Livro Curta Jovem

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Um Espelho. Sueli.


Um Espelho. Sueli.


Apresentação da coletânea Durante os diversos cursos de formação em audiovisual realizados pelo Instituto Ideia Coletiva, por diversas vezes ministrei a parte de roteiro para os jovens. Esta não é uma tarefa tão simples, pois em geral precisamos falar sobre algumas regras e trabalhar com referencial teórico que, muitas vezes, estão um pouco deslocados da realidade dos participantes. Pensando em como estimular a escrita, sempre começo as atividades propondo uma produção textual um pouco mais livre. Em algumas turmas partimos de uma foto trazida pelos participantes, em outras, elaboramos o detalhamento de uma sinopse criada por um colega de curso. Por sua vez, a proposta apresentada à turma de 2021 era que eles trabalhassem uma narrativa, a qual deveria partir da imagem de um espelho e de uma personagem chamada Sueli. A escolha foi bastante aleatória, inspirada por elementos que estavam ao alcance dos meus olhos, durante a elaboração do plano de aulas: minha dissertação de mestrado, orientada por uma Sueli, e um espelho ao lado da escrivaninha de meu escritório. Nas próximas páginas serão apresentados alguns textos produzidos pelos alunos desta turma. Narrativas potentes que elevaram a proposta da aula para outro patamar. Aliás, como a oficina foi on-line (como tantas outras coisas nesse período), pudemos contar com a participação de pessoas de diversas idades, fator este que proporcionou ricas experiências e as mais variadas sensações. Roberto Limberger Coordenador e arte-educador


Sobre o projeto Curta Jovem

Sobre a Dexco

O projeto Curta Jovem é uma oficina de iniciação artística que utiliza o audiovisual como ferramenta para a inserção de jovens no universo da Arte. Durante todo o processo, os participantes conhecem um pouco mais sobre como é realizada uma produção, desde o roteiro até a finalização. Um (ou mais) roteiro escrito por eles ganha vida e é gravado durante a oficina, com os próprios jovens participando como atores, diretores, técnicos de som, diretores de arte, entre outras funções importantes para a elaboração do filme. Inclusive a trilha sonora e a edição do curta, muitas vezes, conta com a intervenção dos participantes dos cursos.

Na Dexco, acreditamos que ambientes existem para serem vividos. Para isso, por meio de nossas marcas - Deca, Portinari, Hydra, Duratex, Ceusa e Durafloor – oferecemos soluções que combinam estética e funcionalidade, promovendo conforto e bem-estar. Aqui, acreditamos que temos um papel importante na sociedade e, desde o início da nossa trajetória, as questões ambientais, sociais e de governança pautam nossas discussões sobre o futuro da companhia.

O projeto Curta Jovem é realizado desde 2009, quando passou pelos municípios de Hortolândia, Osasco e Piracicaba. Em 2013, foi realizado em Aparecida de Goiânia e, em 2015, em Lençóis Paulista. Agora, em 2021, tem como base o município de Botucatu, porém, por conta da situação sanitária do país, recebeu interessados de todo o Brasil. A edição de 2021 é patrocinada pela Dexco através do ProAC -ICMS da Secretaria de Estado da Cultura, do estado de São Paulo. Kora Prince Produtora e arte-educadora

Somos uma empresa brasileira, privada e de capital aberto, controlada pela Itaúsa – Investimentos Itaú S.A - e pelo Bloco Seibel. Com sede administrativa em São Paulo, possuímos 21 unidades industriais e florestais estrategicamente localizadas (Estados de Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo), além de três fábricas de painéis na Colômbia - Dexco Colômbia. Estamos também à frente da LD Celulose, por meio de uma joint venture com o Grupo Lenzing e da Caetex, joint venture criada para o plantio de florestas de eucalipto em Alagoas. Nossas ações estão listadas no Novo Mercado (o mais elevado padrão de Governança Corporativa) e na versão 2019/2020 da B3 - ISE.


Após brigas e brigas, nossos pais decidiram separar os quartos. Isso era incomum entre gêmeas, mas é que eu não conseguia acordar e olhar pro rosto fino, cheio de sardas, delicado e com um tufo de cabelos ruivos na cabeça. Bom, ela era exatamente como eu e acho que foi exatamente por isso que fiz o que fiz. A verdade é que nossos pais não me deixavam sequer chegar perto dela. Toda vez que isso acontecia, eu tentava machucá -la. Não era à toa, mas aquilo já estava me deixando irritada ao extremo. Certo dia, decidi colocar um fim nessa história. O que eu mais queria era ver Sueli sofrendo. Eu não ia conseguir chegar perto dela e estava mal por não atingir meu objetivo. Me levantei e olhei pro meu espelho. Era ela. Eu era ela e sempre fui apenas um reflexo dela. Isso me consumia pouco a pouco. Eu dei um soco no vidro do espelho. Minha mão doeu, mas eu vi o reflexo sentindo dor também. Dei outro e mais outro, até não aguentar mais, mas eu sabia que ela também não estava aguentando. Era isso que importava. Pelo menos, aquilo me deixava confortável. Giovana de Souza Neves

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Eu estava cansada de olhar pra Sueli e me ver. Ela era a minha gêmea idêntica. Eu não a suportava justamente por isso. Tudo o que ela fazia era perfeito, ao contrário de mim. A verdade é que eu nasci dois minutos depois, e esse mínimo detalhe fez a diferença pros nossos pais. É como se a Sueli fosse a original e eu, a cópia.

O som da porta fechando: um suspiro, mais um dia. Sem pensar, como todo dia, ela segue. No automático. A bolsa para o chão, a mão para o crachá, o crachá para o espelho. Este ali se mantém, pendurado, de certa forma na função: “Nome: Sueli Função: Administração”. Identificando o olhar cansado, que agora é refletido para a sua própria observação. No automático, ela segue. O espelho é posicionado, a janela é aberta, o olhar para lá, o olhar para cá, o cinto é afivelado e, no automático, ela parte. É sem pensar que para a direita ela vira, como todo dia. O olhar para a frente, a visão centrada, seguindo a faixa. E na faixa, ela para. O povo passa e ela ignora, é para o espelho que ela olha, observando a fila que se forma, nenhum rosto ela vê, somente cores e formas. O som, mal escuta. Já é filtrado pela mente. Mas na mente, ela vê. Na mente ela escuta e agora ela vê; vê também como mente, vê que ele mente. Refletindo no espelho, ela revisita a discussão, a confusão que passa a frente, assim como o trânsito passa ao redor e a buzina passa o filtro. No automático ela segue.


- Um capacete, cacete. A moto passa e, na memória, ela repassa: todo dia, todo rosto, o povo que passa e que ela ignora. É ela quem olha, é ela quem olha o acidente, um capacete. Para frente ela olha. A visão centrada e suspira, seguindo a faixa. E na faixa, ela para. O povo passa e ela olha, o reflexo ela ignora. A bolsa no chão, a mão para o crachá, o crachá no espelho. E ali, de certa forma, ela entende: é que pendurado se mantém na função. “Nome: Função Função: Peão captura Peão” É de tanto pensar que, então, ela não vira, como faz todo dia: O olhar para a frente, a visão centrada, seguindo a faixa. E na faixa, ela para. O povo passa. No espelho ela olha, observando a fila que se forma. E ela pensa: - Ele mente. Nunca foi por mim. Nunca foi pela gente. Na primeira, ela diminui. O espelho posicionado, a janela aberta, o olhar para lá, o olhar para cá, o cordão na lixeira é arremessado e na segunda ela parte.

E ao perguntar, para a esquerda ela vira. É um novo dia na instrução de quem diz: “é só seguir, toda vida”.

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De canto de olho, ela vê o reflexo. No espelho ela vê um capacete.

O som do rádio tocando: um suspiro, mais um dia. Julia de Carvalho Correr


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Ao contrário de quaisquer outros objetos dos quais tenhamos conhecimento, este espelho em específico, não era nem um pouco inanimado. Tinha por volta de 70 anos e já havia vivido muito mais que algumas pessoas de carne e osso. O espelho tinha um formato oval, e a moldura que o protegia era trabalhada em madeira de carvalho, com adornos, relevos e detalhes minuciosos. Foi feito inteiramente a mão por Carlos, um marceneiro de um pequeno bairro, que se deu a difícil tarefa de trabalhar e dedicar todo o tempo que tinha no processo de criação do espelho. Este, nada mais era que um presente e forma de agrado para a amada esposa, Sueli. Assim que foi presenteada, Sueli sentiu-se completamente extasiada e tratou de arranjar um lugar especial na casa para a demonstração de afeto que recebera. Ela pendurou-o um pouco acima da penteadeira onde sentava-se todas as manhãs e tirava algum tempo para cuidar de si mesma. Não se sabe ao certo, mas, talvez, o amor e os sentimentos de Carlos, de tão grandiosos e intensos, tenham-no transpassado e acabaram apoderando-se do espelho. E então, o inimaginável aconteceu: o espelho simplesmente acordou um dia com consciência plena, mas apesar de entender, ver e escutar tudo o que ocorria em volta dele, ninguém podia enxergá-lo como era de fato. E assim, essa história estendeu-se durante décadas: Sueli e Carlos tiveram uma vida tranquila, cheia de compreensão, alguns desentendimentos, mas, acima de tudo, com muito amor. Tiveram filhos, depois os filhos deles tiveram filhos, e quando perceberam já estavam com as cabeças repletas de

fios de cabelo brancos os quais ornavam com as linhas de expressões que ficavam cada vez mais evidentes nos rostos deles, através dos anos. Junto a eles, o espelho também envelhecia e aprendia cada vez mais sobre o mundo, as pessoas, a vida, o conjunto de tudo que conhecia e as funções de cada coisa existente. E mesmo assim, ainda achava difícil compreender o fundamento das brigas que testemunhou certas vezes, das pessoas noticiando ações desumanas na televisão, das diversas lágrimas presenciadas, de pessoas que se escondiam no quarto com o objetivo de, na verdade, esconderem o sofrimento que sentiam, dentre diversos outros momentos atípicos. Com o tempo, o espelho notou que já não via mais Carlos ou sequer escutava a voz dele. Ficou ainda mais surpreso ao acordar um dia em um lugar completamente diferente da única casa que conhecia, enquanto era pendurado em uma parede com um papel de parede com tons pastéis, repleto de folhas e galhos. Acalmou-se, e então escutou vozes de pessoas e crianças semelhantes as que já havia escutado anteriormente no que, um dia, havia sido o lar dele. Mais alguns anos passaram-se, e quando o espelho finalmente se conformou com o abandono de Sueli, assistiu uma cena extremamente dolorosa: a filha sentada na cama com um telefone nas mãos, completamente imóvel, depois desaguando em lágrimas sofridas, e sendo amparada pelo marido. Naquele momento, o espelho soube: ela havia partido. Ele tentou suportar os sentimentos despertados no interior do que ele era por algum tempo, mas sabia que, como parte do amor de Sueli e Carlos, ele também não poderia existir pida, que agora encontrava-se danificada e com diversas falhas. Julia Fernandes Gonçalves


Simone de Oliveira Anjinho

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Escuridão. Olhos Abertos. Noite gelada, garota adormecida, garota acordada. A névoa rasgava o ar, o pânico estava lá. Deitada em um colchão macio, a garota. Apenas uma garota. Sua respiração descompassada ecoava no vazio do seu quarto, no vazio da sua mente, no vazio de sua alma. A suposta névoa era pesada. O sopro do ar congelou seus músculos. Lutar. Fugir. Se perguntava como. Entre o consciente e o inconsciente, o medo ganhava forma, sentia seu toque inocente. Sutilmente puxava seus pés. A gravidade transbordava. Por fim, um movimento. Seus lábios trêmulos se afastavam lentamente. A garota gritou como nunca. Um doloroso grito silencioso. Uma lágrima escorreu em sua face. Em sua face mórbida. Tanto esforço para nada. Absolutamente nada. Talvez sua voz se encontrasse em uma frequência completamente desconhecida. Cenários desesperadores despertam o melhor, e, em certos casos, o pior de qualquer ser. Seu pulmão era espremido sem piedade. Não tinha ar. Não tinha vida. Não tinha, ao menos, um simples motivo. Autocontrole. Sabia que estava tudo perdido. Seu corpo não a pertencia, era somente mais uma usuária. Era somente uma visitante. Seu corpo a rejeitava. Como um espelho, alguém refletia suas ações, alguém que era comandado. Sua sombra, o seu eu, clamava por uma troca de papéis. A menina sabia que não poderia resistir, então cedeu o controle e adormeceu. Sorrindo cinicamente, Sueli rugia de felicidade. Ela finalmente conseguiu. Chegou o momento de ser aplaudida de pé. Levemente passou seus dedos quentes em uma parede sem vida. Que honra, divagava, aquela casa seria seu palco. Seu palco infernal. Sueli iria provar que o veneno pode ser doce. Sueli iria provar que a dor é viciante. E a menina permaneceria presa em sua cama, presa em si mesma.

Sentada em um banco perto do chafariz, Sueli sentia o peso do mundo sob seus ombros. O que haveria de fazer? Tantas mudanças, tantas memórias... Como agir quando não se pode mudar o imutável? Naquele parque, as pessoas passavam, as crianças corriam, o sol queimava a pele pálida daquela mulher de meia idade, que tinha como única certeza a sua profunda incerteza sobre a vida. Do outro lado da rua, havia um caminhão de mudança. Mais mudanças, ela pensou. Então, perdida em devaneios, Sueli levantou-se e foi embora. Do outro lado da rua, um senhor auxiliava os outros homens a tirarem os móveis daquele caminhão de mudança. Tiraram, então, um espelho. Um espelho normal, se não fosse aquela moldura sofisticada digna de um casarão do século XIX. O resquício de um passado distante? Os funcionários passaram com o espelho por Sueli. A pobre mulher viu um reflexo por uma fração de segundos. Contudo, o que enxergou, não era o seu reflexo, era o reflexo de sua mãe, Aparecida. Perplexa ela seguiu o seu caminho, rumo ao hospital. Talvez não existam mudanças, mas continuidades, dialogava Sueli consigo mesma. Ao chegar ao quarto de sua amada mãe, a mulher de 51 anos viu, novamente, algo, mas dessa vez não se assustou: não era a sua mãe na cama, era ela própria Sueli. Por um momento, tudo parou. Ela era criança novamente, corria pela rua, a sua mãe gritava para voltar para casa.


Era, de novo, uma mulher de meia idade, no leito de morte da própria mãe. Como isso aconteceu? Se era uma criança a segundos atrás? Sueli então olhou com ternura para mãe, enquanto divagava em pensamentos estranhos. Ela era assim, sempre fora assim. Na vida, talvez, não existam mudanças, mas continuidades. Era como se a Aparecida tivesse algo da filha, e como se sua filha carregasse em si, a própria mãe.

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Olhou para o chão, o chão batido de terra que hoje era asfaltado. O tempo passou, como num piscar de olhos. Agora, voltava.

Ela está aqui novamente. Rotineiramente cumpre o seu ritual. Despir-se e examinar seu abdômen, de perfil, de frente, mais uma vez de perfil. Já são anos desse compulsivo hábito. Após as refeições, somente abre o zíper e abaixa o jeans. Sua expressão é de repulsa. Sai e vai ao banheiro. Depois repete o gesto na minha frente. Após o banho, vem, tira o roupão e posso ver seu corpo de jovem mulher de 28 anos, muito magro, muito mais que em sua adolescência. Os ossos do quadril estão muito aparentes, assim como o da região das costelas, cada dia mais.

A pálida mulher entendeu finalmente que estava tudo bem, que o passado continuaria lá no seu subconsciente, que o futuro continuaria escuro e que o presente era a dádiva de um passado de ternura. Então, ela aceitou aquela dolorosa despedida. Levaria os sonhos e também as dores da sua melhor amiga.

Eu grito, me desespero. Não sou eu seu inimigo. Quero refletir sua imagem jovem e saudável como antes, mas Sueli não vê mais. Fico aqui refletindo seu sofrimento, sua luta inglória para alcançar uma perfeição ilusória, à medida que sua energia vital vai se extinguindo.

Um mês depois do enterro de sua querida mãe, não havia mais lágrimas. Só havia o luto. Afinal, o que seria o luto senão o amor que ainda vive? Sueli continuava não tendo muitas certezas, mas ela estava preparada para o dia de amanhã. E isso, era o suficiente.

Você me encara Sueli. Não a mim. Não sou eu seu inimigo!

Vitória Angusso

Cynara Maria Almeida Thomaz


Com toda a força que tem, apoia os braços que se sentem defuntos mas ainda vivem, na borda de uma pia suja e já mofada. Quarenta segundos se passam, o mundo gira, o estômago se contorce, as pernas não resistem e dobram. Vomito, muito vomito. Na sua composição quase nada de alimento, mas altas quantias de um ácido nojento; sabor desamor. A decisão de levantar os olhos e se situar é arriscada. Quem sabe, irreversível. Há um certo conforto. O conforto da falta de conhecimento. A face triste que se revela no espelho, traz consigo um nome: Sueli. Esta semana foi Madalena, semana passada, Carminha. Tá virando um hábito isso. Isso de ver vocês indo embora. É o que Sueli diz em voz alta, de forma que a faz sentir-se menos sozinha. Menos sozinha naquele momento. Naquela situação. Talvez, no mundo. – Que sorte a sua! Tá difícil pra todo mundo esses dias – eles ficam falando. Sueli reclama com desgosto e, quase que cortando a própria fala. Algo chama atenção na sua visão periférica. Uma garrafa de plástico quase cheia. Vinho barato. A situação perfeita. Sueli usa toda a força que a idade permite para quebrá-la. A garrafa segue intacta, o espelho não. Sucesso! Enfim sossego! – Sueli pensa antes de dar os próximos goles. Lucas Hoffmann

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Em um apartamento de classe média da cidade de São Paulo, acontecia um arrastar debilitado de braços e pernas no chão do banheiro. Ainda de olhos fechados, alguém, que não lembra o próprio nome, tateia o chão em busca de algo, que, enfim, encontra.

De repente, a partir do espelho, Sueli se vê correndo. Não sabe ao certo como chega, mas percebe que outros já estão ali, antes dela, e distribuídos ao seu redor. Sente que, a quentura que tinha antes vai enfriando aos poucos, durante a trajetória percorrida sobre uma superfície ondulada, frágil e curiosamente macia. Os obstáculos aparecem de quando em quando e atrapalham-na, todavia, não impedem a sua descida, apenas desviam-lhe ligeiramente o curso. Sueli deixa sua pegada na superfície e se reflete naquele ponto por instantes. O espelho torna sua presença mais visível e prolongada. Continua para baixo e perdendo calor. Além do frio, parece distanciar-se de parte de si mesma, como se secasse. Há anos, a moça, agora velha senhora, começa a nomear a última lágrima derramada com a alcunha daquele que lhe gera o pranto. Hoje, após meia hora diante do espelho, surge e se esvai Sueli. Aline Cristina Gomes Ramos


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A cidade amanheceu normalmente, todos seguiram por seus caminhos rotineiros, exceto uma pessoa de cada país. Nossa história acompanha Cassie, uma jovem de 30 anos com a esperança mais profunda que a Fossa das Marianas. Cassie havia perdido o emprego há uma semana, seu noivo terminou o relacionamento para seguir com outra mulher, e a famosa “crise dos 30” a assolava por completo. Até que numa manhã recebeu uma correspondência que continha uma pequena embalagem e uma carta com caligrafia bonita e enorme descrição: LEIA ANTES DE ABRIR. O remetente se chamava Sueli Orbis Terrarum Defio, um nome muito peculiar, principalmente porque Cassie não conhecia nenhuma Sueli. Ao ler a carta, Cassie ficou paralisada, e decidiu não abrir o conteúdo embalado, enfiando-o no fundo da gaveta de seu quarto. “Olá, Cassie Esperamos que seu objeto tenha sido recebido com sucesso. Dentro desta pequena embalagem contém um espelho bem intrigante. Nossas pesquisas apontam que qualquer ser vivo que passa pelo reflexo do espelho adoece e morre. Ou seja, você tem uma arma nas suas mãos, bem discreta, impossível de ser reconhecida. Assim como você, outros escolhidos, espalhados pelo mundo, também receberam seus presentes individuais. Seu objetivo, então, é descobrir mais sobre seu presente do que os demais participantes desta experiência. Não haverá qualquer possibilidade de contato ou compartilhamento de informações entre vocês, na tentativa de descobrirem mais rápido o segredo dos objetos.

Estamos começando uma “corrida do conhecimento”, na qual o ganhador não precisará mais se preocupar com o futuro dali para a frente. Toda semana você receberá um relatório sobre quem está mais próximo da verdade, informação conhecida apenas por nós. Como você deterá os outros? Cabe apenas a você esta decisão! Nós não iremos interferir em absolutamente mais nada a partir daqui.” S.U.E.L.I Sociedade Utópica de Experimentos de Lugares e Instrumentos Ana Célia Gallego Sterenberg



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