O homem de todas as minhas vidas

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aconchegante aos ouvidos. Quero dizer alguma coisa, mas a voz não sai. Fixo o olhar em seu rosto perfeito e por um instante, desejo me perder em seus lábios, no corpo que parece ter sido feito só para mim. Que Deus me ajude. – Lise? – Natan – finalmente consigo dizer alguma coisa – , por que não pega uma mesa e peço para um garçom tirar o seu pedido, hein? – apesar de estar gaguejando, acho que ele me entendeu. O professor não responde de imediato. Seu olhar se desprende do meu rosto, dirigindo-se para minha mão ensanguentada. Estou tão desnorteada que até me esqueço do corte. – Farei isso. – numa frieza que me abala, ele começa a se afastar. – Passe um antisséptico nisso aí. Respiro fundo para não chorar. Olho para ele, de soslaio, enquanto estanco o sangue com a ajuda de um pano. Ele se mantém cabisbaixo, nitidamente ferido como a palma da minha mão. Acho que não está sangrando, ainda. Talvez eu o faça sangrar, quem sabe? Um garçom se aproxima, estendendo o cardápio para Natan. Vejo quando ele passa a língua no lábio, o olhar perdido entre as fotos e descrições dos pratos. Algo emergencial se remexe dentro de mim, mas não consigo identificar que tipo de urgência é essa. – O que fez na mão? – não noto a aproximação da minha avó. – Um acidente. – digo, apontando para os cacos de vidro na pia. – Esse acidente tem nome? – o olhar de vovó vagueia entre as mesas do Amelie e se detém na de número oito. – Esse acidente se chama falta de atenção. – respondo, enfezada. – Certo. – vovó me encara, efusiva. – Tem um kit de primeiros socorros no escritório. – ela me dá duas palmadinhas na bochecha. – Vou até lá então. – Lise? – O que foi? – Se não quiser voltar, não precisa. Pode sair pelos fundos. Penso por um instante nessa proposta. É realmente tentadora. – Não vou fugir, vó. Apesar de achar que não, eu escuto os conselhos que me dá e os aplico. – Ótimo. – ela me fita, orgulhosa. ∞∞∞ Com a mão limpa e devidamente enfaixada, ando de um lado para outro na cozinha, atrapalhando a todos. Vovó toca em meus ombros e pergunta se estou bem. Faço que sim com a cabeça e respiro fundo. Sinto um tremendo nó na garganta. Uma ansiedade desconhecida toma conta dos meus nervos. É um ímpeto, uma vontade absurda de irromper naquele salão e encarar o meu destino. Tomando coragem, abro as portas vai e vem e miro a mesa de número oito. Caminho, um tanto trôpega, sentindo como se milhões de agulhas acabassem de ser espetadas por todo o corpo. Minhas mãos estão geladas e o rosto arde em chamas. O professor pediu um conhaque e tamborila os dedos sobre a página de um livro. Sento-me no sofá de frente para ele. Vejo o susto em seus olhos violeta, além do meu


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