a lamentação Dos povos destruídos Dos povos destroçados Nada pode apagar O concerto dos gritos O nosso tempo é Pecado organizado
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25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
QUEIXA DAS ALMAS JOVENS CENSURADAS
Natália Correia Álbum "Mudam-se os tempos mudam-se as vontades" 1971 - J. M. Branco
Dão-nos um lírio e um canivete
Temos fantasmas tão educados
E uma alma para ir à escola
Que adormecemos no seu ombro
Mais um letreiro que promete
Somos vazios despovoados
Raízes, hastes e corola
De personagens de assombro
Dão-nos um mapa imaginário
Dão-nos a capa do evangelho
Que tem a forma de uma cidade
E um pacote de tabaco
Mais um relógio e um calendário
Dão-nos um pente e um espelho
Onde não vem a nossa idade
Pra pentearmos um macaco
Dão-nos a honra de manequim
Dão-nos um cravo preso à cabeça
Para dar corda à nossa ausência.
E uma cabeça presa à cintura
Dão-nos um prémio de ser assim
Para que o corpo não pareça
Sem pecado e sem inocência
A forma da alma que o procura
Dão-nos um barco e um chapéu
Dão-nos um esquife feito de ferro
Para tirarmos o retrato
Com embutidos de diamante
Dão-nos bilhetes para o céu
Para organizar já o enterro
Levado à cena num teatro
Do nosso corpo mais adiante
Penteiam-nos os crâneos ermos
Dão-nos um nome e um jornal
Com as cabeleiras das avós
Um avião e um violino
Para jamais nos parecermos
Mas não nos dão o animal
Connosco quando estamos sós
Que espeta os cornos no destino
Dão-nos um bolo que é a história
Dão-nos marujos de papelão
Da nossa historia sem enredo
Com carimbo no passaporte
E não nos soa na memória
Por isso a nossa dimensão
Outra palavra que o medo
Não é a vida, nem é a morte
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25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
As Portas que Abril Abriu
José Carlos Ary dos Santos "Obra poética" 1975
Era uma vez um país
Ora passou-se porém
onde entre o mar e a guerra
que dentro de um povo escravo
vivia o mais infeliz
alguém que lhe queria bem
dos povos à beira-terra.
um dia plantou um cravo.
(…)
(…)
Era uma vez um país
Foi então que Abril abriu
onde o pão era contado (…)
as portas da claridade
Era uma vez um país
e a nossa gente invadiu
de tal maneira explorado(…)
a sua própria cidade.
que até hoje já se diz que nos tempos do passado se chamava esse país Portugal suicidado. (…) Um povo que era levado para Angola nos porões (…) sem saber que um bom soldado nunca fere os seus irmãos.
(…) Ali ficámos de pé juntos soldados e povo para mostrarmos como é que se faz um país novo. (…) agora ninguém mais cerra as portas que Abril abriu!
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25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
O Futuro José Carlos Ary dos Santos “Vinte anos de poesia”, 1983
Isto vai meus amigos isto vai um passo atrás são sempre dois em frente e um povo verdadeiro não se trai não quer gente mais gente que outra gente Isto vai meus amigos isto vai o que é preciso é ter sempre presente que o presente é um tempo que se vai e o futuro é o tempo resistente Depois da tempestade há a bonança que é verde como a cor que tem a esperança quando a água de Abril sobre nós cai. O que é preciso é termos confiança se fizermos de maio a nossa lança isto vai meus amigos isto vai.
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25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
FELIZ MADRUGADA
“Versos na Guerra-Versos de paz”, 28 de Abril de 1974
Acordei, à minha direita não havia nada, Do outro lado começava o dia. ... Feliz madrugada!
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25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
Sophia de Mello Breyner Andresen
25 de Abril “O nome das coisas”, 1974
Esta é a madrugada que eu esperava O dia inicial inteiro e limpo Onde emergimos da noite e do silêncio E livres habitamos a substância do tempo
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25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020 Jaime Cortesão (1884-1960)
Poema de um republicano (Jaime Cortesão) sobre um anarquista (Jaime Rebelo) publicado no
jornal Avante! em 1937.
ROMANCE DO HOMEM DA BOCA CERRADA
- Quem é esse homem sombrio
Passava já de ano e dia…
Duro rosto, claro olhar,
Mas um dia, por traição,
Que cerra os dentes e a boca
Caiu nas mãos dos esbirros
Como quem não quer falar?
E foi levado à prisão.
- Esse é o Jaime Rebelo, Pescador, homem do mar,
Algemas de aço nos pulsos,
Se quisesse abrir a boca,
Vá de insultos ao entrar,
Tinha muito que contar.
Palavra puxa palavra, Começaram de falar
Ora ouvireis, camaradas,
- Quanto sabes, seja a bem,
Uma história de pasmar.
Seja a mal, hás de contá-lo, - Não sou traidor, nem perjuro;
Passava já de ano e dia
Sou homem de fé: não falo!
E outro vinha de passar,
- Fala: ou terás o degredo,
E o Rebelo não cansava
Ou morte a fio de espada.
De dar guerra ao Salazar.
- Mais vale morrer com honra,
De dia tinha o mar alto,
Do que vida deshonrada!
De noite, luta bravia, Pois só ama a Liberdade,
- A ver se falas ou não,
Quem dá guerra à tirania.
Quando posto na tortura. Biblioteca ESAG
25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020 - Que importam duros tormentos,
A turba vil dos esbirros
Quando a vontade é mais dura?!
Ficou na frente, assombrada, Já da boca não saia
Geme o peso atado ao potro
Mais que espuma ensanguentada!
Já tinha o corpo a sangrar, Já tinha os membros torcidos
Salazar, cuidas que o Povo
E os tormentos a apertar,
Te suporta, quando cala?
Então o Jaime Rebelo,
Ninguém te condena mais
Louco de dor, a arquejar,
Que aquela boca sem fala!
Juntou as últimas forças Para não ter que falar.
Fantasma da sua dor,
- Antes que fale emudeça! -
Ainda hoje custa a vê-lo;
Pôs-se a gritar com voz rouca,
A angústia daquelas horas
E, cerce, duma dentada,
Não deixa o Jaime Rebelo.
Cortou a língua na boca.
Pescador que se fez homem Ao vento livre do Mar, Traz sempre aquela visão Na sombra dura do olhar, Sempre de boca apertada, Como quem não quer falar
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25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
Tu, que tanto prometeste enquanto nada podias, hoje que podes -- esqueceste tudo o que prometias... À guerra não ligues meia, porque alguns grandes da terra, vendo a guerra em terra alheia, António Aleixo (1889 – 1949 )
não querem que acabe a guerra
“Este livro que vos deixo”, 1969
Morre o rico, dobram sinos; Morre o pobre, não há dobres...
O mundo só pode ser
melhor do que até aqui,
Que Deus é esse dos padres, Que não faz caso dos pobres?
- quando consigas fazer mais p'los outros que por ti! Há luta por mil doutrinas. Se querem que o mundo ande, Façam das mil pequeninas
Veste bem, já reparaste? mas ele próprio ignora que, por dentro, é um contraste com o que mostra por fora.
Uma só doutrina grande. Vós que lá do vosso império prometeis um mundo novo, calai-vos, que pode o povo
Da guerra os grandes culpados Que espalham a dor da terra, São os menos acusados
qu'rer um mundo novo a sério.
Como culpados da guerra.
Que importa perder a vida
Se os homens chegam a ver
em luta contra a traição, se a Razão mesmo vencida, não deixa de ser Razão? P'ra mentira ser segura e atingir profundidade, tem que trazer à mistura qualquer coisa de verdade.
Por que razão se consomem, O homem deixa de ser O lobo do outro homem. Em não tenho vistas largas Nem grande sabedoria Mas dão-me as horas amargas Lições de Filosofia.
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25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
Manuel Alegre “30 anos de Poesia”, 1997
A Rapariga do País de Abril
Habito o Sol dentro de ti descubro a terra aprendo o mar rio acima rio abaixo vou remando por esse Tejo aberto no teu corpo. E sou metade camponês metade marinheiro apresento meus sonhos iço as velas sobre o teu corpo que de certo modo é um país marítimo com árvores no meio Tu és meu vinho. Tu és meu pão. Guitarra e fruta. Melodia. A mesma melodia destas noites enlouquecidas pela brisa no País de Abril. E eu procurava-te nas pontes da tristezas cantava adivinhando-te cantava quando o País de Abril se vestia de ti e eu perguntava atónito quem eras. Por ti cheguei ao longe aqui tão perto e vi um chão puro: algarves de ternura. Quando viste tudo ficou certo e achei achando-te o País de Abril.
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25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
Sophia de Mello Breyner Andresen Noite de Abril “Poesia”, 1944
Uma rua nova destruiu a rua do Hoje, noite de Abril, sem lua, A minha rua É outra rua.
costume. Como se sempre nela houvesse este perfume De vento leste e Primavera, A sombra dos muros espera
Talvez por ser mais que nenhuma escura E bailar o vento leste A noite de hoje veste As coisas conhecidas de aventura.
Alguém que ela conhece. E às vezes, o silêncio estremece Como se fosse a hora de passar alguém Que só hoje não vem.
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25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
Sidónio Muralha – Poemas de Abril.
“Poemas de Abril”, 1974
Poema de Abril A farda dos homens
com os pés descalços,
voltou a ser pele
mas no sofrimento
(porque a vocação
a farda dos homens
de tudo o que é vivo
voltou a ser pele
é voltar às fontes).
e das baionetas
Foi este o prodígio
irromperam flores.
do povo ultrajado, do povo banido que trouxe das trevas pedaços de sol.
Minha pátria linda de cabelos soltos correndo no vento, sinto um arrepio
Foi este o prodígio
de areia e de mar
de um dia de Abril,
ao ver-te feliz.
que fez das mordaças
Com as mãos vazias
bandeiras ao alto,
vamos trabalhar,
arrancou as grades,
a farda dos homens
libertou os pulsos,
voltou a ser pele.
e mostrou aos presos que graças a eles a farda dos homens voltou a ser pele. Ficou a herança de erros e buracos nas árduas ladeiras a serem subidas
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25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2020
POESIA de Abril!
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