A psicanálise dos contos de fadas

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Grimm: "O Conto de Fadas de Alguém que Partiu Para Aprender a Ter Medo Um dia o pai do herói desafia-o a tornar-se alguém na vida, ao que o herói replica: - "Gostaria de aprender a tremer; é algo que não conheço, de modo algum" -.Para consegui-lo, o herói se expõe a aventuras aterrorizantes, mas não sente nada. Com o que seriam uma força e coragem sobre-humanas se sentisse medo, o herói então desencanta o castelo de um rei. Este diz que, como recompensa, lhe dará a filha em casamento. - "Tudo bem" - diz o herói "mas ainda não sei o que significa tremer". Esta resposta implica no reconhecimento de que, enquanto for incapaz de sentir medo, o herói ainda não está preparado para o casamento. A estória dá ainda maior ênfase ao fato dizendo que, embora amasse a esposa, o herói continuava dizendo: - "Se ao menos eu pudesse tremer!" - Finalmente ele aprende isso no leito conjugal. A esposa lhe ensina uma noite, tirando-lhe as cobertas e derramando um balde de água fria cheio de gobiões (peixes miúdos como os barrigudinhos) em cima dele. - À medida em que os peixinhos escorregam por cima dele, ele grita: - "Ó, como estou tremendo, querida esposa. Agora sei o que é tremer!" Graças à esposa, na cama conjugal, o herói da estória encontra o que lhe faltava na vida. Para a criança, mais ainda que para o adulto, é evidente que uma pessoa só pode encontrar alguma coisa no lugar onde previamente a perdeu. Em nível subconsciente a estória sugere que o herói destemido perdera sua capacidade de sentir medo para não ter que se defrontar com os sentimentos preponderantes na cama conjugal - isto é, as emoções sexuais. Mas, sem estes sentimentos, como afirma todo o tempo, ele não é uma pessoa integral; nem mesmo quer casar-se enquanto não puder tremer. O herói da estória não podia tremer devido à repressão de todos os sentimentos sexuais - como o demonstra o fato de uma vez restabelecido o temor sexual, ele poder ser feliz. Nesta estória há uma sutileza que pode escapar conscientemente, mas não deixa de marcar inconscientemente. O título da estória diz-nos que o herói partiu para aprender a ter medo. Mas durante toda a estória se faz referência principalmente ao tremor; o herói afirma que isso é uma arte que ele não compreende. A ansiedade sexual é vivenciada com frequência sob a forma de repugnância; o ato sexual, para quem sente ansiedade quanto a ele, faz a pessoa tremer, mas normalmente não desperta um medo ativo. O ouvinte da estória, reconhecendo ou não que a incapacidade do herói estremecer se deve à ansiedade sexual, a qual finalmente o faz tremer, recebe a sugestão da natureza irracional de algumas de nossas ansiedades mais difusas. O fato de ser um medo do qual só a esposa pode curá-lo à noite na cama, já dá uma pista da natureza subjacente da ansiedade.


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