A psicanálise dos contos de fadas

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carar o mesmo fenômeno de pontos de vista tão diferentes que cada um vê algo completamente distinto. Se o adulto insistir que seu modo de ver as coisas é o correto - como bem pode ser, visto objetivamente e através de um conhecimento adulto - a criança se sente desesperançada de encontrar um entendimento comum. Sabendo quem detém o poder, a criança, para evitar problemas e ficar em paz, diz que concorda com o adulto, e é forçada então a prosseguir sozinha. Os contos de fadas sofreram uma crítica severa quando as novas descobertas da psicanálise e da psicologia infantil revelaram o quanto a imaginação da criança é violenta, ansiosa, destrutiva e até mesmo sádica. Uma criancinha ama os pais com um sentimento incrivelmente intenso, mas às vezes os odeia. Partindo deste conhecimento, deveria ser fácil reconhecer que os contos de fadas falam à vida mental interior da criança. Mas, em vez disso, os céticos proclamaram que estas estórias criavam, ou pelo menos encorajavam muito, estes pensamentos conturbados. Os que baniram os contos de fadas tradicionais e folclóricos decidiram que, havendo monstros numa estória narrada à criança, deveriam ser todos amigáveis - mas se esqueceram do monstro que a criança conhece melhor e com o qual se preocupa mais: o monstro que ela sente ou teme ser, e que algumas vezes a persegue. Mantendo este monstro dentro da criança, sem falar dele, ou escondido no inconsciente dela, os adultos impedem-na de elaborar fantasias em torno da imagem que conhecem dos contos de fadas. Sem estas fantasias, a criança não consegue conhecer seu monstro melhor, nem recebe sugestões sobre a forma de conseguir controlá-lo. Em consequência, fica impotente face às suas piores ansiedades - muito mais do que se tivesse ouvido contos de fadas que dão forma e corpo a estas ansiedades e mostram também os meios de vencer estes monstros. Se nosso medo de ser devorado toma a forma tangível de uma bruxa, podemos nos livrar dele queimando a bruxa no fogão. Mas estas considerações não ocorrem aos que baniram os contos de fadas. Espera-se que a criança aceite como correta apenas uma visão unilateral e limitada dos adultos e da vida. Não alimentando a imaginação da criança, espera-se extinguir os gigantes e ogros do conto de fadas - isto é, os monstros das trevas que residem no inconsciente - de forma a impedir que estes obstruam o desenvolvimento da mente racional da criança. Espera-se que o ego racional reine de forma suprema desde o berço! Pretende-se chegar a isto não através da conquista do ego sobre as forças obscuras do id, mas impedindo a criança de prestar atenção a seu inconsciente ou de ouvir estórias


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