Regionalism in architecture: the perspective of Gion A. Caminada and Diébédo Francis Kéré

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I S B O A

Faculdade de Arquitetura e Artes Mestrado Integrado em Arquitetura

Regionalismo em arquitetura: a perspetiva de Gion A. Caminada e Diébédo Francis Kéré

Bernardo João Ribeiro Lourenço

Lisboa Novembro 2017



Bernardo João Ribeiro Lourenço

Regionalismo em arquitetura: a perspetiva de Gion A. Caminada e Diébédo Francis Kéré

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitetura.

Orientador: Prof. Doutor Arqt. Mário João Alves Chaves

Lisboa Novembro 2017


Ficha Técnica Autor Orientador

Bernardo João Ribeiro Lourenço Prof. Doutor Arqt. Mário João Alves Chaves

Título

Regionalismo em arquitetura: a perspetiva de Gion A. Caminada e Diébédo Francis Kéré

Local

Lisboa

Ano

2017

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação LOURENÇO, Bernardo João Ribeiro, 1988Regionalismo em arquitetura : a perspetiva de Gion A. Caminada e Diébédo Francis Kéré / Bernardo João Ribeiro Lourenço ; orientado por Mário João Alves Chaves. - Lisboa : [s.n.], 2017. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa. I - CHAVES, Mário João Alves, 1965LCSH 1. Regionalismo na arquitectura 2. Caminada, Gion A., 1957- - Crítica e interpretação 3. Kéré, Diébédo Francis, 1965- - Crítica e interpretação 4. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitetura e Artes - Teses 5. Teses - Portugal - Lisboa 1. 2. 3. 4. 5.

Regionalism in architecture Caminada, Gion A., 1957- - Criticism and interpretation Kéré, Diébédo Francis, 1965- - Criticism and interpretation Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitetura e Artes - Dissertations Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon

LCC 1. NA682.R44 L68 2017


...a quem não poderei dedicar de outra maneira‌



"Como se pode ver, a substituição da paisagem gótica pela arte gótica como lugar tem

uma

importância

enorme.

Nesse

sentido, a construção, o monumento e a cidade tornam-se a coisa humana por excelência;

mas,

enquanto

tais,

estão

profundamente ligados ao acontecimento original,

ao

primeiro

signo,

à

sua

constituição, à sua permanência e à sua evolução. Ao arbítrio e à tradição. Como os primeiros homens criaram um clima para si, assim

também

criaram

um

lugar,

estabelecendo a individualidade deste." (Rossi e Brandão, 2001)



AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as pessoas que me acompanharam ao longo deste percurso, e que de alguma forma contribuíram para a elaboração desta dissertação, em especial: À minha família, pela compreensão e apoio incondicional. Aos meus amigos que ajudaram sempre a terminar mais uma entrega. Ao Professor Mário Chaves, como orientador, pela disponibilidade e apoio que demonstrou. Aos restantes professores que de alguma maneira contribuíram com o seu conhecimento para a minha formação. A todos os mais sinceros agradecimentos.



Apresentação Regionalismo em arquitetura: a perspetiva de Gion A. Caminada e Diébedo Francis Kéré

Bernardo João Ribeiro Lourenço

Habitamos um mundo em que cada vez mais as diferenças entre culturas, povos e países tendem a esbater-se. Como resultado desta inevitabilidade, assistimos constantemente à contaminação de hábitos em prol de uma sociedade mundial uniforme, culminando na perda de identidade e de pertença entre pessoas e seus lugares. Nesta dissertação, pretendemos perceber qual o papel da arquitetura neste panorama. Como se tem comportado ao longo da história e qual a viabilidade de uma resposta atual e eficaz na preservação da individualidade dos lugares, sem que com isso se perca as virtudes de um futuro tecnologicamente evoluído e preocupado com a sustentabilidade dos nossos atos. Encaramos por isso a viabilidade de uma arquitetura capaz potenciar o desenvolvimento territorial. Com a intenção de relacionar estes assuntos, aprofundamos o estudo do regionalismo em arquitetura em função da apresentação de dois arquitetos cujo trabalho contribui positivamente para uma perspetiva atual destas matérias.

Palavras-chave: Regionalismo; Regionalismo Crítico; Clima; Gion A. Caminada; Diébedo Francis Kéré.



PRESENTATION

Regionalism in architecture: the perspective of Gion A. Caminada and Diébedo Francis Kéré

Bernardo João Ribeiro Lourenço

We inhabit a world in which more and more the differences between cultures, peoples and countries tend to fade. As a result of this almost inevitability, we constantly witness to the contamination of habits towards a uniform world society, culminating in the loss of identity and belonging between people and their places. In this dissertation we intend to understand the role of architecture in this panorama. How has it behaved throughout history and what is the feasibility of a current and effective response in preserving the individuality of places, without losing the virtues of a technologically advanced future and concerned with the sustainability of our actions. We therefore consider the feasibility of an architecture capable of fostering territorial development. With the intention of relating these subjects, we deepen the study of regionalism in architecture in function of the presentation of two architects whose work contributes positively to a current perspective of these subjects.

Keywords: Regionalism; Critical Regionalism; Climate; Gion A. Caminada; Diébedo Francis Kéré.



LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1- "Säynätsalo Town Hall"; Alvar Aalto. Fotografia de E. Mäkinen. ([Adaptado a partir de:] Lefaivre e Tzonis, 2003, p. 69) ............................................... 29 Ilustração 2 - "Competing interpretations of California's bioregions. Key: Regions determined by 1. biotic shift; 2. watershed; and 3. landform." (Canizaro, 2007, p.19) . 32 Ilustração 3 - "Ordonnance for the five kinds of columns after the method of the ancients." (Perrault e McEwen, 1993, p.95) ................................................................. 41 Ilustração 4 - "Casa de Crescenzi". Giovanni Batistta Piranesi, 1756. (Allpainters.org, 2016)............................................................................................................................. 42 Ilustração 5 - "Prospettiva del Giardino Pontifico sur l' Quirinale". Imagem de Giovanni Battista Falda. (Mertz, [s.d.])......................................................................................... 44 Ilustração 6 - Philibert de l'Orme: the "French order". ([Adaptado a partir de:] Lefaivre e Tzonis, 2012, p.23) ....................................................................................................... 45 Ilustração 7 - Vista sobre o jardim do Palácio de Versalhes. ([Adaptado a partir de:] Hoste, d’, 1988, p.90) ................................................................................................... 45 Ilustração 8 - "A View of the Rotunda in the Garden at Stowe". Jean B. C. Chatelain, 1753. ([Adaptado a partir de:] Yale Center for British Art, [s.d.]) .................................. 47 Ilustração 9 - "1851 London Great Exhibition of the Works of Industry of All Nations". ([Adaptado a partir de:] World Exhibitions, [s.d.]) ......................................................... 50 Ilustração 10 - Capa e interior do catálogo da exposição de 1932. ([Adaptado a partir de:] [n.d.], 2015)............................................................................................................ 52 Ilustração 11 - "Looking Back at the Construction of the United Nations, 1956." (Curbed, 2013).............................................................................................................. 54 Ilustração 12 - Embaixada dos E.U.A. em Dublin. ([n.d.], 2016) .................................. 56 Ilustração 13 - Piscinas de Leça da Palmeira. Álvaro Siza Vieira. (Ilustração nossa. 2011)............................................................................................................................. 70 Ilustração 14 - "Angolo di una stalla a Vrin. Stalla a Duvin", 1995. Fotografia de Lucia Degonda ([Adaptado a partir de:] Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.52) ................... 73 Ilustração 15 - "Haus Rauch". ([Adaptado a partir de:] Bühler, 2008) .......................... 74 Ilustração 16 - "Casa para una Comunidad Aborígen (1991/1994)". Esquisso de Glenn Murcutt, 1991. (Godsell, 2012, p.20) ............................................................................ 75 Ilustração 17 - Palmela Village, moradia com painéis solares. Projeto do Arqto. Tomás Taveira. (Ilustração nossa. 2017) ................................................................................. 78 Ilustração 18 - "View toward the hills on the northwest from Vrin. Typical of the scenery of Vrin. Mountains can be seen beyound the array of wooden houses and gabbled roofs." Fotografia de Shinkenchiku-sha. ([Adaptado a partir de:] Caminada, 2015, p.19) ...................................................................................................................................... 81 Ilustração 19 - Gion A. Caminada. (SRF1 Regionaljournal Graubünden, 2016) .......... 82 Ilustração 20 - "Panorama of Vrin from the east." Fotografia de Shinkenchiku-sha. ([Adaptado a partir de:] Caminada, 2015, p.15) ........................................................... 83


Ilustração 21 - "General view of Vrin". Fotografia de Shinkenchiku-sha. ([Adaptado a partir de:] Caminada, 2015, capa) ................................................................................ 84 Ilustração 22 - "Sketch of Vrin seen from southeast." (Caminada, 2015, p.44) ............ 86 Ilustração 23 - "Barns, old and new". (Van Beek e Hurst, 2005, p.11) ......................... 92 Ilustração 24 - "Parish hall". (Van Beek e Hurst, 2005, p.11) ....................................... 92 Ilustração 25 - "Traditional Strickbau". (Van Beek e Hurst, 2005, p.7) ......................... 94 Ilustração 26 - "Varianti di Strickbau". Fotografias de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.51) ................................................................................................. 94 Ilustração 27 - Exemplos evolutivos da célula da técnica de Strickbau. ([Adaptado a partir de:] Caminada, 2015, p.92 e 93) ......................................................................... 95 Ilustração 28 - Francis Kéré, "Who we are". (Kéré Foundation, 2017a) ....................... 99 Ilustração 29 - Habitantes de Gando, "How we work". (Kéré Foundation, 2017b) ..... 100 Ilustração 30 - "Landhaus Lemke". ([Adaptado a partir de:] Winstanley, 2011) ......... 104 Ilustração 31 - Mesquita em Timbuktu. ([Adaptado a partir de:] Kéré, 2014) ............. 104 Ilustração 32 - "Memorial to the martyrs". (Senevi, 2012) .......................................... 107 Ilustração 33 - Realidade em Ouagadougou. ([Adaptado a partir de:] Kéré, 2014) ... 108 Ilustração 34 - "Carrying stones at the school extension construction". Fotografia de Kéré Architecture Archive. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.12) ................................... 109 Ilustração 35 - Transporte, "The school extension - the success of the first school". (Kéré Foundation, 2017c) ........................................................................................... 110 Ilustração 36 - "A flat and uniform surface is obtained with clay after pounding". Fotografia de Kéré Architecture Archive. ([Adaptado a partir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.183)................................................................................................................ 111 Ilustração 37 - Potes de barro fabricados pelas mulheres, "School library - education for everybody". (Kéré Foundation, 2017d) .................................................................. 112 Ilustração 38 - "Clay is a natural material found in different geographies and climates in the world". Fotografia de Kéré Architecture Archive. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.182) .................................................................................................................................... 113 Ilustração 39 - Diversas aplicações e moldagens da argila. Fotografia de Kéré Architecture Archive. ([Adaptado a partir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016,p.183) ...... 114 Ilustração 40 - "Rebar girders of the roof structure". Fotografia de Kéré Architecture Archive. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.36) ................................................................ 115 Ilustração 41 - "View of the roof structure built of triangular girders". Fotografia de Kéré Architecture Archive. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.36) ............................................ 115 Ilustração 42 - Escola primária de Gando, "The school extension - the success of the first school". (Kéré Foundation, 2017c) ...................................................................... 116 Ilustração 43 - "Sensing Spaces". Fotografia de James Harris, 2014 (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.164) ..................................................................................................... 116 Ilustração 44 - "Canopy". Fotografia de Erik-Jan Ouwerkerk, 2015. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.165) ..................................................................................................... 117


Ilustração 45 - "Colorscape". Fotografia de Tim Tibeout, 2016. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.168)................................................................................................................ 117 Ilustração 46 - Escola tradicional do Burkina Faso. ([Adaptado a partir de:] Kéré, 2014) .................................................................................................................................... 118 Ilustração 47 - "Roof ventilation diagram sketch". (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.46) 119 Ilustração 48 - "A front view of the window shutters and the seating elements". Fotografia de Daniel Scwartz. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016,p.97) ............................... 121 Ilustração 49 - Planta da vila de Vrin com a localização dos projetos de interesse assinalada; 1. Edifício governamental de Vrin; 2. Complexo do matadouro; 3. Sala dos mortos ([Adaptado a partir de:] Schlorhaufer e Caminada, 2005, p. 123) .................. 122 Ilustração 50 - Edifício governamental de Vrin. ([Adaptado a partir de:] db-Archiv, 2007) .................................................................................................................................... 123 Ilustração 51 - "Close-up of the northeast façade". Fotografia de Shinkenchiku-sha. (Caminada, 2015, p. 33) ............................................................................................. 124 Ilustração 52 - "General view from the northwest of the rebuilt part." Fotografia de Shinkenchiku-sha. (Caminada, 2015, p.32)................................................................ 125 Ilustração 53 - "Looking up to the three stables from the south". Fotografia de Shinkenchiku-sha. (Caminada, 2015, p.44)................................................................ 126 Ilustração 54 - Perspetiva sobre os estábulos de Vrin. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.123).................................................................... 126 Ilustração 55 - Matadouro de Vrin; implantação na encosta. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.18) ..................................................... 126 Ilustração 56 - Pormenor sobre o embasamento do pavilhão da zona de abate. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005,p.125) .................... 127 Ilustração 57 - Pormenor sobre os três pavilhões. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005,p.128)..................................................................... 127 Ilustração 58 - Matadouro. Plantas do primeiro e do segundo piso. 1- Piso térreo. 2Primeiro piso. ([Adaptado a partir de:] Caminada, 2015, p.46) .................................. 128 Ilustração 59 - Exemplos de plasticidade e de evolução da técnica de Strickbau. Fotografias de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.126) ................. 129 Ilustração 60 - Enquadramento da sala dos mortos com a igreja de Vrin em segundo plano. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.38) .......... 130 Ilustração 61 - Continuidade entre o muro e a cobertura. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.39)...................................................................... 131 Ilustração 62 - Pormenores da técnica de Strickbau. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005,p.44)....................................................................... 131 Ilustração 63 - Alçados da sala dos mortos. 1- Alçado este. 2- Alçado sul. 3- Alçado oeste. 4-Alçado norte. ([Adaptado a partir de:] Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.41) .................................................................................................................................... 132 Ilustração 64 - Plantas da sala dos mortos. 1- Piso terreo. 2- Primeiro piso. ([Adaptado a partir de:] Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.40).................................................... 133


Ilustração 65 - Enquadramento entre a sala dos mortos, a igreja e as habitações em segundo plano. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.43) .................................................................................................................................... 134 Ilustração 66 - Vista interior sobre o hall do primeiro piso. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.47) ..................................................... 135 Ilustração 67 - Vista interior sobre a sala do morto. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.47)...................................................................... 135 Ilustração 68 - Vista interior sobre a escadaria entre pisos. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.46) ..................................................... 137 Ilustração 69 - Vista geral para o dormitório de Disentis. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005,p.22)....................................................................... 138 Ilustração 70 - Planta de loclização do dormitório de Disentis. ([Adaptado a partir de:] Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.21) ....................................................................... 139 Ilustração 71 - Vista sobre a fachada sul. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.24) ............................................................................................ 140 Ilustração 72 - "General view from east". Fotografia de Shinkenchiku-sha. (Caminada, 2015, p.71).................................................................................................................. 140 Ilustração 73 - Plantas do dormitório de Disentis. ([Adaptado a partir de:] Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.22 e 23) .................................................................................... 140 Ilustração 74 - "View of stove area in shared space on the fourth floor". Fotografia de Shinkenchiku-sha. (Caminada, 2015,p.73)................................................................. 141 Ilustração 75 - "Core model study viewed from four sides." (Van Beek e Hurst, 2005, p.3).............................................................................................................................. 142 Ilustração 76 - Pormenor da janela. Vista do exterior (esq.), vista do interior (dir.). Fotografia de Lucia Degonda. ([Adaptado a partir de:] Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.25)............................................................................................................................ 142 Ilustração 77 - Pormenor do nicho do corpo vertical. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.28)...................................................................... 143 Ilustração 78 - Alunas do colégio no nicho do corpo vertical. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.29) ..................................................... 143 Ilustração 79 - Enquadramento geral sobre a cabana da floresta. (Feiner, 2013) ..... 144 Ilustração 80 - "Veranda". Fotografia de Shinkenchiku-sha. (Caminada, 2015, p.141) .................................................................................................................................... 145 Ilustração 81 - Enquadramento interior com o exterior em segundo plano. (Roos, 2017) .................................................................................................................................... 146 Ilustração 82 - Cabana da floresta. Corte AA'. ([Adaptado a partir de:] Caminada, 2015, p.140).......................................................................................................................... 146 Ilustração 83 - Cabana da floresta. Planta. ([Adaptado a partir de:] Caminada, 2015, p.140).......................................................................................................................... 147 Ilustração 84 - Planta parcial de Gando com a localização dos projetos de interesse assinalada; 1. Escola primária de Gando; 2. Casas para professores; 3. Ampliação da escola; 4. Biblioteca. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.31) ....... 148


Ilustração 85 - Vista sobre a escola primária de Gando, "The first primary school in Gando - a small wonder". (Kéré Foundation, 2017e) ................................................. 150 Ilustração 86 - Diagrama dos materiais da escola primária de Gando. ([Adaptado a pertir de:] Kéré e Giani, 2010, p.23) ........................................................................... 151 Ilustração 87 - Diagrama do comportamento térmico da escola primária de Gando. ([Adaptado a pertir de:] Kéré e Giani, 2010, p.23) ...................................................... 152 Ilustração 88 - Planta e cortes da escola primária de Gando. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.36 e 37) ....................................................................... 153 Ilustração 89 - Vista de uma sala de aula na escola primária de Gando. (Aga Khan Foundation, 2017)....................................................................................................... 154 Ilustração 90 - Vista sobre as casas dos professores, "Teacher Houses - comfortable iceboxes". (Kéré Foundation, 2017f) .......................................................................... 155 Ilustração 91 - Planta e cortes das casas dos professores da escola de Gando. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.41) ......................................... 156 Ilustração 92 - Sistema de ventilação das habitações, "Kéré architecture teachers housing". (Kéré Architecture, 2017a) .......................................................................... 157 Ilustração 93 - Sistemas de ventilação e captação de águas da chuva, "KÉRÉ ARCHITECTURE TEACHERS’ HOUSING". Fotografia de Erik-Jan Ouwerkerk. ([Adaptado a pertir de:] Kéré Architecture, 2017a) ..................................................... 158 Ilustração 94 - A comunidade na construção das habitações dos professores, "KÉRÉ ARCHITECTURE TEACHERS’ HOUSING". Fotografia de Erik-Jan Ouwerkerk. ([Adaptado a pertir de:] Kéré Architecture, 2017a) ..................................................... 159 Ilustração 95 - Vista sobre o corpo da ampliação da escola de Gando, "The school extension - the success of the first school". (Kéré Foundation, 2017c) ...................... 159 Ilustração 96 - Afluência de alunos na escola de Gando, "Gando Primary School Extension". (Kéré Architecture, 2017b) ...................................................................... 160 Ilustração 97 - Pátio de reunião do corpo de ampliação da escola primária, "Gando Primary School Extension". (Kéré Architecture, 2017b) ............................................. 160 Ilustração 98 - Planta e cortes da ampliação da escola primária de Gando. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.47) ............................................................ 161 Ilustração 99 - Crianças no corpo de ampliação da escola primária, "Gando Primary School Extension". (Kéré Architecture, 2017b) .......................................................... 162 Ilustração 100 - Vista aérea sobre a biblioteca, "School library - education for everybody". (Kéré Foundation, 2017d) ....................................................................... 163 Ilustração 101 - Preparação dos potes de barro para betonagem. Fotografia de Kéré Architecture Archive. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016.,p.51) ............................................ 164 Ilustração 102 - Madeira de eucalipto como pele de fachada da escola secundária de Gando, "Gando Secondary School". (Kéré Architecture, 2017c) ............................... 165 Ilustração 103 - Planta e cortes da biblioteca da escola de Gando. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.51) ........................................................................ 166 Ilustração 104 - Vista sobre a biblioteca de Gando, "Gando School Library". (Kéré Architecture, 2017d) ................................................................................................... 167


Ilustração 105 - Kéré no interior da biblioteca, "Gando School Library". (Kéré Architecture, 2017d) ................................................................................................... 167 Ilustração 106 - Fotomontagem sobre o conjunto de edifícios da Vila Ópera, "Opera Village". ([Adaptado a pertir de:] Kéré Architecture, 2014) ......................................... 168 Ilustração 107 - Os contentores no lugar da intervenção. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, 2014)........................................................................................................................... 169 Ilustração 108 - Esquema concetual da Vila Ópera. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, 2014) .................................................................................................................................... 170 Ilustração 109 - Planta geral do conjunto de edifícios da Vila Ópera; 1. Escola primária; 2. Módulos de habitação, comércio ou outros; 3. Centro de saúde; 4. Anfiteatro ([Adaptado a pertir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.83) ......................................... 170 Ilustração 110 - "Primary school buildings from the yard". Fotografia de Daniel Scwartz. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.84) .............................................................................. 171 Ilustração 111 - Primary school interior view. Fotografia de Daniel Scwartz. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.84) ......................................................................................... 172 Ilustração 112 - Planta e cortes da escola primária da Vila Ópera. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.85) ........................................................................ 172 Ilustração 113 - Primeiro conjunto de módulos da Vila Ópera, "Opera Village". (Kéré Architecture, 2017e) ................................................................................................... 173 Ilustração 114 - Módulo multifunções da Vila Ópera. Fotografia de Kéré Architecture Archive. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.80) ................................................................ 173 Ilustração 115 - Módulo habitacional da Vila Ópera, "Opera Village". (Kéré Architecture, 2014) ..................................................................................................... 174 Ilustração 116 - Vista sobre o centro de saúde, "Centre de Santé et de Promotion Sociale". (Kéré Architecture, 2017f). .......................................................................... 175 Ilustração 117 - Diagrama de ventilação do centro de saúde, "Centre de Santé et de Promotion Sociale". ([Adaptado a partir de:] Kéré Architecture, 2017f)...................... 176 Ilustração 118 - Enquadramentos do interior do centro de saúde da vila ópera, "Centre de Santé et de Promotion Sociale". (Kéré Architecture, 2017f) .................................. 177 Ilustração 119 - Planta do centro de saúde da vila ópera. ([Adaptado a partir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.88 e 89) ................................................................................. 177 Ilustração 120 - Cortes do centro de saúde da vila ópera. ([Adaptado a partir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.88 e 89) ................................................................................. 178 Ilustração 121 - Fotomontagem do anfiteatro, "Opera Village". (Kéré Architecture, 2014)........................................................................................................................... 178 Ilustração 122 - Planta e cortes do anfiteatro, "Opera Village". ([Adaptado a partir de:] Kéré Architecture, 2017e) ........................................................................................... 179 Ilustração 123 - "Serpentine Pavilion 2017". (Kéré Architecture, 2017g) ................... 180 Ilustração 124 - Enquadramentos sobre o Serpentine Pavilion, "Serpentine Pavilion 2017". (Kéré Architecture, 2017g) .............................................................................. 181 Ilustração 125 - Pormenores da cobertura do Serpentine Pavilon, "Serpentine Pavilion 2017". (Kéré Architecture, 2017g) .............................................................................. 182


Ilustração 126 - Pormenor das paredes, o padrão e a cor azul. ([Adaptado a partir de:] Kéré Architecture, 2017g) ........................................................................................... 182 Ilustração 127 - Pormenor dos texteis, o padrão. ([Adaptado a partir de:] Serpentine Galleries, 2017) .......................................................................................................... 183 Ilustração 128 - O pavilhão à noite, "Serpentine Pavilion 2017". (Kéré Architecture, 2017g)......................................................................................................................... 183 Ilustração 129 - Economia circular. (eco.nomia, [s.d.])............................................... 188



LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÓNIMOS CIAM

-

Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna

E.I.

-

Estilo Internacional

E.U.A.

-

Estados Unidos da América

MoMA

-

Museum of Modern Art

R.I.

-

Revolução Industrial

USD

-

Dólares Americanos



SUMÁRIO 1. Introdução .................................................................................................... 27 2. Regionalismo em arquitetura. Contextualização de uma definição variável 29 2.1. Definições .............................................................................................. 30 2.1.1. Região ............................................................................................. 30 2.1.2. Regionalismo ................................................................................... 32 2.2. Enquadramento histórico ....................................................................... 39 2.2.1. A interpretação clássica .................................................................. 40 2.2.2. A interpretação moderna ................................................................. 50 2.3. Enquadramento contemporâneo ........................................................... 57 2.3.1. Regionalismo Crítico ....................................................................... 58 2.3.2. Clima enquanto elemento de sustentabilidade ................................ 71 3. A perspetiva de Gion A. Caminada, Diébedo Francis Kéré ......................... 81 3.1. Gion A. Caminada ................................................................................. 82 3.1.1. Influências e formação .................................................................... 83 3.1.2. Identidade projetual ......................................................................... 87 3.2. Diébédo Francis Kéré ............................................................................ 99 3.2.1. Influências e formação .................................................................. 100 3.2.2. Identidade Projetual....................................................................... 105 4. Casos de Estudo ........................................................................................ 121 4.1. Gion A. Caminada ............................................................................... 122 4.1.1. Projeto para a vila de Vrin, 1991-2002 .......................................... 122 4.1.2. Dormitório das alunas do colégio interno Maedchen do mosteiro de Desentis; Desentis; 2004 ........................................................................ 138 4.1.3. Casa da floresta, "Tegia da vaut"; Domat / Ems; 2013.................. 144 4.2. Diébedo Francis Kéré .......................................................................... 148 4.2.1. Campus da escola primária de Gando, 2001 - .............................. 148 4.2.2. "Vila Ópera"; Laongo; 2010 - ......................................................... 168 4.2.3. "Serpentine Pavilion"; Londres, 2017 ............................................ 180 5. Conclusão .................................................................................................. 184 Referências .................................................................................................... 189 Bibliografia...................................................................................................... 196



Regionalismo em arquitetura: a perspetiva de Gion A. Caminada e Diébédo Francis Kéré

1. INTRODUÇÃO O título desta dissertação, "Regionalismo em arquitetura: a perspetiva de Gion A. Caminada Diébédo Francis Kéré" deveu-se ao interesse pessoal sobre quais as possibilidades de encarar a arquitetura como um meio e ferramenta de potenciar o desenvolvimento territorial. Surgiu após a visualização de um documentário sobre o trabalho de Caminada na aldeia de Vrin, que me despoletou o interesse pelas semelhanças evidentes com um território que me é querido. O documentário formulava algumas respostas a questões que me acompanharam no percurso académico, no qual me fui também confrontando com algumas questões relacionadas com a sustentabilidade. A esse respeito, principalmente sobre a responsabilidade da arquitetura no consumo energético e desperdício de recursos naturais. A par destas questões e a par do interesse pelo trabalho de Caminada, tinha também, muita curiosidade pela arquitetura de Diébedo Francis Kéré, cujo conhecimento do seu trabalho me fez estabelecer pontos de contacto entre a arquitetura dos dois arquitetos e a realidade arquitetónica que os envolvia, ao mesmo tempo que se tornava evidente a relação destes com as matérias do desenvolvimento territorial e contenção do desperdício. A procura por uma base teórica que me sustentasse tais comparações levou-me ao estudo do regionalismo em arquitetura, que se veio a revelar altamente compensador, não só pelas conclusões a que foi possível chegar mas porque todas as minhas premissas de investigação pareciam por fim, alcançar uma resposta. Assim ficava definido o intuito desta investigação, que se desenvolveu e explorou em 3 capítulos. O primeiro capítulo de investigação destinou-se à apreciação do regionalismo em arquitetura a partir da questão, "O que é regionalismo em arquitetura?", pelo que procedemos à definição de dois vocábulos que se afiguravam ser essenciais para a compreensão do tema de estudo: "região" e "regionalismo". A definição de "regionalismo" levou-nos a estudá-lo na perspetiva da história da arquitetura, e relacioná-lo posteriormente no campo da contemporaneidade. Desta maneira, tornouse possível para compreender as diferentes interpretações sobre o regionalismo ao longo da história, e de que maneira hoje, poderá ou não fazer sentido a sua abordagem para o projeto de arquitetura. A partir do tema regionalismo chegámos ao estudo dos dois arquitetos que mencionámos, cujo trabalho já conhecíamos e admirávamos: Gion A. Caminada e

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Diébedo Francis Kéré. O segundo capítulo desenvolve-se assim, na tentativa de compreender os trabalhos dos dois arquitetos, no âmbito do tema em estudo, onde quisemos também conhecer a personalidade dos arquitetos, enquanto tal, por forma a refletir sobre as influências a que cada um esteve sujeito, com o objetivo de compreendermos as suas perspetivas sob o ponto de vista do pensamento. Quisemos perceber qual era, no fundo, a visão de cada um perante o território a que se propunha intervir, em função do percurso pessoal e académico, até se estabelecerem na prática arquitetónica, e quais os seus valores enquanto arquitetos. Em suma, quisemos perceber neste capítulo qual a perspetiva de cada arquiteto no âmbito do tema da investigação. Por fim, o terceiro capítulo de desenvolvimento justifica-se através do estudo aprofundado de uma série de projetos levados a cabo por cada um dos arquitetos que enunciámos. Ao abarcar projetos de importância territorial e como de importância pontual, pretendemos através deles, justificar factualmente o que até lá fomos desenvolvendo. Finalmente, o trabalho aqui descrito tenta, alertar para situações que nos têm conduzido a uma arquitetura plural, e de adaptação duvidosa aos seus lugares de destino. Como consequência dessa arquitetura desenraizada, percebemos que têm surgido problemas a montante, cuja solução parece ser conhecida, mas por ventura, pouco valorizada. Falamos obviamente da influência que a globalização exerce nos territórios, cuja importância para o seu desenvolvimento, consideramos ser imprescindível. Porém, o nosso alerta é dirigido não só ao fenómeno propriamente dito, mas também, ao modo como localmente se tem vindo a manifestar. Em suma, a investigação que desenvolvemos, pretende alertar consciências em vez de fazer uma crítica não construtiva ou por outro lado, fornecer "receitas para mudar o mundo". Pretendemos em última análise, alertar para aquilo que pensamos ser a responsabilidade de um arquiteto, enquanto líder de mudança e de ação perante um território, independentemente da sua dimensão ou características.

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2. REGIONALISMO

EM ARQUITETURA. DEFINIÇÃO VARIÁVEL

CONTEXTUALIZAÇÃO

DE

UMA

Iniciamos o estudo com uma pergunta obrigatória. O que é regionalismo em arquitetura? Para conseguirmos responder à pergunta de partida, devemos abstrair-nos do impulso de nos cingirmos a uma definição simples do vocábulo, sob pena de o mitigar. Preferimos por isso considerá-lo enquanto conceito, no campo da arquitetura, que seja capaz de ir além de uma classificação do objeto arquitetónico, quanto à sua componente estética e formal ou corrente estilística. Por querermos ir mais longe, assumimos que existe uma relação indissociável com um determinado território, e que abrange

dois

tipos

de

dimensões,

as

morfológicas1

e

principalmente

as

2

fenomenológicas . Para tal, e não querendo menosprezar o raciocínio iniciado, introduziremos de seguida o vocábulo "região" enquanto definição e do mesmo modo, posteriormente, definiremos "regionalismo". Como complemento faremos um apanhado histórico que nos ajude a estruturar as ideias expostas sobre o tema, e por fim, um enquadramento contemporâneo com o objetivo de situar estes mesmos raciocínios nesse panorama.

Ilustração 1- "Säynätsalo Town Hall"; Alvar Aalto. Fotografia de E. Mäkinen. ([Adaptado a partir de:] Lefaivre e Tzonis, 2003, p. 69)

1 2

Que se refere a características físicas. Que se refere a experiências de consciência, eventos, memórias, tradições ou sentimentos.

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2.1. DEFINIÇÕES 2.1.1. REGIÃO Consideremos algumas definições: "região (Lat. regionale), s. f, grande extensão de terreno; território que pelas suas características se distingue dos outros; cada uma das partes em que se considera dividido o corpo humano; zona; cada uma das circunscrições militares; camada atmosférica; esfera social; cada uma das ramificações da administração pública." (Texto Editora, 1995, p.1224, negrito do autor) "REGIÃO, nf (Geog.) Área territorial que apresenta um conjunto de características com suficiente especificidade que dando-lhe certa unidade a torna diferenciável. Consoante as características tidas em consideração, há regiões geográficas, regiões históricas, regiões linguísticas, regiões económicas, etc. (Polít.) Região autónoma ou estado regional: área territorial politicamente autónoma, com seus órgãos a desempenharem funções de carácter legislativo e governativo a par dos órgãos estaduais. [...]." (Chorão, 1997, p.348, maiúsculas e negrito do autor.) "REGIÃO - ECON. Zona económica, em regra delimitada por critérios diversos dos espaços nac., que apresenta características geográficas, sociais, lings., económicas, etc., com suficiente especificidade; podem ser infranacionais ou coexistir repartidas pelas fronteiras de diversos Ests. [...] GEOG. Conceito utilizado em matérias relacionadas como estudo dos fenómenos que se desenvolvem à sup. da Terra; por analogia tb. é referido noutros ramos científicos: med., filos., mat. A origem do termo encontra-se na Roma Antiga e significava território sob o «contrôle» de uma legião. O uso generalizado e diversificado da palavra originou uma certa confusão e ambiguidade sobre o conceito, daí a necessidade e o artificialismo de adjectivar: R. urbana, R. natural, R. Económica, R. plano, R. histórica, R. homogénea, R. polarizada, R. geográfica. Para muitos geógrafos só para este último conceito se deveria utilizar o termo R. A noção de R. geográfica assenta na convergência de uma série de fenómenos sobre um território; tornando-o único e portanto diferenciável - uma R. No dizer de muitos autores, corresponde à área de desenvolvimento de paisagem, definindo-se esta a partir da ocorrência de uma série de elementos sobre determinada sup., a partir da interacção homem/ambiente natural. Assim, R. não é uma certidade estática, tanto na sua organização e conteúdo interno, como nos seus limites, pelo contrário, trata-se de uma entidade que evoluciona constantemente. JORGE GASPAR" (Chorão, 1998, p.73, maiúsculas e negrito do autor.)

"A region is marked by what is immediate and tangible."3 (Harris apud Canizaro, 2007, p.67) De acordo com as definições transcritas é possível afirmar, com evidência, que região é um vocábulo pouco preciso, e como tal, muito abrangente em matérias diversas do conhecimento científico. Pode por isso inferir-se, que aglutina uma série de características distintas de uma determinada realidade e também que, segundo nos

3

Uma região é marcada pelo que é imediato e tangível. (Tradução nossa.)

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diz Nuno M. Seabra4, "[...] enquanto extensão [...] de limites variados, entremeia de modo escalar duas outras entidades: o 'nacional' e o 'local' (e actualmente também o 'global')." (Seabra, 2015, p.42) Por outras palavras, região tem muitas definições consoante o campo cientifico a que se refere. Não obstante, tem também um elemento comum entre todas, o facto de se referir sempre a uma dimensão física, ou seja, uma determinada extensão do território. A sua génese incide em agrupar características semelhantes entre si, relativas a um determinado tipo de entidades numa área delineada, que a distingue de outra. Esta separação pode não ser definida por uma linha de fronteira rígida pelo facto das regiões serem muitas vezes delimitadas por elementos que estão sujeitos a alterações. São disso exemplo os fenómenos relacionados com o clima e com as pessoas, entre outros. Para melhor compreensão, podemos equacionar que o território de um qualquer país pode ser dividido em várias regiões distintas, - partes de território -, como por exemplo amplitudes térmicas ou costumes - Ilustração 2. Todavia, o mesmo não acontece se analisarmos as línguas faladas desse mesmo exemplo, pois o resultado será forçosamente uma diferença considerável em número de regiões entre o primeiro exemplo e o segundo. É ainda de insistir na questão da escala - local, nacional ou global - que cada região pode assumir mediante o campo de estudo, visto que, as fronteiras podem ser bem diferentes dos limites de um país ou localidade, podendo até ser consideradas sobre um ponto de vista global. No seguimento do que tem sido escrito, transcrevemos algumas palavras de Vicent B.Canizaro5, que julgamos serem úteis para uma correta interpretação:

4

Nuno Miguel Seabra (1972 - 2015) - Foi arquitecto e docente na Universidade Lusíada de Lisboa. Autor entre outros temas, da tese de doutoramento "Narrativas de Regionalidade. Itinerários de um pensamento projectual em Arquitetura na contemporaneidade portuguesa". 5 Vicent B. Canizaro (1965 - ) - Arquitecto e designer norte-americano, actualmente é docente na UTSA, The University of Texas at San Antonio, onde lecciona teoria da arquitectura focada no regionalismo. Além destas actividades é autor e crítico de diversas publicações, entre as quais, "Architectural Regionalism Collected Writings on Place, Identity, Modernity and Tradition", pela qual chegou a ser premiado pela Universidade do Texas em 2008.

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"A region is, first, a large area with boundaries determined by a range of cultural and natural criteria.(...) Between these extremes lie the more common physical determinants, such as climate (...), topographic landform (...), and cultural determinants such as distinct life ways, patterns of land use and organization, finance and interchange, language use and inflection (...), distinct modes and materials used in construction, and styles of architecture. (...) regional boundaries are fuzzy and indeterminate; the edge is most often a gradation rather than a starkly drawn line, the exception being political criteria (...) regions range dramatically in size, again, varying according to the cultural and physical influences. (...) regional definition is popularly determined by the criterion that addresses an area's most prominent aspect."6 (Canizaro, 2007, p.18 e 19)

Ilustração 2 - "Competing interpretations of California's bioregions. Key: Regions determined by 1. biotic shift; 2. watershed; and 3. landform." (Canizaro, 2007, p.19)

2.1.2. REGIONALISMO Consideremos algumas definições: "regionalismo 1. Polit. Doutrina politica e social tendente a favorecer os grupos regionais baseados nas divisões impostas pela geografia e pela história comum. [...] 2. Tendência para fazer prevalecer e valorizar os interesses da região em que se vive. [...] 3. Tendência literária ou artística que consiste na caracterização dos costumes, dos tipos humanos, das paisagens de determinada região. 4. Ling. Vocábulo, acepção,

6

"Uma região é, em primeiro lugar, uma grande área com limites determinados por uma série de critérios culturais e naturais. (...) Entre estes extremos estão os determinantes físicos mais comuns, como o clima, (...) a topografia (...), e os determinantes culturais tais como modos de vida, padrões de uso e organização dos terrenos, financiamento e intercâmbio, uso de linguagem e inflexão (...), diferentes métodos e materiais utilizados na construção, e estilos arquitetónicos. (...) Os limites regionais são difusos e indeterminados; A fronteira é, na maioria das vezes, uma gradação em vez de uma linha definida, com a exceção dos critérios políticos (...) as regiões variam dramaticamente de tamanho, novamente, variando de acordo com as influências culturais e físicas (...) a definição de região é popularmente determinada pelo critério que aborda o aspeto mais proeminente de uma área." (Tradução nossa)

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expressão própria de uma região. [...] " (Academia das Ciências de Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian e Verbo (Publishing house), 2001, p.3157, negrito do autor) "regionalismo s. m. tendência para sobrestimar os interesses específicos da região em que se vive; sistema ou doutrina politica e social dos que fazem prevalecer os interesses da região em que vivem aos interesses nacionais; vocábulo ou expressão regional; provincianismo (De regional+-ismo)." (Costa e Melo, 1998, p.1404, negrito do autor)

Pelas definições que extraímos dos dicionários, percebe-se rapidamente que "regionalismo" é também um vocábulo muito difuso na sua definição à semelhança do que se viu sobre "região". Abrange, igualmente, diversas áreas do conhecimento e é também difícil de precisar. Com a intenção de o compreender, veremos de seguida algumas definições da autoria de algumas personalidades ligadas ao tema. A sua organização é feita enquanto discurso demonstrativo de uma realidade que se pretende inferir dentro do campo da arquitetura, e não segundo uma ordem cronológica. Vincent B. Canizaro: "My thesis is that regionalism, as a set of practices and theories, is a misunderstood and neglected discourse that, in practice, is central to architecture. In the same way that "all politics are local", so it is with architecture, whether by accident or design. Regionalism is the preeminent discourse in architecture that focuses on design in terms of particularity and locale. [...] It must foster connectedness to that place and be a response to the needs of local life, not in spite of global concerns and possibilities, but in order to better take advantage of them. And as such, the promise of regionalism in architecture is to re-embed us in the reality and diversity of our local places - critically and comfortably. [...] It should encourage awareness of local climate and the changing of the seasons. […] Regionalism is never a singular theory or practice but is most often a means by which tensions - such as those between globalization and localism, modernity and tradition - are resolved."7 (Canizaro, 2007, p.12 e 16)

Wendell Berry8:

7

"A minha tese é que o regionalismo, como um conjunto de práticas e teorias, é um discurso mal compreendido e negligenciado que, na prática, é central para a arquitetura. Da mesma forma que "toda a política é local", assim o é com a arquitetura, seja por forma acidental ou propositada. O regionalismo é o discurso preeminente na arquitetura que se concentra no design em termos de particularidade e localidade. (...) Deve fomentar a conexão com esse lugar e ser uma resposta às necessidades da vida local, não apenas das preocupações e possibilidades globais, mas para melhor as aproveitar. E, como tal, a promessa do regionalismo na arquitetura é reintegrar-nos na realidade e diversidade de nossos locais criticamente e confortavelmente. (...) Deve incentivar a consciência do clima local e da mudança das estações do ano. […] O regionalismo nunca é uma teoria ou prática singular, mas é na maioria das vezes um meio pelo qual as tensões - como as da globalização e da localidade, da modernidade e da tradição são resolvidas. (Tradução nossa) 8 Wendell Berry (1934 - ) - É acima de tudo um autor prolífico. Escritor, poeta e ensaísta, é também um ativista ambiental e crítico cultural. De entre os muitos ensaios que escreveu, destacamos o "The Regional Motive" de 1972, que contribuiu para mais um ponto de vista sobre o regionalismo.

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"The regionalism that i adhere to could be defined simply as local life aware of itself. It would tend to substitute for the myths and stereotypes of a region a particular knowledge of the life of the place one lives in and intends to continue to live in. [...] The of such regionalism is the awareness that local life is intricately dependent, for its quality but also for its continuance, upon local knowledge."9 (Berry apud Canizaro, 2007, p.39)

Lawrence W. Speck10: "Regionalism addresses the particulars of place and culture. It learns from experience. I thinkers, crafts, accepts, rejects, adjusts, and reacts. It is firmly rooted in the tangible realities of its situation - the history, the climate, the geography, the human values, the economy, the traditions, the technology, the cultural life and its place."11 (Speck apud Canizaro, 2007, p.72)

Harwell Hamilton Harris12: "However, in spite of wrong diagnoses of regionalism due to misconceptions or ignorance, there are certain things which do spring up in certain localities and which are truly characteristic of these places. [...] Climate, geography, the presence or absence of certain materials are thought to be the cause of regional architecture. [...] Fundamentally regionalism is a state of mind."13 (Harris apud Canizaro, 2007, p.57)

De acordo com o exposto, evidencia-se logo à partida uma proximidade entre as opiniões. Há uma direccionalidade comum para uma intrínseca vontade de estabelecer "regionalismo" no domínio do lugar, do clima, da cultura, da identidade, das tradições e da história. Todavia, por razões diferentes, uma definição rigorosa, linear e precisa não se afigura possível. Por esse motivo, propomos seguir o raciocínio de Vicent B. Canizaro, espelhado na sua obra sobre regionalismo, "Architectural Regionalism Collected Writings on Place, Identity, Modernity, and Tradition", que nos é útil para o entendimento geral do tema, ao mesmo tempo que juntamos outras opiniões. 9

O regionalismo de que sou aderente poderia ser definido simplesmente como a vida local consciente de si mesma. Tende a substituir os mitos e estereótipos de uma região por um conhecimento particular da vida do lugar em que se vive e pretende continuar a viver. (...) tal regionalismo é a consciência de que a vida local é intrinsecamente dependente, pela sua qualidade, mas também pela sua continuidade, pelo conhecimento local. (Tradução nossa) 10 Lawrence W. Speck (1949 - ) - Arquitecto, professor, escritor e crítico. Tem contribuído significativamente para o desenvolvimento de ideias que têm ampliado a compreensão sobre o impacto que os edifícios têm nas comunidades e na maneira como vivem, trabalham e funcionam. 11 O regionalismo aborda as particularidades do lugar e da cultura. Aprende com a experiência. Pensadores, artesãos, aceitam, rejeitam, ajustam e reagem. Está firmemente enraizada nas realidades tangíveis da sua situação - a história, o clima, a geografia, os valores humanos, a economia, as tradições, a tecnologia, a vida cultural e seu lugar. (Tradução nossa) 12 Harwell Hamilton Harris (1903 - 1990) - Foi arquiteto, e reitor da universidade do Texas. Como crítico de arquitectura, escreveu alguns ensaios no campo do regionalismo, em que se destaca os ensaios: "Regionalism and Nationalism in Architecture" e "Regionalism". 13 No entanto, apesar dos diagnósticos errados sobre regionalismo devido a equívocos ou ignorância, há certas coisas que surgem em certas localidades e que são verdadeiramente características desses lugares. (...) Clima, geografia, a aparência ou ausência de determinados materiais pensa-se que seja a causa da arquitetura regional. (...) Fundamentalmente, regionalismo é um estado de espírito. (Tradução nossa)

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Enunciaremos dois processos pelos quais Canizaro se rege. O primeiro processo tem por base a oposição de três expressões que têm como objetivo, demonstrar que regionalismo tem uma dimensão local e outra universal e que apesar das diferenças, se complementam. O segundo processo revela que regionalismo nem sempre foi entendido de igual maneira ao longo da sua existência, sendo marcado por períodos de maior e menor identificação. Para essa compreensão ele distingue quatro matérias que veremos de seguida. Canizaro encadeia as três expressões da seguinte maneira: 1. "Resistência & Resposta": Estas duas oposições devem ser encaradas segundo uma reação do tipo, "necessidade - resposta". Entende-se como resistência a necessidade de preservar as tradições e culturas dos lugares. Esse enaltecimento de uma realidade antiga foi, ao longo da história dos vários regionalismos, do tipo representativo ou político, através de elementos estéticos ou seja da "forma". Por contraste, entende-se como resposta, o facto de, surgida a necessidade de ressalvar essa memória passada, desencadear-se uma resposta, que em vez de integrar sobre o ponto de vista formal, fá-lo sobre o ponto de vista complementar, ou seja, resulta numa resposta em que são confrontadas as condicionantes próprias do lugar como por exemplo a topografia, o clima, etc., com as memórias de um passado, como por exemplo as tradições conciliando-as. Por outras palavras, trata-se de uma resistência à perda de tradições por meio do emprego de "formas vazias", em contraste com uma resposta que influi na adaptabilidade de um objeto arquitetónico à sua realidade concreta. (Canizaro, 2007, p.22) 2. "Imitação & Invenção": Estes dois termos constituem a necessidade de estabelecer a relação das pessoas com o lugar. Entende-se como imitação a utilização de "formas" antigas por via de um "mimetismo" exaustivo, como procura do enaltecimento de um passado. Por contraste, entende-se como invenção a criação de formas que procurem no passado inspiração para criar algo novo. Ou seja, considerase o primeiro processo limitativo quanto ao aspeto estético e formal enquanto cópia de um passado, ao passo que, o segundo tenta procurar uma liberdade funcional ao manifestar-se sobre o ponto de vista espacial. (Canizaro, 2007, p.22) 3. "Tradição & Modernidade": Este par de termos constitui a dualidade que a seguinte frase explica: "[...] the struggle between necessary cultural continuity and the

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desire for progress and innovation."14 (Canizaro, 2007, p.22). É a dualidade mais controversa e possivelmente mais incompreendida. Tradição no sentido da preservação dos costumes, e como tal ligada ao passado mas com significado no presente e futuro. Por outro lado modernidade, o oposto, com o rompimento dessas tradições e costumes, e com uma importância relativa no espaço temporal. É nesta diferença aparentemente incompatível que este ponto "3" funciona como exacerbador do ponto anterior, ao procurar numa dualidade controversa uma solução compatível e complementar entre tradição e tecnologia. (Canizaro, 2007, p.23) Como síntese, o que podemos inferir destes três pontos enunciados por Canizaro, é a conservação de uma realidade de costumes e tradições, assentes num passado e numa perspetiva de continuidade, ligação e identificação entre pessoas e lugares, ou seja, uma dimensão local. Não obstante e de igual importância, é a relação que os lugares estabelecem através das pessoas com a dimensão nacional e global, onde a preservação do passado passa pela aceitação do futuro, ou seja, a compreensão de que um regionalismo fechado em si mesmo, é diminuidor das relações entre as pessoas com os lugares mas também das relações entre elas. É sobre essa noção da existência de um regionalismo preso ao passado e por contraste de outro aberto a influências externas que Harwell H. Harris os distingue em, "regionalismo de restrição" e "regionalismo de libertação". "Such regionalism prides itself on its exclusiveness. It cares for preserving an obscure dialect than for expressing an idea. It is anti-cosmopolitan and anti-progressive. Such regionalism becomes a cloak for the misplaced pride of the region and serves to build-in ignorance and inferiority. [...] Let's call this type of regionalism the "Regionalism of Restriction. […] Opposed to it is another type of regionalism: the Regionalism of Liberation. This is the manifestation of a region that is especially in tune with the emerging thought of the time. [...] It is the genius of this region to be more than ordinarily aware and more than ordinarily free. Its virtue is that its manifestation has significance for the world outside itself."15 (Harris apud Canizaro, 2007, p.58)

14

(...) a luta entre uma continuidade cultural necessária e o desejo de progresso e inovação. (Tradução nossa) 15 Tal regionalismo orgulha-se de sua exclusividade. Preocupa-se em preservar um dialeto obscuro em vez de expressar uma ideia. É anti cosmopolita e antiprogressista. Tal regionalismo torna-se num disfarce de orgulho perdido da região e só serve para construir em ignorância e inferioridade. (...) Vamos chamarlhe "regionalismo de restrição". Opõe-se a ele outro tipo de regionalismo: o Regionalismo de Libertação. Esta é a manifestação de uma região que está especialmente em sintonia com o pensamento emergente da sua época. (...) O génius desta região é ser mais do que ordinariamente atenta e mais do que ordinariamente livre. A sua virtude é a de que a sua manifestação tem significado para além do mundo fora de si mesmo. (Tradução nossa.)

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A par da visão de libertação e de restrição, e da dimensão local e universal no que toca à definição de regionalismo, há também que realçar uma série de questões que completam a abordagem deste tema. No percurso histórico da compreensão do regionalismo, foi-se desenvolvendo uma série de pensamentos e formas de estar relativamente ao conceito, bastante diferentes entre si. O facto dos diversos períodos da história terem sido vividos de maneiras bastante diferentes contribuiu também em grande parte para essas diferenças, que viriam mais tarde a confundir o verdadeiro significado do tema, suscitando diferentes interpretações, e captado sentidos opostos resultando por vezes na atribuição de conotações menos favoráveis. No sentido de contrariar esses mal entendidos, e de justificar a importância do regionalismo, Canizaro desenvolve quatro matérias segundo as quais o tema se deve debruçar: 1. A questão historicista: A ideia de que regionalismo é a mera evocação de um passado alicerçado em referências de gostos estilísticos, foi sempre uma ideia elogiada por algumas pessoas. No entanto, a constante utilização desses elementos decorativos, tornou os edifícios vulgares e isentos de identidade. Como resultado, a disseminação dessa prática trouxe ao longo dos vários períodos da história, a perda da relação dos edifícios com os lugares e a dificuldade de identificação das pessoas com os mesmos. A crítica que se faz, é que enquanto procura constante de uma identidade e continuidade com o lugar, o regionalismo não deve ter um papel passivo nem conservador, já que almeja algo mais do que ser simplesmente isso, uma ideologia de estilo. (Canizaro, 2007, p.23 e 24) 2. A questão de um Romantismo Nacional: Por contraste do ponto anterior, foi possível observar noutros períodos da história, momentos em que a vontade de preservar a memória e as culturas dos lugares foi levada a um extremo. Sendo o Romantismo Nacional, uma corrente artística, deve ser vista como uma corrente nacionalista de engrandecimento de um passado longínquo. Esse enaltecimento quando levado a um extremo, torna-se falacioso e capaz de inventar origens culturais onde elas nunca existiram. Memória disso é o exemplo do movimento nazi, em que a disseminação e o engrandecimento das suas tradições e costumes se sobrepuseram à dos territórios por eles ocupados. Surge assim o fenómeno da "desregionalização" dos territórios. Esta questão causou a imposição da cultura dominante nos territórios

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ocupados, tendo sido consolidada por legislação feita com o intuito de a tornar representante de uma falsa originalidade. (Canizaro, 2007, p.24 e 25) 3. A ausência endémica da teoria e da profissionalização: Neste campo, Canizaro pretende estabelecer uma relação entre o conhecimento do arquiteto regionalista e as pessoas a quem se destina o objeto arquitetónico. Para ele, qualquer prática regionalista, no domínio da arquitetura ou outro, deve ser questionada quanto à sua localização e aplicabilidade, entenda-se portanto que essa prática deva ser capaz de encontrar o seu próprio lugar. Ele enfatiza a necessidade de fazer o balanço entre o universal e o local e a responsabilidade de eliminar o distanciamento entre os clientes e os seus lugares. Em suma, alerta para o facto de cada regionalista ter um papel na sociedade que alerta para as questões culturais e dos seus lugares. (Canizaro, 2007, p.25 e 26) 4. A questão da autenticidade: A questão da autenticidade é sugerida como característica fundamental da relação dos lugares com a arquitetura. Por outras palavras, só uma arquitetura autêntica se consegue relacionar genuinamente com o lugar a que se destina, no sentido em que a falta dela promove a descontinuidade. Estabelece-se arquitetura autêntica, quando esta se assume original, de onde o projeto final resulta de uma adaptação intrínseca à sua envolvente específica. A prova da sua continuidade com o lugar, é demonstrada com o próprio envelhecimento, ao manter-se funcional e atualizada. Tal situação só se afigura possível quando esta não se rege por modas nem se rende a elas sob pena de se tornar semelhante a tantas outras, porque só deste modo se evita a sua própria perda de identidade. (Canizaro, 2007, p.26 e 27) Tendo optado pela transcrição de definições de alguns autores distintos, e seguido a posteriori o raciocínio de Canizaro, tentámos esclarecer o conceito de regionalismo sem gerar discórdia, nem por outro lado defini-lo abreviadamente, na certeza de que não iríamos alcançar uma definição consensual e que abarcasse todas as suas competências. Por essa razão e regressando ao raciocínio iniciado no começo do ponto 2.1, julgamos ser capazes de dizer que independentemente da área de ação de regionalismo, ou de quem o pratica, regionalismo abarca de facto as dimensões enunciadas, a morfológica e a fenomenológica. A primeira incide numa dimensão física, um determinado território, em que a par das conclusões a que chegámos sobre região, tem

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características físicas que se materializam pelo tipo de clima, topografia etc. Como tal, é então possível intuir que sem uma região não existe regionalismo, e que por sua vez, sem um território com determinadas qualidades não existe região. A segunda dimensão, a fenomenológica, incide sobretudo no prolongamento de práticas de determinados costumes e tradições, mas, sempre em sintonia com o meio envolvente nas suas mais diversas dinâmicas, ou seja, referimo-nos à adaptação dessas tradições, costumes e culturas aos lugares para os quais estão destinados. É nesta dimensão, que julgamos estar a diferença e mais-valia, em comparação com outras técnicas de atuar sobre o território. O facto de se acautelar o encantamento por períodos propícios a determinados estilos, abre possibilidades para a permanência de algo mais "valioso", a continuidade dos territórios e da relação das pessoas com estes, proporcionando a possibilidade de desencadear processos de identidade, continuidade e pertença. Para conclusão citamos Fernando Távora16, num excerto que nos parece ilustrar o desafio a que regionalismo se propõe no âmbito da arquitetura: "[…] porquê pensar apenas na «integração» da pintura, escultura e arquitectura, sabendo-se que as manifestações espaciais em que estas actividades se traduzem representam uma percentagem pequena do espaço organizado que nos envolve e que há mil outras actividades humanas de importância semelhante e que igualmente afectam o espaço? Do que foi dito parece poder deduzir-se uma característica fundamental do espaço organizado: a sua continuidade. O espaço é contínuo, não pode ser organizado com uma visão parcial, não aceita limitações na sua organização […] mas que o estudo do geral não invalide o estudo do particular, pois que um não pode viver sem o outro por indissociáveis e a dificuldade está exactamente no equilíbrio sábio e harmónico destes extremos, aparentemente opostos mas realmente complementares." (Távora, 2008, p.18 e 19)

2.2. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO As conclusões discernidas no ponto anterior, relativamente aos conceitos de região e regionalismo, tiveram como principal objetivo a definição e compreensão dos vocábulos enquanto conceito e interpretação no panorama atual. Não obstante, propomo-nos analisar regionalismo sobre o ponto de vista das suas variações, pois, tal como descrito anteriormente tem sido um conceito polémico e pouco compreendido.

16 Fernando Távora (1923 - 2005) - Foi arquitecto e professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto. Arquitecto importante na introdução do modernismo em Portugal, tendo como grande preocupação o lugar na conceção da arquitetura, estabelecendo-o não só como condicionante de projeto como também de matéria projectual. Autor de obras importantes como por exemplo a casa de férias em Ofir, ou a casa dos 24 no Porto. No seu ateliê estagiaram arquitetos importantes como por exemplo Álvaro Siza Vieira. A importância no panorama nacional deste arquitecto foi tal, que emprestou o seu nome a um prémio de arquitetura, prémio Fernando Távora.

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Para atingir esse fim, serviram-nos de exemplo os contributos históricos da autoria de Liane Lefaivre17 e Alexander Tzonis18, publicados nos livros com o título "Architecture of Regionalism in the Age of Globalization". Pretendemos levar a cabo esta análise elencando alguns acontecimentos que considerámos expressivos das variações do pensamento regionalista na disciplina da arquitetura. Julgamos que desta maneira, estamos a contribuir para uma compreensão alargada do conceito, desde que se considera ter começado, até ao final do séc. XIX.

2.2.1. A INTERPRETAÇÃO CLÁSSICA Começamos por falar do Império Romano19 e das suas conquistas, segundo o papel que tiveram como primeiro fenómeno difusor de uma cultura através, não só, mas também, da sua arquitetura. Vitrúvio20, através da autoria do livro "De Re Architectura" datado do séc. I a.C., é considerado o primeiro tratadista da disciplina de arquitetura. Esse tratado consistia na documentação de determinados cânones que definiam, entre outros assuntos de estilo, uma metodologia construtiva responsável pela divulgação de métodos que deveriam ser implementados nos diversos territórios, contribuindo assim para uma linguagem própria de um império. Reconhece-se que este método divulgador tem um elevado padrão regional, já que promovia a adaptação dos métodos aos territórios, em vez de promover a sua imposição, elevando assim o respeito pelos lugares, suas características fundamentais e culturais especificas. Esta metodologia de incorporação de novos territórios revela porém duas realidades de dimensões distintas, a universal e a local. Se por um lado a, assim considerada, superioridade civilizacional romana era aceite como justificação para condicionar outros territórios estabelecendo assim a sua própria identidade, assumindo por isso, uma extensão universal, ao implementar a arquitetura das ordens clássicas, - Dórica, 17

Liane Lefaivre - Professora e Coordenadora da cadeira de História da Arquitetura e Teoria da Arquitetura na Universidade de Artes Aplicadas em Viena e investigadora associada na Universidade Técnica de Detroit. Em coautoria com Alexander Tzonis escreveu diversas publicações sob o domínio do regionalismo em arquitetura. 18 Alexander Tzonis (1937 - ) - Professor na Universidade de Tsinghua e Professor Emérito na Universidade Técnica de Detroit. Em coautoria com Liane Lefaivre escreveu diversas publicações sob o domínio do regionalismo em arquitetura. 19 O Império Romano foi o maior da antiguidade clássica e um dos maiores da História. Constituía-se por ser uma das mais fortes potências económicas, políticas e militares, tendo ocupado todos os territórios em torno do Mar Mediterrâneo. No seu apogeu calcula-se que tenha atingido mais de cinco milhões de quilómetros quadrados com uma população de setenta milhões de pessoas. Tal dimensão proporcionou uma vasta influência da língua, cultura, religião e arquitetura. Uma das suas principais características era o facto de respeitar as tradições locais dos territórios conquistados. 20 Marcos Vitrúvio Polião (Séc. I a.C.) - Arquitecto romano e autor do primeiro tratado de arquitetura do período greco-romano, com o título: "De Re Architectura". Neste tratado estabeleceu os cânones da arquitetura romana com base nos conceitos de utilidade, beleza e solidez, que caracterizam a Arquitetura Clássica e as suas ordens, a Dórica, Jónica e Coríntia.

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Jónica, Coríntia, Composta e Toscana - Ilustração 3. Por outro, havia também a consciência, de que as civilizações eram diferentes entre si, e que se relacionavam distintamente com os seus territórios, e que isso se devia às componentes especificas de cada região, o que lhes conferia uma dimensão local. Por estas razões falamos de uma absorção cultural em vez de uma imposição civilizacional. De facto, esta característica de adaptação do Império Romano aos lugares que conquistava revela um elevado poder de acomodação, podendo por este motivo dizer-se que, a arquitetura romana tinha preocupações regionalistas caracterizadas por uma componente cosmopolita. Ainda como complemento, como contributo desta asserção, importa referir que as ordens clássicas difundidas por esta civilização, não eram unicamente da sua autoria, já haviam sido absorvidas da civilização grega, o que mais uma vez, prova a adaptabilidade dos romanos e a sua capacidade de evolução com os povos dos territórios ocupados.

Ilustração 3 - "Ordonnance for the five kinds of columns after the method of the ancients." (Perrault e McEwen, 1993, p.95)

Decorridos cerca de 1200 anos do tratado de Vitrúvio, segundo nos contam Lefaivre e Tzonis, surge o primeiro edifício erigido intencionalmente com consciência regionalista, embora num período posterior ao Império, mas no entanto, na mesma cidade, - Roma. Este edifício, a "Casa de Crescenzi", - Ilustração 4 - surge numa época em que

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emergia uma grande necessidade de identificação das pessoas com a sua cidade e os seus lugares. É marcada pelo domínio do Papa, numa demonstração de poder envolto em interesses e corrupção, levando ao esquecimento das populações e ao seu suporte. Este edifício é erigido no denominado período do renovatio21, que como se pode deduzir da expressão, era uma tentativa de renovar a glória do antigo Império Romano, que se encontrava há muito tempo em declínio. A responsabilidade da sua construção é atribuída a um burguês que liderava um movimento regionalista, de génese política, que em suma se opunha aos poderes papais. A sua importância relaciona-se com a necessidade de ter tentado criar referências entre o povo e a sua cidade, bem como o facto de ter sido construído com os escombros de construções antigas. Não obedecia por essa razão a nenhuma ordem clássica especifica, mas sim, congregando um aglomerado de partes provenientes de outros edifícios, que lhe conferia o tão desejado sentido de pertença e transmissão de identidade. Por estes motivos, atribui-se a este edifício, a importância de ter sido a primeira iniciativa regionalista intencional, mas de génese diferente à do Império Romano, pois incitava a um regionalismo de cariz político pró nacionalista, e por isso de engrandecimento de uma nação, e não de cariz universal como foi o Império.

Ilustração 4 - "Casa de Crescenzi". Giovanni Batistta Piranesi, 1756. (Allpainters.org, 2016)

Prosseguindo a análise histórica de Lefaivre e Tzonis, focámo-nos na evolução do regionalismo entre os séc. XIII e finais do séc. XVIII, em que constatámos diferentes 21

Foi um movimento levado a cabo pela igreja católica no sentido de recuperar a glória do Império Romano e seus territórios, de maneira a engrandecer novamente Itália sobre a égide do Cristianismo.

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momentos sobre a evolução da interpretação dos princípios regionalistas, e que se foram diversificando à medida que a sociedade dos países evoluía. Neste período, o jardim surge como elemento fulcral do desenvolvimento de novas ideias, assumindo características próprias em função dos momentos históricos de cada nacionalidade. Por essa razão e de acordo com os autores, elencamos três países onde essas diferenças se podem ilustrar. No início do séc. XIII, começa a emergir um novo tipo de arquitetura em Itália que, não só se integrava no movimento do renovatio como também na necessidade de universalidade exigida pelo domínio da igreja. O Papa Nicolau III22, como responsável pela reabilitação de um palácio para habitação própria, que se queria demonstrativo do seu poder, deu início à reinterpretação dos jardins como espaços exteriores pertencentes aos palácios. A sua utilização é considerada regionalista pela relação que permitia com a envolvente, e pela sua forte inspiração nos pátios característicos das vilas urbanas do Império Romano. Itália por ser "herdeira" das ordens clássicas, começava a conceber estes jardins como maneira de enaltecer a glória do seu passado, em consonância com o movimento do renovatio. A evolução destes jardins ao longo dos séculos seguintes, levou-os a um processo cada vez maior de manipulação da morfologia dos terrenos e à adição de outras regras que acabariam por se tornar na antítese da sua génese regionalista. Os jardins começavam a sofrer grandes movimentações de terras e a tornarem-se num enorme espaço aplanado e seccionado que os dividiam segundo diferentes motivos decorativos, tal como demonstra a Ilustração 5. Estas características apesar de suscitarem interesse e admiração, eram a antítese da sua génese, por deixarem de estabelecer a relação com a envolvente natural, para se tornar num resultado de manipulação humanizada intencional da natureza, apenas como motivo de adorno e simples contemplação. Não obstante a este facto, o desenho destes palácios e dos seus jardins era tida como uma boa prática arquitetónica e sinónimo de qualidade.

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Papa Nicolau III (1216 - 1280) - Eleito Papa a 25 de Novembro de 1277, morreu a 22 de Agosto de 1280. O seu nome de nascença era Giovanni Gaetano Orsini, foi político, e o seu pontificado ficou marcado pelo fortalecimento da figura papal em Itália. Entre outros feitos, idealizou uma cruzada à Terra Santa, protegeu as ordens religiosas e aprovou a regra de S. Francisco com rigor na pobreza.

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Ilustração 5 - "Prospettiva del Giardino Pontifico sur l' Quirinale". Imagem de Giovanni Battista Falda. (Mertz, [s.d.])

No séc. XVI, em França, surgia pela iniciativa de Philibert de l'Orme23 a vontade de enaltecer as artes francesas querendo trazer para França "a arte de bem construir"24. Para o efeito, começou por defender a elaboração de uma ordem francesa, que deveria romper com os cânones clássicos e desenvolver-se sob um ponto de vista regionalista nacionalista. A sua perspetiva incluía a conceção de uma "coluna francesa"25, - Ilustração 6 - em oposição às colunas clássicas, defendendo que estas deveriam imitar aquilo que a natureza francesa oferecia, retratando assim as suas florestas. No entanto, a maioria dos arquitetos franceses contemporâneos de Philibert continuavam a aprofundar os cânones clássicos, em vez de contribuírem para a definição de uma ordem francesa. Em meados do séc. XVII, em pleno reinado de Luís XIV26 surge por ele, a ideia de construir o maior e mais perfeito palácio, o palácio de Versalhes27, - Ilustração 7 - onde deveria ser construído um jardim, e como tal, também o maior e mais perfeito, de maneira a elevar o domínio e poder do Rei. Pelas características particulares deste personagem, o jardim veio a tornar-se algo grandioso, de dimensões consideráveis e, à semelhança de outros, manipulador das 23

Philibert de l'Orme (1514 - 1570) - Arquitecto francês e considerado um dos mestres do Renascimento, desenhou os túmulos do Rei Francisco I e da Rainha Cláudia assim como alguns castelos e palácios franceses, entre os quais se destaca o palácio das Tulherias. 24 Classificava-se a doutrina clássica italiana como arte de boa qualidade, pois era lá que estavam as grandes escolas. 25 À semelhança da importância dada à coluna clássica. 26 Luís XIV (1638 - 1715) - Rei de França entre 1643 e a sua morte. Conhecido como "O Grande" é o responsável pelo regime absolutista em França. Mandou construir o palácio de Versalhes em 1661 como símbolo de poder absoluto. 27 O palácio de Versalhes está localizado a 18km num subúrbio de Paris, em Versalhes. Foi residência da Corte francesa desde 1682, data em que Luís XIV se mudou para lá, até 1789 data em que a Revolução Francesa a obrigou a voltar a Paris. Projeto da autoria do arquitecto Louis LeVau, jardins desenhados pelo paisagista André Le Nôtre, e decoração assinada pelo pintor Charles Le Brun. O parque de Versalhes acolhe dois corpos, o Grande Trianon e o Pequeno Trianon, o primeiro mandado construi por Luís XVI e o segundo por Luís XV.

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características naturais do lugar, "Trees, land formations, and water were cut, leveled, straightened, and gutted to conform to the preconceived formal stereotomy of the scheme."28 (Lefaivre e Tzonis, 2012, p.32) O palácio de Versalhes, constituía-se como um ícone de orgulho que se isolava e se diferenciava de todas as outras construções à sua volta, em vez de promover a integração e o sentido de pertença das populações circundantes. Ao contrário daquilo que defendia Philibert, com a construção de Versalhes, toda a manipulação da natureza francesa era em tudo contrária aos seus pressupostos de inspiração nas florestas, já que os jardins franceses, semelhantes aos italianos, eram demasiado rígidos nas formas geométricas que adquiriam, assim como a sua simetria perfeita implementava rigidamente os cânones clássicos. Por conseguinte, a manipulação dos lugares em prol de uma demonstração de poder, servia unicamente de palco e cenário à ostentação e poder de um personagem, afastando-se cada vez mais das motivações regionalistas de pertença e continuidade que o deveriam inspirar.

Ilustração 6 - Philibert de l'Orme: the "French order". ([Adaptado a partir de:] Lefaivre e Tzonis, 2012, p.23)

Ilustração 7 - Vista sobre o jardim do Palácio de Versalhes. ([Adaptado a partir de:] Hoste, d’, 1988, p.90)

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Árvores, terrenos e água foram cortados, nivelados e orientados para se adaptarem à estereotomia formal do projeto. (Tradução nossa.)

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Por contraste, em Inglaterra, a exaltação dos valores regionalistas era em tudo diferente dos franceses e italianos. A sociedade inglesa do final do séc. XVIII, estava essencialmente direcionada para as trocas comerciais dentro e fora do país, muito associadas à existência do edifício comercial Royal Exchange29 em Londres. Facto que consolidou a ideia de a capital inglesa ser considerada uma capital de comércio, e por essa razão, amplamente relacionada a nível mundial. Assente na atividade comercial, Inglaterra estava igualmente atenta às tendências estilísticas para além fronteiras, que criticava por continuarem a seguir de grosso modo os cânones clássicos, sendo vistos como símbolo de regimes autoritários e responsáveis pelo rompimento da relação entre as construções, a sua envolvente e as pessoas. Por essa razão, os jardins ingleses começam a ter como génese a ligação à envolvente natural segundo uma perspetiva diferente, e que passava a ser vista como modelo de progresso e desenvolvimento, ao estabelecer uma forte relação entre os objetos construídos e as características especificas dos lugares. Consistia no respeito pela natureza, aceitando a aleatoriedade das suas formas e rejeitando as imposições clássicas de proporção e geometria. Contudo, esta metodologia apesar de diferenciada acabava por desrespeitar em parte a sua essência, ao manipular os sítios quanto à sua topografia com o intuito de os tornar perfeitos. Não obstante, os jardins ingleses alcançaram reconhecimento pela sua singularidade, e deram origem ao estilo pitoresco30, que é aceite como o primeiro verdadeiro rompimento com as diretrizes clássicas. Apesar das suas aspirações regionalistas, assentes numa sociedade considerada de progresso, os jardins ingleses continuavam a ter um carácter manipulador dos lugares, embora estivessem imbuídos num clima de trocas e influências exteriores. Este tipo de regionalismo, cosmopolita, estava ainda desfasado de um com a capacidade de respeitar os lugares na sua condição natural, - Ilustração 8.

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O edifício Royal Exchange de Londres foi construído no séc. XVI por Thomas Gresham com o intuito de se tornar num centro de comércio. O primeiro a existir na cidade de Londres. Foi destruído por duas vezes ao longo da sua existência na sequência de incêndios, tendo sido sempre reconstruído. Mantém a sua aparência atual desde 1840. 30 O termo refere-se às qualidades plásticas daquilo que, devido às suas características, se poderia constituir como um bom motivo para um quadro. Enquanto categoria estética, o desenvolvimento da noção de pitoresco surgiu no século XVIII no Reino Unido, a partir do movimento romântico. O que é pitoresco, portanto, começou a associar-se à propriedade daquilo que pela sua beleza ou singularidade era digno de ser pintado e representado através da arte. Pode entender-se que o pitoresco é uma espécie de estímulo visual que transmite uma sensação de singularidade.

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Ilustração 8 - "A View of the Rotunda in the Garden at Stowe". Jean B. C. Chatelain, 1753. ([Adaptado a partir de:] Yale Center for British Art, [s.d.])

Ao progredir nos escritos de Lefaivre e Tzonis, é possível entender que, as mudanças na sociedade e formas de estar trazidas pela Revolução Industrial (R.I.)31 em Inglaterra em meados do séc. XVIII, tiveram também impacto no pensamento regionalista de algumas individualidades a partir do séc. XIX. Como tal, salientamos três personagens que os autores enunciam como tendo sido precursores dessa viragem ideológica, em que, o novo pensamento regionalista consistia na adaptação efetiva dos edifícios à sua função e envolvente especifica, sugerindo por isso criticas ao pensamento da época. Augustus Welby Pugin32, argumentava que "[...] the cause of the problem was the architects "showing off" instead of "carrying out what was required" [...]"33 (Pugin apud 31

É a atribuição dada a um conjunto de mudanças da atividade fabril, tendo sido marcado pelo processo de industrialização das manufaturas. É um processo que começou em Inglaterra tendo-se depois vindo a difundir em França. A data apontada para o seu início é a dos anos 40 do séc. XVIII. Começou por transformar totalmente a produção da tecelagem do algodão, tendo tardado na de lã. Mais tarde trouxe novos processos de fabrico do ferro entre outras melhorias. Com a modernização dos processos de fabrico, Inglaterra manteve-se na vanguarda até ao séc. XIX, tendo sido lá que se mais se notabilizou a subida da qualidade de vida dos operários. 32 Augustus Welby Pugin (1812 - 1852) - Arquitecto e crítico inglês. Era arquitecto da rainha Vitória de Inglaterra e ao seu serviço foi responsável pelo projeto de interiores do palácio de Westminster, entre outros projetos referentes a edifícios religiosos. Teve importância no pensamento regionalista, apesar de

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Lefaivre e Tzonis, 2012, p.78). O significado desta afirmação referia-se ao facto de a arquitetura estar presa a questões de embelezamento em vez de estar preocupada com a verdadeira razão da sua existência, permitindo que os seus intervenientes, os arquitetos, se exibissem independentemente das características dos lugares. A par desta crítica, Pugin mostrava-se preocupado com a crescente importação de soluções arquitetónicas, relativamente às soluções locais que seriam mais adaptadas à realidade inglesa. John Ruskin34, na sua crítica, ia ao encontro de Pugin. Os seus artigos tinham como objetivo demonstrar e argumentar que era possível fazer arquitetura em função do lugar como antítese de uma arquitetura de amostragem das capacidades individuais de um arquitecto ou de intenções unicamente comerciais: "If our object... is to embellish a scene, the character of which is peaceful and unpretending, we must not erect a building fit for the abode of wealth or pride, ... beautiful or imposing itself, such an object immediately indicates the presence of a kind of existence unsuited to the scenery which it inhabits."35 (Ruskin apud Lefaivre e Tzonis, 2012, p.80)

Eugène Viollet Le Duc36 era arquitecto e também um crítico contemporâneo de Ruskin. A sua contribuição para o regionalismo, foi o facto de alertar os arquitetos para as características microclimáticas e hidrotérmicas dos lugares. Apesar de serem matérias aplicadas e estudadas relativamente a outras áreas, foram introduzidas na arquitetura por sugestão de Le Duc. Como resultado, surgiu uma linha de pensamento em arquitetura que, conciliava os conhecimentos científicos acerca do lugar com os de arquitetura, obtendo uma melhor adaptação regional das construções. Tal facto trouxe à discussão, a pergunta sobre a necessidade e utilidade da importação de soluções não ser considerado como tal nem como sendo apologista de uma doutrina nacionalista, no entanto, despoletou nas camadas mais jovens do seu tempo, o interesse pela arquitetura adequada a um determinado lugar. 33 "(...) a causa do problema foram os arquitetos "exibindo-se" em vez de "tratarem do que é necessário" (...)" (Tradução nossa.) 34 John Ruskin (1819 - 1900) - Crítico inglês, foi o mais influente na crítica de arte e arquitetura no século XIX, promovendo a noção de que a arte tinha um propósito moral. Como um crítico social, trabalhou para subjugar noções de laissez-faire economia e utilitarismo, defendendo a dignidade dos trabalhadores individuais e a necessidade de existir programas nacionais de educação e bem-estar. 35 "Se o nosso objetivo... é embelezar um cenário, cujo carácter é apaziguador e despretensioso, não devemos erguer um edifício condizente com a morada da riqueza ou do orgulho, ... bonito ou impondo-se, tal objeto indica de imediato a presença de uma espécie de existência inadequada ao cenário em que habita." (Tradução nossa.) 36 Eugène Viollet Le Duc (1814 - 1879) - Foi um arquitecto e teórico francês do séc. XIX. Apesar da sua contribuição para a evolução do regionalismo, foi mais reconhecido pelas suas obras de reabilitação de edifícios importantes segundo a perspetiva gótica. Nas suas intervenções além de restaurar os edifícios, modernizava-os, tornando-os mais atualizados. Uma das suas reabilitações mais notáveis é a da catedral de Notre-Dame em Paris, na qual adicionou elementos arquitetónicos aos demais existentes, como por exemplo a terceira torre.

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aplicadas a lugares completamente distintos, como crítica a uma generalização de soluções, que se revelavam inadaptadas a cada caso particular. Esta linha de pensamento surge como oposição à da doutrina clássica, que segundo Ruskin e Le Duc, consistia num modelo previamente definido e generalizado, caracterizado por ser a antítese da liberdade de pensamento que tipificava a arquitetura medieval. Não obstante a este pensamento, Le Duc além de introduzir algumas das primeiras preocupações arquitetónicas sob o ponto de vista do regionalismo, é considerado o precursor da arquitetura moderna por defender a maquinização das técnicas de construção e emprego de novos materiais produzidos industrialmente. A acompanhar estas mudanças nas novas formas de estar originadas pela R.I., estavam também as relações internacionais entre países, que espelhavam a necessidade de importar e exportar produtos. Por essa razão, surge a primeira exposição universal37 em 1851 e em Inglaterra pela iniciativa do Príncipe Alberto38. Consistia num ciclo de eventos que se mantém na atualidade, que atuavam como promotores dos produtos dos vários países envolvidos, tendo surgido em simultâneo com um aumento da procura e do consumo dos produtos com origem nas colónias. Os pavilhões nos quais esses produtos eram exibidos - Ilustração 9 - espelhavam o que de melhor se produzia tecnologicamente a nível nacional e que merecia ser mostrado. São por essas razões, eventos que promovem as trocas comerciais e culturais assim como as relações internacionais e que contribuíram para a difusão dos regionalismos de cada país e respetivas colónias. Por outras palavras, o final do séc. XVIII e o decorrer do séc. XIX, consistiu no início do rompimento total com o passado. A questão do regionalismo adquire relevância e influência nas relações entre países, assim como passa a servir de catalisador de uma sociedade de consumo a nível universal. Este período é caracterizado por constantes inovações, e como tal pelo culminar das correntes clássicas. É o suscitar de novas trocas entre países, de novas maneiras de estar e pensar das sociedades tanto no

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As exposições universais começaram em 1851 em Londres tendo repercussão até aos dias de hoje. Depois de Londres seguiu-se Paris em 1855,1867 e 1889 para a qual se edificou a Torre Eiffel entre outras que aconteceram mais tarde. Em Portugal houve duas, a primeira em 1865 no Porto onde foi construído o palácio de Cristal, entretanto demolido, e a segunda em Lisboa em 1998 a propósito dos 500 anos da descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama, que serviu de mote à reabilitação urbana da zona oriental da cidade. 38 Príncipe Alberto de Inglaterra (1818 - 1861) - Filho do duque de Saxe-Coburgo-Gota, casou-se em 1840 com a rainha Vitória de Inglaterra em 1840, que lhe concedeu o título de príncipe consorte em 1857. Foi o promotor da primeira exposição universal em Londres, foi criador dos museus de South-Kesington e atuou também como protetor das artes, letras e indústrias foi ainda pintor e músico.

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campo da indústria, das trocas comerciais, do pensamento, das artes e da sociedade em geral.

Ilustração 9 - "1851 London Great Exhibition of the Works of Industry of All Nations". ([Adaptado a partir de:] World Exhibitions, [s.d.])

Por seu turno, o regionalismo que configurou sempre um pensamento antagónico à corrente clássica, insurgindo-se contra a generalização dessa doutrina em detrimento da identidade de um país ou região. Apesar desse facto, nunca deixou de ser tido como uma filosofia crítica ou uma tendência patriótica sem que tenha alcançado grande repercussão. A viragem do séc. XIX para o séc. XX ao proporcionar uma mudança de mentalidades e necessidades, veio de facto trazer uma importância maior na sua interpretação e existência, como veremos no ponto 2.2.2.

2.2.2. A INTERPRETAÇÃO MODERNA As consequências trazidas pela R.I. condicionaram de facto a visão do mundo nos séculos seguintes. A modernidade que caracterizou as primeiras décadas do séc. XX assumiu-se como a antítese dos séculos anteriores vinculados ao classicismo das artes. Como tal teve repercussão na arquitetura, revolucionando-a. O rompimento com a doutrina clássica era agora absoluto e assumido. Por essa razão e continuando a fazer referência aos escritos de Lefaivre e Tzonis, focamos a análise no movimento moderno, na ascensão do Estilo Internacional (E.I.)39 e nos Congressos Internacionais 39

Estilo Internacional ou também conhecido por "International Style", é um estilo de arquitetura dentro do movimento moderno do séc. XX na sua vertente funcionalista. Foi praticado essencialmente entre o

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de Arquitetura Moderna (CIAM)40. A defesa de uma arquitetura universal e a sua comparação com a evolução do regionalismo ao logo deste século, são os enfoques da análise que pretende alertar para o sentido de pertença e continuidade das pessoas e seus territórios. As primeiras décadas do séc. XX, foram o palco das diferenças entre o modernismo americano influenciado pela Bauhaus41, e por contraste do regionalismo chauvinista e patriótico que se vivia na Europa protagonizado pelo Nazismo42 na segunda grande guerra mundial. Não obstante e segundo os autores, o surgimento do E.I. enquanto protagonista do modernismo, surge no âmbito do lançamento do catálogo da exposição organizada no Museum of Modern Art (MoMA)43 de Nova York, por Lewis Mumford44, Philip Johnson45 e Henry-Russell Hitchcock46 em 1932, por decisão de Alfred H. Barr47, à data seu período de 1932 e 1952, e foi aceite na sua maioria nos E.U.A., mas restringindo-se ao mundo ocidental. Típico do movimento moderno onde se inseria, era uma crítica ao passado aliando as novas tecnologias, onde os edifícios se projetavam em altura e desprovidos de ornamentos, valorizando o volume e o plano. 40 Os "CIAM", eram congressos organizados pelos "star architects" do período moderno que visavam a discussão a nível internacional e organização das novas diretrizes relativamente à arquitetura nas suas diversas vertentes, paisagismo, urbanismo etc. O seu maior contributo foi a elaboração da "Carta de Atenas" que consistia na concepção de uma conduta de desenhar planos urbanos assentes em formulas e diretrizes com vista a uma aplicação internacional. 41 A "Staatliche Bauhaus", foi uma escola de artes alemã, fundada por Walter Gropius e que funcionou entre 1919 e 1933, cuja génese conciliava artesanato e artes plásticas. O objetivo era a criação de uma arte total, ou seja, a congregação de todas as artes, pintura, escultura, arquitetura, etc., numa só peça. Esta tendência veio posteriormente a ser parte integrante do projeto de arquitetura, sendo uma das características do movimento moderno. 42 Movimento ideológico e político alemão que teve como protagonista Adolf Hitler que presidiu os destinos da Alemanha no período entre 1933 a 1945. O nazismo começou como consequência imediata ao desfecho da primeira guerra mundial que através do tratado de Versailles sujeitou a Alemanha a uma conduta submissa face ao prestígio enaltecido das suas rivais, Inglaterra e França. 43 Situado em Nova York e em Long island nos E.U.A., é um dos mais conceituados museus de arte moderna a nível mundial. Aberto em Nova York desde 1929 pela iniciativa de diversos ilustres, teve como primeiro diretor Alfred H. Barr, hoje em dia é dirigido por Glenn D. Lowry desde 1995. Tem como objetivo dar a conhecer ajudar na compreensão da arte do séc. XX e XXI. De entre as diversas áreas da sua abrangência existe um gabinete dedicado à arquitetura. 44 Lewis Mumford (1895 - 1990) - Foi um dos críticos e autores mais proeminentes do modo de vida da cidade de Nova York. Como crítico social, investigava sobre o crescente domínio da sociedade por uma mentalidade orientada por máquinas, tendo procurado maneiras de a humanizar e controlar. Atento à realidade Nova Iorquina, observou criticamente os seus edifícios e envolventes. Uma das suas primeiras obras literárias de maior relevo foi o título Sticks and Stones, que teria influência nas gerações mais jovens de arquitetos americanos. À medida que a população mundial se expandia, Mumford dedicava-se aos problemas da vida urbana tendo desenvolvido teses que viriam a ter influência no desenvolvimento metropolitano europeu. 45 Philip Johnson (1906 - 2005) - Arquitecto norte-americano premiado com o prémio pritzker em 1979, entre outros reconhecimentos relevantes como a medalha de ouro do "AIA". Teve uma importância maior na definição do movimento moderno em arquitetura, tendo sido um dos protagonistas do E.I. Entre várias obras icónicas, destacamos a Glass House e o edifício Seagram, desenhado em parceria com Mies Van der Rohe. 46 Henry Russell Hitchcock (1903 - 1987) - Foi um historiador americano e docente de arquitetura no Smith College e na Universidade de Nova York, tendo contribuído para a definição da arquitetura moderna. Foi também protagonista na difusão do E.I. Além de ter sido autor do primeiro catálogo de arquitetura moderna, foi autor de outros títulos com vista ao estudo da arquitetura, um dos que mais

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diretor. O nome da exposição surge pelo facto desta ter como objetivo dar a conhecer a nova arquitetura, feita a nível internacional, segundo parâmetros industriais e económicos. Como resultado do sucesso alcançado pela exposição e pelo seu catálogo, - Ilustração 10 - essa denominação tornou-se globalmente conhecida e adotada para definir aquele tipo de arquitetura inserida na modernidade.

Ilustração 10 - Capa e interior do catálogo da exposição de 1932. ([Adaptado a partir de:] Ross, 2015)

Todavia Lewis Mumford, não era um apologista deste modo de fazer arquitetura. Apesar de ter participado a convite na organização do evento, não teve a sua autoria inscrita no catálogo da exposição, sendo este unicamente da autoria dos outros dois organizadores, que se assumiam inteiramente favoráveis à difusão deste modo de projetar. Mumford tinha preocupações regionalistas, o oposto das preocupações dadas a conhecer pela exposição de 1932. A sua metodologia de pensamento assemelhavase aos ideais de John Ruskin e Viollet-le-Duc, e na responsabilidade social dos arquitetos. Por essa razão insurgia-se contra, aquilo que dizia ser, o desperdício do E.I. que, na sua perspetiva, era um método negligente do modo de atuar perante o planeta. Para além disso, acusava essa prática de especular o valor dos terrenos em prol do seu valor comercial, em vez de estimular a construção de "lares"48 para as famílias. Ou seja, associava-o a uma forma de capitalismo. Os atritos entre o E.I. e o regionalismo estiveram no centro das discussões no que concerne à arquitetura no período compreendido entre os anos de 1932 e 1952. importa é o "Architecture: Nineteenth and Twentieth Centuries" onde se destaca a evolução da arquitetura nesse período temporal. 47 Alfred H. Barr (1902 - 1981) - Foi o primeiro diretor do MoMA de Nova Iorque. Era historiador de arte, tendo contribuído para a difusão do movimento moderno do séc. XX. De acordo com a sua posição no museu, foi o principal defensor do E.I. enquanto modelo arquitetónico inserido no movimento moderno. 48 No sentido filosófico do termo.

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Foram anos em que ambos os estilos adquiriam notoriedade em períodos alternados, consoante a direção do MoMA, se mostrava mais ou menos a favor dessa metodologia, que era demonstrada através da maior ou menor apologia dos seus dirigentes. Com base na leitura feita acerca do que escreveram os autores, o maior período de ascensão do E.I. foi entre 1932 e 1937, anos em que Johnson e outros dos seus discípulos se assumiram como curadores do MoMA, e por isso protegendo e impulsionando o E.I., como grande novidade da arquitetura do séc. XX. Por contraste, o período compreendido entre 1937 e 1947, foram anos de reconhecimento do pensamento regionalista. Novamente o MoMA facilitava esse reconhecimento por se encontrar neste período sob a direção de apologistas do regionalismo. Não obstante, este período era um período de abrandamento da economia americana, o que levou a que se desse maior importância a outras maneiras de pensar a arquitetura o que facilitou a compreensão do regionalismo. Também por esta altura, Mumford escrevia uma série de manifestos e ensaios que convenciam os demais, causando retrocessos na apreciação do E.I. como única alternativa arquitetónica. No entanto, por contraste, a partir de 1948 o E.I. voltava a adquirir apoiantes, Johnson regressava ao MoMA, e Walter Gropius49 sustentando-se no funcionalismo da Bauhaus, era seu grande apoiante. O regionalismo era agora classificado nos CIAM e noutros campos de discussão como uma perspetiva chauvinista e nacionalista da arquitetura que se insurgia contra o progresso que o E.I. era capaz de promover. Estas classificações tinham como objetivo

primordial,

regionalismo

pelos

contrariar

as

manifestações

arquitetos

mais

jovens,

que

favoráveis

relativamente

identificavam

falências

ao no

desenvolvimento do E.I. quanto à sua inadaptação às características especificas das suas envolventes. Apesar deste facto, a verdade é que, o E.I. se havia espalhado, e a maioria da arquitetura americana se regia por estas diretrizes, inclusivamente pelo poder político, ao interpretar este tipo de arquitetura como um cartão-de-visita diplomático. Atitude que era vista como útil aos E.U.A. pela participação que tiveram na 2ª Guerra Mundial, e imagem de nação moderna e aberta que queriam cultivar.

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Walter Gropius (1883 - 1969) - Como arquitecto foi considerado um dos fundadores da arquitetura moderna. Trabalhou para tornar a arquitetura e a arte sensíveis às necessidades de uma sociedade urbanizada e industrializada. Seus projetos incidiram principalmente em programas urbanos e industriais. Foi também o diretor da escola de artes Bauhaus.

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Contudo, apesar dos factos descritos, a queda do E.I. torna-se cada vez mais uma realidade iminente. Na celebração dos 20 anos da primeira exposição sobre o tema, um novo evento voltava a selecionar obras arquitetónicas de todo o mundo, com o intuito de as mostrar e classificar como boas práticas de E.I. Contudo, segundo os autores, os argumentos de Johnson e Hitchcock para a classificação do E.I. estavam cada vez mais distantes da realidade. Apenas metade dos edifícios selecionados para a exposição obedeciam objetivamente à definição de E.I., enquanto os remanescentes se estabeleciam como marcos do regionalismo. As dificuldades desta doutrina em se impor, tornavam-se por demais evidentes, exemplo disso é o edifício sede das Nações Unidas em Nova Iorque construído em 1948, - Ilustração 11 - o projeto do plano urbano para a cidade de Havana que não chegou a ser construído, e que arrasaria todo o seu centro histórico, assim como o edifício sede da companhia aérea "PAN AM" que se desajustava a toda a sua envolvente.

Ilustração 11 - "Looking Back at the Construction of the United Nations, 1956." (Curbed, 2013)

Como resultado da decadência deste modelo, o regionalismo começava a ser visto, por fim, como um modelo viável fora da esfera do MoMA. Nas décadas de 40 e 50 do séc. XX, a sua importância influenciava uma boa parte dos currículos das escolas de arquitetura americanas.

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Tal facto viria a conceder-lhe novamente importância, "[...] regionalism was one of the three primary features of American architecture, the other two being ecletism and industrialization. [...] regionalism consists in a freedom to adapt to climate without being tied to a historical formal prototypes, and to use local materials [...]"50 (Lefaivre e Tzonis, 2012, p.133)

Arquitetos como Richard Neutra51 e Paul Rudolph52 integravam cada vez mais este discurso, por adaptarem os seus projetos à envolvente e através de um discurso próregionalista. "We need desperately to relearn (from traditional architectures) the art of disposing of buildings to create different kinds of space; the quiet, enclosed, isolated, shaded space; the hustling, bustling space pungent with vitality; the paved, dignified, vast, sumptuous, even awe-inspiring space; the mysterious space; the transition space which defines, separates and yet joins spaces of contrasting character. [...] regionalism is one way toward that richness in architecture which other movements have enjoyed and which is so lacking today"53 (Rudolph apud Lefaivre e Tzonis, 2012, p.135 e 136)

As críticas ao E.I. iam subindo cada vez mais de tom, Harwell Harris introduz as definições de regionalismo de libertação e regionalismo de restrição, que já enunciámos no capítulo 2.1.2, como oposição às críticas feitas nos CIAM a respeito do regionalismo, acusando-as de confundirem o seu verdadeiro significado. Por outro lado, Mumford continuava também a difundir e a demarcar-se como principal defensor do regionalismo que se assumia como contraste das formas vazias do E.I., e como tal defendendo um verdadeiro estilo moderno. Este volte-face no pensamento arquitetónico que o regionalismo assumia, começava também a convencer os defensores do E.I., entre eles, os próprios arquitetos que inicialmente o defendiam como também a classe política. A prova disso foi segundo Tzonis e Lefaivre, o programa das embaixadas americanas, e dos hotéis Hilton os quais descrevem da seguinte maneira: 50

O regionalismo foi uma das três características principais da arquitetura americana, sendo as outras duas o ecletismo e a industrialização. [...] regionalismo consiste numa liberdade de adaptação ao clima sem estar ligado a um protótipo formal histórico e de utilizar materiais locais. 51 Richard Neutra (1892 - 1970) - Arquitecto de nacionalidade austríaca e naturalizado norte-americano. A sua arquitetura insere-se no movimento moderno e distingue-se pela relação com a envolvente cultural onde intervinha. Um dos seus projetos mais conhecidos é o da “Kaufmann House”. 52 Paul Rudolph (1918 - 1997) - Foi um arquitecto americano e presidente do Departamento de Arquitetura da Universidade de Yale durante seis anos, conhecido pela utilização do betão e pelas plantas de grande complexidade. Do seu reportório destaca-se a Yale Art and Architecture Building (Edifício A & A), de estilo brutalista. 53 "Precisamos desesperadamente de reaprender (das arquiteturas tradicionais) a arte de dispor de edifícios para criar diferentes tipos de espaço; O espaço calmo, fechado, isolado, sombreado; O apressado, agitado espaço pungente de vitalidade; O espaço pavimentado, digno, vasto, sumptuoso, mesmo inspirador; O espaço misterioso; O espaço de transição que define, separa e contudo une espaços de carácter contrastante. [...] regionalismo é o caminho rumo à riqueza da arquitetura que outros movimentos desfrutaram e que hoje é tão carente." (Tradução nossa.)

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"But how preferable regionalism was becoming is evidenced in two of the biggest and, paradoxically, most international building programmes of the time. One was the State Department's Embassy programme […] and the other was Hilton Hotels programme for Athens, Cairo and Istanbul. The result was an exercise in a kind of regionalism one my qualify as surface, themed or branding kitsch."54 (Lefaivre e Tzonis, 2003, p.31)

Estes programas visavam a necessidade dos E.U.A em difundir uma boa imagem deles próprios usando a ferramenta das embaixadas como forma de o conseguir. Porém o resultado alcançado foi um regionalismo alicerçado num modo de propaganda, que em tudo se diferenciava do regionalismo defendido por Mumford. Por exemplo, a Ilustração 12 mostra uma fachada baseada na malha das redes usadas pelos pescadores irlandeses.

Ilustração 12 - Embaixada dos E.U.A. em Dublin. (archaic, 2016)

Em suma, as primeiras décadas do séc. XX pautaram-se pelas diversidades entre uma ideia de universalização centrada na estética, característica do modernismo em detrimento de uma universalização centrada na especificidade do lugar, característica do regionalismo. Essa dicotomia era por sua vez o resultado das constantes 54

"Mas o quanto se tornava preferencial o regionalismo era evidenciado em dois dos maiores e, paradoxalmente, mais internacionais programas de construção da época. Um deles era o programa da Embaixada do Departamento de Estado [...] e o outro era o programa dos hoteis Hilton em Atenas, Cairo e Istambul. O resultado foi um exercício de um tipo de regionalismo, que se classifica de superficial, temático ou de influência sentimental.

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mudanças nas realidades europeias e americanas causadas pela segunda guerra mundial e progresso da sociedade e economia americana. Como tal, enquanto na América se viviam períodos de prosperidade e progresso, na Europa por contraste, vivia-se períodos de recuperação e reabilitação das cidades, como consequência de um regionalismo de vertente patriótica e chauvinista, ou seja de restrição. Tal facto viria a dificultar a aceitação do regionalismo de libertação, que embora se centrasse nas especificidades do lugar e nas pessoas, era difícil de explicar enquanto modelo de progresso, gerando por isso opiniões contrárias à sua essência e confusões com outros "ismos", como por exemplo patriotismo, ou provincianismo, de que era acusado nos CIAM. Porém era certo que o declínio do E.I., era marcado no final dos anos cinquenta do séc. XX, pelas grandes dificuldades em se afirmar e pela falta do sentido de pertença e continuidade entre pessoas e seus territórios.

2.3. ENQUADRAMENTO CONTEMPORÂNEO Em acordo com o explorado no capítulo anterior, a queda do modernismo trouxe novas formas de pensar e novas preocupações para a arquitetura contemporânea. Por essa razão, considerámos que a contemporaneidade em arquitetura comporta duas realidades distintas que se complementam: o regionalismo crítico e a sustentabilidade. Na tentativa de introduzirmos a contemporaneidade de que falamos, começamos por citar Paul Ricoeur55 como exemplo crítico da crise cultural que teve influência na arquitetura de meados do séc. XX. Do nosso ponto de vista, sintetiza a viragem entre a modernidade e a contemporaneidade e tudo o que isso acarreta em termos civilizacionais. Ao citar Ricoeur, estamos a introduzir o regionalismo crítico. "The phenomenon of universalization, while being an advancement of mankind, at the same time constitutes a sort of subtle destruction, not only of traditional cultures, which might not be an irreparable wrong, but also of what I shall call for the time being the creative nucleus of great civilizations and great culture, that nucleus on the basis of which we interpret life, what I shall call in advance the ethical and mythical nucleus of mankind. [...] Everywhere throughout the world, one finds the same bad movie, the same slot machines, the same plastic or aluminium atrocities, the same twisting of language by propaganda, etc. (...) There is the paradox: how to become modern and to

55 Paul Ricoeur (1913 - 2005) – Filosofo francês de grande relevo no pós segunda guerra mundial. Tendo sido um dos grandes pensadores do séc. XX escreveu inúmeros ensaios e manifestos sobre diversos temas da atualidade. No campo da arquitetura destaca-se o manifesto, Universal Civilization and Natonal Cultures, de 1961 que ajudaria a perceber a urgência de uma mudança de paradoxo da abordagem arquitetónica causada pelo modernismo.

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return to sources; how to revive an old, dormant civilization and take part in universal civilization..."56 (Ricoeur apud Frampton, 2007, p.314)

Este excerto da autoria de Ricoeur faz parte de um manifesto, que traduz a crise de valores causada pelo modernismo e a falta de identificação entre pessoas e lugares, assim como a propagação de uma cultura universal de desperdício. Por essa razão, consideramos que a sustentabilidade tem um papel fulcral no processo evolutivo atual da arquitetura e na interpretação atual do regionalismo. Apesar das evidentes diferenças entre estas matérias, entendemos que a evolução natural da arquitetura passa incontornavelmente pela sua aproximação, como tal, faremos essa análise nos subcapítulos que se seguem.

2.3.1. REGIONALISMO CRÍTICO Depois da análise do capítulo 2.2.2, pretendemos agora desenvolver um raciocínio que, em continuidade, contribua para o esclarecimento da pergunta inicial: "O que é regionalismo em arquitetura?". Sem detrimento, para tal, temos obrigatoriamente que falar em regionalismo crítico, se quisermos uma resposta minuciosa e atual, por isso, impõe-se a pergunta: "O que é regionalismo crítico?" Pela investigação que fizemos elegemos duas linhas de pensamento que o definem. A primeira, e mais inovadora, é atribuída a Lewis Mumford, a segunda relaciona-se com Kenneth Frampton57. Não obstante ao esclarecimento de tais metodologias, começamos por responder à pergunta a que nos referimos no início, transcrevendo uma citação que julgamos ser útil para o entendimento deste assunto: "It is against this background of regionalism as a romantic or cynical manipulation of symbols that the idea of critical regionalism has emerged. While originating in the field of architectural theory, critical regionalism is strongly related to landscape, providing 56

O fenómeno da universalização, ao mesmo tempo que é um avanço da humanidade, constitui ao mesmo tempo uma espécie de destruição subtil, não só das culturas tradicionais, que podem não ser um erro irreparável, mas também do que chamarei de tempo criativo núcleo de grandes civilizações e grandes culturas, esse núcleo sobre a base do qual interpretamos a vida, o que vou chamar antecipadamente o núcleo ético e mítico da humanidade. (...) Em todo o mundo, encontra-se o mesmo filme de má qualidade, as mesmas máquinas de caça-níqueis, as mesmas atrocidades de plástico ou de alumínio, a mesma distorção da linguagem pela propaganda etc. (...) Há o paradoxo: como Tornar-se moderno e voltar às origens; Como reviver uma civilização antiga e latente e participar da civilização universal... (Tradução nossa.) 57 Kenneth Frampton (1930 - ) - Arquiteto professor e historiador inglês. É considerado um dos mais importantes historiadores de arquitetura moderna contemporâneos. De entre inúmeras publicações sobre o tema da arquitetura, é autor da obra "Critical History of Modern Architecture", de onde se pode reter uma visão alargada do percurso arquitetónico do séc. XX.

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prospects and opportunity for a truly reflective and critical response to the interconnections between landscape and architecture, between the global and the local, between "nature" and "culture", between here and there. Tzonis states that the "critical" in critical regionalism was derived from the Kantian concept of critical, or a "baring, exposing and evaluation of the implicit presuppositions of an argument, or a way of thinking" (...) For Frampton, the connection is more with the critical theory of the Frankfurt School. In both cases, it implies a self-conscious reflection upon not only the explicit relationships within a landscape, but also the underlying relationships, and the possibility of alternatives."58 (Bowring e Swaffield, 2004, p.5 e 6)

Feita a introdução ao tema, e tendo dado uma resposta preliminar à pergunta que nos lançou este assunto, iniciamos a abordagem em função da linha de pensamento de Lewis Mumford, com a perspetiva de a desenvolver. Nesse sentido, reportamos aos escritos da autoria de Liane Lefaivre e Alexander Tzonis em "Critical Regionalism. Architecture and identity in a Globalized World". Regionalismo crítico por Lewis Mumford: Como visto anteriormente, o programa das embaixadas59 difundia uma ideia de regionalismo que se sobrepunha ao E.I., conferindo-lhe o protagonismo pelo qual se debateu ao longo das primeiras décadas do séc. XX. Todavia, esse regionalismo envolto numa espécie de manobra de marketing, em tudo se diferenciava daquele que Mumford defendia. Em acordo com o que Lefaivre e Tzonis nos fazem saber e contrariamente ao que desejaríamos, a ideia de regionalismo defendida por Mumford, não é fácil de compreender visto nunca ter desenvolvido um documento que a sintetizasse. Por esse motivo, a abrangência dos seus pensamentos regionalistas só são possíveis de analisar em função dos inúmeros manifestos que produziu em função da sua crítica. Porém, o consenso é de que o regionalismo de Mumford se rege por uma crítica profunda e dedicada não só ao E.I., mas a todas as formas de regionalismo praticadas até à data. 58

É neste contexto de regionalismo como uma manipulação romântica ou cínica de símbolos, que surgiu a ideia de regionalismo crítico. Embora originário do campo da teoria da arquitetura, o regionalismo crítico está fortemente relacionado com a paisagem, proporcionando perspetivas e oportunidades para uma resposta verdadeiramente reflexiva e crítica às interconexões entre paisagem e arquitetura, entre o global e o local, entre a "natureza" e a "cultura", entre o aqui e o ali. Tzonis afirma que a "crítica" em regionalismo crítico derivou do conceito kantiano de crítica, ou de um "descobrimento, exposição e avaliação dos pressupostos implícitos de um argumento ou de um modo de pensar" (...) Para Frampton, a conexão é mais como a teoria crítica da Escola de Frankfurt. Em ambos os casos, implica uma reflexão autoconsciente não apenas sobre as relações explícitas dentro de uma paisagem, mas também sobre as relações subjacentes e a possibilidade de alternativas. (Tradução nossa.) 59 Programa desenvolvido no capítulo 2.2.2 deste documento a partir da página 48.

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Lefaivre e Tzonis esclarecem-nos: "He departed from a rejection of Nazi-Heimat regionalism of course, but also of Romantic Regionalism before it, and Picturesque Regionalism even earlier. […] Why did we term Mumford's regionalism critical? After all, isn't regionalism always, by definition critical? As Alexander Tzonis and I have shown elsewhere, no matter what is political associations are, since the Renaissance it has always been critical of an outside power wishing to impose an international, globalizing, universalizing architecture against the particular local identity, whether the identity is architectural, urban or related to landscape. […] But Mumford's regionalism is critical in a second, more important sense. It is critical not only on globalism, it also critical on regionalism movement. For the first time we witness a break with a centuries-old regionalist movement. What it breaks with, basically is the century's old tendency of regionalism to see itself as categorically, absolutely opposed to the universal. For the first time we find Mumford's regionalism infused with a notion of relativity, Regionalism is seen as an engagement with the global, universalizing world rather than by an attitude of resistance. With Mumford in other words, regionalism becomes a constant process of negotiation between the local and the global on the many different issues that traditionally made up regionalism. This is Mumford profound originality."60 (Lefaivre e Tzonis, 2003, p34)

A conclusão a que chegamos com a citação é que de facto, Mumford desenvolveu uma teoria de regionalismo realmente diferente das que lhe antecederam. Em oposição a um regionalismo paternalista, protetor, nacionalista e fechado em si mesmo, surge um regionalismo assente numa forma de atuar efetivamente preocupada com o território. Ao abrir-se perante elementos externos, o resultado é a real integração destes, em detrimento de uma segregação desprovida de sentido e de valorização. Assim chegamos à conclusão de que é com Mumford que se começa a relacionar o regionalismo em função da intervenção territorial de forma consciente e informada, em que a noção de "sítio" é elevada à noção de "lugar". Por outras palavras é o suscitar de um sentido de pertença, que cria laços afetivos entre pessoas e lugares e que origina a noção de "lar", em contraste com a noção de ausência de laços entre casa e sítio. É a consciencialização de uma dimensão fenomenológica. 60

" Ele partiu de uma rejeição do regionalismo Nazi-Heimat, é claro, mas também do regionalismo romântico antes dele, e do regionalismo pitoresco ainda anterior. [...] Por é que determinamos o regionalismo de Mumford critico? Afinal, o regionalismo não é sempre, por definição, crítico? Tal como Alexander Tzonis e eu tivemos oportunidade de demonstrar, não importam quais sejam as associações políticas, desde o Renascimento, sempre se criou uma força externa com a intenção de impor uma arquitetura internacional, globalizante e universal contra a identidade local particular, seja a identidade arquitetónica, urbana ou relacionada com a paisagem. [...] Mas o regionalismo de Mumford é crítico num segundo sentido mais importante. É fundamental não só na globalização, mas também no movimento regionalista. Pela primeira vez, testemunhamos uma rutura com um movimento regionalista secular. O que se quebra é basicamente a centenária tendência do regionalismo se ver como categoricamente e absolutamente oposto ao universal. Pela primeira vez, encontramos o regionalismo de Mumford imbuído de uma noção de relatividade, o regionalismo é visto como um envolvimento com o mundo global, universal e sem procurar uma atitude de resistência. Com Mumford em outras palavras, o regionalismo torna-se um processo de constante negociação entre o local e o global sobre as diversas questões que tradicionalmente constituíram o regionalismo. Esta é a profunda originalidade de Mumford." (Tradução nossa)

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Lefaivre e Tzonis introduzem-nos também outras particularidades de Mumford: "Many of the dichotomies used by Mumford in his regionalist theory recall well known dichotomies developed by German intellectuals during the first quarter of this century: culture versus civilization, mechanical versus organic, Gemeinschaft versus Gesellshaft. Many of these are associated with the anti-technical, anti-scientific, anti-positivist, antimass movements of the period."61 (Lefaivre e Tzonis, 2003, p.35)

A citação demonstra-nos que apesar do seu pensamento singular, Mumford estava por dentro das discussões filosóficas do seu tempo. Porém o que nos interessa, é que para ele, ao contrário dos pensadores seus contemporâneos, estes pares dialéticos eram baseados num regionalismo do foro restritivo, que conduziam à noção de que a existência das identidades, das tradições e da cultura popular - (folclore) -, só era mantida se se mantivesse um grupo restrito de pessoas unidas pela sua linguagem e pelos seus territórios. Ou seja, estes pares dialéticos só eram considerados progresso quando aplicados num contexto de folclore, porém Mumford no seu entendimento, considerava o oposto, essas discussões só alcançavam progresso quando perdessem as suas barreiras de isolamento. A seguinte citação justifica o nosso raciocínio: "[…] Mumford's understanding could not have been less attached to the idea of a prohibiting enclave, rational, national or social. In his The South in Architecture, he was eager to differentiate his regionalism from that of the Nazis […] What if perhaps more original about his position, as we will see, is his concept of a regional indissociable from the universal or the global. […] Concerning the land, […] not as a source of a uniting tribal identity, but as the embodiment of freedom, nonconformity and even the cherished traditional anti-authoritarian right to civil disobedience. […] Far from anti-modernist, Mumford believed that regionalism was synonymous with modern."62 (Lefaivre e Tzonis, 2003, p.35)

Prosseguindo a análise em função da de Lefaivre e Tzonis, elencamos os cinco pontos pelos quais os autores sintetizam a singularidade do regionalismo crítico de Mumford:

61 "Muitas das dicotomias usadas por Mumford na sua teoria de regionalismo lembram as dicotomias bem conhecidas e desenvolvidas pelos intelectuais alemães durante o primeiro quartel deste século: cultura versus civilização, mecânica versus orgânica, comunidade versus sociedade. Muitos destes estão associados aos movimentos anti técnicos, anticientíficos, anti positivistas e anti massas deste período." (Tradução nossa) 62 "O entendimento de Mumford não poderia ter sido menos apegado à ideia de um enclave proibitivo, racional, nacional ou social. No manifesto " The South in Architecture", ele diferenciava o seu regionalismo do nazi [...] O que talvez seja mais original na sua posição, como veremos, é o conceito de regional inseparável do universal ou do global. [...] Quanto à terra, [...] não é como a origem da união tribal de uma identidade, mas a interiorização da liberdade, inconformado e até mesmo aclamado direito antiautoritário tradicional à desobediência civil. [...] Longe de anti modernista, Mumford acreditava que o regionalismo era sinónimo de modernidade." (Tradução nossa)

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1. A absoluta rejeição do historicismo: A noção de que Mumford tem uma abordagem muito própria no que concerne à interpretação da história da arquitetura em função de novas construções, é notória na citação que fazemos: "Let us be clear about this, […] The forms that people used in other civilizations or in other periods of our own country's history were intimately part of the whole structure of their life. There is no method of mechanically reproducing these forms or bringing them back to life; it is a a piece of rank materialism to attempt to duplicate some earlier form, because of its delight for the eye, without realizing how empty a form is without the life that once supported it […]."63 (Mumford apud Lefaivre e Tzonis, 2003, p.35)

A questão de se valorizar um passado construtivo, sem se compreender que esse passado está associado a determinadas formas de estar, está intimamente relacionado com um ato mimético no desenvolvimento de novos conceitos formais. Esta noção de cópia em detrimento de uma procura efetiva da identidade dos lugares e da sua cultura em função da época em que se vive, é trazida por Mumford e rompe completamente com a noção de progresso até então. Se o enobrecimento de novas construções depende do mimetismo de outras que respeitam à identidade do passado, então está-se a despromover o desenvolvimento de novas soluções que se identifiquem com a sua própria contemporaneidade. Não obstante da sua posição, Mumford era um defensor assumido da preservação dos edifícios históricos, porque os considerava parte integrante e da história dos lugares. Porém, a sua crítica ao facto de se mimetizar um passado longínquo é o contrário da procura por uma autenticidade regional: "Our task is not to imitate the past, but to understand it, so that we may face the opportunity of our own day and deal with them in a equally creative spirit"64 (Mumford apud Lefaivre e Tzonis, 2003, p.36) Por fim, o seu entendimento sobre a questão do historicismo levanta também problemas quanto à materialidade, uma vez que defende que os materiais utilizados no passado eram provavelmente os melhores à época, mas que numa atualidade, haverá necessariamente outros e mais capazes de cumprir as suas funções: 63

"Sejamos claros sobre isto, [...] As formas utilizadas por outras civilizações ou noutros períodos da história do nosso próprio país foram parte da estrutura íntima da vida dos seus habitantes. Não há nenhum método para reproduzir mecanicamente essas formas ou devolvê-las à vida; é um materialismo classificado para tentar duplicar formas anteriores, para deleite do olho, sem perceber o quão vazia é uma forma sem a vida que uma vez a justificou […]." (Tradução nossa) 64 "A nossa tarefa não é imitar o passado, mas compreendê-lo, para que possamos aproveitar as oportunidades dos nossos tempos e lidar com eles segundo um espírito igualmente criativo." (Tradução nossa)

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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"Regionalism is not a matter of using the most available local material, or of copying some simple form of construction that our ancestors used, for want of anything better, a century ago."65 (Mumford apud Lefaivre e Tzonis, 2003, p.36) Em suma, a rejeição do historicismo prende-se pela falta de adaptação às necessidades efetivas dos lugares e das pessoas. Se o contributo for zero, então não vale a pena replicá-lo. (Lefaivre e Tzonis, 2003, p.35 e 36) 2. A rejeição da tradição e do regresso à natureza: A rejeição da tradição e do regresso à natureza refere-se à recusa do deleitamento pelo ideal estético com que era vista a natureza. Por outras palavras é a recusa do pitoresco como meio de alcançar a perfeição. No entanto, Mumford, era apreciador da natureza numa perspetiva cooperativista em função de novas realidades. Para ele, a ligação entre a arquitetura e a natureza não se centrava na busca do belo, mas sim do funcional, acreditando que desta maneira a natureza contribuía para o sentimento de pertença das pessoas em função dos seus lugares. Esta visão justifica o seu interesse por questões de planeamento, que mais tarde se viriam a demarcar como campos de ação dentro da arquitetura. Mumford é considerado um percursor no campo da ecologia e sustentabilidade na arquitetura, que para ele, faziam o equilíbrio entre o homem e a natureza e por onde, na sua opinião, se desenvolveria o futuro das cidades: (Lefaivre e Tzonis, 2003, p.36 e 37) "But, in the end, questions of regional planning are subsumed in Mumford's thinking within the larger questions of what has come since to be called ecology and sustainability, what he himself referred to in Technics and Civilization as the "biotechnic" age that he believed was the next order, […]. Among the aims of bio-technic regionalism were the restoration of the balance between man and nature, the conservation and restoration of soils and of the forest cover to provide shelter for wildlife."66 (Lefaivre e Tzonis, 2003, p.37)

3. A apologia por uma civilização mecanizada:

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"O regionalismo não é uma forma de usar o material local mais disponível, ou de copiar formas simples de construção que os nossos antepassados usavam, por quererem algo melhor, há um século atrás." (Tradução nossa) 66 "Mas, no final, as questões de planeamento regional são subentendidas no pensamento de Mumford, sobre as questões maiores do que se veio a denominar ecologia e sustentabilidade, com base no que ele se referiu em Technics and Civilization como a era "biotecnológica" que ele acreditava ser o futuro […]. Entre os objetivos do regionalismo biotecnológico estiveram a recuperação do equilíbrio entre o homem e a natureza, a conservação e recuperação de solos e da proteção florestal para fornecer abrigo para a vida selvagem" (Tradução nossa)

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Sem detrimento das preocupações ecológicas que caracterizavam a sua forma de estar, Mumford era completamente a favor da tecnologia mais avançada, desde que essa se revelasse funcional e sustentável. Ao contrário do que poderíamos equacionar, Mumford era apoiante do ar-condicionado dentro de determinados condicionalismos: (Lefaivre e Tzonis, 2003, p.37 e 38) ""mechanical air conditioning might be a useful auxiliary to nature under special conditions such as the work space, [...]. But in most circumstances of living, natural modes of air conditions through ventilation is best." […] In fact, Mumford thought very highly of the culture of the industrialization and mechanization, […] we have a celebration of technical inventions such as the modern steamship."67 (Lefaivre e Tzonis, 2003, p.37 e 38)

4. A definição de comunidade: A comunidade como era vista, na opinião de Mumford era desajustada pelos seus padrões culturais estarem assentes em dinâmicas locais. A pequenez de se desenvolver um território com base em laços de sangue ou em função de uma pequena área fechada em si mesma, resultava numa monocultura, em que a dimensão era comprável à de um desenvolvimento tribal. Por essa razão Mumford é apologista de uma abertura desses restringimentos locais, em prol de um desenvolvimento assente numa base multicultural e que fosse para além das necessidades imediatas: (Lefaivre e Tzonis, 2003, p.38) "This effort takes form in meeting the practical demands for an environment modified for human use; but the modifications that are made serve something more than the immediate needs: they testify to the degree of order, of co-operation, of intelligence, of sensitiveness, that characterize community."68 (Mumford apud Lefaivre e Tzonis, 2003, p.38)

67

"O ar condicionado mecânico pode ser um útil auxiliar da natureza em condições especiais, como num espaço de trabalho, [...]. Mas, na maioria das circunstâncias da vida, o ar-condicionado natural por intermédio da ventilação é melhor. "[...] Na verdade, Mumford pensou muito na cultura da industrialização e mecânica, [...] celebra as invenções tecnológicas, como um navio a vapor moderno." (Tradução nossa) 68 "Este esforço ganha forma para atender às demandas práticas de um ambiente modificado para uso humano; mas as modificações devem servir mais do que as necessidades primárias: devem testemunhar um certo grau de ordem, de cooperação, de inteligência, de sensibilidade que caracterizem a comunidade." (Tradução nossa)

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5. A apologia pela dimensão local e universal: Ao contrário de outros pensadores e analistas, Mumford não considerava que houvesse uma oposição entre o "local" e o "universal": "He saw regionalism not as a way of resisting globalization, or rather, not completely. Mumford struck a balance between regionalism and globalism. He introduced the notion in The South in Architecure. "The philosophic problem of the general and the particular has its counterpart in architecture; and during the last century that problem has shaped itself more and more into the question of what weight should be given to the universal imprint of the machine and the local imprint of the region and the community."69 (Lefaivre e Tzonis, 2003, p.39)

A mensagem que Mumford pretende fazer sobressair na citação é a de que qualquer cultura regional existente, tem necessariamente um lado universal por estar exposta a questões e influências externas. Mumford volta a reforçar: "As with a human being, every culture must both be itself and transcend itself; it must make most of its limitations and must pass beyond them; it must be open to fresh experience and yet it must maintain its integrity. In no other art is that process more sharply focused than in architecture."70 (Mumford apud Lefaivre e Tzonis, 2003, p.39)

A relevância deste raciocínio está no facto de que pela primeira vez na história do regionalismo, existiu uma vontade de superar os condicionalismos em vez de os enfatizar. Por outras palavras, houve um reconhecimento de que o progresso depende tanto de influências internas como de influências externas, como que agindo em função uma da outra em busca de um equilíbrio. (Lefaivre e Tzonis, 2003, p.38 e 39) Após termos elencado os cinco pontos essenciais que caracterizam a visão de Mumford relativamente ao regionalismo, resumimo-la numa última citação por falta de capacidade nossa em condensar melhor a importância destes escritos num raciocínio igualmente sucinto:

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"Ele viu o regionalismo não como uma forma de resistir à globalização, ou melhor, não completamente. Mumford alcançou o equilíbrio entre regionalismo e globalismo. Ele introduziu essa noção no The South in Architecure. "O problema filosófico do geral e do particular tem sua contrapartida na arquitetura e, durante o último século, esse problema moldou-se cada vez mais na questão doa importância que deve ser atribuída ao cunho universal da máquina e ao cunho local da região e da comunidade." (Tradução nossa) 70 "Tal como acontece com um ser humano, toda cultura deve ser ela própria e transcender-se; deve conhecer a maioria das suas limitações e ultrapassá-las; deve estar aberto a novas experiências e, no entanto, deve manter a sua integridade. Em nenhuma outra arte, esse processo está mais focado do que na arquitetura." (Tradução nossa)

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"We find in Mumford's writings the vision of a multi-dimensional, multi-functional, interdisciplinary approach to the built environment capable of dealing with the many factors shaping the post-war period - involving identity, sustainability, memory, community in a globalizing, post-colonial and fragmented world. This reality was something that the simpler, one-dimensional theories developed both by pre-war CIAM and traditional regionalists were no longer able to cope with."71 (Lefaivre e Tzonis, 2003, p.39)

Terminada a análise à linha de pensamento de Lewis Mumford, sugerimos a segunda linha de pensamento a que nos propusemos no início deste capítulo. Faremos portanto, uma análise dentro do assunto do regionalismo crítico, tendo por base de consulta a obra teórica da autoria de Kenneth Frampton: "Modern architecture: a critical history". Regionalismo crítico por Kenneth Frampton: Kenneth Frampton começa por citar Paul Ricoeur para iniciar o seu estudo sobre o regionalismo crítico. A citação a que faz referência foi utilizada por nós precisamente para o mesmo efeito: introduzir o regionalismo crítico. Por já o termos feito anteriormente72, e termos focado as partes que considerámos serem as mais importantes, iniciamos Frampton citando-o segundo a sua própria definição de regionalismo crítico, ao mesmo tempo que comentamos os excertos transcritos: "The term "Critical Regionalism" is not intended to denote the vernacular as this was once spontaneously produced by the combined interaction of climate, culture myth and craft, but rather to identify those recent regional "schools" whose primary aim has been to reflect and serve the limited constituencies in which they are grounded. Among other factors contributing to the emergence of a regionalism of this order is not only a certain prosperity but also some kind of anti-centrist consensus - an aspiration at least to some form of cultural, economic and political independence."73 (Frampton, 2007, p.314)

O parágrafo que transcrevemos na íntegra começa por definir regionalismo crítico fora da esfera de um regionalismo ultrapassado e mal interpretado, ao desmistificar as confusões que ao longo da evolução do conceito lhe têm sido atribuídas. Alerta 71

"Encontramos nos escritos de Mumford a visão de uma abordagem multidimensional, multi-funcional e interdisciplinar ao ambiente construído, capaz de lidar com os muitos fatores que abalaram o período do pós-guerra - envolvendo a identidade, a sustentabilidade, a memória e a comunidade na globalização de um mundo pós-colonial e fragmentado. Esta realidade foi algo com que as teorias mais simples e de uma só dimensão desenvolvidas pelos CIAM do pré-guerra já não eram capazes de lidar." (Tradução nossa) 72 A citação a que nos referimos está no capítulo 2.3 nas páginas 55 e 56. 73 "O termo "regionalismo crítico" não se destina a denotar o vernáculo, na medida em que foi produzido espontaneamente pela interação combinada do clima, do mito da cultura e do artesanato, mas sim para identificar aquelas "escolas" regionais recentes, cujo principal objetivo foi refletir e servir as constituintes limitadas em que estão enraizadas. Entre outros fatores que contribuíram para o surgimento de um regionalismo desta ordem não como apenas uma certa prosperidade, mas também como algum tipo de consenso anti centrista - uma aspiração, pelo menos, de uma forma de independência cultural, económica e política." (Tradução nossa)

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portanto para o facto de se afastar de uma perspetiva baseada em conceitos antigos associados a uma série de fatores regionais, que apesar de fazerem parte da sua constituição, não são de todo a sua única preocupação, num tipo de intervenção que se pretende à margem de um revivalismo de um passado longínquo. Por outro lado pretende lançar o regionalismo crítico enquanto pensamento em arquitetura arredado de um certo egocentrismo característico do movimento moderno, assim como da criação de um novo movimento estilístico. Frampton pensa ser esta uma forma de progresso assente na arquitetura: "The concept of a local or national culture is a paradoxical proposition not only because of the present obvious antithesis between rooted culture and universal civilization but also because all cultures […] seem to have depended for their intrinsic development on a certain cross-fertilization with other cultures. As Ricoeur seems to imply […] regional or national cultures must today, more than ever, be ultimately constituted as locally inflected manifestations of "world culture". […] we have to regard regional culture not as something given and relatively immutable but rather as something which has, at least today, to be self-consciously cultivated. Ricoeur suggests that sustaining any kind of authentic culture in the future will depend ultimately on our capacity to generate vital forms of regional culture while appropriating alien influences at the level of both culture and civilization."74 (Frampton, 2007, p.315)

A citação que transcrevemos introduz a dimensão local e a dimensão global que Liane Lefaivre e Alexander Tzonis defendem através dos escritos de Lewis Mumford. Por seu lado, Kenneth Frampton, baseia-se em Paul Ricoeur para explorar esta dimensão aglutinadora de duas realidades completamente antagónicas entre si. Através delas, Frampton justifica que mesmo em tempos longínquos, em civilizações antigas, houve em determinados momentos intercâmbios entre culturas diferentes, contribuindo desta forma para o desenvolvimento de ambas. Aproveita também para dizer que ao transportarmos esta ideia para a nossa contemporaneidade, devemos faze-lo de forma consciente e dessa forma compreender que a integração de outras influências, quer culturais quer civilizacionais, é benéfica em prol de um bem comum.

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"O conceito de cultura local ou nacional é uma proposição paradoxal não só por causa da presente antítese óbvia entre cultura enraizada e civilização universal, mas também porque todas as culturas [...] parecem ter dependido de seu desenvolvimento intrínseco numa certa fertilização cruzada com outras culturas. Como Ricoeur parece sugerir [...] as culturas regionais ou nacionais devem hoje, mais do que nunca, ser constituídas em última instância como manifestações de "cultura mundial" infletida localmente. [...] devemos considerar a cultura regional não como algo dado e relativamente imutável, mas sim como algo que tem, pelo menos, hoje, de ser auto conscientemente cultivado. Ricoeur sugere que sustentar qualquer tipo de cultura autêntica no futuro dependerá, em última instância, da nossa capacidade de gerar formas vitais de cultura regional enquanto se apropriam de influências alienígenas ao nível tanto da cultura como da civilização" (Tradução nossa)

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Frampton prossegue a sua investigação ao focar o trabalho de diversos arquitetos cujas práticas considera serem bons exemplos de regionalismo e justifica-os. Entre eles fala-nos do trabalho de Álvaro Siza Vieira75, - Ilustração 13 - onde chama à atenção para a relação entre a sua arquitetura e o lugar em função da tectónica. Introduz-nos também Harwell Hamilton Harris e a sua distinção entre regionalismo de libertação e regionalismo de restrição, como sendo uma das melhores definições de regionalismo crítico e cuja análise já foi apresentada neste documento76. Destaca a arquitetura suíça através das suas políticas de favorecimento da cultura local em prol da assimilação de ideias externas, assim como da influência racionalista no cantão italiano, para tal elogia o trabalho de Mario Botta77. Classifica Tadao Ando78 como um dos arquitetos mais regionalistas e mais conscientes da contemporaneidade, por se interessar pelas mais avançadas tecnologias e ao mesmo tempo pelas idiossincrasias de uma cultura enraizada. Faz ainda referência ao trabalho do grego Aris Konstantinidis79 pela tensão explícita, dos seus projetos públicos, entre a existência de uma racionalidade universal e uma tactilidade autóctone. Não obstante, a interpretação que fazemos de tais observações e exemplos dados por Frampton nesta sua análise, revelam os traços pelos quais o regionalismo crítico se deve reger. Por outras palavras, ilustra através dos trabalhos que selecionou as relações dialéticas que devem conduzir o regionalismo a mediar e englobar a relação entre o local e o global.

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Álvaro Siza Vieira (1933 - ) - É o arquiteto português contemporâneo mais condecorado. Estudou na ESBAP no Porto, onde veio mais tarde a lecionar como professor assistente. Conhecido como um dos protagonistas da "escola" do Porto é também reconhecido mundialmente. Das inúmeras condecorações destacamos o Prémio de Arquitetura Contemporânea Mies van der Rohe em 1988 e o Prémio Pritzker de Arquitetura no ano de 1992. Professor Doutor Honoris Causa por diversas Universidades a partir de 1992, última em 2015, Universidade de Évora. 76 Tema abordado no subcapítulo 2.1.2 a partir da página 30. 77 Mario Botta (1943 - ) - Arquiteto suíço e de elevado reconhecimento. Sob influência de Louis Kahn e Carlo Scarpa, desenvolveu uma arquitetura de traços próprios facilmente reconhecida pelo uso de materiais específicos e pela relação com a envolvente. Premiado por diversas instituições importantes e Professor Doutor Honoris Causa por diversas Universidades a partir de 1989, a mais recente em 2016, "University of Architecture, Civil Engineering and Geodesy" na Bulgária. 78 Tadao Ando (1941 - ) - Arquiteto japonês. Uma das suas características mais interessantes é o facto de não ter sido um estudante de arquitetura convencional, por nunca ter frequentado uma Universidade. No entanto, é um arquiteto sobejamente conhecido e reconhecido, tendo sido premiado por diversas vezes. Prémio Pritzker de Arquitetura em 1995, e AIA Gold Medal em 2002. A sua arquitetura destaca-se pelo sentido espiritual dos espaços através da utilização do betão e da relação com a envolvente. 79 Aris Konstantinidis (1913 - 1993) - Arquiteto grego. Estudou na "TUM: Universidade Técnica de Munique" onde teve contacto com a arquitetura moderna. Ao longo da sua carreira esforçou-se por divulgar as qualidades da arquitetura grega, pouco conhecida à época. Esteve ligado ao projeto de ordenamento da cidade de Atenas, e entre muitos outros projetos de menor escala destacam-se os hoteis "Xenia". Foi Professor assistente no Politécnico de Zurique e Professor Doutor Honoris Causa pela Universidade de Thessaloniki.

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Porém, e para melhor compreendermos a mensagem de Frampton, propomos a análise dos sete pontos que ele enuncia no documento sobre o qual nos temos vindo a basear, "Modern architecture: a critical history", com a intenção de estruturar e facilitar a sua leitura de regionalismo crítico: 1. O regionalismo crítico deve ser entendido como uma prática marginal, em que enquanto crítica da modernização, não dispensa as virtudes emancipatórias e progressistas do legado arquitetónico moderno. Porém a sua natureza afasta-o de uma otimização normativa e da utopia do movimento moderno. Tende a favorecer projetos de pequena escala em detrimento de projetos de grande escala. (Frampton, 2007, p.327) 2. O regionalismo crítico manifesta-se numa arquitetura consciente e balizada, em vez de se assumir como uma construção isolada que se assume como única erigida no lugar. Isto implica que o arquitecto deve reconhecer as barreiras físicas às quais o seu projeto deve estar sujeito. (Frampton, 2007, p.327) 3. O regionalismo crítico favorece uma arquitetura tectónica em vez de reduzir a envolvente construída a uma série de construções mal distribuídas. (Frampton, 2007, p.327) 4. O regionalismo crítico reivindica a sua regionalidade ao enfatizar determinados fatores específicos locais, desde a topografia, à luminosidade local. Como tal, uma resposta articulada às características climáticas é uma consequência direta. Enquanto opositor do ar-condicionado, o regionalismo crítico trata o objeto arquitetónico em função das especificidades do lugar, clima e luz. (Frampton, 2007, p.327) 5. O regionalismo crítico enfatiza a perceção sensorial, ao reconhecer que a perceção espacial é mais do que o aspeto visual. O resultado é a criação de diversas ambiências que são possibilitadas pelo uso de materiais e acabamentos, que levam a que o corpo seja obrigado a reagir a determinados estímulos, forçando-o a comportarse de formas diferentes em espaços diferentes. (Frampton, 2007, p.327) 6. O regionalismo crítico opõe-se a uma valorização sentimental do vernacular, o que não invalida a sua reinterpretação pontual. O objetivo é situar o objeto construído na sua envolvente sem que fique refém dela. Ou seja, a noção de local e universal é

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neste ponto referida, como parte integrante de uma intervenção contemporânea. (Frampton, 2007, p.327) 7. O regionalismo crítico tende a desenvolver-se em meios onde seja possível escapar a uma civilização universal otimista. O seu aparecimento sugere que a perceção de um centro cultural dominante rodeado por satélites dependentes é, em última instância, um modelo desadequado para avaliar o atual estado da arquitetura moderna. (Frampton, 2007, p.327) Tendo terminado a análise sobre o regionalismo crítico de Frampton e o de Mumford, finalizamos com uma citação que julgamos ser de algum modo aglutinadora do que temos vindo a desenvolver, e duas fotografias que também ajudam a compreender: "The fundamental strategy of Critical Regionalism is to mediate the impact of universal civilization with elements derived indirectly from the peculiarities of a particular place. It is clear from the above that Critical Regionalism depends upon maintaining a high level of critical self-consciousness. It may find its governing inspiration in such things as the range and quality of the local light, or in a tectonic derived from a peculiar structural mode, or in the topography of a given site."80 (Frampton, 1987, p.21)

Ilustração 13 - Piscinas de Leça da Palmeira. Álvaro Siza Vieira. (Ilustração nossa. 2011)

80

" A estratégia fundamental do regionalismo crítico é mediar o impacto da civilização universal com elementos derivados indiretamente das peculiaridades de um determinado local. É claro do acima exposto que o regionalismo crítico depende da manutenção de um alto nível de autoconsciência crítica. Pode encontrar a sua inspiração fundamental em coisas como a amplitude e qualidade da luz local, ou numa tectónica derivada de um modo estrutural peculiar, ou na topografia de um determinado terreno." (Tradução nossa)

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2.3.2. CLIMA ENQUANTO ELEMENTO DE SUSTENTABILIDADE Ao longo do estudo que temos vindo a encadear, fizemos referência a alguns chavões que nos levarão, por fim, à aproximação de uma definição para uma arquitetura responsável e em plena sinergia com o lugar e seus intervenientes. Porém, numa perspetiva contemporânea e atual, é imprescindível falar de clima enquanto elemento integrante de uma estratégia sustentável de edificação em harmonia com o lugar. Não obstante, quando nos referimos a clima enquanto estratégia de sustentabilidade, não pretendemos em todo o caso, iniciar um estudo sobre o conceito de sustentabilidade, mas sim, cingir-nos ao clima enquanto premissa de projeto, que a par de outras já enunciadas, teve e tem um papel fundamental na sua visão e conceção. A contribuição de Viollet Le Duc, enunciada no capítulo 2.2.1, previa que estudos científicos sobre o clima contribuíssem para um maior conhecimento dos lugares e possíveis vias de adaptação dos objetos construídos aos seus sítios de destino, de maneira a promover uma melhor adaptação regional das construções. Porém com o surgimento da modernidade no séc. XX, toda essa linha de raciocínio se perdeu em prol do estilo internacional e respetiva modernidade. Com a intenção de recuperar o tema para a atualidade projectual no domínio do regionalismo em arquitetura do séc. XXI, começamos por sugerir algumas definições de clima: "Climate is described as the dynamic cycle of weather at a specific location that is repeated on a daily or annual basis. Global weather can be subdivided into various climate zones, for instance the tropics, sub-tropics, temperate zones, sub-polar and polar zones. […] We are shaped by our climate, directly and indirectly, very early in life: be it by physiological experiences during early childhood, through the climate-imbued culture, represented by what we "inherit" from our forefathers. […] Climate shapes our environment. It is not surprising that autochthonous buildings in the temperate alpine zone of Bhutan resemble houses in our own Alps, despite the lack of cultural transfer between regions. […] A broader sense of the world not only takes physical values into account, but also atmospheric aspects such as effects and moods."81 (Hönger et al., 2013, p.8)

81 "O clima é descrito como o ciclo dinâmico do tempo num local específico que é repetido diariamente ou anualmente. O clima global pode ser subdividido em várias zonas climáticas, por exemplo, tropicais, subtropicais, zonas temperadas, zonas subpolares e polares. […] Nós somos moldados pelo nosso clima, direta e indiretamente, desde muito cedo na vida: seja por experiências fisiológicas durante a primeira infância, através da cultura imbuída pelo clima, representada pelo que "herdamos" de nossos

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"clima (Lat. clima < Gr. klíma, inclinação), s.m. conjunto das condições atmosféricas que caracterizam determinada região; zona terrestre entre círculos paralelos; país; região; (fig.) meio ambiente." (Texto Editora, 1995, p.351, negrito do autor) "CLIMA - METEOR. 1) Noção. De inclinação (dos raios solares sobre a superfície da Terra, do equador celeste em relação ao horizonte, obliquidade da eclíptica). O C. de uma região ou local é o conjunto das condições meteorológicas predominantes nessa região ou local, num determinado intervalo de tempo. O C. é assim definido pelo conjunto dos elementos que, na sua sucessão habitual no decurso de um intervalo de tempo, caracterizam a atmosfera, dando a cada lugar da Terra uma individualidade própria. […] Tempo e C. estão assim intimamente relacionadas e ligadas a todas as activs. humanas pela influência que exercem sobre a vida animal e vegetal […]." (Chorão, 1998, p.716, maiúsculas e negrito do autor)

As citações transcritas conduzem-nos à noção de que a par das definições de região e regionalismo, clima tem uma relação direta com as características dos lugares e com as pessoas que os habitam. Nesse seguimento, intuímos à semelhança dos conceitos já enunciados, que dentro do conceito de clima se consegue igualmente definir diferentes dimensões entre as quais as relações humanas se estabelecem. Servindonos de apoio uma compilação de textos de vários autores, entre os quais Gion A. Caminada82, cujo título é "Climate as a Design Factor", salientamos a dimensão cultural, a dimensão material e a dimensão comportamental. Na opinião de Sascha Roesler83, a dimensão cultural passa pela importância do conhecimento empírico do ato de construir e de observar o tempo, transmitido de geração em geração com o único propósito de responder às condicionantes específicas do lugar. É por outras palavras, a relevância do conhecimento técnico resultante da ponderação entre as características do lugar e as necessidades de abrigo, em prol de uma resposta plena às necessidades de quem habita, e que na sua opinião deve ser recuperado.

antepassados. […] O clima molda nosso meio ambiente. Não é de espantar que edifícios autóctones na zona alpina temperada de Butão se assemelhem a edifícios nos nossos próprios Alpes, apesar da falta de relação cultural entre estas regiões. […] Um sentido mais amplo do mundo não só leva em consideração os valores físicos, mas também aspetos atmosféricos, como efeitos de humor." (Tradução nossa) 82 Gion Antoni Caminada (1957 - ) - Remeter ao capitulo 3.1 deste documento na página 64. 83 Sascha Roesler (1971 - ) - Arquiteta doutorada pela ETH em 2004. Fez investigação na ETH Zurich com o Professor Andrea Deplazes entre 2004 e 2010. Atualmente, é investigadora sénior no Future Cities Laboratory em Singapura.

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"Many everyday domestic building methods around the world can be regarded as the evolutionary result of observing the climate. […] Architecture should return to a dialogue with the climate, having simply negated it with its structural concepts in the 20th century. Today's architecture can be inspired and guided by the advance of thousands of years of traditional building. It can also reach new, optimized buildings solutions by itself observing nature and developing traditional building further."84 (Roesler apud Hönger et al., 2013, p.18)

Ilustração 14 - "Angolo di una stalla a Vrin. Stalla a Duvin", 1995. Fotografia de Lucia Degonda ([Adaptado a partir de:] Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.52)

No que diz respeito à dimensão material, Roger Boltshauser85 defende a utilização de materiais regionais, ou até disponíveis no próprio local de implantação do novo edifício. Dá-nos como exemplo um projeto de sua autoria, o da casa "Haus Rauch", cuja utilização da argila retirada diretamente do local, constitui-se como o principal material utilizado na sua construção. Neste caso, tal opção permitiu alcançar um nível de conforto no seu interior substancialmente maior, graças às propriedades das paredes de argila, que permitem manter os níveis de humidade baixos no seu interior. De acordo com o autor, tal opção constituiu-se novamente como uma melhor

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" Muitos métodos cotidianos de construção doméstica em todo o mundo, podem ser considerados como o resultado evolutivo da observação do clima. […] A arquitetura deve voltar a dialogar com o clima, apesar de ter simplesmente negado os seus conceitos estruturais durante o século XX. A arquitetura de hoje pode ser inspirada e guiada pelo avanço de milhares de anos de construção tradicional. Também pode alcançar e otimizar novas soluções por si só, observando a natureza e desenvolvendo mais o edifício tradicional." (Tradução nossa.) 85 Roger Boltshauser (1964 - ) - Arquitecto graduado em 1996. No seu percurso conta com colaborações com o ateliê de Peter Märkli. Um dos projetos que se destaca da sua autoria é o da "Haus Rauch". Tem ateliê em funcionamento em Zurique, cujo trabalho é bastante aplaudido.

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adaptação às necessidades específicas do lugar, proporcionando um melhor comportamento relativamente à envolvente climática, em comparação com outros materiais, como é exemplo o betão armado e alvenaria convencional. Desta maneira evitou-se o uso de tecnologias de elevado consumo energético, como por exemplo o ar condicionado, para alcançar o mesmo conforto térmico.

Ilustração 15 - "Haus Rauch". ([Adaptado a partir de:] Bühler, 2008)

Por seu lado, Gion A. Caminada centra a sua análise na necessidade de mudança da dimensão comportamental das sociedades em função da atualidade climática. Depreendemos do seu manifesto, que a arquitetura tem um papel determinante no comportamento da sociedade global, e que urge uma mudança. Nesse sentido, a mudança deve fazer-se sentir não só no período de vida útil do objeto construído, mas também na sua fase de construção e até demolição. Ou seja, a forma como construímos à escala global, deve ser repensada segundo a adoção de soluções que se integrem nos lugares de destino, e modus vivendi das suas populações, por forma a gerar um maior sentido de pertença e identidade entre as pessoas e os seus lugares. Desta maneira promove-se a integração entre pessoas e seus lugares em vez de se promover a estética enquanto objeto identificativo. "Limited resources and climate change are forcing us to act. […] The global way of building has contributed to a loss of location. That is due to technological advances […] It is not about returning to nature, but instead much more about allowing people to discover a broad range of phenomena that can enrich the way we live on this planet. […] Places that allow a high degree of identity are far more valuable than merely their aesthetic enjoyment […]."86 (Caminada apud Hönger et al., 2013, p.80 e 81)

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"Recursos limitados e mudanças climáticas forçam-nos a agir. [...] A forma global como construímos contribuiu para a perda da localização. Isso deve-se aos avanços tecnológicos [...]. Não se trata de voltar

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Ilustração 16 - "Casa para una Comunidad Aborígen (1991/1994)". Esquisso de Glenn Murcutt, 1991. (Godsell, 2012, p.20)

Conclui-se assim que de facto as diversas características de uma região devem ter impreterivelmente relação direta com as condicionantes de projeto. Por essa razão, a arquitetura tem o dever de se adaptar e promover adaptação, com o objetivo de integrar o objeto construído na tradição específica e na cultura em que se insere. Conclui-se por estas três dimensões que mais uma vez a arquitetura deve obedecer a uma leitura regional com preocupações globais, e que o consumo energético sustentável é também um problema global ao qual a arquitetura poderá ter uma contribuição significativa. No seguimento da conclusão anterior, julgamos que para uma perspetiva contemporânea de regionalismo, o clima tem que fazer parte do discurso arquitetónico. Ao compreendermos que regionalismo, segundo as conclusões a que chegámos no capítulo 2.3.1, tem duas dimensões complementarmente distintas, a local e a global que devem atuar em função uma da outra, devemos como tal numa perspetiva atual, atentar à problemática do desperdício energético e que resposta a arquitetura pode

à natureza, mas sim, sobre permitir que as pessoas descubram uma ampla gama de fenômenos que podem enriquecer a forma como vivemos neste planeta. [...] Lugares que permitem um alto grau de identidade são muito mais valiosos do que meramente o seu prazer estético […]." (Tradução nossa.)

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dar na perspetiva de que abrange uma dimensão global e pode procurar respostas locais. Retomando a análise dos textos a que nos referimos anteriormente, e centrando-nos na conclusão do último parágrafo, propomos a análise de Christian Hönger87 e Roman Brunner88 sobre essa matéria. O problema do consumo energético é um tema alargadamente debatido na atualidade, a par do problema do aquecimento global causado em grande parte pela poluição gerada pelos países desenvolvidos. Todavia, estes países correspondem unicamente a cerca de 25% da população global atual, e consomem cerca de 75% da energia globalmente produzida, sendo que cerca de 50% dessa energia é desperdiçada pelos edifícios. Estes dados retirados da análise dos autores acima referidos, ilustram bem a enorme responsabilidade da indústria da construção, e o papel que podem assumir num compromisso de mudança. Inserida nessa grande indústria está a arquitetura que se estabelece, maioritariamente, dentro do poder dos países desenvolvidos em que as energias renováveis são pouco implementadas e ainda menos desenvolvidas. Citamos um excerto que nos parece alarmante do ponto de vista do assunto desta nossa investigação: "Today's global architecture is akin to that view. Oriented towards an "architecture of international stars", which mainly focuses on highly industrialized, capitalist civilizations, it stands for an international or multicultural style that can be applied everywhere and adapted to the local conditions by using technical means."89 (Hönger et al., 2013, p.12)

O motivo desta constatação, é o de desenvolver um raciocínio com uma perspetiva diferente. Tal como visto no capítulo 2.2.2, o modernismo teve um impacto significativo na difusão de um pensamento que hoje podemos classificar de inadequado. É urgente alterar o paradigma da construção e julgamos que a arquitetura tem um papel

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Christian Hönger (1959 - ) - Arquiteto e membro fundador em 1991 do ateliê de arquitetura "giuliani.hönger" em Zurique. Enquanto docente, conferencista e investigador teve presença académica em diversas faculdades, nomeadamente na ETH Zurich, FHNW Basel, entre outras. É também autor de algumas publicações como por exemplo "Climate as a design factor", ou "The building shell - A decisionmaking tool". 88 Roman Brunner (1976 - ) - Arquitecto "freelancer" entre 2002 e 2005. Entre 2004 e 2007 foi professor assistente na HSLU - T&A na qual foi também investigador entre 2007 e 2010, tendo contribuído com a sua autoria para algumas publicações como "Climate as a design factor" ou " A leveable window". Desde 2010 que é conselheiro na preservação de monumentos do Cantão Zugo na Suiça. 89 "A arquitetura global de hoje é semelhante a essa visão. Orientada para uma "arquitetura de estrelas internacionais", que se concentra principalmente em civilizações capitalistas altamente industrializadas, representando um estilo internacional ou multicultural que pode ser aplicado em todos os lugares e adaptado às condições locais, através meios técnicos." (Tradução nossa.)

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fundamental nessa mudança. Contudo, não nos devemos deixar levar por uma abordagem nostálgica, e de enaltecimento de um modo de operar antigo ao defendermos estratégias ultrapassadas como modos adequados de atuar na contemporaneidade. No entanto, julgamos ser útil aprender com elas. "The alternative is a different world view that already existed before industrialization and developed out of the local, social and climatic conditions of the place. People erecting buildings with this perspective regard both the sparing use of resources and a mineralized utilization of technical means to be self-evident. The key concept of endlessly growing productivity is fundamentally questioned here, […]"90 (Hönger et al., 2013, p.12)

A diferença que julgamos ser necessário incutir, para uma arquitetura responsável e sustentavelmente capaz, assenta na oposição concreta ao modo tradicional de operar, que o questiona e oferece soluções igualmente concretas e viáveis no domínio do controlo energético e sem descurar a noção essencial do lugar e todas as suas condicionantes. "It is a different world view that concurs with an architecture that scientifically investigates the local climatic conditions, analyses and empirically assesses the local building culture and transforms it in contemporary design - not in the sense of copying the picturesque in regional buildings, but in sense of a "renewed tradition". Overshadowed by Modernism - and entirely ignored by it - the inspirational protagonists of such a view have taken their own paths."91 (Hönger et al., 2013, p.12)

Em acordo com o estudo até aqui feito, e apesar das críticas feitas no último excerto pelos autores, a verdade é que em oposição a esta arquitetura globalizada, houve arquitetos que desenvolveram outras maneiras de projetar. O conceito de "regionalismo crítico" que desenvolvemos no ponto 2.3.1 revelou a visão de uma arquitetura integrada de oposição ao modernismo. O que sugerimos é uma visão alargada e atualizada desse conceito. Novamente com base nas palavras de Höger e Brunner, salientamos a efetiva necessidade de introduzir o clima nessa visão.

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"A alternativa é uma visão do mundo diferente, que já existia antes da industrialização e era desenvolvida a partir das condições locais, sociais e climáticas do lugar. As pessoas ao erigir edifícios com esta perspectiva consideravam tanto o uso controlado de recursos como a utilização mineralizada de meios técnicos para serem autossuficientes. O conceito-chave de produtividade sem fim é aqui, fundamentalmente questionado […]." (Tradução nossa.) 91 "É uma visão do mundo diferente que coincide com uma arquitetura que investiga cientificamente as condições climáticas locais, analisa e avalia empiricamente a cultura da construção local e transforma-a num projeto contemporâneo - não no sentido pitoresco de copiar edifícios regionais, mas no sentido de uma "tradição renovada". Ensombrado pelo modernismo - e inteiramente ignorado por ele - os protagonistas inspirados em tal visão tomaram seus próprios caminhos.

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"The focus lies on morphological or typological studies as well as a stance that defines the quality of architecture based on its relationship to its context. However, scientific study of the climate as a precondition for a locally specific design is hardly addressed in training and practice. Very simple facts are far too often overlooked: that the consumption of energy in buildings has a direct connection to the local climate. And moreover, that the requirements of the morphology, typology and materials of a highly energy-saving building mean it is quite possible it will not fit into the character of the existing buildings."92 (Hönger et al., 2013, p.14)

Deste ponto de vista, evidenciamos a crescente problemática da adaptação dos edifícios à noção que socialmente se vai difundido sobre o desperdício energético Ilustração 17. Ou seja, a crescente dotação de tecnologia não integrada no pensamento arquitetónico feita a posteriori para efeitos de colmatação de excessos, ou falhas na adaptação dos edifícios à sua envolvente. Apesar de concordarmos que a tecnologia pode e deve ter um papel preponderante na arquitetura, com vista não só à integração mas também ao controlo do desperdício, julgamos que tal facto deve ser previsto e adaptado às efetivas características do projeto de arquitetura assim que o projeto é iniciado. A consequência destas adaptações tardias, vem ao encontro daquilo que tem sido escrito, de que os problemas da sustentabilidade a par dos restantes já referidos, não podem ser colmatados com soluções tecnológicas genéricas e adaptáveis em qualquer circunstância sem a devida atenção às condicionantes específicas do lugar e projeto de arquitetura.

Ilustração 17 - Palmela Village, moradia com painéis solares. Projeto do Arqto. Tomás Taveira. (Ilustração nossa. 2017)

92 "O foco está em estudos morfológicos ou tipológicos, bem como uma posição que define a qualidade da arquitetura com base na sua relação com seu contexto. No entanto, o estudo científico do clima como précondição para um projeto localmente específico dificilmente é abordado no treino e na prática. Fatos muito simples são muitas vezes ignorados: o consumo de energia nos edifícios tem uma conexão direta com o clima local. E, além disso, que os requisitos da morfologia, tipologia e materiais de um edifício altamente poupador de energia significam que é bem possível que não se encaixe no caráter dos edifícios existentes." (Tradução nossa.)

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"Since Modernism, technology has been regarded as an essential condition for progress, […]. Scientific perfectionism is valued much more highly than pragmatic appropriateness. Sustainability itself is therefore mainly defined as a technical problem. From that perspective, building becomes a mere "tuning" in the sense of a second vitalisation of a standard building, […]. Rooftop solar panels and heat pumps in the cellar are regarded as insignia of enlightened environment awareness and used as a universal cure for guilty consciences."93 (Hönger et al., 2013, p.14)

Sem querermos cair em presunção, mas concordando mais uma vez com os autores, julgamos que o problema possa estar no modo de operar dos arquitetos e dos engenheiros. Acreditamos que uma colaboração efetiva desde o começo do projeto de arquitetura, pode trazer mais melhorias do que prejuízos na tentativa de alcançar um resultado integrado do projeto na sua envolvente. "In today's standard planning process, the fundamental decisions with respect to the appearance and typology of architecture are made at an early stage, mostly by the architects alone. These decisions, with their leverage in terms of spatially effective resources and energy optimization […] are thereby already fixed even before the overall system of climate and technology can (re)act. Only in a subsequent step does the engineer develop the technology for the design and optimize it on that basis. […] the chronological sequence of architecture and technology should be transformed into a interdisciplinary parallel process at the earliest design stage, whereby the term "technology" should be redefined and rather be regarded as a source of inspiration for architecture instead of a universal remedy."94 (Hönger et al., 2013, p.16)

Em conclusão, pretendemos que uma visão alargada e atualizada de regionalismo em arquitetura se traduza numa resposta integrada entre objeto construído, seus utilizadores e envolvente. Consideramos que a envolvente não se configura apenas pelos aspetos "palpáveis" ao alcance do nosso corpo, mas também por aqueles que interagem com ele, sejam eles visíveis ou não. Queremos com isto dizer que, do nosso ponto de vista, para uma arquitetura viável do ponto de vista da sustentabilidade e em plena harmonia com o seu lugar, esta deva constituir-se como uma resposta 93

"Desde o Modernismo, a tecnologia tem sido considerada uma condição essencial para o progresso, [...]. O perfeccionismo científico é valorizado muito mais do que a adequação pragmática. A própria sustentabilidade é, portanto, definida principalmente como um problema técnico. Desse ponto de vista, a construção torna-se um mero "tunning" no sentido de uma segunda vitalização de um edifício padrão, [...]. Os painéis solares na cobertura e as bombas de calor na adega são consideradas insígnias da conscientização iluminada do ambiente e utilizadas como uma cura universal para as consciências com sentimento de culpa." (Tradução nossa.) 94 "No processo de planeamento padrão de hoje, as decisões fundamentais em relação à aparência e tipologia da arquitetura são feitas numa abordagem inicial, principalmente pelos arquitetos sozinhos. Essas decisões, com sua alavancagem em termos de recursos espacialmente eficazes e otimização de energia [...], já estão fixas mesmo antes que o sistema geral de clima e tecnologia possa (re) atuar. Somente numa etapa seguinte, o engenheiro desenvolve a tecnologia para o projeto e o otimiza nessa base. [...] a sequência cronológica da arquitetura e da tecnologia deve ser transformada num processo paralelo interdisciplinar na primeira abordagem de projeto, pelo qual o termo "tecnologia" deve ser redefinido e, em vez disso, ser considerado fonte de inspiração para a arquitetura em vez de um remédio universal." (Tradução nossa.)

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efetiva às suas características e condicionantes específicas, partindo do princípio que um objeto projetado para um determinado lugar, não constituí resposta adequada a um outro lugar qualquer. Julgamos por isso, que indo ao encontro desta visão, fazer arquitetura em qualquer parte do mundo justifica as duas dimensões fundamentais deste estudo, e que regionalismo apesar das confusões sugeridas pela sua etimologia, alcança a dimensão global e local. "Architecture can therefore achieve a reconquest: integrating high-technology into the design to allow the development of low-tech buildings. The result is an architecture that is sustainable in the long term and affordable worldwide."95 (Hönger et al., 2013, p.17)

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" A arquitetura pode, portanto, conseguir uma reconquista: integrando alta tecnologia no projeto para permitir o desenvolvimento de edifícios de baixa tecnologia. O resultado é uma arquitetura sustentável a longo prazo e acessível em todo o mundo." (Tradução nossa.)

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3. A PERSPETIVA DE GION A. CAMINADA, DIÉBEDO FRANCIS KÉRÉ Ao longo deste capítulo pretendemos balizar a nossa análise na maneira de operar sobre o território de três arquitetos contemporâneos cujo trabalho consideramos ser relevante numa perspetiva de fundamentação dos assuntos do capítulo 2. A escolha destes arquitetos surge da necessidade de encontrarmos fundamentações, na atualidade arquitetónica, que fossem ao encontro dos assuntos abordados nos capítulos anteriores. Sem a intenção de menosprezar outros arquitetos com semelhantes capacidades e qualidades, julgámos ser relevante a análise de arquitetos que operassem em partes completamente distintas do mundo, com o objetivo de melhor fundamentar as questões relativas ao regionalismo em arquitetura, e comparar os percursos entre si. Pretendemos por isso demonstrar, como em partes tão distantes do mundo e através de modos tão diferentes de operar, é possível alcançar resultados igualmente satisfatórios do ponto de vista da sua sintonia com a envolvente e suas condicionantes, culminando ao mesmo tempo, numa resposta integrada e de continuidade. Não obstante, a escolha de arquitetos menos conhecidos prendeu-se pelo facto de não querermos cair na tentação de nos comparar ou repetir análises feitas por autores sobejamente conhecidos, relativamente a arquitetos de renome, e pelo facto de querermos fundamentar sob o ponto de vista atual, a necessidade de fazer arquitetura integrada nas dimensões que enunciamos em conclusões anteriores. Por estas razões, e por querermos dar continuidade aos capítulos 2.3.1 e 2.3.2, optámos por estudar o trabalho do arquitecto suíço Gion A. Caminada e do arquiteto burquino Diébedo Francis Kéré

Ilustração 18 - "View toward the hills on the northwest from Vrin. Typical of the scenery of Vrin. Mountains can be seen beyound the array of wooden houses and gabbled roofs." Fotografia de Shinkenchiku-sha. ([Adaptado a partir de:] Caminada, 2015, p.19)

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3.1. GION A. CAMINADA

Ilustração 19 - Gion A. Caminada. (SRF1 Regionaljournal Graubünden, 2016)

Com base na interpretação de diversos textos publicados em revistas e monografias sobre o arquitecto em análise, destacamos a monografia: "Cul zuffel e l'aura dado Gion A. Caminada". E o periódico: "a+u Architecture and Urbanism 2015:10 No.541" como principais referências para a análise e redação do estudo sobre o arquiteto que em seguida iniciamos. Gion Caminada nasceu em 1957 na vila de Vrin na Suíça. Antes de se formar como arquitecto na ETH de Zurique, foi carpinteiro no seu lugar de origem - Vrin. Estabeleceu, também, em 1986 o seu atelier de arquitetura em Vrin e é atualmente professor associado na mesma faculdade onde estudou. Da vasta experiência como arquiteto, destaca-se o projeto de renovação da vila de Vrin, de onde surgiram diversos projetos de reabilitação dentro do seu contexto urbano e com vista à sua valorização regional de acordo com os processos culturais.

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3.1.1. INFLUÊNCIAS E FORMAÇÃO A grande maioria dos arquitetos reconhece que a sua identidade projetual advém do estudo da história onde constam grandes obras de arquitetura feitas por grandes mestres ao longo dos tempos, assim como o acompanhamento de obras marcantes da sua época. No entanto, Gion Caminada reclama que no seu caso, o estudo da realidade particular de uma vila nos Alpes Suíços, - Vrin - na qual nasceu e viveu a vida toda, constitui de facto os moldes pelos quais a sua arquitetura se rege. A vila de Vrin, - Ilustração 20 e Ilustração 21 - está situada numa zona remota do Vale Lumnezia no distrito de Surselva que é um de onze que compõem o cantão de Grisões na Suíça. A região tem uma língua própria, o romanche96, que se constitui numa das suas particularidades específicas, a par do facto de ter um tipo de construção característico, a construção em madeira na técnica Strickbau97.

Ilustração 20 - "Panorama of Vrin from the east." Fotografia de Shinkenchiku-sha. ([Adaptado a partir de:] Caminada, 2015, p.15)

Ao longo da história de Vrin, a principal atividade foi a agricultura, embora a partir de meados do séc. XX se tenha vindo a degradar, pela mudança das ocupações dos seus habitantes para outras atividades, consideradas menos exigentes e relacionadas com a prestação de serviços ou construção civil. A par desta mudança em Vrin, o distrito de Surselva enfrentava também alterações. À época, a população migrava para 96

O romanche é uma das quatro línguas oficiais da Suíça. Apesar de ser uma língua oficial, é a menos falada entre o alemão, o francês, e o italiano, sendo apenas falada por cerca de 35000 pessoas como primeira língua, e pouco mais de 40000 como segunda língua. É considerada um língua em vias de extinção. A sua origem remete aos romanos, e como tal é uma variação do latim. 97 Remeter ao capítulo 3.1.2 deste documento na página 88.

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as grandes cidades o que convidava à transformação das quintas e dos armazéns em casas de férias. Ao verificar que estas alterações causavam o desvirtuamento das origens da região, em Vrin em meados dos anos 80 do séc. XX, foi criada a associação "Pro Vrin". A associação visava combater os problemas inerentes ao despovoamento e mudança dos hábitos da população. Assim os problemas dos campos abandonados, do grande parcelamento de terras e da necessidade de fazer estradas novas de acesso às quintas, foram considerados prioridades para esta associação que também reunia o apoio governamental, tornando-se desta maneira numa ação conjunta entre as várias classes administrativas. "The Swiss Kanton Graubünden was everything other than a prosperous region during the 1980's. It was defined by the hardships of making a living in classical agriculture, rural population flight and, in many places, the vacancy of farmhouses and barns. […] Gion A. Caminada observed these developments as a bystander as they unfolded within neighbouring […]. He and his hometown Vrin were of the firm conviction that similar trends must be prevented within their community. This is how "Project Vrin" came about: a rural movement where social cohesion played as much a role as the architectonic framing of his buildings."98 (Shopper apud Caminada, 2015, p.86)

Ilustração 21 - "General view of Vrin". Fotografia de Shinkenchiku-sha. ([Adaptado a partir de:] Caminada, 2015, capa)

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O Cantão Suíço de Grisões era tudo menos uma região próspera durante a década de 1980. Tal facto deveu-se pelas dificuldades em ganhar a vida na agricultura clássica, no êxodo da população rural e, em muitos casos no abandono de fazendas e celeiros. [...] Gion A. Caminada observou esses desenvolvimentos enquanto espectador ao mesmo tempo que os revelava aos vizinhos [...]. Ele e sua vila natal, Vrin, estavam firmemente convictos de que tendências semelhantes deveriam ser evitadas dentro de sua comunidade. Foi assim que surgiu o "Projeto Vrin": um movimento rural onde a coesão social desempenhou o mesmo papel que a estrutura arquitetónica dos seus edifícios. (Tradução nossa.)

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Gion Caminada tornava-se numa figura central desta mudança ao encabeçar as responsabilidades inerentes ao ordenamento do território. O "Projeto Vrin", encabeçado por ele, consistia em dotar a vila de equipamentos essenciais às atividades que nela se desenvolviam, com o intuito de criar novas condições à sua exploração e novas oportunidades para os residentes da vila, tentando desta maneira contrariar a tendência generalizada de abandono que afetava toda a região. O que, neste caso específico, a transformação seguia regras próprias: "La trasformazione, che seguì al miglioramento fondiario, doveva essere guidata a livello architettonico, economico e culturale con sensibilità e misura. Su incarico del Comune, Gion Caminada cercò di proporre, all'interno di uno studio, alternative alle solite stalle di nuova costruzione, che vengono spesso posizionate a caso nel paesaggio. L'obiettivo era il mantenimento e l'evoluzione accurata dell'immagine del luogo e del paesaggio culturale."99 (Schmid apud Schlorhaufer e Caminada, 2005,p.36)

Tendo em conta estas contingências, as principais atividades laborais e a necessidade de dotar a vila de novos equipamentos que a tornassem mais atualizada face às necessidades dos seus habitantes, chegou-se à conclusão de que, apesar dos consensos alcançados num movimento de tamanha complexidade, não bastava edificar os equipamentos sem que estes tivessem uma forte relação de reciprocidade com os seus utilizadores. Era preciso portanto, definir a linha de conduta que viria a vincular a arquitetura de Caminada ao lugar específico de intervenção. Por essa razão, a procura pelos costumes e formas de habitar ditou quais os equipamentos fundamentais, assim como o método construtivo a adotar. O resultado destes consensos ditou a construção de equipamentos, alguns representados esquematicamente no esquisso que apresentamos, - Ilustração 22 cirurgicamente englobados no tecido urbano da vila, tais como diversos estábulos, um matadouro, um talho, uma cabine de telefone, um pavilhão multiusos, uma casa para velar os mortos, uma serração e uma série de projetos de edifícios habitacionais.

99 A transformação, que se seguiu ao melhoramento das terras deve ser conduzida a uma cooperação arquitetónica, económica e cultural com sensibilidade e contenção. Em nome da vila, Gion Caminada tentou propor, dentro de um estudo, alternativas para os habituais estábulos recém-construídos, que muitas vezes eram posicionados aleatoriamente na paisagem. O objetivo era a preservação e evolução cuidada com a imagem do lugar e da paisagem cultural. (Tradução nossa.)

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Ilustração 22 - "Sketch of Vrin seen from southeast." (Caminada, 2015, p.44)

O facto de se ter iniciado o processo da reabilitação da vila de Vrin, fez com que de efetivamente Caminada se deparasse com problemas com os quais a sua arquitetura teria que lidar, e que revelavam ser um desafio maior e inovador. É por isso que o resultado da sua operação foi com base em abordagens gerais de planeamento territorial e na fixação da paisagem cultural da vila. Em suma, podemos dizer que o percurso de Gion A. Caminada na arquitetura foi fortemente influenciado pela sua posição "política" na vila de Vrin, e que o "Projeto Vrin" lhe permitiu desenvolver uma serie de características próprias de interação com a paisagem cultural, natural e laboral, culminando numa consciência própria, consensual e singular que viriam com o tempo a revelar-se traços específicos da sua ação enquanto arquiteto.

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3.1.2. IDENTIDADE PROJETUAL Dadas as particularidades de Vrin e da região Alpina onde se insere, bem como os assuntos abordados no subcapítulo anterior, pretendemos agora definir as linhas identitárias da arquitetura de Gion Caminada. Para as fundamentar, continuámos a servir-nos dos mesmos textos que mencionamos no início do estudo sobre o arquiteto. Começamos por citar Gion Caminada: "Architecture always deals with a single place. One of the major requirements of my practice has always been to gain a proximity to things, to the processes and to the materials. Weather I am building in a large city or in a small village - building is always local in its conception. I am convinced that today a unique architecture is possible for every location. In contrast to the past where this was implicit, today it is important to make a conscious choice. I see the cultural and architectonic diversity of the world as something magnificent. This is why I resist an International Style. Our leitmotiv is difference. We have described five theories for the effects, workings and formation of difference. Difference is not ultimately the goal, but an effective unfolding of identity - a deep human need. I hope to contribute to this trough my work, against the destruction of diversity."100 (Caminada, 2015, p.10)

As palavras de Caminada sintetizam a sua identidade projetual. No entanto, consideramos ser importante aprofundar um pouco mais o significado desta transcrição. Para tal, partimos do pressuposto que as particularidades de um determinado lugar são a componente fundamental da sua arquitetura, assim como os mecanismos que utiliza para o definir. Por essa razão, em seguida iremos proceder à compreensão dos mecanismos e características dos processos que Caminada desenvolveu e que lhe permitem fazer a análise crítica ao território. Começamos pela singularidade dos lugares. Esta é a característica que implica o conhecimento profundo do lugar e que consiste no reconhecimento e aprofundamento das suas características culturais, sociais e tradicionais. No fundo conhecer o lugar, implica que se esteja em contacto com as suas rotinas e gentes para que seja possível estabelecer uma relação entre este e o projeto de arquitetura. Por outro lado, o facto 100

A arquitetura lida sempre com um único lugar. Um dos principais requisitos da minha prática foi sempre a proximidade com as coisas, com os processos e com os materiais. Independentemente de estar a construir numa grande cidade ou numa pequena vila - o edifício é sempre local na sua conceção. Estou convencido de que hoje é possível uma arquitetura única para cada local. Em contraste com o passado onde isso estava implícito, hoje é importante fazer uma escolha consciente. Vejo a diversidade cultural e arquitetónica do mundo como algo magnífico. É por isso que resisto a um Estilo Internacional. O nosso leitmotiv é a diferença. Desenvolvemos cinco teorias para os efeitos, para o funcionamento e para a formação da diferença. A diferença não é, em última análise, o objetivo, mas um desdobramento efetivo da identidade - uma necessidade humana profunda. Espero contribuir com este trabalho, contra a destruição da diversidade. (Tradução nossa.)

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de se reconhecer uma singularidade em vez de uma pluralidade territorial implica que a abordagem arquitetónica também assim o seja. Só assim é possível uma coexistência simbiótica interdependente entre o projeto e o lugar. Sem discordar deste facto, a singularidade do lugar pode constituir-se também como premissa de projeto, culminando num meio de afirmação entre diferenças locais, já que pela sua singularidade se pode distanciar de outras abordagens mais generalistas. "A place is always also an idea: something exists; something is added. Ideas are crucial when they emerge from the idiosyncrasies and character of a place. Such characteristics might be the unique climate, topography or the availability of material resources - yet also the skills of local people. Reinforcing these phenomena generates the uniqueness of a place - one that is distinct from others."101 (Caminada, 2015, p.8)

A diversidade é outra característica da sua identidade, e define-se enquanto antítese de uma arquitetura generalista. Por outras palavras, depois de analisada a característica anterior, a diversidade apresenta-se omnipresente, e como tal assume um papel de maior importância. É a que clarifica a diferença entre os lugares ao definir uma determinada resposta em virtude de uma outra qualquer. Caminada, tal como citado anteriormente, fala da diferença como sendo a chave de cinco teorias para a distinção entre lugares: "1) The image of the holistic cultural place results from the concentration of historic causes. 2) A search for an expression of peculiarities does not aim at creating differences to other locations but of a place establishing the place itself. 3) A difference arises from the totality of specific characteristics of the place and the referring culture. 4) Differences comes into effect only when there are certain level of similarities. 5) A design that asks for the identity of the place is not only aesthetically important but also because it results from deep human needs."102 (Caminada, 2015, p.10)

Com base na citação anterior, servimo-nos da entrevista de Caminada a Luís Santiago Baptista e a Sandra Melâneo para a revista "Arquitetura e artes nº119", com a intenção de a interpretar e traduzir: 1) "A imagem do lugar culturalmente holístico surge a partir da concentração de motivos." - Esta primeira teoria implica que para a correta perceção daquilo que se nos afigura não nos devemos cingir àquilo que apenas a visão nos mostra. Devemos por outro lado atentar à observação do lugar para além daquilo que a visão alcança numa 101 "Um lugar é sempre uma idéia: algo existe; algo é adicionado. As idéias são cruciais quando emergem das idiossincrasias e do caráter de um lugar. Tais características podem ser o clima único, a topografia ou a disponibilidade de recursos materiais - e ainda as habilidades das pessoas locais. Reforçar esses fenómenos gera a singularidade de um lugar - um que é distinto dos outros." (Tradução nossa.) 102 Traduzido e clarificado no corpo de texto a partir da página 86.

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primeira abordagem; evita-se assim uma imagem superficial. Tal só é possível por uma observação pormenorizada com a ajuda de todos os mecanismos ao alcance. (Santiago Baptista e Melâneo, 2015, p.24) 2) "A procura da expressão de particularidades não quer estabelecer à partida diferenças em relação a outros lugares, mas antes criar o lugar exato." - As particularidades de um lugar são os seus fatores de identidade, que como tal, os diferencia de outros. Tal facto tem como intenção a definição desse lugar especifico pelas suas características específicas, e não pela diferenciação em relação a outros. Por essa razão, não faz sentido falarmos de diferenças por questões circunstanciais, mas sim identitárias. Ou seja a criação do lugar exato passa intrinsecamente pelas suas questões identitárias e não pela inevitável diferença em relação a outros. (Santiago Baptista e Melâneo, 2015, p.24) 3) "A diferença forma-se a partir do conjunto de características específicas do lugar e da cultura a ele ligada." - As diferenças entre lugares têm a ver diretamente com a história específica de cada lugar e que pelos seus acontecimentos específicos são naturalmente distintos entre si. (Santiago Baptista e Melâneo, 2015, p.24) 4) "As diferenças relativamente a outros lugares só serão efetivas através de uma quase identidade." - Só através da identidade se constrói uma diferença efetiva do exterior. Algo que nos identifica, torna-nos necessariamente diferentes. (Santiago Baptista e Melâneo, 2015, p.24) 5) "A conceção que suscita a questão da identidade do lugar não é apenas de ordem estética, ela resulta de uma necessidade profundamente humana." - A necessidade humana de criar referências entre pessoas, atividades e lugares advém da necessidade de segurança e identificação com essas questões. A estética é um mero resultado de gosto, a questão de identidade é uma questão de apropriação e sentido de pertença. (Santiago Baptista e Melâneo, 2015, p.24) Por outras palavras, apesar de se poder dizer, que numa primeira análise, a arquitetura de Gion A. Caminada se guia pela especificidade do lugar e por isso a "diversidade" tem para ele uma importância maior, esta não deve ser vista como um objetivo, mas sim como um meio de alcançar e esclarecer essa identidade específica de um determinado lugar. Ou seja, quando falamos de "diferença" enquanto fator distintivo entre a arquitetura de Caminada e outra qualquer, falamos de continuidade

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em vez de estética ou intenção de primar pela diferença. Falamos essencialmente da continuidade entre o objeto construído e a sua envolvente específica, que como já vimos noutros pontos deste documento, varia entre pontos geográficos diferentes, ou seja entre regiões diferentes. Como conclusão da análise destas duas características fundamentais, a singularidade dos lugares e a diversidade, podemos dizer que uma atua em função da outra. Pois se não existissem as características próprias de um determinado lugar que o dotassem de uma identidade, estabelecida em função das suas características topográficas, climatéricas e culturais, não poderíamos falar da necessidade de haver lugares distintos. Facto é, que estas características morfológicas e fenomenológicas de cada lugar lhes conferem a tal identidade, que sendo próprias, não têm cabimento enquanto soluções a adotar noutro lugar cuja identidade própria é previsivelmente outra. Sem detrimento destas conclusões, e voltando a incidir na citação do início do presente subcapítulo - 3.1.2 -, salientamos outra característica fundamental que caracteriza a arquitetura de Caminada: o controlo dos processos de fabrico e dos materiais. Estando em contacto com os processos de fabrico, aprende-se a conhecer as capacidades e qualidades dos diferentes materiais. Conhecendo as capacidades desses materiais maximiza-se o seu aproveitamento e evita-se o incorreto manuseamento e aplicação dos mesmos. Este conhecimento implica por isso, a correta aplicação dos materiais, e o reconhecimento das diferentes capacidades e adequações destes, em função da resposta que o objeto construído deve dar à sua envolvente específica. Por outras palavras, o conhecimento dos materiais de uma região ou lugar facilita a inserção do objeto arquitetónico numa perspetiva de continuidade e adequabilidade ao seu lugar de destino. Como exemplo ilustrador destas afirmações, introduziremos o Strickbau pelas palavras de Caminada, como exemplo construtivo adotado nas construções do "Project Vrin".

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"Strickbau is more than just building here. Knowledge and culture concentrates around it; it condenses socio-economic context and provides a significant economic contribution with its long value chain. Strickbau contributes definitively to the formation of the locality as a complex reality. The identity of the location is reinforced through the reiteration of its construction."103 (Caminada, 2015, p.8)

Em consonância com outras características projectuais de Caminada, que já evidenciámos, a técnica construtiva de Strickbau adquire também uma importância relevante na sua identidade projetual. É a partir desta técnica que se compreende a ligação de Caminada às técnicas tradicionais, à paisagem cultural da região e ao empenho no seu desenvolvimento, - Ilustração 23 e Ilustração 24. Strickbau é um método construtivo típico da região alpina na qual a vila de Vrin se insere. Foi utilizado durante centenas de anos para erigir todos os tipos de construção, desde habitações a estábulos ou abrigos de inverno. Atualmente representa parte da tradição e da cultura dos habitantes desta região cuja identidade tem a ver diretamente com este método construtivo tendo tido até, implicações no seu modo de vida. Tratase mais do que uma forma de construir, num elemento identitário e cultural destas gentes. Este método construtivo utiliza a madeira como material principal, e tem semelhanças com as construções das casas tipo "log house"104. Todavia, a especificidade da técnica construtiva funciona de acordo com a explicação de Caminada: "The distinctive characteristics of Strickbau are the wooden beams (the posts are not load bearing), the stabilizing joints and - in terms of typology - the cell as its elementary unit. A challenging point with Strickbau is the contraction of wood. […] Transition from houses applying traditional Strickbau to the new type of Strickbau, which is directed from the focus on its construction. The cells detach from each other, the space in between becomes important. The constraints and abilities of Stickbau come into focus leaving the traditional typologies behind. […]"105 (Caminada, 2015, p.92)

103

Strickbau é mais do que apenas construir aqui. O conhecimento e a cultura que se concentram em torno dele condensam o contexto socioeconómico e fornece um importante contributo económico com sua longa cadeia de valor. Strickbau contribui definitivamente para a formação da localidade como uma realidade complexa. A identidade da localização é reforçada através da reiteração da sua construção. (Tradução nossa.) 104 "Log house", é um tipo de construção feita com troncos de madeira dispostos horizontalmente e interligados nos cantos através de entalhes. As secções podem ser circulares, quadrados ou outras quaisquer. Podem ser feitas de forma artesanal ou mecânica. 105 "As características distintivas de Strickbau são as vigas de madeira (os postes suportam carga), as juntas estabilizadoras e - em termos de tipologia - a célula como unidade elementar. Um ponto desafiante no Strickbau é a contração da madeira. [...] A transição das casas com a aplicação tradicional do strickbau para o novo tipo de strickbau, advém diretamente da importância da sua construção. As células separamse uma da outra e o espaço entre elas torna-se importante. As restrições e habilidades do Strickbau adquirem relevância - deixando para trás as tipologias tradicionais." (Tradução nossa.)

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Ilustração 23 - "Barns, old and new". (Van Beek e Hurst, 2005, p.11)

Ilustração 24 - "Parish hall". (Van Beek e Hurst, 2005, p.11)

Não obstante das qualidades originais e intrínsecas deste tipo de construção, a verdade é que era limitativo quanto ao tipo de tipologias que podia adotar. Porém, atualmente, apesar da existência de diretivas impostas na região alpina com o intuito de preservar esta técnica, a verdade é que tem sido implementada maioritariamente sob o ponto de vista estético, sob a forma de estruturas mistas cujos pilares e vigas suportam a posteriori os panos de fachada em madeira, conferindo-lhes assim uma aparência tradicional. Esta forma de substituir o método tradicional, deve a sua existência à necessidade de construir edifícios maiores do que as habituais unidades de habitação, e pelo facto de se considerar ser um método mais económico e com menos problemas do ponto de vista estrutural. As vantagens de se construir com base neste modelo é a solução dos problemas da deformação e dos empenos naturais da madeira, que dificilmente se conseguiria eliminar, assim como a solução para o problema de se estar dependente das dimensões naturais dos toros de madeira. Desta maneira, ao contornar as contingências naturais da matéria-prima, consegue-se construir edifícios de maiores dimensões sem que a sua aparência comprometa a paisagem urbana envolvente. Porém é aqui que Caminada se destaca com a sua reinterpretação sobre a técnica original do Strickbau quando aplicada a um edifício de maiores dimensões. Apesar de continuar sujeito às condicionantes naturais e intrínsecas da madeira, Caminada opta pela utilização de elementos pré-fabricados em madeira que originam uma estrutura treliçada que é revestida a posteriori com painéis de madeira. Assim, os feixes dos planos de parede continuam a ser sobrepostos, preservando a identidade construtiva original, mas abdicando da sua função estruturante. Porém aos edifícios habitacionais, tal situação não se aplica pois a adequabilidade da técnica original continua a ser suportada. Para além destes factos, Caminada conseguiu também provar a

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sustentabilidade da técnica que era há muito criticada pelo gasto significativo de matéria-prima. Para tal, criou os recursos necessários à exploração da madeira a nível local e privilegiando o seu uso, sem que fosse preciso gastar recursos no seu transporte. À parte dessa vertente económica, ao criar condições de exploração locais, Caminada conseguiu que o dinheiro gasto nestas construções permanecesse na região, tornando-se num mecanismo de sustentabilidade local, e que no caso de Vrin se tornou num ótimo incentivo à sua utilização, e como tal ao cumprimento das diretivas governamentais. A esta circunstância pode ainda associar-se o facto de que, com este tipo de construção se salvaguardar a identidade cultural. Ou seja, a reinterpretação de Caminada da técnica original permitiu não só construir novos tipos de edifícios integrados na cultura local, como corresponder às necessidades atuais dos habitantes locais. A imagem dessa reinterpretação pode ser relacionada com os diferentes tipos de feixes que se inserem no conceito original da técnica de Strickbau, cujas ilustrações da página 94 pretendem demonstrar.

Por outras palavras, podemos associar a interpretação e consequente evolução da técnica original de Strickbau levada a cabo por Caminada como uma adequação das técnicas tradicionais às necessidades atuais dos seus utilizadores, - Ilustração 25 e Ilustração 26. Tal evolução não se deteve apenas pelo aspeto estrutural ou construtivo, mas também pela maneira como a organização do espaço interior se relaciona com as atividades dos seus utilizadores.

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Ilustração 25 - "Traditional Strickbau". (Van Beek e Hurst, 2005, p.7)

Ilustração 26 - "Varianti di Strickbau". Fotografias de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.51)

A forma como era originalmente organizado o espaço interior das construções é, portanto, outra característica importante da técnica de Strickbau que Caminada pretendeu evoluir. Originalmente, devido à necessidade da estrutura da habitação ter que ser suportada através de entalhes, havia a necessidade das paredes interiores fazerem parte da estrutura global do edifício, contribuindo dessa forma para a sua estabilidade. Tal facto obrigava a organizar o espaço interior em blocos adjacentes comunicantes, sem que existisse espaços intermédios de circulação. Esses espaços eram denominados por células, e rigidamente regrados geometricamente por forma que as paredes divisórias fossem perpendiculares às de fachada contribuindo dessa forma para a estabilidade do conjunto. Contudo a evolução da técnica proporcionada pela investigação de Caminada, permitiu que as células adquirissem outro tipo de liberdade, iniciando um processo de separação da justaposição original permitindo que os espaços intermédios entre células ganhassem relevância no conjunto do espaço interno. Atualmente a evolução da técnica permite que haja uma maior liberdade estrutural, as paredes divisórias já não têm a necessidade de ajudar ao suporte da estrutura principal, o que torna estes edifícios mais próximos da atualidade construtiva de um edifício de estrutura em betão. As paredes divisórias por seu turno, além da sua função primordial de organizar o espaço interior, adquirem uma função plástica que se assume como um elemento maciço, conferindo ao edifício uma sensação de solidez e

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conforto. Esta sensação é possível pela fusão visual entre as vigas, as paredes e as próprias células. A Ilustração 27 pretende demonstrar a evolução da tipologia do Strickbau. Fazendo uma leitura da esquerda para a direita e de cima para baixo, as três primeiras plantas referem-se ao sistema original em que a célula assumia uma grande rigidez formal. Por outro lado, as nove plantas que se encontram no meio ilustram a evolução despoletada pela investigação de Caminada, e por fim, as últimas três plantas referem-se a exemplos atuais em que a organização espacial do espaço interno goza de uma maior liberdade e plasticidade.

Ilustração 27 - Exemplos evolutivos da célula da técnica de Strickbau. ([Adaptado a partir de:] Caminada, 2015, p.92 e 93)

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Todavia, a identidade projetual de Caminada tem outras características próprias. Não podemos dizer que se trate de uma arquitetura abstrata ou simplesmente teórica. Pelo contrário, define-se por uma atitude que se distingue pela procura efetiva através do ato de projetar. Contudo, o papel da história é relevante na conceção da sua arquitetura, pois é através do seu estudo que também analisa o lugar. Porém, o passado, não se assume como um conceito, já que Caminada não faz da mimesis106 uma premissa projetual. Não obstante, a história constitui um elemento relevante no processo de esclarecimento das rotinas, tradições e cultura dos lugares. "His architecture is not an abstract dimension brought to bear in design. Instead it brings out an abundance of signs of life within the history of each site, the history of the discipline of architecture, and the history of each site, and the history of the craft. […] Caminada's position is not nostalgic. After all, holding on to convention or history is not feasible per se. Consequently, Caminada envisages each project as an expression of his contemporaneous questioning of the status quo: an attempt to endow the undeniable absurdity of the general situation with sense. […] Nonetheless - wherever the place may be - life should always offer the opportunity to explore the idiosyncrasy of one's own location through reflexive forms of discursive inquiry. For architecture can only take effect on a strictly local site-specific basis. This is what accounts for the identity of a site and the architecture of Gion A. Caminada."107 (Shopper apud Caminada, 2015, p.90)

Para além dos fatores que temos vindo a elencar, há outro, não menos importante sobre o qual, todo o trabalho de Caminada se debruça: as pessoas e a sua relação com o objeto projetado. Para o arquiteto, é importante que as pessoas sejam envolvidas nos projetos, quer se trate de um envolvimento coletivo, como no caso do "Project Vrin", ou no simples caso de um projeto de uma unidade de habitação. Esse envolvimento, aos seus olhos, só trará benefício ao projeto, já que é através dele que se torna num projeto de continuidade e integração entre pessoas e lugares.

106 É um termo com origem na Grécia antiga. Consta da crítica filosófica de Platão e Aristóteles e configura o significado de imitação e representação. 107 A sua arquitetura não é uma dimensão abstrata desenvolvida em projeto. Em vez disso, abarca uma abundância de sinais de vida dentro da história de cada lugar, a história da disciplina da arquitetura e a história de cada lugar e a história da arte. [...] A posição de Caminada não é nostálgica. Afinal, manter a convenção ou a história não é viável por si só. Consequentemente, Caminada considera cada projeto como uma expressão de seu questionamento contemporâneo sobre o status quo: uma tentativa de dotar o inegável absurdo da situação geral em consciência. [...] No entanto - onde quer que o lugar seja - a vida deve oferecer sempre a oportunidade de explorar a idiossincrasia da própria localização através de formas reflexivas de investigação discursiva. Para a arquitetura só pode ter efeito numa base específica e estritamente local. Isto é o que dá importância à identidade de um lugar e à arquitetura de Gion A. Caminada. (Tradução nossa.)

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"E' un fenomeno della nostra epoca che l'architettura generalmente dalla massa non é bem accetta. Ciò deriva dal fatto che troppo spesso l'architettura si riferisci solo a se stessa a mlte volte non viene neanche utilizzata per cercare di affrontare qualsiasi problema. Penso che le questioni sociali, economiche ed estetiche debbano avvicinarsi molto di più fra di loro. Solo allora nascerà un beneficio tramite l'architettura che sarà accettato dalla gente. Se un architetto accelera solo il punto di vista estetice, é ovvio che la gente non veda nessuna utilità nella sua attività. I contadini, per esempio, dicono: se una stalla funziona, può essere pure bella. Nonostante questo approccio complessivo, a differenza di molti colleghi non temo che l'architettura perda le sue pretese di autonomia e di disciplina artistica, essendo importanti pure quelle."108 (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.169)

O clima enquanto parte integrante da identidade projetual de Caminada, deve abordar este tema com alguma cautela, já que Caminada não fala explicitamente nele. Contudo parece-nos óbvio que é uma característica implícita na sua arquitetura, e que contribui para a tomada de decisões do seu modus operandi. Uma vez que as técnicas locais, as tradições e as culturas são parte integrante do seu discurso arquitetónico numa perspetiva de sustentabilidade dos elementos que compõem a identidade dos lugares, o clima, devido à sua especificidade é um fator incontornável dessa identidade. Por essa razão obriga à tomada de decisões sobre o ponto de vista de projeto quer na sua fase de estudos como de edificação sobre o ponto de vista do respeito pelo meio envolvente, ou seja a natureza e a cultura. Sobre este ponto de vista, julgamos que as questões relacionadas com o consumo energético, são efetivamente uma preocupação implícita na conceção projetual de Caminada. Se analisarmos as questões da utilização dos materiais locais e da mão-de-obra local para as construções, assim como a adoção de técnicas antigas integradas na especificidade do lugar, deparamo-nos com a presença de algumas preocupações que analisámos no capítulo 2.3.2 sobre o facto de o clima poder ser visto como um fator de sustentabilidade. Não obstante voltamos a citar Caminada numa breve referência a esses fatores: " […] if, in the use of energy or the heating of buildings, sufficiency is considered not a curtailment or a sacrifice of comfort, but a discovery of something better. For example, through various temperatures zones in the house. Instead of confronting the energy problem with the universal methods commonly used today, the basics elements of 108

É um fenómeno do nosso tempo, o de que a arquitetura geralmente para massas não é bem-vinda. Isso decorre do facto de que muitas vezes a arquitetura refere-se apenas a si mesma e muitas vezes nem sequer é utilizada para tentar lidar com quaisquer problemas. Eu acho que os problemas sociais, econômicos e estéticos devem aproximar-se muito mais uns com os outros. Só então se criará um benefício através da arquitetura que possa ser aceite pelas pessoas. Se um arquiteto só se debruça sobre o ponto de vista estético, é óbvio que as pessoas não verão qualquer utilidade nas suas atividades. Os agricultores, por exemplo, dizem: Se um trabalho funciona, também pode ser belo. Apesar desta abordagem global, ao contrário de muitos colegas meus, não temo que a arquitetura perca as suas pretensões de autonomia e disciplina artística, bem como outras mais importantes. (Tradução nossa.)

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architectural design - form, geometry, material and construction - must regain significance."109 (Caminada, 2015, p.150)

A título conclusivo, e olhando para Vrin como o culminar das características que conferem a Caminada uma identidade projetual, julgamos ter conseguido alcançar uma visão de contemporaneidade arquitetónica sem o desvirtuamento da identidade cultural e paisagem urbana, ao mesmo tempo que se relançou o desenvolvimento económico de um território em franco declínio ao conseguir manter uma perspetiva sustentável da sua transformação. A ajudar, foi fundamental o estudo profundo da identidade desse território, e consequente a dotação de meios que permitissem a criação de riqueza a nível local, com a construção de novos equipamentos que adequassem o território às novas atividades laborais, ou que por outro lado permitissem uma evolução das atividades laborais tradicionais. Tal facto só foi possível pelo distinto processo iniciado por Caminada, provando que a arquitetura tem um importante papel no desenvolvimento territorial, e que tal processo tem que ser integrado em acordo com a cultura das pessoas e a identidade do seu território, assim como o contexto urbano em que se insere, só desta maneira é possível falar num processo de recuperação territorial sustentável. Assim, Caminada prova que as questões relacionadas com o lugar são essenciais para a sua preservação e conhecimento efetivo. Resumindo, julgamos ser possível associar Caminada a uma arquitetura integrada e adaptada a uma cultura regional, capaz de regenerar o sentido de pertença entre pessoas e territórios através de uma continuidade cultural e territorial sustentável ao longo dos tempos. Tal só é possível pela sua intrínseca vontade de conciliar pessoas, lugares, culturas e tradições com uma atualidade que se pretende aglutinadora destes fatores. Julgamos por isso que relacionar Caminada e regionalismo é falar de algo mais do que simplesmente uma definição estrita de uma prática arquitetónica ou de um conceito metodológico, porém é nosso entendimento que as características de ambos têm pontos em comum nas dimensões fenomenológicas e morfológicas que já estudámos e que por esse motivo vão ao encontro do assunto desta investigação, provando a sua veracidade na relação entre o arquitecto e o território onde opera.

109

[...] se, no uso de energia ou no aquecimento de edifícios, a eficiência não é considerada uma redução ou um sacrifício de conforto, mas uma descoberta de algo melhor. Por exemplo, através de várias zonas de temperaturas na casa. Em vez de confrontar o problema da energia com os métodos universais comumente usados hoje, os elementos básicos do projeto arquitetónico - forma, geometria, material e construção - devem recuperar a sua importância. (Tradução nossa.)

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3.2. DIÉBÉDO FRANCIS KÉRÉ

Ilustração 28 - Francis Kéré, "Who we are". (Kéré Foundation, 2017a)

Para a elaboração do estudo sobre o arquiteto em questão baseámo-nos na consulta de algumas revistas e monografias sobre o seu trabalho. Salientamos a análise das monografias: "diébédo francis kéré fare architettura in africa" e "Francis Kéré Radically Simple". Francis Kéré nasceu no Burkina Faso em 1965 na aldeia de Gando. Após ter iniciado estudos sobre arquitetura em Berlim, focou-se em conceber um projeto para uma escola na sua aldeia natal. Este projeto - o seu primeiro - alcançou destaque mundial dentro do mundo da arquitetura ao ser selecionado para vencedor do "Aga Khan Award for Architecture"110 em 2004. Atualmente é um arquitecto com um ateliê sediado em Berlim, cuja ação abarca intervenções nos países desenvolvidos europeus, assim como em países menos desenvolvidos em África como o Burkina Faso. Para além da sua atividade como arquitecto, é professor na Academia de Arquitetura de Mendrísio. É também o fundador de uma fundação de cariz social de apoio à construção de equipamentos no Burkina Faso com vista ao desenvolvimento do país. A sua arquitetura debruça-se sobre temas da habitação e do urbanismo em acordo com estratégias de construção sobre o ponto de vista tradicional e climático, assim como a utilização sustentável de materiais e de mão-de-obra local. A título de curiosidade fazemos referência ao nome de Francis Kéré cujo primeiro nome, Diébédo, tem um significado especial. Apesar de desconhecermos a origem e a

110

É um prémio equivalente ao Prémio Nobel de Arquitetura em países de influência islâmica. É atribuído de três em três anos segundo a avaliação dos projetos submetidos de acordo com a qualidade, a responsabilidade social e a identidade cultural.

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circunstância em que lho foi atribuído, sabemos que significa "el que vino a mejorar las cosas"111 (Moix, 2010,p.23)

3.2.1. INFLUÊNCIAS E FORMAÇÃO Sem a intenção de impor semelhanças entre o percurso de Gion A. Caminada e de Diébédo Francis Kéré não consideramos, porém, descabida a comparação entre as motivações de ambos para a análise dos seus percursos. Nesse sentido, fazemos referência à importância que a terra natal inflige na procura de meios que permitam o seu desenvolvimento em função das características específicas de cada realidade, utilizando a arquitetura como veículo de mudança. Sem detrimento desse facto, e apesar das possíveis influências pontuais exercidas por arquitetos ou pelo acompanhamento de obras históricas específicas, terem tido alguma importância na formação de Francis Kéré, a verdade é que a grande motivação e influência nos moldes pelos quais a sua arquitetura se rege, foi de facto a vontade de querer propiciar aos seus conterrâneos melhores condições de vida, Ilustração 29.

Ilustração 29 - Habitantes de Gando, "How we work". (Kéré Foundation, 2017b)

No sentido de compreender essa relação de proximidade com o lugar de origem enunciamos em seguida algumas partes do seu percurso que nos ajudam a compreende-la. Kéré é o filho mais velho do chefe da sua aldeia e por essa razão teve a possibilidade de estudar em Tenkodogo, uma cidade do Burkina Faso, onde pôde aprender a ler e por essa via traduzir cartas da língua oficial francesa para a língua nativa de Gando, o 111

"aquele que vem melhorar as coisas" (Tradução nossa)

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mooré112. Porém, aprender a ler francês não foi o seu único interesse, já que se começou também a interessar pela construção tradicional da sua aldeia. Este interesse fez com que se viesse a tornar carpinteiro mais tarde, e por essa razão ajudar familiares e amigos nas reconstruções das respetivas casas em Gando que eram constantemente destruídas pelas chuvas intensas. No entanto, apesar de se interessar pela construção tradicional destas habitações, reconhecia a sua fragilidade e o problema da falta de ventilação e de ensombramento do qual estas construções carenciavam, razão pela qual começou a investigar formas de contrariar esses factos mesmo antes de sair de Gando. Em 1985 obteve uma bolsa de estudo ao abrigo da "Federal Ministry for Economic Cooperation and Development - BMZ Deutschland"113, que lhe permitiu sair do Burkina Faso para estudar na Alemanha onde reside ainda hoje. Ao longo do seu percurso escolar e académico europeu, desempenhou diversas funções em empregos diversos, foi-se interessando pela arquitetura europeia onde teve contacto com alguns edifícios de arquitetos conhecidos, entre os quais de Mies Van Der Rohe114. Em 1995 inicia os seus estudos em arquitetura na Universidade Técnica de Berlim - "TU Berlin", onde assume a vontade de querer redesenhar as construções tradicionais de Gando em função dos problemas com que se tinha deparado anteriormente. Por essa razão e na esperança de contribuir para o desenvolvimento da sua aldeia, começa a desenvolver na faculdade um projeto para uma escola primária, que viria mais tarde, a tornar-se no seu primeiro projeto. Para esse efeito, em 1998 enquanto estudava, cria a associação "Schulbausteine für Gando"115, com o propósito de angariar os fundos necessários à construção da escola primária, que se tornaria uma realidade entre 2000 e 2001. Este 112

É a língua original do povo de etnia Mossi que compõe parte da população do Burkina Faso. Mooré é uma das duas línguas regionais originais deste país, embora seja falada noutros. Estima-se que no Burkina Faso seja falada por cerca de 5 milhões de pessoas. 113 É uma organização alemã que visa a cooperação dentro da comunidade internacional, no combate à pobreza, na obtenção de alimentos, no estabelecimento da paz, liberdade, democracia e direitos humanos, dentro do panorama da globalização e de forma socialmente equitativa e preservando o meio ambiente e os recursos naturais. É uma organização oficial do governo alemão. 114 Mies Van Der Rohe (1886-1969) – Arquitecto, designer e diretor da escola “Staatliches-Bauhaus”. De origem alemã, é considerado um dos grandes arquitetos do século XX, tendo contribuído decisivamente para a divulgação do movimento moderno na arquitetura e no design. Durante a carreira como arquiteto projetou edifícios importantes como o “Barcelona Pavilion” em 1928, a “Farnsworth House” em 1950, o “Seagram Building” em 1958 a “New NationalGallery” em Berlim em 1968, entre outros. O minimalismo resultante da sua abordagem arquitetónica originou expressões próprias que qualificavam o seu trabalho, como por exemplo “Less is More” - “Menos é Mais”. 115 "Schulbausteine für Gando" significa "Construção em blocos de uma escola em Gando". É uma associação criada por Francis Kéré durante o último ano da faculdade, para arrecadar fundos para o seu projeto final, uma escola primária na sua aldeia, Gando. Atualmente a associação tornou-se numa fundação a operar sob o nome de "Kéré Foundation", que promove projetos de desenvolvimento nos campos da educação, da saúde e da agricultura em Gando. Para Kéré, a sobrevivência de Gando depende do seu desenvolvimento, e a chave para tal é a educação.

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projeto garantiu na edição de 2004 o primeiro prémio do "Aga Khan Award for Architecture", que lhe trouxe não só a visibilidade necessária à continuidade desse e de outros projetos, como alertou também a comunidade internacional para os problemas de desenvolvimento do Burkina Faso. Ainda nesse ano, Kéré ter-se-ia tornado finalmente arquiteto ao concluir o seu curso, o que juntamente com o prémio recebido, veio permitir a abertura do seu próprio atelier, "Kéré Architecture", em Berlim. Desde então tem vindo a desenvolver projetos no Burkina Faso ao mesmo tempo que na Europa. Posto isto, conseguimos perceber a importância de Gando na vida de Kéré, ao assumir-se como elemento de charneira ao longo de todo o seu percurso desde que de lá saiu para estudar, até ao seu regresso para a edificação da escola primária de Gando. Por essa razão, é percetível a sua devoção à terra natal desde o primeiro momento, pelo facto de se sentir grato pelo suporte que a aldeia lhe proporcionou, ao permitir que estudasse em vez de assumir as suas responsabilidades enquanto filho mais velho do ancião da aldeia. "Burkina Faso is a very poorly developed country, with an extremely low average income and a high rate of illiteracy (almost two-thirds of the population cannot read and write). But in the social context of the strong family ties that obtain in rural Africa it is taken for granted that any family member achieving professional and financial success has a duty to help out relatives."116 (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.14) "I spring from a rural community in black Africa, where more than 80% of the population is illiterate, but I had the good fortune to go to school in Europe, so perhaps it is not so unusual for me to think that I should use my skills and what I learned to the benefit of my country's people."117 (Kéré e Giani, 2010, p.13)

Indo ao encontro do que escrevemos e em acordo com as citações, o desenvolvimento de Gando deve ser visto como um agradecimento e um objetivo de vida, e não apenas como um lugar de chegada ou de partida. Constitui-se como um fator decisivo no despoletar do interesse de Kéré sobre a arquitetura, que surge da vontade de dotar a sua aldeia de mecanismos que permitam trazer desenvolvimento à população, e alcançar um certo grau de independência ao criar economia e 116

" O Burkina Faso é um país muito pouco desenvolvido, com rendimentos médios extremamente baixos e uma elevada taxa de analfabetismo (quase dois terços da população não sabe ler nem escrever). Porém, no contexto social, existem fortes laços familiares que só se estabelecem na África rural, é um dado adquirido que qualquer membro da família que alcance o sucesso profissional e financeiro tem o dever de ajudar os parentes." (Tradução nossa.) 117 "Eu provenho de uma comunidade rural na África negra, onde mais de 80% da população é analfabeta, mas tive a sorte de estudar na Europa, por essa razão, talvez não seja tão anormal que eu pense que deveria usar as minhas habilidades e o que aprendi em benefício das pessoas do meu país." (Tradução nossa.)

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subsistência. É para além de um lugar de implantação de equipamentos necessários, um lugar para a instauração de autonomia. Todavia, trata-se de uma autonomia que se alcança sob a forma de cultura e que se traduz em equipamentos escolares, cuja conceção concilia os conhecimentos científicos adquiridos na Europa com o conhecimento empírico do seu povo em África adquirido ao longo de gerações, de pai para filho, que veremos mais à frente no capítulo 3.2.2. e que constitui parte da sua identidade cultural. À parte da importância dos factos relatados enquanto influências complementares do seu trabalho como arquiteto, a verdade é que Kéré reconhece o interesse pelos trabalhos de alguns arquitetos respeitados como Rem Koolhaas118, Oscar Niemeyer119 e Mies Van der Rohe. Porém, é a um projeto específico da autoria de Mies,que Kéré faz por vezes referência nas suas conferências, o projeto da "Landhaus Lemke"120 na Ilustração 30, uma das quais em Mendrísio da qual transcrevemos um excerto: "[…] and I was impressed by the simplicity of this building. Really, very simple! And I asked myself why are we killing our self to make complicated stuff? And whatever, I didn't want to build in Europe, I just wanted to learn techniques, go back to Gando and do it. This was my very first impression and inspiration. […]"121 (Kéré, 2014)

118

Rem Koolhaas (1944 - ) - Arquitecto holandês formado pela "Architectural Association in London" fundador do atelier de arquitetura OMA em 1975 e vencedor do prémio Pritzker em 2000. É também autor de inúmeras publicações em teoria da arquitetura como por exemplo o livro "S,M,L,XL". Dos seus inúmeros projetos de arquitetura, destacamos um em Portugal, a Casa da Música no Porto de 2005. 119 Oscar Niemeyer (1907 - 2012) - Arquitecto, pintor e escultor brasileiro formado pela antiga "Escola Nacional de Belas Artes" do Rio de Janeiro, autor de diversas publicações e vencedor do prémio Pritzker na edição de 1988. Foi o arquitecto responsável pela edificação de inúmeros edifícios na capital brasileira, Brasília, dos quais destacamos o Palácio da Alvorada, o Congresso Nacional e a Catedral de Brasília. É considerado um dos principais arquitetos do movimento moderno. 120 É uma moradia projetada por Mies Van der Rohe em a partir de1932 para a família Lemke. A importância deste projeto no seu percurso arquitetónico prende-se por ter sido o último feito na Alemanha antes de emigrar para os EUA em1938, e também por ser o único do tipo casa pátio. 121 "[…] e fiquei impressionado com a simplicidade deste edifício. Mesmo, muito simples! E perguntei-me por que é que nos matamos a fazer coisas complicadas? Seja como for, eu não queria construir na Europa, eu apenas queria aprender técnicas, voltar para o Gando e pô-las em prática. Esta foi a minha primeira verdadeira impressão e inspiração." (Tradução nossa.)

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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Ilustração 30 - "Landhaus Lemke". ([Adaptado a partir de:] Winstanley, 2011)

Não obstante ao excerto que transcrevemos da sua palestra relativamente ao trabalho de Mies, em seguida transcrevemos mais um pouco, que demonstra em que contexto a cultura africana se materializa na sua formação enquanto arquitecto. "[…] and later on, back to Africa I saw that we have monuments, we have powerful structures like this one, a mosque in Timbuktu, and what I was inspired is this structure is being built by the community for the community, so let me say to you that I just wanna mix western knowledge with the possibility on site […]"122 (Kéré, 2014)

Ilustração 31 - Mesquita em Timbuktu. ([Adaptado a partir de:] Kéré, 2014)

122

"mais tarde, de regresso a África vi que temos monumentos, temos estruturas poderosas como esta, uma mesquita em Timbuktu e o que me estava a inspirar era o facto desta estrutura estar a ser construída pela comunidade e para a comunidade, então deixem-me dizer-vos que eu apenas quero misturar o conhecimento ocidental com as possibilidades locais" (Tradução nossa.)

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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Em suma, podemos afirmar que Kéré pelo seu percurso académico e de vida absorveu todos os estímulos que lhe foram sendo transmitidos. Desde a responsabilidade de envolver a sua terra natal num processo evolutivo, à responsabilidade enquanto arquitecto. É também possível admitir que as suas ações se traduzem como uma ponte entre os avanços civilizacionais e tecnológicos europeus e do mundo ocidental, em função de uma responsabilidade social. Posto isto, concluímos que apesar de se poder enunciar algumas influências arquitetónicas específicas por parte de alguns arquitetos, característica fortemente vincada nos estudos académicos europeus, podemos afirmar com convicção que mais importante do que essas influências, foi o seu percurso de vida e responsabilidade social para com o seu povo que lhe conferiu uma identidade projetual enquanto arquitecto e que aprofundaremos adiante no capítulo 3.2.3.

3.2.2. IDENTIDADE PROJETUAL Em acordo com a especificidade da realidade de onde Francis Kéré provém e opera, podemos afirmar que ao longo do tempo formou uma identidade projetual própria. Nesse sentido, citamos Peter Herrle123 cuja síntese sobre a escola de Gando, julgamos ser esclarecedora da singularidade que caracteriza Kéré enquanto arquiteto. "[…] the outcome was something very straightforward: a plinth, three lockable classrooms, and a large, suspended roof for protection from sun and rain. Nothing could be simpler. And just that archaic simplicity is what gives this architecture its hidden charm: that connection to earth, people, and environment: to the land, to the living, and the atmosphere."124 (Herrle apud Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.64)

Contudo, o facto de fazer a sua análise debruçando-se apenas sobre o primeiro projeto de Kéré não invalida a veracidade deste se ter afirmado através da sua singularidade. Como tal, é seguro afirmar que as suas características projectuais têm raízes muito anteriores à sua formação como arquitecto, não sendo apenas um resultado do seu modus operandi, mas sim, um resultado da especificidade das influências a que esteve sujeito no seu percurso de vida. Porém, serve-nos a citação e

123

Peter Herrle ( - ) - Professor na "TU Berlin" e arquiteto. Foi um dos principais apoiantes de Francis Kéré no projeto da escola de Gando. Enquanto professor, colaborou nas diversas fases de projeto e encorajou a sua elaboração desde o primeiro momento. Definitivamente uma das pessoas que melhor conhece Kéré e a realidade por trás do seu trabalho. 124 " […] o resultado foi algo muito direto: um embasamento, três salas de aula com tranca e uma grande cobertura suspensa para proteção do sol e da chuva. Nada poderia ser mais simples. E apenas esta simplicidade arcaica que dá a esta arquitetura o seu charme escondido: a conexão à terra, às pessoas e ao meio ambiente: para a terra, para as vivências e para a atmosfera.

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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as conclusões alcançadas para fixar uma palavra-chave que contribui para o reconhecimento da sua identidade: simplicidade. A simplicidade advém de uma necessidade elementar com a qual todos os seus projetos se deparam, a de dar resposta a carências básicas e específicas inerentes à realidade concreta dos lugares, quer se trate indiferentemente de um projeto em território europeu ou africano. Para uma resposta objetiva, não basta encontrar soluções convencionais ou generalistas, por serem maioritariamente inadaptadas à realidade com que nos deparamos, seja em África ou não. Impõe-se portanto uma simplicidade na abordagem a uma resposta concreta em função do problema, tendo sempre em consideração as especificidades dos lugares. "I constantly tell my students that here the bottom line is different from what it is in, for example, Gando. Here you must deliver, and you also know that there is the possibility of implementation; there, a precise direction must result. Before something is done you need fairly exact instructions. Here one must fulfill legal requirements on paper; there you need to build something that stands up - physical proof is important."125 (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.176)

Por outro lado, considerando a iliteracia que caracteriza o Burkina Faso, a inerente falta de conhecimento científico e a correspondente falta de produtividade das populações nas aldeias do país, facilmente conseguimos compreender a dificuldade de edificar segundo um elevado grau de complexidade. Não obstante, toda e qualquer intenção de edificar, deve ir ao encontro de uma simplicidade de conceção e funcionamento, porque numa realidade em que as falências são diversas, o que realmente interessa é colmatar uma necessidade e prolongar a solução no tempo falamos de simplicidade. Nesse seguimento, é importante referir que na perspetiva de Kéré, tudo deve seguir esse conceito, desde a relação entre pessoas, adaptação aos lugares e escolha de materiais. Porém a realidade do Burkina Faso é totalmente diferente da europeia, o que o leva a defender afincadamente a sua perspetiva de simplicidade. Num país onde os recursos são escassos, a sua gestão mal feita e a noção errada de que edifícios novos devem ser construídos como na Europa, resulta numa construção inadaptada à realidade onde se insere por causa dos elevados custos associados, quer de 125 "Eu digo constantemente aos meus alunos que aqui o ponto de partida é diferente do que é, por exemplo, em Gando. Aqui pode-se delegar, e sabemos que será cumprido, lá, devemos dar indicações precisas. Antes de se fazer alguma coisa são precisas indicações precisas. Cá é necessário reunir os requisitos legais em papel, lá é preciso construir algo resistente - o modelo físico é importante." (Tradução nossa)

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construção quer de manutenção e conforto. Kéré explica-nos melhor com a sua intervenção na conferência de Mendrísio: "[…] we have become a tool from the colonial power, in how we should make our city look international […] because… for us this is modern. […] there is a problem in that way of doing architecture. […] What we do, is just simply replicate your way of life, and build like you do, because you are our hero, because we have learn that what comes from your place is the best; we have to do. So we keep try to replicate the Eiffel Tower, which is great, I enjoy it, but the problem is… We are looking for a culture of building and we don't own the technical knowledge to be able to do it properly, neither we know the background, what lead to that architecture; that is my critique!"126 (Kéré, 2014)

A Ilustração 32 pretende ilustrar as palavras de Kéré, com uma imagem de um memorial construído em plena capital do Burkina Faso, Ouagadougou:

Ilustração 32 - "Memorial to the martyrs". (Senevi, 2012)

O resultado de tal interpretação construtiva sobre o que é moderno, é de facto um tipo de construção inadaptada e incoerente com a sua realidade, Kéré prossegue com o seu ponto de vista:

126

"[…] nós tornámo-nos uma ferramenta do poder colonial, em como devíamos tornar as nossas cidades parecer internacionais […] porque para nós isto é moderno […] há um problema nessa maneira de fazer arquitetura. […] O que fazemos, é simplesmente copiar o vosso modo de vida, e construir como vocês, porque vocês são os nossos heróis, porque temos aprendido que o que vem da vossa terra é o melhor que há; Temos de fazer o mesmo. Por isso, continuamos a replicar a Torre Eiffel, o que é ótimo, eu gosto, mas o problema é… Continuamos à procura de uma cultura de construção da qual não detemos o conhecimento técnico para a fazer corretamente, nem conhecemos o seu contexto, o que conduziu a essa arquitetura; Essa é a minha crítica!" (Tradução nossa)

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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"[…] the elite which is supposed to show us another way just reduce them self by replicating the way of western people are doing their architecture, […] We love the glass palace! Why not?! We love concrete… […] this is the reality, […] if you are in Ouagadougou you need to have these elements to keep drinking water even in the capital city, but modernity is at the same time in this place. If you look at the board you see a mobile phone… So we are at the middle age, but at the same time we are in today world, the XXI century."127 (Kéré, 2014)

A Ilustração 33 pretende ilustrar algumas das palavras de Kéré:

Ilustração 33 - Realidade em Ouagadougou. ([Adaptado a partir de:] Kéré, 2014)

Na nossa interpretação das palavras de Kéré, depreendemos que a simplicidade é uma necessidade inerente da situação em que o país se encontra. O ato de construir e projetar deve ser adaptado ao contexto em vez de adaptar o contexto ao ato de construir. É por essa razão que em consonância com Kéré, consideramos que a simplicidade é um método de abordagem às diversas vertentes de projeto. Porém, e sem detrimento da introdução sobre a realidade do Burkina Faso que temos vindo a desenvolver, julgamos ser agora de mais fácil compreensão a especificidade da ação de Kéré. Como tal voltamos a citá-lo numa descrição acerca do seu próprio trabalho: "One aim of my research and design activities is to use materials and develop traditional techniques and settlement principles that are already familiar to the local communities. I take note of even the smallest expressions of my land and people and study innovative technologies, testing typological solutions for extreme climatic conditions. Each new building is part of a larger and more complex design, starting from artifacts I try to address the wider aspects of community life in order to achieve a 127

"[…] a elite que é suposto mostrar-nos outras maneiras, fica diminuída por copiar a maneira como os ocidentais fazem arquitetura, […] Nós adoramos os palácios de vidro! Porque não?! Adoramos betão… […] esta é a realidade, […] Se estivermos em Ouagadougou, precisamos de ter estes elementos para beber água, mesmo na capital, mas a modernidade existe ao mesmo tempo neste lugar. Se repararmos no quadro, vemos um telemóvel… Ou seja, estamos na idade média mas ao mesmo tempo no mundo atual, no séc. XXI." (Tradução nossa.)

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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conscious development in those policies, including economic ones that force Africa into a position of weakness when compared to world dynamics. […] I design exclusively with a sense of responsibility and without mortifying a certain artistic vein that characterizes the African people."128 (Kéré e Giani, 2010, p.16 e 18)

Apesar de Kéré fazer uma síntese sobre seu trabalho, julgamos ser importante destacar as componentes que nos permitem traçar uma identidade projetual, e que em seguida aprofundaremos com maior detalhe: as pessoas, os materiais e a sustentabilidade dos lugares. A importância das pessoas como componente projetual resulta da dinâmica de comunidade que na realidade africana faz todo o sentido. Em aldeias onde os recursos são escassos, a vida em comunidade permite sobreviver com maior facilidade. Esse aspeto torna-se favorável em lugares onde a mão-de-obra especializada é escassa e a dificuldade é muita no que concerne à aquisição desse tipo de recursos. Como consequência, a problemática inerente a esta falta de meios, é promover um escasso desenvolvimento, o que por sua vez gera pobreza, e essa pobreza causa por seu turno, falências do ponto de vista educacional, e torna-se no espelho da comunidade.

Ilustração 34 - "Carrying stones at the school extension construction". Fotografia de Kéré Architecture Archive. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.12)

Esta é a realidade em África e com a qual Kéré se depara no seu país. Com o intuito de a tornar diferente, assume a responsabilidade de criar condições que ao longo do tempo possam inverter a tendência negativa que tem sido a normalidade destas comunidades. Para o efeito, promove a construção de escolas com a intenção de 128

"Um dos objetivos das minhas atividades de pesquisa e design é usar os materiais e desenvolver as técnicas tradicionais e princípios de assentamento que sejam familiares às comunidades locais. Tomo nota das mais pequenas expressões e pessoas da minha terra e estudo tecnologias inovadoras, testando soluções tipológicas para condições climáticas extremas. Cada novo edifício faz parte de um design mais complexo, a partir dos artefactos, tento abordar os amplos aspetos da vida comunitária, a fim de alcançar um desenvolvimento consciente dessas políticas, inclusive económicas que possam forçar África a uma posição de fraqueza quando comparada com a dinâmica mundial. [...] Projeto exclusivamente com sentido de responsabilidade e sem desvanecer uma certa veia artística que caracteriza o povo africano." (Tradução nossa.)

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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proporcionar desenvolvimento pela ação da cultura. Ao possibilitar a construção das escolas, permite o acesso à educação elementar destas comunidades, o que promove um certo grau de desenvolvimento, e que por sua vez, a longo prazo gera riqueza. Contudo, para pôr em marcha este projeto de maior escala, é necessário o apoio da comunidade, pois sem ela a necessidade de recursos seria totalmente diferente, impossibilitando eventualmente a construção de tais equipamentos. Por essa razão e graças à sua capacidade de gerar consensos e de chegar perto das pessoas consegue algo único: envolver a comunidade local na construção direta dos seus edifícios, Ilustração 34 e Ilustração 35. "It was now that one of the secrets of the project, and of all Francis Kéré's work, came to light: he creates profoundly human architecture by getting involved with people and bonding with them, without losing himself as he does so."129 (Kéré, Beygo e Lepik, 2016)

Ilustração 35 - Transporte, "The school extension - the success of the first school". (Kéré Foundation, 2017c)

Os benefícios são evidentes e diversificados. Para além de conseguir o seu objetivo final, de construir as escolas e proporcionar às comunidades um futuro diferente daquele a que estariam destinadas, consegue que essa comunidade, no futuro, zele pelos seus próprios equipamentos ao gerar um elevado sentido de pertença pelo envolvimento na sua construção. Para além disso, consegue que todas as crianças tenham acesso ao ensino e o queiram frequentar de vontade própria e com o consentimento dos seus responsáveis. Por outro lado, a distribuição de tarefas por entre os habitantes da comunidade contribui não só para o sucesso da construção mas também para a sua progressão no tempo, exponenciando o sentido de propriedade, Ilustração 36.

129

"Foi agora que um dos segredos do projeto, e de todo o trabalho de Francis Kéré, veio à luz: ele cria uma arquitetura profundamente humana, envolvendo-se com as pessoas e ligando-se a elas, sem se perder enquanto o faz." (Tradução nossa)

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"From the very beginning, Kéré involved the village community in the design decisions and the construction process. From beginning the stones for the foundation, to stamping and beating the clay ground foundation, the local population offered labor to the best of their capabilities. […] the professional workers employed on site instructed the community in the construction techniques so that they could build their projects without help. This participative aspect straightened the solidarity among the community, enabled them to have a sense of ownership of the school they contributed to building, and ensured its social and economic sustainability."130 (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.35)

Ilustração 36 - "A flat and uniform surface is obtained with clay after pounding". Fotografia de Kéré Architecture Archive. ([Adaptado a partir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.183)

Em suma, o envolvimento da comunidade não deve ser visto apenas como fornecimento de mão-de-obra local, mas também como meio social para alcançar um certo grau de desenvolvimento. Assim, promove-se o sentido de pertença em relação ao lugar, evitando a contaminação de elementos externos desajustados à realidade específica de onde se está a operar. Ou seja, contribui para a renovação da própria identidade destes lugares, Ilustração 37.

130

"Desde o princípio, Kéré envolveu a comunidade da aldeia nas decisões de projecto e no processo de construção. Desde o início, as pedras para as fundações, para bater e estampar a base do pavimento em argila, a população local ofereceu a sua mão-de-obra dentro das suas maiores capacidades. […] os trabalhadores profissionais empregados na construção local instruíram a comunidade nas técnicas de construção para que pudessem construir os seus projetos sem ajuda. Este aspecto participativo estreitou a solidariedade entre a comunidade, permitindo-lhes cunhar um sentido de pertença relativamente à escola que ajudaram a construir e asseguraram a sua sustentabilidade social e econômica." (Tradução nossa).

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A importância da escolha dos materiais é definida por Kéré na seguinte citação: "For me the material is important. Its beauty but also its potential for connectivity. It must perform well technically and also make sense to people. I often use an everyday material as the starting point for my buildings - the clay pots that the women make are an example. They only needed cutting in half to be used for the Library; there was no need to go to the city to look for material… […] For a roof support structure I bundle up steel tube. […] everyone can weld, and steel tube is available anywhere. It's the cheapest connecting material…"131 (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.175)

Ilustração 37 - Potes de barro fabricados pelas mulheres, "School library - education for everybody". (Kéré Foundation, 2017d)

A escolha dos materiais nos projetos de Kéré tem uma importância maior no que concerne à sustentabilidade do objeto construído em cinco vertentes que compõem a sua vida útil. Ou seja: a vertente construtiva, a vertente do conforto de utilização, a vertente da sua continuidade no tempo, e a vertente de identificação com a cultura local e por fim a vertente económica. Porém, todas estas vertentes culminam na escolha acertada de um conjunto de materiais que devem ser abundantes localmente de forma a elaborar uma resposta adequada às circunstâncias próprias do lugar. Por seu lado, a vertente construtiva depara-se com a oferta local de determinados materiais e consequente facilidade no seu fornecimento nos locais de edificação,Ilustração 38 - neste caso, a argila existe em abundância e surge como material de primeira escolha. Apesar de ser um material pouco querido das populações locais pela sua vulnerabilidade às chuvas intensas, a verdade é que existe em grande abundância, e é o principal material utilizado nas construções tradicionais, razão pela

131 "Para mim, a materialidade é importante. A sua beleza, mas também o seu potencial de conectividade. Deve ter um bom desempenho técnico e fazer sentido para as pessoas. Muitas vezes uso um material do cotidiano como ponto de partida para os meus edifícios - os potes de barro que as mulheres fazem são um exemplo. Só foi preciso cortar uma metade para ser usado na Biblioteca; não houve a necessidade de ir à cidade procurar materiais... [...] Para a estrutura de suporte da cobertura, incorporei o tubo de aço. [...] toda a gente sabe soldar, e o tubo de aço está disponível em qualquer lugar. É o material de conexão mais barato..." (Tradução nossa)

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qual Kéré se interessou por desenvolver uma fórmula que estabilizasse o material relativamente a essas exigências. Por outro lado, a argila está disponível nas redondezas sem que haja uma componente económica associada, é gratuita, e como tal permite edificar com poucos recursos financeiros o "grosso" das construções. "Clay is the traditional material that is used to build the organically formed village compounds in Burkina Faso. However it is considered a temporary material and associated with poorness by the local population. […] When used raw, it is washed away under the heavy rains. Kéré took clay, a locally available and free material that has been used for hundreds of years, as the main building material. […] Kéré found his unique way of modifying the material in order to provide long-term and climatically high quality walls. He modified the material by adding a small quantity of cement (ca. 8-10%) to obtain stable and uniform bricks, and convinced the village community to use this "primitive" material."132 (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.35)

Ilustração 38 - "Clay is a natural material found in different geographies and climates in the world". Fotografia de Kéré Architecture Archive. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.182)

A argila é em suma o material por excelência, não só permite a edificação dos elementos verticais do edifício, como serve de revestimento de paredes, tetos e pavimentos. Com diversos acabamentos, é o material que estabelece laços fortes entre a comunidade e a função para a qual o edifício foi construído, - Ilustração 39.

132

"Argila é o material tradicional que é usado para construir os compostos orgânicos que dão forma às aldeias do Burkina Faso. No entanto, é considerado pela população local um material temporário e associado à pobreza. […] Quando usado cru, é dissolvido pelas chuvas. Kéré considerou a argila, como um material disponível localmente e gratuito que tem sido usado por centenas de anos, e como o principal material de construção. […] Kéré descobriu a sua própria maneira de modificar o material para obter paredes de qualidade a longo prazo e climaticamente adaptadas. Ele modificou o material adicionando uma pequena quantidade de cimento (cerca de 8-10%) para obter tijolos estáveis e uniformes e ao mesmo tempo convencer a comunidade da aldeia a usar este material "primitivo"." (Tradução nossa)

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Ilustração 39 - Diversas aplicações e moldagens da argila. Fotografia de Kéré Architecture Archive. ([Adaptado a partir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016,p.183)

Todavia, apesar de a argila ser o material principal, não impede a utilização de outros. A utilização de ferro é também uma das escolhas habituais de Kéré. Utiliza-o essencialmente na construção da estrutura que suporta as coberturas feitas em chapas de ferro ondulado. A razão destas opções surge pela facilidade em encontrar quem saiba soldar os diversos elementos estruturais entre si, pela sua compra ser muito acessível e pelo facto de cobrirem facilmente uma grande área de construção. Tais materiais promovem mais uma vez a sustentabilidade da construção do edifício e contribuem para a solidez do conjunto. No caso das coberturas, a sua função permite para além de conduzir a água da chuva para fora do interior da construção, criar condições de ensombramento das fachadas, aumentando o conforto térmico, e ao mesmo tempo impedir que a água da chuva incida diretamente sobre elas, inibindo a sua deterioração acelerada. Kéré descreve assim a sua importância: "El otro elemento decisivo es el techo, sostenido en una ligera estructura metálica, inclinada, que

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protege el edificio de la lluvia, del calor excesivo, y además favorece la ventilación natural."133 (Moix, 2010,p.23)

Ilustração 40 - "Rebar girders of the roof structure". Fotografia de Kéré Architecture Archive. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.36)

Ilustração 41 - "View of the roof structure built of triangular girders". Fotografia de Kéré Architecture Archive. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.36)

No entanto apesar da argila e do ferro serem quase uma imagem de marca nos projetos que Kéré desenvolve em África, - Ilustração 40 e Ilustração 41 - não serão certamente os únicos que utiliza. Há um leque de materiais que fazem parte dos seus projetos, embora aplicados em quantidades menores. É inevitável a utilização de betão, presente na bordadura do perímetro do topo das paredes de argila, conferindo maior rigidez ao conjunto, assim como servindo de base sólida para o assentamento da estrutura treliçada que suporta as chapas da cobertura. Porém é utilizado pontualmente e em quantidades muito reduzidas. Por outro lado, a pedra ajuda a consolidar e a trabalhar o terreno onde os edifícios estão assentes, ajuda a criar a resistência necessária à implantação das paredes e estrutura que suporta o edifício. Contudo, não é um material habitual noutras configurações que não a de dimensões relativamente grandes com o objetivo de consolidar a base de assentamento do conjunto. Os vãos, das portas e das janelas, são, nos projetos com menos recursos financeiros de chapa, fabricados localmente em serralharias próximas ao local da obra, para evitar custos acrescidos no transporte. Têm um desenho simples que facilita não só o fabrico como também o manuseamento sem precisar de manutenção, - Ilustração 42. Por fim o vidro é apenas utilizado em circunstâncias especiais, quando são uma exigência por parte do dono de obra, ou quando as circunstâncias assim o obrigam. A razão tem claramente a ver com os custos de fabrico e transporte, a madeira apesar de pouco usada, faz parte de alguns projetos.

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"O outro elemento decisivo é a cobertura, apoiada numa estrutura metálica leve, que protege a construção da chuva, do calor excessivo e também favorece a ventilação natural." (Tradução nossa.)

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Ilustração 42 - Escola primária de Gando, "The school extension - the success of the first school". (Kéré Foundation, 2017c)

Sem detrimento do que temos vindo a relatar, não queríamos deixar de fazer ênfase aos trabalhos desenvolvidos por Kéré em exposições contemporâneas ou em projetos de outros tipos na Europa ou de cultura não africana. Neles, a abertura para a utilização de outros materiais é vasta. Porém a intenção com que os usa tem sempre a ver com a sua experiência em África, e por conseguinte as suas preocupações nos lugares que intervenciona. Por essa razão, os materiais nestes casos variam de acordo com as mensagens que pretende divulgar entre o público com a intenção de evocar emoções através das sensações transmitidas pelos materiais e desenho dos elementos expostos. Desta maior liberdade, surge a utiliação de plástico - Ilustração 43 -, madeira Ilustração 44 - ou tecido - Ilustração 45.

Ilustração 43 - "Sensing Spaces". Fotografia de James Harris, 2014 (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.164)

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Ilustração 44 - "Canopy". Fotografia de Erik-Jan Ouwerkerk, 2015. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.165)

Ilustração 45 - "Colorscape". Fotografia de Tim Tibeout, 2016. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.168)

Na arquitetura de Kéré a sustentabilidade relaciona-se essencialmente com a construção dos equipamentos e em criar melhores condições de vida, quer se trate dos processos construtivos dos edifícios que projeta, quer se trate dos materiais que escolhe para a sua construção ou dos mecanismos que desenvolve para melhor adaptar as suas construções às condicionantes do lugar. Relativamente a esta questão da materialidade, pudemos concluir dos parágrafos anteriores que há uma forte ligação com o lugar, no que concerne à disponibilidade desses mesmos materiais nas imediações dos lugares de implantação, o seu custo de produção, compra e transporte, bem como a habilidade de os manusear e trabalhar. Por essa razão, a questão da sustentabilidade conduz a uma relação de interdependência134, entre os lugares, os materiais e as soluções encontradas, o que nos ajuda a compreender a adoção de determinadas técnicas ou matérias-primas em determinados lugares. Nesse seguimento, as razões pelas quais Kéré se tem vindo a debruçar sobre a sustentabilidade são sintetizadas pelas citações que se seguem: "Kéré sees architecture as duty-bound to take account of the major problems we face global warming, poverty, environment disasters - and to offer solutions. "A building has to be more than just a visual manifestation," says Kéré, summing up his vision of the new architecture in words. "Can an architect sit alone in his office and design and build a building which affects us all?" he asks […]"135 (Palass et al., 2011, p.45)

134

Matérias abordadas no capítulo 2.3.2 do presente documento. Consultar a partir da página 69. "Kéré vê a arquitetura segundo o dever de ter em linha de conta os principais problemas que enfrentamos - aquecimento global, pobreza, desastres ambientais - e oferecer soluções. "Um edifício tem que ser mais do que apenas uma manifestação visual", diz Kéré, resumindo sua visão da nova arquitetura em palavras. "Um arquiteto pode estar sozinho no seu atelier a projetar e construir um edifício que nos afeta a todos?" pergunta ele," (Tradução nossa) 135

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Regionalismo em arquitetura: a perspetiva de Gion A. Caminada e Diébédo Francis Kéré

"Te ves obligado a aplicar métodos de ventilación natural porque el país no tiene dinero para comprar aparatos de aire acondicionado ni para pagar cada mes una factura de electricidad elevada, come le decía antes. […] Pero yo no construí una escuela ecológica y sostenible por razones ideológicas, para defender una línea de pensamiento. Lo hice porque me parecía lo más lógico y, también, porque no tenía otro remedio."136 (Kéré apud Moix, 2010, p.22)

Atentando às citações, somos levados a concluir que se trata de preocupações antagónicas entre si. Se na primeira, a preocupação se debruça sobre uma visão global de um paradigma que deve ser alterado, a segunda induz-nos uma sensação de que as razões pelas quais Kéré age desta maneira se prendem apenas por fatores económicos. Porém, devemos atentar ao conjunto das duas e relacioná-las com a realidade do Burkina Faso, e perceber que de facto, os seus edifícios são o elemento que medeia os fatores económicos em função das carências locais. A ilustração que se segue pretende mostrar a realidade do Burkina Faso.

Ilustração 46 - Escola tradicional do Burkina Faso. ([Adaptado a partir de:] Kéré, 2014)

Esta é a experiência vivida por Kéré enquanto estudante, e que desde logo se comprometeu a alterar. A inadequação é evidente, não só do ponto de vista funcional como de todos os que temos vindo a elencar ao longo do nosso estudo. Em poucas palavras, a ilustração traduz a abordagem errática que levou Kéré a desenvolver estratégias de construção para condições climáticas extremas. A ventilação surge assim, como necessidade fundamental no campo do conforto térmico e que constitui a característica mais evidente dos seus projetos, a par da argila utilizada na construção dos seus edifícios. Pelas razões que as citações nos descrevem, a impossibilidade de dotar os edifícios com aparelhos de ar-condicionado, levou a que Kéré desenvolvesse métodos que facilitassem a ventilação cruzada e a 136 "Vês-te obrigado a aplicar meios de ventilação natural, porque o país não tem dinheiro para comprar aparelhos de ar-condicionado nem de pagar uma grande conta de eletricidade todos os meses, como já disse antes. [...] Mas não construí uma escola ecológica e sustentável por razões ideológicas, para defender uma linha de pensamento. Fi-lo porque me pareceu ser o mais lógico a fazer, e também porque não tinha escolha." (Tradução nossa)

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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ventilação por convecção. Dando o projeto da ampliação da escola de Gando como exemplo, o funcionamento é nos explicado por Ayça Beygo: "These spaces gain abundant air circulation with a basic principle of physics: cool air is pulled in trough the windows and the hot air inside is released through the ten centimeter gaps on both ends of the ceiling. […] The corrugated metal roof lies over a space frame that separates it from the ceiling and lets the air circulate between two layers."137 (Kéré, Beygo e Lepik, 2016)

O diagrama da Ilustração 47 visa a compreensão destas palavras:

Ilustração 47 - "Roof ventilation diagram sketch". (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.46)

Não obstante ao que analisámos objetivamente em relação à matéria da sustentabilidade, é facilmente reconhecível que em toda a sua génese de projeto, desde a ideia inicial ao objeto construído, toda a conceção se baseia em princípios de 137

"Estes espaços aumentam a circulação de ar com um princípio básico da física: o ar fresco é sugado através das janelas e o ar quente no interior é expelido através das aberturas de dez centímetros em ambas as extremidades do teto. [...] A cobertura de metal ondulado está acima de um espaço que o separa do teto e permite que o ar circule entre duas camadas." (Tradução nossa).

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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sustentabilidade. Desde princípios de sustentabilidade cultural a princípios de sustentabilidade ambiental, é observável que a arquitetura de Kéré se debate por criar condições mínimas de qualidade de vida e de preservação dessas constituintes. Apesar de termos analisado separadamente cada uma delas, reconhecemos que o resultado da sua ação se traduz num conjunto complexo de princípios de sustentabilidade. O contributo da comunidade para a sustentabilidade social, o contributo dos materiais para a sustentabilidade cultural e ambiental e o contributo dos conhecimentos técnicos que permitem fazer frente às necessidades de conforto. O único objetivo desta maneira de atuar é proporcionar a baixo custo, tudo o que Kéré não teve acesso na sua juventude: conforto, educação escolar e perspetivas de prosperidade. Em suma, subscrevemos a síntese de Kerstin Pinther enquanto apanhado geral daquilo que julgamos ser a génese da sua identidade projetual: "[…] Kéré works with materials and techniques that relate to local craft and building practices, but are continually being transmuted and updated for new contexts. Hence Kéré's architecture, too, is aiming to conflate established local building knowledge with modern technologies that equally simple and resource-frugal ("low-tech")"138 (Kéré, Beygo e Lepik, 2016,p.175)

Por outras palavras, entendemos que as quatro componentes fundamentais da arquitetura de Kéré: simplicidade, comunidade, materiais e sustentabilidade, atuam em função umas das outras, fazendo cumprir um ciclo que não se interrompe. Se por um lado as opções parecem pouco evoluídas sob o ponto de vista tecnológico, elas constituem porém, um elevado grau de conhecimento do meio onde se atua. No nosso entendimento, não podem ser consideradas técnicas construtivas tecnologicamente avançadas, mas sim técnicas tradicionais evoluídas com vista a uma ligação entre o lugar, as pessoas e o que deve ser um elevado sentido de responsabilidade no campo da sustentabilidade. Não querendo de toda a maneira tecer semelhanças entre a arquitetura de Gion A. Caminada e a de Francis Kéré, concluímos no entanto, tratarem-se de técnicas que respeitam os valores culturais, com vista à sua sustentabilidade, e preservação da identidade local com efeitos positivos no desenvolvimento dos seus territórios.

138 "[…] Kéré trabalha com materiais e técnicas que se relacionam com práticas e técnicas locais de construção, mas continuamente transformadas e atualizadas para novos contextos. No entanto a arquitetura de Kéré, também, tem como objetivo confluir conhecimentos de construção locais estabelecidos com tecnologias modernas que são igualmente simples e econômicas ("low-tech")" (Tradução nossa)

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4. CASOS DE ESTUDO No presente capítulo iremos proceder ao estudo prático de alguns projetos dos arquitetos que temos vindo a destacar nos capítulos anteriores. Pretendemos com esta análise final consolidar o modus operandi dos dois arquitetos referenciados em função das noções de regionalismo que iniciámos no capítulo 2. Para tal, basear-nos-emos em artigos sobre os projetos específicos em análise e com a ajuda de ilustrações, desenhos técnicos e das conclusões retiradas das análises anteriores teceremos alguns comentários comparativos que corroborem com a perspetiva contemporânea de regionalismo em arquitetura. Com esta postura pretendemos, por fim, contribuir para uma cimentação dos nossos objetivos finais, que no nosso entendimento constituem uma arquitetura integrada e com sentido de pertença numa relação interdependente entre pessoas e lugares.

Ilustração 48 - "A front view of the window shutters and the seating elements". Fotografia de Daniel Scwartz. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016,p.97)

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4.1. GION A. CAMINADA A eleição destes três projetos para a análise que se segue sobre Gion A. Caminada justificou-se pela evidente evolução das soluções encontradas no decorrer do tempo. Em comum partilham as características culturais e tradicionais a que estão sujeitos nos respetivos lugares de implantação, aliando as mesmas preocupações técnicas quer sobre o ponto de vista construtivo como de economia de recursos. Sobre essa matéria é evidente a prevalência da mão-de-obra disponível localmente, assim como dos materiais, minimizando assim o desperdício de recursos naturais, económicos e sociais. São estes três recursos que permitem classificar o trabalho de Caminada de sustentável em acordo com a análise feita nos subcapítulos 2.3.2 e 3.3.2 desta investigação, e que a par de outras características o tornam relevante nesta análise.

4.1.1. PROJETO PARA A VILA DE VRIN, 1991-2002 O "Project Vrin", como visto anteriormente, surgiu da necessidade de modernizar a vila de Vrin, dotando-a de equipamentos públicos que lhe permitissem dar respostas às novas necessidades dos seus habitantes. Desse projeto de reabilitação urbana, constavam programas para a construção de novos edifícios bem como a reabilitação de outros, desde edifícios de serviços a unidades de habitação, destes, alguns foram ampliados, outros modernizados e outros construídos de raiz. Do conjunto de intervenções destacamos a importância do edifício governamental de Vrin, do complexo do matadouro e da sala dos mortos, para o assunto da nossa investigação, e cuja localização assinalamos na planta da Ilustração 49.

Ilustração 49 - Planta da vila de Vrin com a localização dos projetos de interesse assinalada; 1. Edifício governamental de Vrin; 2. Complexo do matadouro; 3. Sala dos mortos ([Adaptado a partir de:] Schlorhaufer e Caminada, 2005, p. 123)

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1. Edifício governamental de Vrin; Vrin; 1991

Ilustração 50 - Edifício governamental de Vrin. ([Adaptado a partir de:] db-Archiv, 2007)

O edifício governamental de Vrin, - Ilustração 50 -, é considerado o edifício mais antigo da vila. Inicialmente foi construído com propósitos habitacionais e com capacidade para albergar gado na cave, revelando-se assim ser o único edifício na vila, pensado originalmente com estas características. A sua construção original data de 1736, e em 1991 foi intervencionado por Caminada com o intuito de o tornar no edifício governamental da vila. Esta necessidade ditou a sua transformação em termos ocupacionais e como tal da sua organização espacial interna. Por esta razão, o estábulo adquiriu novas funções assim como o programa original dos pisos superiores, cujos compartimentos deram origem a salas de reuniões e serviços. Fazemos referência a este projeto de remodelação/ampliação por considerarmos ser nele que se dá início ao "Project Vrin", e por ser nele que se começa a denotar as características especificas de Caminada. Neste edifício, a sensação de comunhão temporal em que velho e novo se estabelecem lado a lado, como se sempre tivesse sido assim, trata-se de uma simbiose temporal com vista à preservação da identidade e da continuidade com igual perspetiva à preservação dos costumes. - Ilustração 51.

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Ilustração 51 - "Close-up of the northeast façade". Fotografia de Shinkenchiku-sha. (Caminada, 2015, p. 33)

Para tal, a estratégia foi replicar em espelho o edifício original, como mostra a Ilustração 51, em que a fachada nova envelhece ao lado da velha. Desta forma, a construção original viu a sua área de implantação aumentar para o dobro, replicando

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para isso a planta original e as fachadas. A técnica de Strickbau reinterpretada por Caminada enquanto elemento de continuidade deu origem às transformações enunciadas funcionando enquanto ponte entre passado e presente e onde nada foi desperdiçado. Contribuindo para a sustentabilidade do projeto, as peças de madeira deterioradas ou apodrecidas foram substituídas por novas réplicas, e as peças saudáveis mantiveram a sua função. De resto, outras transformações foram também consideradas, como por exemplo a abertura dos novos vãos, que embora dispostos da mesma maneira na fachada nordeste cuja Ilustração 50 evidência, adequaram-se melhor às novas funções do edifício, mais visível na fachada que a Ilustração 52 representa.

Ilustração 52 - "General view from the northwest of the rebuilt part." Fotografia de Shinkenchiku-sha. (Caminada, 2015, p.32)

Apesar das semelhanças que podem ser confundidas como um ato de mimetismo entre a metade velha e a nova, as intenções de Caminada não se detiveram no simples ato de copiar. São no entanto o resultado de uma abordagem de inclusão e continuidade com a especificidade que o projeto exigia. Aqui não existe a intenção de criar contrastes, mas sim a necessidade de estabelecer o sentido de pertença e continuidade entre um edifício emblemático e os seus utilizadores no percurso da história, ao adequá-lo a novas funcionalidades. O uso da técnica de Strickbau para replicar o edifício original, o embasamento em betão e a cobertura refeita encontramse em perfeita harmonia com a sua envolvente.

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2. Matadouro, "Mazlaria"; Vrin; 1998

Ilustração 53 - "Looking up to the three stables from the south". Fotografia de Shinkenchiku-sha. (Caminada, 2015, p.44)

Ilustração 54 - Perspetiva sobre os estábulos de Vrin. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.123)

O matadouro de Vrin - Mazlaria em romanche - faz parte do leque de equipamentos que compunham as políticas de reabilitação da vila, Ilustração 53 e Ilustração 54. Sendo um dos principais meios de subsistência nos alpes, a criação de gado, era importante que a par dos inúmeros estábulos espalhados pela vila, houvesse um equipamento desta natureza que não só servisse os habitantes da vila, como também se tornasse numa mais-valia para a região do Vale de Lumnezia. A existência deste equipamento permitiu contribuir para o cumprimento da máxima "The Farmer Stays in the Village"139, cujo significado sintetizava o projeto de reabilitação das atividades laborais de Vrin.

Ilustração 55 - Matadouro de Vrin; implantação na encosta. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.18) 139

"O agricultor permanece na vila" (Tradução nossa.)

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O complexo é composto por três edifícios individuais, - Ilustração 55 -, cujas funções de matadouro, processamento e venda de carnes bem como recolha de gado, estão divididas por cada um. Devido às suas dimensões de maior escala relativamente às outras construções na vila, os pavilhões, foram implantados na mesma encosta desta mas a uma certa distância, em terrenos adjacentes a ela própria. Esta foi a solução encontrada para que, em perspetiva, não causasse o desvirtuamento da paisagem urbanizada e para que ao mesmo tempo fosse possível acrescentar valor à vila de Vrin. Por essa razão a sua implantação segue uma linha reta que se quebra sempre que a morfologia do terreno obriga, este fator é demonstrativo da adequação pretendida às condicionantes inerentes à leitura do lugar, visível na Ilustração 58. Igualmente dependentes dessa leitura estão as opções relativas à construção dos três pavilhões. Todos eles partilham entre si as coberturas inclinadas paralelamente à inclinação do terreno, a técnica de Strickbau que se assume como elemento de integração na paisagem construtiva e o facto de permitirem acesso independente pelo exterior aos dois pisos de cada programa, graças à inclinação do terreno. Contudo, o sistema de Strickbau desenvolvido para os pavilhões é específico. Consiste em paredes compostas por um plano exterior de tábuas em madeira colocadas horizontalmente, revestidas pelo lado interno, por placas de aparas de madeira, cuja estrutura é uma camada interior de treliças pré-fabricadas em madeira, Ilustração 56. Este método concebido para o complexo permite ainda a circulação de ar interna por entre aberturas rectangulares, - Ilustração 57 - proporcionadas pela estereotomia das fachadas. No entanto, apesar dos elementos que partilham, existem diferenças.

Ilustração 56 - Pormenor sobre o embasamento do pavilhão da zona de abate. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005,p.125)

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Ilustração 57 - Pormenor sobre os três pavilhões. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005,p.128)

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Os três elementos são organizados da seguinte maneira: um pavilhão que comporta as atividades de matadouro e transformação de carnes cuja planta é praticamente quadrada, e outros dois de planta retangular e idênticos entre si, cujo armazenamento de gado e feno bem como atividades queijeiras compõem as principais funções. Apesar dos três pavilhões serem construídos em acordo com a técnica de Strickbau, o pavilhão que diz respeito à atividade de processamento de carnes utiliza-a apenas no piso superior. Por questões de higiene e saúde pública, o piso inferior, onde se situa a zona de abate, é todo construído em betão, polido no seu interior e revestido exteriormente por pedras de origem local, Ilustração 56, cujas características mantêm uma relação de harmonia com a paisagem. Porém, o piso superior deste pavilhão utiliza a técnica de Strickbau visível pelo exterior, o que estabelece a sua relação com os outros dois elementos de armazenamento de gado.

Ilustração 58 - Matadouro. Plantas do primeiro e do segundo piso. 1- Piso térreo. 2- Primeiro piso. ([Adaptado a partir de:] Caminada, 2015, p.46)

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A Ilustração 58 representa as plantas dos três pavilhões de onde se pode ter a noção sintética do programa dos três elementos que temos vindo a fazer referência. Porém falta-nos ainda frisar algumas características da identidade projetual de Caminada patentes neste conjunto. Para além das características que já referimos, devemos ainda dar atenção à questão da célula típica do método construtivo do Strickbau. Atentando à Ilustração 58 podemos verificar que a sua presença se mantém no conjunto dos planos que compõem as paredes exteriores dos pavilhões. É também evidente que este método de aplicação da técnica é conseguido com a intenção plástica da sua aplicação. Apesar das obrigações legislativas a que o complexo teve que responder, é evidente que foram tidas em linha de conta não só as responsabilidades técnicas inerentes a esse facto, como também as questões culturais expostas noutros capítulos desta investigação, onde se denota uma efetiva evolução da técnica tradicional em consonância com os padrões mais atuais, em resposta às necessidades efetivas de um programa desta natureza. Ao associar essas preocupações à questão da plasticidade, alcança-se o objetivo de tornar o processo original num processo evolutivo e contemporâneo da técnica construtiva de Strickbau, Ilustração 59.

Ilustração 59 - Exemplos de plasticidade e de evolução da técnica de Strickbau. Fotografias de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.126)

Por fim, cremos que este exemplo do trabalho de Caminada consiste numa obra que além de demonstrar uma evolução crítica dos mecanismos tradicionais, se integra não só no conjunto das construções que a rodeiam, mas também na especificidade do lugar em que é implementada. Não obstante, ao mesmo tempo que permite fazer face

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a necessidades específicas da vila, ao constituir-se como uma mais-valia de apoio a uma das suas atividades mais características, consegue também, ter projeção no futuro ao acrescentar valor à economia de Vrin, contribuindo assim para a continuidade da sobrevivência dos seus habitantes. 3. Sala dos Mortos, "Stiva da Morts"; Vrin; 2002

Ilustração 60 - Enquadramento da sala dos mortos com a igreja de Vrin em segundo plano. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.38)

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Em Vrin, o ritual da morte é especial. Segundo a tradição, os mortos ficavam em câmara-ardente nas salas de estar - Stiva em romanche - das suas próprias casas durante três dias e três noites. Durante esse período, familiares e amigos despediamse do morto e prestavam-lhe a sua última homenagem. Devido à carga emocional do ritual, era habitual oferecer às pessoas presentes um café na cozinha, já que na sala de estar muitas vezes o ambiente se tornava pesado. Assim, a cozinha assumia-se como um lugar onde o ambiente era mais descontraído. Ao afastar as pessoas do morto, dava-se oportunidade para que trocasse algumas impressões entre quem lhe prestava homenagem. Por esta razão era assumida como espaço integrante do ritual e de grande importância. Porém, com as mudanças trazidas pela passagem e evolução dos tempos, a tradição começou a perder a sua força. Com a saída dos habitantes da vila, estes começaram a passar a sua velhice em lares ou casas de repouso, e a morrer nelas ou em hospitais. Por esta razão, quando a morte acontecia, muitas destas pessoas já não regressavam às suas casas para o ritual da morte, ou porque já não eram proprietárias ou porque simplesmente o ritual era feito noutro sítio. Dadas as circunstâncias, gerouse a vontade comum dos habitantes da vila em construir em regime comunitário, uma sala para os mortos, ou seja uma "Stiva da Morts".

Ilustração 61 - Continuidade entre o muro e a cobertura. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.39)

Ilustração 62 - Pormenores da técnica de Strickbau. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005,p.44)

Mais uma vez, coube a Caminada a tarefa de pensar este projeto. Após sete anos de discussão comunitária para gerar consensos, o resultado é o que se apresenta na Ilustração 60. Trata-se de um edifício cuja função é prestar homenagem aos mortos,

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mas mais do que isso, trata-se de um espaço de passagem entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, - Ilustração 61 e Ilustração 62.

Ilustração 63 - Alçados da sala dos mortos. 1- Alçado este. 2- Alçado sul. 3- Alçado oeste. 4-Alçado norte. ([Adaptado a partir de:] Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.41)

Essa noção de interstício teve especial importância na escolha do lugar onde haveria de ser colocada a "Stiva da Morts". A decisão tomada foi de a implantar exatamente no caminho entre o cemitério, que se encontra adjacente à igreja, e a rua junto às casas à sua volta. Neste lugar existe um declive acentuado da topografia, pelo que obrigou o projeto a adaptar-se a essa condicionante. Surgem por essa razão dois pisos por onde o programa se desenvolve. O piso térreo, à cota da rua, e o piso superior à cota do cemitério - Ilustração 63. As plantas - Ilustração 64 - retratam no piso inferior (1) um pequeno hall que separa o acesso à sala onde está o morto e

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umas escadas que fazem a ligação ao piso superior (2). Por sua vez, nesse piso desenvolve-se também um hall, que faz a distribuição entre as instalações sanitárias e a cozinha.

Ilustração 64 - Plantas da sala dos mortos. 1- Piso terreo. 2- Primeiro piso. ([Adaptado a partir de:] Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.40)

Outro aspeto importante da "Stiva da Morts" está na sua conceção. Tendo este projeto inspiração na tradição dos ritos mortuários, e estando estes inscritos em dois espaços característicos de uma habitação, a sua edificação passa pelo assumir das semelhanças com a estrutura de uma casa. É aqui que o método construtivo segundo a técnica construtiva de Strickbau se decide - Ilustração 62. Apesar de estar assente num embasamento de betão que lhe confere a estabilidade necessária, a técnica não só permitia a relação evidente com a vila de Vrin, como com os edifícios no seu entorno. Porém, o facto de se situar quase justaposta à igreja desencadeava um desafio de continuidade ao qual deveria ser dado uma resposta condizente. Observando a paisagem urbana de Vrin, o edifício que mais se destaca é a igreja, não só pela sua torre sineira ser o elemento de maior verticalidade da vila, mas também pelo facto de ser considerado um edifício barroco e das suas paredes serem pintadas de branco. Tais factos ajudaram na escolha do tipo de tratamento que a "Stiva" teria nas suas paredes de fachada. Uma solução de giz com caseína140 foi desenvolvida especificamente para este edifício. Esta solução não só conferia um tom esbranquiçado às paredes exteriores, tal como pretendido, bem como permitia a impermeabilização das mesmas sem a utilização de substâncias químicas artificiais. 140

É um componente do leite dos animais mamíferos. Na construção pode ser utilizada na impermeabilização de fachadas já que se trata de uma substância pouco solúvel em água. Como tal é muito resistente às condicionantes climáticas do lugar onde o objeto construído se insere. É uma alternativa a soluções químicas utilizadas para o mesmo efeito.

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Assim, a solução encontrada não só demonstrava ter uma forte relação com o lugar, ao estabelecer pontes entre as várias construções em seu redor -Ilustração 65 -, como também permitiu solucionar o problema sem que se gastassem recursos para alcançar uma solução fora da vila, já que esta componente natural utilizada era proveniente da produção de queijo da vila. Mais uma vez Caminada aliava as necessidades inerentes ao projeto com as possibilidades locais acrescentando valor ao conjunto de atividades da vila de Vrin.

Ilustração 65 - Enquadramento entre a sala dos mortos, a igreja e as habitações em segundo plano. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.43)

Do ponto de vista dos materiais, e indo ao encontro das mais-valias que temos vindo a elencar relativamente às decisões tomadas por Caminada na conceção deste edifício, não queríamos deixar de chamar à atenção para a cobertura deste. Na Ilustração 61 é possível, mais uma vez, observar a relação de continuidade entre o objeto construído e a sua envolvente. Neste caso, evidenciamos as pedras que compõe o muro que

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Regionalismo em arquitetura: a perspetiva de Gion A. Caminada e Diébédo Francis Kéré

delimita a área afeta ao cemitério em relação aos fragmentos do mesmo tipo de pedra que constitui o revestimento da cobertura da "Stiva da Morts", que a seu tempo envelhecerá da mesma maneira, criando assim uma simbiose entre elementos arquitetónicos. Sem

desinteresse

pelas

características

exteriores

e qualidades

construtivas

elencadas, pretendemos também dar relevância às características interiores deste edifício. Uma vez construído pela técnica de Strickbau, cremos que é no seu interior que se torna mais interessante a sua observação, uma vez que a construção deste edifício evidencia um grau técnico bastante mais avançado relativamente ao dos edifícios que referimos anteriormente. Uma vez que nos estamos a focar nas qualidades interiores da "Stiva da Morts", e não esquecendo as condicionantes conceptuais de tributo aos mortos a que o projeto se propõe, evidenciamos o tratamento dado à ambiência do seu espaço interior.

Ilustração 66 - Vista interior sobre o hall do primeiro piso. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.47)

Ilustração 67 - Vista interior sobre a sala do morto. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.47)

Nas ilustrações 66, 67 e 68 somos surpreendidos por uma ambiência de acolhimento e conforto que se conjuga com a importância dada ao cuidado e controlo da técnica construtiva, de maneira a que o espaço estabeleça uma reação de conforto e consolo entre os familiares e acompanhantes no decorrer do ritual fúnebre. Insistindo nas imagens apresentadas, relembramos a análise que fizemos sobre as características que conferem à arquitetura de Caminada uma determinada identidade. Nestas imagens é visível a fusão entre as vigas, paredes e célula típica da técnica de Strickbau que temos vindo a fazer referência.

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Não obstante a essas características, fazemos também referência à abertura "cirúrgica" dos vãos de janela. Segundo as descrições de Caminada, descrevem através de enquadramentos da envolvente exterior, as relações a que o projeto se propõe. No piso inferior remetem para o enquadramento da rua ou seja o sítio de onde viemos. No piso superior enquadram também a mesma perspetiva de onde se observa além da rua, o vale e as montanhas mostrando uma perspetiva global do sitio de onde viemos, e no lado oposto o sitio para onde vamos, enquadrando a igreja e o cemitério. Outra das características dos vãos, é a sua espessura, que quer se tratem de janelas ou portas constituem zonas de transição, muito importante para concretização conceptual do edifício, que se constitui também como um ponto de passagem entre a vida e a morte. São o resultado circunstancial originado pelo tipo de Strickbau empregue, que por ser de estrutura dupla permite alcançar essa expressão de profundidade, que também remete para características de robustez e segurança, tão necessárias ao estado de espirito das pessoas neste tipo de ritual. Visível na Ilustração 64. Em conclusão, julgamos ser este o projeto de Caminada feito em Vrin, que constitui maior relevância das qualidades da sua identidade projetual. Apesar de ser possivel estabelecer desde os primeiros projetos, uma intrinseca relação entre o lugar e o objeto construido, alcançada pelo estudo exaustivo da sua identidade e tradição cultural, este projeto é o culminar do aprefeiçoamento não só da técnica construtiva mas também da leitura do lugar em sintonia com a cultura das suas gentes.

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Ilustração 68 - Vista interior sobre a escadaria entre pisos. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.46)

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4.1.2. DORMITÓRIO

DAS ALUNAS DO COLÉGIO INTERNO MOSTEIRO DE DESENTIS; DESENTIS; 2004

MAEDCHEN

DO

Ilustração 69 - Vista geral para o dormitório de Disentis. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005,p.22)

O mosteiro de Desentis está localizado numa vila pertencente ao Cantão de Grisões a cerca de uma hora de distância da vila de Vrin. O mosteiro data do séc. XVIII e pertence à instituição responsável pela gerência do colégio interno Maedchen. Devido à sua génese de internato, a instituição comissionou Caminada de um projeto para os dormitórios das alunas do colégio. O terreno confinado à sua construção inseria-se no centro da malha urbana da vila que se caracteriza pela morfologia inclinada do terreno. O lote destinado à implantação do edifício, não foge a essa característica e assemelha-se a um enclave de perfil inclinado entre a rua e o limite dos lotes dos edifícios circundantes. Os edifícios que lhe servem de limite lateral são pré-existências, que definem o seu alinhamento relativamente ao limite da frente de rua, a sul, a par de outras construções que o limitam na frente posterior, a norte, e lateral a oeste. Estas condicionantes conferem ao lote uma geometria trapezoidal cujo desafio na construção de um novo edifício se prendia pela resolução destas confrontações e na tentativa de criar espaços exteriores entre o edifício propriamente dito e os circundantes.

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Regionalismo em arquitetura: a perspetiva de Gion A. Caminada e Diébédo Francis Kéré

Ilustração 70 - Planta de loclização do dormitório de Disentis. ([Adaptado a partir de:] Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.21)

Não obstante das limitações a que o projeto estava confinado, Caminada encastrou parte do edifício no terreno desnivelado permitindo o afastamento relativamente ao limite de rua definido pelas pré-existências. Como resultado, dá-se a criação de uma pequena praça com o intuito de o demarcar do resto dos edifícios que compunham esse alinhamento. A estratégia foi repetida nos restantes limites do lote, permitindo que o edifício lidasse com as limitações da sua envolvente através de espaços exteriores que lhe permitiram a relação entre o seu espaço interno e o seu espaço externo. A estratégia visava a integração do edifício na morfologia do terreno e na especificidade da sua envolvente. Com o método de encastrar o edifício e o relacionar com o denso tecido urbano da vila, Caminada conseguiu criar uma série de espaços exteriores de atmosferas diferentes que lhe permitem relações diferenciadas em redor do edifício. Na frente de rua uma praça de cariz público - Ilustração 71 -, nas traseiras um espaço semipúblico de relação com o edifício de trás - Ilustração 72 - e nas laterais um espaço de carácter mais íntimo, de passagem e relação com os diferentes pisos pelo exterior. A necessidade de desenvolver um programa com alguma especificidade e as contingências do lugar em que se implantaria a proposta, obrigou Caminada a desenvolve-la em cinco pisos. Esta configuração originou a construção de um edifício de forma quase cúbica, e de fachada acinzentada com o objetivo deste se afirmar enquanto objeto sólido e reservado dentro da malha urbana em que se insere.

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Ilustração 71 - Vista sobre a fachada sul. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.24)

Ilustração 72 - "General view from east". Fotografia de Shinkenchiku-sha. (Caminada, 2015, p.71)

Depois de termos feito referência aos aspetos formais deste projeto, torna-se importante a seguinte citação no que concerne à organização do espaço interno em função do programa: "We attempted to put ourselves in the position of these young girls and ask, what do I need? What will make me comfortable in this place?"141 (Hurst, 2005)

Ilustração 73 - Plantas do dormitório de Disentis. ([Adaptado a partir de:] Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.22 e 23) 141

"Pusémo-nos na posição dessas jovens e perguntámos: do que é que eu preciso? O que é que me deixará confortável neste lugar?" (Tradução nossa.)

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O programa organiza-se em função dos cinco pisos que as plantas ilustram: no piso térreo (1), uma sala comum que comporta diversas atividades e um apartamento destinado à pessoa responsável pelo dormitório. O primeiro piso (2), alberga para além de um espaço comum, cinco quartos, uma sala de arrumos e um escritório afeto à pessoa responsável. Os restantes pisos (3, 4 e 5), são semelhantes entre si e albergam cada um entre oito a nove quartos. Não obstante, como elemento contínuo e de ligação entre os cinco pisos que compõem o edifício, desenvolve-se um corpo que para além da sua função estrutural e de garantir as comunicações verticais, assumese como ponto de encontro ao incorporar uma cozinha e um nicho - Ilustração 74 - por piso, com o intuito de facilitar o convívio entre as alunas. Assume-se, por esta razão, como elemento organizador do espaço comum de cada piso, em função dos quartos privados que o rodeiam e para o qual se abrem.

Ilustração 74 - "View of stove area in shared space on the fourth floor". Fotografia de Shinkenchiku-sha. (Caminada, 2015,p.73)

Sem detrimento de sua importância a nível organizativo, este elemento adquire relevância não só pela sua importância funcional, mas também pela sua plasticidade que alcança um valor quase escultural. Enquanto corpo maciço de betão de superfície polida e pormenor em latão na zona do nicho, que invoca a atmosfera quente de uma lareira, sugere ter sido esculpido pela subtração dos espaços necessários às funções que desempenha no seu interior, que noutro contexto e escala, poderia ser confundido como uma peça de arte - Ilustração 75.

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Ilustração 75 - "Core model study viewed from four sides." (Van Beek e Hurst, 2005, p.3)

Todavia, para além da sua beleza, comporta ainda outra função que nos interessa do ponto de vista organizacional do espaço comum. Tendo em conta a disposição em "U" dos quartos em seu redor, este elemento assume-se também como ponto de charneira da rotação de 90º que as plantas dos pisos sofrem nas diferentes cotas a que se encontram. Esta rotação tem como objetivo facilitar o relacionamento dos vários pisos com a rua ao permitir a circulação de pessoas entre o seu interior e o seu exterior em função da cota a que o declive do terreno a encontra. Apesar disso, analisando as plantas - Ilustração 73 -, é possível observar que o espaço que o corpo liberta à sua volta tem apenas um ponto de contacto visual com o exterior e cujo enquadramento varia em função do piso em que se insere. Um vão, de grandes dimensões, desempenha a função de introduzir a maior quantidade de luz possível e enquadrar determinados pontos da paisagem exterior ao mesmo tempo que, se aberto, assume a função de transformar este espaço interior em exterior.

Ilustração 76 - Pormenor da janela. Vista do exterior (esq.), vista do interior (dir.). Fotografia de Lucia Degonda. ([Adaptado a partir de:] Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.25)

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Cada aluna tem direito ao seu quarto individual, ao todo são 31. Cada quarto disponibiliza uma instalação sanitária no seu interior assim como o mobiliário básico desenhado por Caminada, para além de um vão de janela que permite a relação com o exterior. Devido à elevada espessura das paredes exteriores do edifício, trata-se de um vão com características particulares, que assume qualidades espaciais equiparadas a um pequeno nicho privado que pode ser utilizado como refúgio, espaço de leitura ou de interação com o exterior. Não obstante, o vão é composto por duas partes distintas. Uma de maiores dimensões, que desempenha o função de nicho sem a possibilidade de abertura, e outra mais pequena que configura uma janela de peitoril com abertura para o exterior. Em síntese, as características deste projeto colocam-no num lugar de destaque no conjunto dos projetos de Caminada. Nele põe à prova as suas capacidades de projetar fora das implicações da madeira ao adotar o betão como material principal. Destacamos este projeto por se inserir dentro de uma malha urbana muito densa e qualificada. Ao contrário dos projetos em Vrin que visavam a recuperação do território sobre o ponto de vista cultural, sem detrimento, aqui as condicionantes eram outras, no entanto, é possível continuar a identificar as características conceptuais e padrões de identidade projetual de Caminada. Para tal, contribuiu a avaliação das vivências das alunas em regime de internato, para assim definir um conjunto de prioridades pelas quais o projeto se deveria reger. Mais uma vez a importância dada a este fator, resultou num projeto integrado na sua envolvente especifica e em perfeita sintonia com o utilizador.

Ilustração 77 - Pormenor do nicho do corpo vertical. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.28)

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Ilustração 78 - Alunas do colégio no nicho do corpo vertical. Fotografia de Lucia Degonda. (Schlorhaufer e Caminada, 2005, p.29)

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4.1.3. CASA DA FLORESTA, "TEGIA DA VAUT"; DOMAT / EMS; 2013

Ilustração 79 - Enquadramento geral sobre a cabana da floresta. (Feiner, 2013)

O projeto da casa da floresta surge da necessidade de providenciar um espaço que estivesse absorvido pela floresta e se debruçasse sobre ela. A partir desta premissa surge a construção que apresentamos, numa clareira de uma floresta densamente pontilhada de árvores de abeto, com o objetivo de servir de apoio a investigações de campo relacionadas com a natureza e a floresta, quer se trate de alunos de escolas da região ou a projetos desenvolvidos por amantes da natureza. Apesar das dimensões reduzidas do seu conjunto, pareceu-nos importante referir este projeto porque, mais uma vez, Caminada inteirou-se da realidade específica do lugar e das técnicas construtivas tradicionais para a sua conceção. Por essa razão, a matériaprima utilizada foi a madeira disponível localmente, quer para a construção integral da cabana como também para o mobiliário interior. A mão-de-obra e técnicas construtivas foram igualmente as locais e o resultado foi novamente uma resposta integrada na envolvente especifica do lugar.

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Ilustração 80 - "Veranda". Fotografia de Shinkenchiku-sha. (Caminada, 2015, p.141)

A cabana consiste num pavilhão de planta retangular de pequenas dimensões, com uma cobertura côncava de sentido ascendente e uma fachada de igual formato. As restantes fachadas são convencionais, embora incorporando numa delas um grande alpendre de interação com a envolvente - Ilustração 80. A intenção destas formas, vai ao encontro do propósito deste projeto, observar e sentir a natureza. Por esta razão, a cobertura e a parede que enunciamos têm a função de ampliar os sons da floresta, fazendo com que o edifício se assuma como um instrumento musical dela própria. A madeira para além de matéria-prima é também uma premissa de projeto por todo o significado que tem na natureza e na tradição construtiva da localidade. Por essa razão todos os aspetos construtivos desde o revestimento interior/exterior, entalhes, travamentos, divisórias, pavimentos e cobertura exibem-na. Não obstante, se a aparência exterior revela um acabamento áspero de continuidade com a casca das árvores, o interior é cuidado dando a sensação de suavidade, exibindo um entrelaçar de madeira como se se tratasse de um tecido que o reveste - Ilustração 81. Sem detrimento, o único elemento que foge à regra da madeira, é o embasamento em betão que suporta toda a estrutura e de onde provêm os degraus em betão que dão entrada para o interior da cabana, visíveis na Ilustração 79.

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Ilustração 81 - Enquadramento interior com o exterior em segundo plano. (Roos, 2017)

Todavia, apesar de aparentar um certo grau de complexidade construtiva, a organização do espaço interno é simples - Ilustração 83. Uma sala que ocupa o comprimento total da planta e metade da largura disponível, localizada a meio, onde também se encontra um dispositivo de aquecimento cuja função, para além de aquecer o espaço, é dividi-lo entre zona de refeições e de estudo/conferência. A entrada é feita por uma das laterais e alinhada entre os compartimentos das instalações sanitárias e da cozinha. Do lado oposto à entrada existe um grande alpendre que medeia a relação entre o interior e o exterior e que ocupa todo o comprimento da planta.

Ilustração 82 - Cabana da floresta. Corte AA'. ([Adaptado a partir de:] Caminada, 2015, p.140)

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Ilustração 83 - Cabana da floresta. Planta. ([Adaptado a partir de:] Caminada, 2015, p.140)

Visto que a madeira surge como conceito de projeto, a proposta de Caminada para o mobiliário refletiu igualmente essa intenção. À semelhança da madeira utilizada na construção, a madeira usada na conceção do mobiliário foi igualmente retirada da floresta envolvente. Foram desenhadas as cadeiras, as mesas e os bancos propositadamente para este projeto em que a estrutura de ferro foi revestida por pedaços de madeira sobrantes da construção da cabana - Ilustração 81. A mão-deobra foi também levada a cabo por uma empresa local especializada neste tipo de trabalhos Em suma, a importância de se tirar partido quase na totalidade, da madeira que inicialmente se retirou do seu lugar de origem, ao utiliza-la na construção e decoração do objeto arquitetónico, consiste numa estratégia de sustentabilidade. A preservação da tradição e da quase eliminação do desperdício, fez com que elegêssemos este projeto recente de Caminada como um bom exemplo não só de continuidade e preservação de identidade mas também da consistência do seu trabalho.

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4.2. DIÉBEDO FRANCIS KÉRÉ A escolha dos projetos que em seguida descreveremos, foi feita com base nos estudos sobre os quais temos vindo a escrever. Pretende-se com esta escolha contribuir para uma maior compreensão do trabalho do arquiteto em questão, fazendo referência a aspetos-chave que demonstram de facto os assuntos até agora relatados sobre a identidade projetual de Francis Kéré. Não será demais referir, como seria de esperar, que todos os projetos têm pontos em comuns entre eles. As preocupações e ligações com as características culturais e tradicionais dos lugares onde se inserem, bem como uma abordagem sustentável da utilização dos recursos disponíveis localmente, posicionam o seu trabalho no domínio de uma resposta integrada na realidade onde estão inseridos. Contudo e apesar de irmos fazer referência a projetos com edificações em lugares completamente distintos, pretendemos por essa mesma razão, demonstrar que existe uma linha condutora entre todos os seus projetos, quer se trate de uma escola em África ou de uma instalação temporária num museu de renome internacional. Por fim, queremos também com esta amostragem de projetos, reforçar e integrar os nossos discernimentos sobre as questões levantadas no capítulo 2.3, à cerca de regionalismo e clima, e indo ao encontro do capítulo 3.2, que no fundo constituem a razão principal deste estudo e consequente demonstração que iniciamos de seguida.

4.2.1. CAMPUS DA ESCOLA PRIMÁRIA DE GANDO, 2001 -

Ilustração 84 - Planta parcial de Gando com a localização dos projetos de interesse assinalada; 1. Escola primária de Gando; 2. Casas para professores; 3. Ampliação da escola; 4. Biblioteca. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.31)

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O campus da escola primária de Gando, cujo estudo iniciamos, é edificado por fases. Não contrariando esse facto, cremos ser útil uma breve introdução para compreender a razão da sua existência. Kéré pelas razões que temos vindo a descrever no decorrer do nosso documento, formou-se arquiteto ao apresentar um projeto revolucionário para uma escola na sua aldeia, Gando. Esse projeto viria a alcançar reconhecimento internacional, e a partir dele foram surgindo outros projetos com a intenção de o complementar. Assim, em vez de nos referirmos a um projeto para uma escola em Gando, temos que fazer referência aos vários projetos que constituem o campus da escola de Gando. Na Ilustração 84 estão assinaladas algumas referências com a numeração de 1 a 4. A numeração corresponde à ordem de execução dos respetivos projetos, numeração essa

que

respeitaremos

nos

parágrafos

seguintes,

com

o

intuito

de

os

desenvolvermos pela mesma ordem. Porém, antes de iniciarmos o estudo sobre os projetos que elencámos, queremos ainda fazer referência ao facto de que a continuidade destes projetos se deveu ao facto de Kéré se ter vindo a tornar num dos arquitetos africanos mais reconhecidos da contemporaneidade. Por essa razão, só após a conclusão do primeiro projeto foi possível o financiamento necessário para o projeto seguinte. Por outras palavras, não fosse a sua determinação e resiliência aquando do projeto e angariação de fundos para a construção da escola primária de Gando, assim como a sua premiação com o prémio Aga Khan, provavelmente, a sua carreira não teria alcançado o sucesso que lhe veio a permitir provar, que com base naquilo que os lugares têm para oferecer, é possível dar respostas às suas adversidades, aprender com elas e tornar a realidade destes lugares mais próspera para as gerações mais novas. Como conclusão, a escolha deste projeto prende-se não só pelas razões que temos vindo a introduzir, mas também pelo facto de abarcar o primeiro projeto de Kéré e um dos seus últimos até à data, pois ainda não está finalizada a construção. Com esta abordagem pretendemos ter uma ideia não só da sua evolução enquanto arquitecto, como também do projeto em questão, o campus da escola de Gando.

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1. Escola primária de Gando; Gando; 2001

Ilustração 85 - Vista sobre a escola primária de Gando, "The first primary school in Gando - a small wonder". (Kéré Foundation, 2017e)

A escola primária de Gando é o primeiro projeto do campus, Ilustração 85. Quando foi pensada não havia a intenção de vir a existir uma série de equipamentos em torno dela, porém, a sua construção foi pensada para que as crianças de Gando tivessem acesso à educação básica na sua aldeia. Esta ideia vinha no entanto acompanhada de uma série de constrangimentos que facilmente teriam posto em causa a sua construção, todavia, tal não aconteceu. A falta de recursos financeiros era a primeira e a mais difícil de contornar. Kéré era à época estudante em Berlim quando começou a estudar a viabilidade de tal construção na sua aldeia, como tal não dispunha dos meios económicos nem tão pouco dos conhecimentos técnicos necessários para fazer avançar tal ideia. Começou por recolher os apoios fundamentais para levar a sua ideia a bom porto. Para resolver o problema dos recursos financeiros criou, uma associação142 para angariação dos fundos necessários, e para a colmatar a falta de conhecimentos técnicos dispôs da ajuda dos seus professores da faculdade. Resolvidos os problemas iniciais, era necessário dar início à construção, com um orçamento incrivelmente reduzido, 35.000 dólares americanos (USD) para uma área de construção de 526 m2; o desafio estava em marcha. Havia contudo outro problema, o de conseguir a mão-deobra necessária e integrá-la no orçamento, assim como adquirir os materiais necessários ao menor custo possível. A

mão-de-obra

existente

era

totalmente

desqualificada,

situação

facilmente

compreendida conhecendo a elevada taxa de analfabetismo da região, e os materiais 142

A associação de que falamos, "Schulbausteine für Gando", está descrita no capítulo 3.2.1 deste documento na página 99.

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eram igualmente escassos e de compra difícil por falta de orçamento. Posto isto, é neste ponto que se destaca a capacidade de Kéré resolver problemas. O problema da mão-de-obra foi colmatado com a contratação do mínimo número de pessoas necessário, apenas para os trabalhos mais complexos, todos os outros trabalhos foram levados a cabo pela comunidade. A citação completa as nossas palavras: "Os aldeões estiveram envolvidos em todos os aspetos da construção da escola. Obtiveram instrução na manufatura de blocos de adobe através de programas de formação, os ferreiros locais fabricaram a cobertura e as persianas, as crianças ajudaram na remoção de pedras e as mulheres ajudaram a trazer água de vários quilómetros de distância." (Kéré Architecture, 2010)

Por outro lado, o problema da obtenção dos materiais foi também resolvido com a utilização de materiais tradicionais disponíveis localmente. Argila para fabricar os blocos de adobe necessários para a construção das paredes tinha o custo igual a zero, era retirada do local, a escassos metros da construção. O pavimento era também argiloso e trabalhado pela comunidade a custo zero. O teto das salas foi feito também com blocos argilosos, embora entremeado por uma estrutura de vigotas em betão feitas no local. O embasamento de toda a construção feito com pedras trazidas das proximidades teve também um custo de zero. Ou seja, houve uma parte significativa de toda a construção cujo custo foi ínfimo, e como tal, permitiu canalizar os recursos para a compra de uma máquina que facilitasse o fabrico dos blocos de adobe, para a compra das chapas onduladas que compunham a cobertura e o ferro necessário para o suporte da estrutura da cobertura, assim como a aquisição dos materiais necessários à execução de uma bordadura em betão armado que mantinha o conjunto estabilizado. O seguinte diagrama demonstra a sua utilização:

Ilustração 86 - Diagrama dos materiais da escola primária de Gando.143 ([Adaptado a pertir de:] Kéré e Giani, 2010, p.23) 143

Legenda da ilustração 86: 1. Cobertura - Chapa ondulada de ferro, e respetiva estrutura em aço de secção redonda de 1.6mm soldada em treliça; 2. Teto suspenso - Blocos de argila/adobe; 3. Bordadura -

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Os materiais que elencámos são materiais perfeitamente adaptados tanto ao clima local como às condições económicas do seu contexto. No entanto é também através deles e da forma como são empregues que este edifício consegue dar uma resposta ambiental no campo da sustentabilidade ao permitir que o conforto térmico no seu interior seja alcançado sem o funcionamento de aparelhos de elevado consumo energético. Kéré explica-nos como funciona: "The roof shades the façades and protects the rammed earth from rain; it is like a wide brim sun hat. Cooling air is allowed to flow between the roof and the classroom ceilings to activate an internal refresh system. Letting air through, even if warm, is the only way we have to contrast the heat. It's a passive system that works. […] Thus the spatial structure of the second roof, the shelter, is meant first to let air pass through, to increase the difference in temperature for a greater benefit of students and teachers."144 (Kéré e Giani, 2010, p.23)

O seguinte diagrama ilustra a citação:

Ilustração 87 - Diagrama do comportamento térmico da escola primária de Gando. ([Adaptado a pertir de:] Kéré e Giani, 2010, p.23)

A cobertura desempenha mais do que a função de tornar o interior do edifício mais confortável, ela é responsável por unir as três salas de aula propostas integrando-as em simultâneo num conjunto de elementos que compõem a escola primária. É um Betão armado; 4. Paredes - Blocos de argila/adobe; 5. Contrafortes - Blocos de argila/adobe; 6. Janelas Aço; 7. Degraus - Pedra natural ou betão; 8. Fundações - Betão; 9. - Cofragem permanente - Blocos de argila/adobe; 10. Embasamento - Pedra natural e argila; 11. Pavimento interior - Argila compactada; 12. Pavimento exterior - Blocos de argila/adobe 144 "A cobertura faz sombra nas fachadas e protege a terra batida da chuva; é como um chapéu-de-sol de aba larga. O ar fresco pode fluir entre a cobertura e o teto da sala de aula para ativar um sistema de refrigeração interno. Deixar passar o ar, mesmo que quente, é a única maneira de contrariar o calor. É um sistema passivo que funciona. [...] Assim, a estrutura espacial do segundo teto, o abrigo, significa primeiro deixar passar o ar, para aumentar a diferença de temperatura, para um maior benefício dos alunos e professores" (Tradução nossa.)

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conjunto alinhado de forma retangular, composto por: três salas de aula de 7m por 9m, separadas por pátios que garantem uma zona exterior de reunião e convívio. Esta configuração assume uma disposição em que as fachadas de maior dimensão ficam orientadas a Norte e a Sul, tirando partido das brisas dominantes, e onde as aberturas para os vãos de janela são posicionados. Com esta configuração, a escola Primária de Gando permitiu que cerca de 120 crianças pudessem confortavelmente ter acesso ao ensino básico sem terem que se deslocar para as aldeias vizinhas, ao mesmo tempo que usufruem de um edifício que vai ao encontro da sua identidade cultural e para o qual a sua ajuda na construção foi fundamental.

Ilustração 88 - Planta e cortes da escola primária de Gando. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.36 e 37)

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Para concluir voltamos a citar Kéré numa carta dirigida ao seu professor Peter Herrle onde é possível compreender a importância desta escola para o desenvolvimento daquela aldeia, demonstrando que efetivamente a arquitetura pode contribuir para o desenvolvimento

de

um

território

nas

suas

diversas

vertentes

conciliando

conhecimento tecnológico com tradição e cultura: "The school has become more than a place of learning. It is the pride of the people of the region. The social implications are enormous. This project has even resulted in men who otherwise have nothing to do with each other handing each other shovels on the building site. Or certain ethnic groups who traditionally reject school education now want to enroll their children en masse."145 (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.66)

Ilustração 89 - Vista de uma sala de aula na escola primária de Gando. (Aga Khan Foundation, 2017)

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"A escola tornou-se mais do que um lugar de aprendizagem. É o orgulho das pessoas da região. As implicações sociais são enormes. Este projeto teve implicação em homens que, de outra forma, não teriam nada a ver uns com os outros, empunhavam as pás uns dos outros no local de construção. Ou certos grupos étnicos que tradicionalmente rejeitam a educação escolar, querem agora inscrever em massa os seus filhos." (Tradução nossa)

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2. Casas para professores; Gando; 2004

Ilustração 90 - Vista sobre as casas dos professores, "Teacher Houses - comfortable iceboxes". (Kéré Foundation, 2017f)

As casas para os professores da escola de Gando surgem no seguimento do sucesso da construção da escola primária. A necessidade de oferecer um lugar onde os professores pudessem ficar alojados convenientemente sem perder a qualidade de vida das cidades, fez emergir a ideia de que era preciso criar condições que os aliciassem a lecionar na escola de Gando. Uma vez que a escola primária era uma novidade na aldeia, não havia naturalmente a infraestrutura complementar à atividade do ensino, pelo que, era preciso criá-la. O projeto foi terminado em 2004, e subsidiado pelo município de Gando. Embora o progresso no campo dos apoios tivesse dado um passo significativo, o orçamento continuava a ser super reduzido, desta vez 23.700€ para uma área de construção de 930m2, e que apesar das dificuldades foi cumprido. Sem embargo, iniciou-se a construção das casas. A ideia era criar um conjunto de habitações que se integrassem na cultura de Gando, que oferecessem as comodidades ideais para uma família e que ao mesmo tivessem um papel de responsabilidade no panorama da sustentabilidade. A solução foi a criação de um módulo por família que combinado de várias maneiras deu origem a um conjunto de quatro elementos dispostos em arco que sendo únicos por um lado, mantêm a relação com cultura, já que representam uma reminiscência tradicional do Burkina Faso.

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Ilustração 91 - Planta e cortes das casas dos professores da escola de Gando. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.41)

A componente da responsabilidade climática era tão importante como havia sido na construção da escola primária. Por essa razão, os princípios que Kéré utilizou nestas

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habitações foram os mesmos embora desta vez, os tenha aprofundado um pouco através de novas formas e técnicas construtivas: "The walls are made of forty centimeter handmade and sun-dried blocks, and stand on foundations of granite stones and concrete, which prevent moisture from rising. The sharp ends of the walls, which contact water, are rendered with a cement plaster. The rest of the walls have a clay plaster top. The whole housing unit is covered with eight barrel vaults […] supported by a tie beam at the top of the walls, form permanent shuttering to a topping of reinforced in-situ concrete. The roofs of each compartment are built in two different heights. The sickle shaped openings at the intersection points help ventilation and day lightning. Corrugated metal roofs, which rest slightly detachedly from the vaults, enable air circulation. Roof projections protect the walls against the weathering. The top ends of the walls conduct the rain water into the channels, which runs along the façades and on the ground and collect it in a water tank."146 (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.40)

Ilustração 92 - Sistema de ventilação das habitações, "Kéré architecture teachers housing". (Kéré Architecture, 2017a)

Em acordo com a citação e com a Ilustração 92, percebemos a evolução projetual no sentido da responsabilidade ambiental, que Kéré começou a desenvolver na escola primária de Gando, e que neste projeto a eleva a outro patamar. Além dos esforços no sentido de proporcionar conforto térmico por meio da ventilação, existe a preocupação de integrar este conjunto habitacional na estratégia inicial da escola primária para o conjunto da aldeia de Gando, bem como a preocupação com o aproveitamento da água da chuva para a rega das hortas que servem de sustento à comunidade.

146

" As paredes são feitas de blocos feitos à mão de quarenta centímetros e secados ao sol, e erguem-se sobre fundações de pedras de granito e betão, que evitam a humidade ascensorial. As paredes salientes, que têm contacto com a água, são revestidas com reboco de cimento. O resto das paredes têm reboco de argila. O conjunto das habitações é coberto com oito arcos em forma de barril [...] suportados por uma bordadura em betão armado de ligação no topo das paredes, constituem o suporte permanente da cobertura. Os telhados de cada compartimento são colocados a duas alturas diferentes. As aberturas em forma de foice, nos pontos de interseção, favorecem a ventilação e a luz do dia. Os telhados de chapa ondulada, assentam ligeiramente acima dos arcos, permitindo a circulação de ar. As projeções de telhado protegem as paredes contra os elementos. As extremidades superiores das paredes recolhem e conduzem a água da chuva para os canais nas paredes e no chão, fazendo-a correr até ser recolhida num tanque de água." (Tradução nossa)

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Por essa razão, devemos olhar para este projeto, como a confirmação do ponto de partida e da consolidação da estratégia de intervenção de Kéré no sentido da continuidade e preservação das tradições e culturas locais, sem comprometer o desenvolvimento natural das comunidades. Ao desenvolver mecanismos passivos de sustentabilidade, e indo ao encontro das tradições na construção dos novos equipamentos, Kéré promove a integração de pessoas, costumes e lugares, Ilustração 93.

Ilustração 93 - Sistemas de ventilação e captação de águas da chuva, "KÉRÉ ARCHITECTURE TEACHERS’ HOUSING". Fotografia de Erik-Jan Ouwerkerk. ([Adaptado a pertir de:] Kéré Architecture, 2017a)

Por fim e indo ao encontro do que temos vindo a relatar, queremos ainda fazer referência ao facto de que, mais uma vez e à semelhança do projeto da escola primária, a adesão da comunidade na construção do conjunto habitacional foi determinante. A população contribuiu nas diversas competências técnicas do projeto e ajudou na construção própriamente dita. Assim mais uma vez se provou, que esta interação permite poupar dinheiro e enfatiza o sentido de pertença entre os objectos e a comunidade, Ilustração 94.

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Ilustração 94 - A comunidade na construção das habitações dos professores, "KÉRÉ ARCHITECTURE TEACHERS’ HOUSING". Fotografia de Erik-Jan Ouwerkerk. ([Adaptado a pertir de:] Kéré Architecture, 2017a)

3. Ampliação da escola; Gando; 2008

Ilustração 95 - Vista sobre o corpo da ampliação da escola de Gando, "The school extension - the success of the first school". (Kéré Foundation, 2017c)

Após o sucesso do primeiro edifício da escola primária e da construção do conjunto habitacional para os professores, a fama da aldeia de Gando elevou-se exponencialmente ao mesmo tempo que o sentido de pertença da comunidade, pelo que haviam conseguido alcançar. A par do crescente orgulho, cresceu também a procura e o interesse das aldeias adjacentes, o que conduziu a um inesperado aumento da procura por parte das crianças das aldeias vizinhas, demonstrando a sua vontade em ter aulas na nova escola de Gando. Traduzindo essa adesão em números, podemos afirmar que nos dois primeiros anos de funcionamento, a escola primária esgotou a sua capacidade de 120 alunos, para uma frequência constante de cerca de 260, Ilustração 96. O volume da procura foi tal que, se tornou evidente a necessidade de construir outro conjunto de salas de aula que conseguisse comportar a vontade de aprender de tantas crianças, Ilustração 95.

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Ilustração 96 - Afluência de alunos na escola de Gando, "Gando Primary School Extension". (Kéré Architecture, 2017b)

O projeto do terceiro elemento do campus da escola primária de Gando ficou terminado em 2008, e foi financiado pela própria fundação de Kéré, Kéré Foundation. No processo de conceção e construção, Kéré manteve-se fiel a todos os mecanismos anteriormente testados, manteve os conceitos para a forma, a integração na cultura da aldeia, os materiais, as preocupações de sustentabilidade e pôde também contar com a mão-de-obra da comunidade para ajudar a controlar os custos da obra. Apesar de se tratar de um projeto novo, as semelhanças com o projeto inicial são evidentes. Kéré aplicou todas as técnicas que empregou no primeiro projeto da escola primária, e juntamente com a comunidade concretizou este projeto de ampliação. Sem detrimento da qualidade de projeto, Kéré manteve a forma original de um conjunto retangular sob uma cobertura única. No entanto, o conjunto passou a ser composto por dois volumes que estão separados por um pátio de reunião e promoção do convívio entre alunos, Ilustração 97. Os volumes dividem-se de forma a dar origem a dois compartimentos cada um, num deles a duas salas de aula, e no outro a um gabinete administrativo e uma terceira sala de aula.

Ilustração 97 - Pátio de reunião do corpo de ampliação da escola primária, "Gando Primary School Extension". (Kéré Architecture, 2017b)

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Os materiais adotados são também os mesmos, não havendo por isso, grandes alterações na sua aplicação: paredes em argila erguida por blocos estabilizados e fabricados localmente, cobertura em chapa ondulada assente sobre uma estrutura treliçada em aço, vãos de construção simples e funcional posicionados de forma a captarem as correntes de ar e por fim, uma bordadura em betão armado que aumenta a solidez do conjunto e onde assenta a estrutura que suporta a cobertura de chapa.

Ilustração 98 - Planta e cortes da ampliação da escola primária de Gando. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.47)

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No entanto, apesar das semelhanças, houve diferenças na abordagem de alguns elementos. Tendo aprendido com os projetos anteriores, Kéré juntamente com a comunidade acertou alguns pormenores com vista a uma maior eficiência dos seus princípios relacionados com a ventilação interna dos espaços. A maior diferença é a conceção final do teto das salas de aula. Ao contrário de um teto de nível sem aberturas - Ilustração 88 -, neste projeto de ampliação o desenho é diferente. Adquire uma forma em arco, - Ilustração 98 - preenchido com blocos idênticos aos originais, porém, distanciados de forma a permitir que o ar quente se escape para o espaço entre o teto da sala e a cobertura do edifício, permitindo ao mesmo tempo uma maior entrada de luz para o interior dos compartimentos, visível na Ilustração 96. Porém existem outras diferenças menos significativas do ponto de vista estrutural ou de funcionamento, os caixilhos usados nos vãos, assumem uma coloração diversa com o intuito de se identificar com as crianças mais novas, e entre cada vão surge um contraforte de apoio à estrutura das paredes, que não só aumenta a rigidez do conjunto como atribui ritmo à fachada e dá origem a uma sequência de nichos que são aproveitados pelas crianças em diversas brincadeiras.

Ilustração 99 - Crianças no corpo de ampliação da escola primária, "Gando Primary School Extension". (Kéré Architecture, 2017b)

Por fim, voltamos a fazer ênfase na importância da comunidade na construção e utilização deste conjunto de edifícios, e da qual esta ampliação pôde também contar

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com a sua contribuição. Porém, na nossa opinião, este envolvimento da comunidade espelha além do agradecimento da comunidade, o reconhecimento de uma relação recíproca de entreajuda, onde os atores principais são a intervenção territorial por intermédio da arquitetura em prol de uma comunidade carenciada. Por outras palavras, acreditamos que a adesão em massa a estes espaços não acontece apenas porque se construiu mais um equipamento, mas sim porque esse equipamento está integrado na comunidade e nas tradições, num registo de continuidade entre a identidade e a cultura local em prol de uma prosperidade comum, Ilustração 99. 4. Biblioteca; Gando; -

Ilustração 100 - Vista aérea sobre a biblioteca, "School library - education for everybody". (Kéré Foundation, 2017d)

A biblioteca é o quarto elemento, o mais recente e o que completa o campus da escola primária de Gando, Ilustração 100. O objetivo da sua construção deve-se ao facto de se querer aumentar a qualidade do ensino no campus, bem como de introduzir a leitura na comunidade. O projeto teve início em 2010, mas continua por terminar à data da elaboração deste documento, Setembro de 2017. Todavia, decidimos incluí-lo nesta análise por fazer parte do conjunto de equipamentos do campus, e por ser entre os quatro equipamentos, aquele que se destaca pela diferença em relação aos restantes. O conceito inicial é por isso diferente dos outros, a ideia principal é reaproveitar materiais desaproveitados e desvalorizados na sua construção, dando-lhes para isso novas funcionalidades, além de testar uma nova linguagem arquitetónica formal. A proveniência dos materiais utilizados é a grande diferença deste projeto. Apesar da matéria-prima fundamental ser a mesma, a diferença está no suporte utilizado que se destaca principalmente na composição do teto da biblioteca, Ilustração 101. A

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utilização dos potes de barro inutilizados pelas mulheres no mercado, foram reaproveitados para criar as aberturas características dos tetos desenvolvidos por Kéré. Cortados à medida das necessidades, foram posteriormente betonados juntamente com a laje de betão que materializa este elemento. A solução, à semelhança de outras já utilizadas, permite a passagem do ar quente do interior da biblioteca e a entrada de luz, controlada, para o seu interior, conferindo uma tranquilidade especial ao espaço interno, bem como o ambiente ideal para a leitura.

Ilustração 101 - Preparação dos potes de barro para betonagem. Fotografia de Kéré Architecture Archive. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016.,p.51)

Ainda no campo dos materiais, a utilização pela primeira vez de troncos de eucalipto, Ilustração 102 - é uma novidade na arquitetura no Burkina Faso, foi pensada pela primeira vez por Kéré neste projeto. Apesar de a utilização de madeira ser pouco aconselhada por causa das térmitas que causam o seu apodrecimento, a verdade é que a madeira de eucalipto é abundante por não ser considerada uma matéria-prima utilizável, e como tal não é explorada. Com a sua utilização, Kéré promove o derrube destas árvores, que têm pouco interesse pela pequena sombra que produzem e por causarem a rápida secagem dos solos. No seu lugar pretende dar início à plantação de árvores de fruto, mangueiras. A intenção de aproveitar estes troncos, é desenvolver uma "pele" de fachada que cause o ensombramento da fachada interior, para que seja possível controlar a temperatura e a luminosidade do espaço intersticial entre "pele" e fachada. No entanto, esta ideia ainda não foi concretizada neste projeto, pelo que, servindo-nos de exemplo a escola secundária de Gando, mais recente - Ilustração 102 -, temos uma ideia do efeito que se pretende alcançar.

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Ilustração 102 - Madeira de eucalipto como pele de fachada da escola secundária de Gando, "Gando Secondary School". (Kéré Architecture, 2017c)

Outra característica que diferencia este projeto dos restantes é a forma da sua planta. De formato elíptico, relembra as construções vernáculas mais antigas, e permite desdobrar os dois eixos lineares principais das construções adjacentes. A dos volumes das salas de aula. Assim, funciona como eixo de charneira que além de fazer o desdobramento, encerra a forma de conjunto em "L", visível na Ilustração 84, o que potencia a contenção dos ventos e poeiras para o interior do pátio onde as atividades das crianças se desenrolam.

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Ilustração 103 - Planta e cortes da biblioteca da escola de Gando. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.51)

Apesar de todas estas novidades, mantiveram-se outras características dos outros projetos de Kéré, a cobertura por exemplo, de formato retangular, é feita também em chapas onduladas de ferro que assentam numa estrutura treliçada em aço, que por sua vez assenta numa bordadura em betão armado que não só a suporta como também confere a rigidez necessária ao conjunto edificado. As paredes seguiram a mesma linha de pensamento que noutros projetos, assim como o desenho dos vãos de janela e respetivos caixilhos, os revestimentos interiores, etc. Para além destas

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circunstâncias, Kéré pôde ainda contar com a habitual ajuda da comunidade na execução da obra.

Ilustração 104 - Vista sobre a biblioteca de Gando, "Gando School Library". (Kéré Architecture, 2017d)

Em conclusão, podemos dizer que a biblioteca veio permitir novas utilidades, abordagens e expressões dos materiais com que Kéré tem vindo a trabalhar, sem que estes tivessem perdido a sua identidade e sem que o objeto construído perdesse o seu caracter identificativo com a envolvente que o rodeia, Ilustração 104 e Ilustração 105. Porém outros resultados foram obtidos, sem detrimento de outros anteriores, estes permitiram que a biblioteca alcançasse a sua identidade própria, que em consonância com a sua mais-valia para a comunidade, se destaca do conjunto dos equipamentos edificados.

Ilustração 105 - Kéré no interior da biblioteca, "Gando School Library". (Kéré Architecture, 2017d)

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4.2.2. "VILA ÓPERA"; LAONGO; 2010 -

Ilustração 106 - Fotomontagem sobre o conjunto de edifícios da Vila Ópera, "Opera Village". ([Adaptado a pertir de:] Kéré Architecture, 2014)

O projeto para a "Vila Ópera" surge da parceria entre Francis Kéré e um reconhecido cineasta alemão, Christoph Schlingensief147, Ilustração 106. Christoph quis, a partir de um conceito de ópera, criar um evento através do qual conseguisse acudir algumas necessidades básicas de saúde e educação no Burkina Faso. Para o efeito, um anfiteatro havia sido projetado e construído para uma peça na Alemanha mas, depois disso, nunca mais foi utilizado. Tal equipamento bastou como ponto de partida para um projeto que se viria a revelar bastante mais complexo. Por essa razão, a ideia requeria alguém que conhecesse a realidade burquina. Kéré foi chamado a intervir, e juntos decidiram que em vez de se reconstruir o anfiteatro com as respetivas dependências, dever-se-ia pensar num conceito de vila que através do pretexto inicial viesse a considerar, como complemento, outro tipo de equipamentos de suporte às intenções iniciais de Christoph para além de um evento, ou seja, saúde e educação. Porém, ao contrário do que seria expectável, a ideia foi alvo de inúmeras críticas relativamente ao conceito inicial ser baseado numa ópera. Apesar de ter o apoio de várias entidades alemãs e burquinas, a crítica era feita por haver quem considerasse que o Burkina Faso não tinha qualquer tradição de "ópera", já que é considerada uma arte europeia e associada à classe erudita. Outro fator de crítica prendia-se pela 147

Christoph Schlingensief (1960 - 2010) - Foi uma importante figura cultural alemã, ligado à arte do cinema, literatura, ópera, teatro, instalações e performances. Bastante reconhecido pela controvérsia das suas criações, foi ao mesmo tempo amplamente aplaudido. Foi o mentor do projeto da Vila Ópera no Burkina Faso.

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escolha do lugar ser em Laongo, por estar a cerca de 30 quilómetros da capital, Ouagadougou, e não haver transportes públicos para lá chegar. Para além das críticas vindas do ocidente, houve também burquinos que não queriam aceitar o projeto por razões políticas e por este não ter desencadeado negociações com os representantes das classes influentes do país. Contudo, e contrariamente às críticas feitas, a primeira pedra do conjunto foi lançada em Fevereiro de 2010, ocupa mais de 14 hectares, e à data, contava com um programa bem definido pela autoria de Kéré e com os contentores que guardavam o palco e o auditório, Ilustração 107. O programa construtivo foi planeado em três fases, previamente estabelecidas, e contempla um centro performativo como elemento principal além de um conjunto habitacional, oficinas de trabalho, lojas, um campo de jogos, um centro de saúde e uma escola.

Ilustração 107 - Os contentores no lugar da intervenção. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, 2014)

O conceito pelo qual se regia a implantação dos diversos equipamentos seguia uma das características que melhor define o trabalho de Kéré, a intrínseca relação com o lugar e as tradições. A forma de apropriação do território tem a ver com as tradições das aldeias que se estabeleciam em áreas de configuração circular. Como tal, Kéré ao fazer a sua interpretação, dispõe os elementos segundo uma espiral em que o centro performativo se encontra no centro a partir do qual se desenrola o resto do programa. Com esta configuração, Kéré estabelece uma ponte entre o passado e o futuro, permitindo que futuramente seja mais fácil acomodar a expansão da vila, Ilustração 108.

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Ilustração 108 - Esquema concetual da Vila Ópera. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, 2014)

Tendo concluído a introdução ao projeto da "Vila Ópera", em seguida pretendemos apresentar os projetos que a compõem. Para tal, na planta da Ilustração 109, assinalamos a vermelho os edifícios construídos até à data da elaboração deste documento, os restantes estão ainda por edificar. Na mesma imagem estão numerados os quatro tipos de projetos que Kéré desenvolveu para a "Vila Ópera", cuja apresentação faremos de seguida em acordo com esta referência. Sem detrimento, os equipamentos assinalados a vermelho representam a conclusão da primeira fase de construção de todo o conjunto a edificar, tendo sido concluída em Outubro de 2011, à exceção do edifício referente ao centro de saúde, cuja construção terá terminado em 2014. Contudo, presentemente os restantes edifícios aguardam financiamento.

Ilustração 109 - Planta geral do conjunto de edifícios da Vila Ópera; 1. Escola primária; 2. Módulos de habitação, comércio ou outros; 3. Centro de saúde; 4. Anfiteatro ([Adaptado a pertir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.83)

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1. Escola primária; 2011

Ilustração 110 - "Primary school buildings from the yard". Fotografia de Daniel Scwartz. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.84)

A escola primária, - Ilustração 110- , anuncia a entrada na vila, é composta por três edifícios enviesados no terreno e com dimensões iguais entre dois deles, e um terceiro mais pequeno. Entre eles desenvolvem-se pátios cuja cobertura dos edifícios permite nalguns pontos que as crianças possam usufruir do espaço exterior enquanto chove, e em períodos de sol intenso beneficiarem da sua sombra. Cada edifício é composto por três salas de aula com capacidade para 50 alunos cada, separadas por zonas de convívio, à exceção do volume de menores dimensões que tem apenas duas salas, uma delas por ser maior tinha propósitos culturais, porém a quantidade de crianças obrigou a que se destinasse ao ensino. O método construtivo é similar ao de outros projetos levados a cabo por Kéré, podemos inclusive considerar que é uma variação da escola primária de Gando, que analisámos no capítulo 4.2.1., e que em tudo se assemelha. Desde a escolha e aplicação de materiais, até à técnica utilizada para desenvolver o sistema de ventilação interior, tudo se processa da mesma maneira, Ilustração 111.

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Ilustração 111 - Primary school interior view. Fotografia de Daniel Scwartz. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.84)

Ilustração 112 - Planta e cortes da escola primária da Vila Ópera. ([Adaptado a pertir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.85)

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2. Módulos de habitação, comércio ou outros; 2011

Ilustração 113 - Primeiro conjunto de módulos da Vila Ópera, "Opera Village". (Kéré Architecture, 2017e)

Os módulos cuja descrição iniciamos surgem como satélites em torno da centralidade gerada pelo futuro anfiteatro, Ilustração 113. São módulos cujos usos são diversos e previamente definidos em projeto. Do ponto de vista arquitetónico assumem uma abordagem completamente nova, pela qual Kéré constitui um modelo base em que consoante a utilização a que se destina, pode ser adaptado a usos variados. Ou seja, a partir deste modelo, Kéré consegue através de uma construção acessível e de fácil edificação, acorrer a diversas necessidades inerentes às diversas atividades que ocorrerão na vila, para além de conceber uma "receita" para futuras expansões, Ilustração 114.

Ilustração 114 - Módulo multifunções da Vila Ópera. Fotografia de Kéré Architecture Archive. (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.80)

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As características base destas construções vão ao encontro do que Kéré nos tem habituado do ponto de vista da integração, da sustentabilidade e dos materiais. As preocupações com um sistema de ventilação passivo mas eficaz, justificam uma cobertura dupla, em que o teto é constituído por blocos de argila espaçados para que o ar quente suba, e em que a cobertura de chapa, elevada através de uma estrutura treliçada em aço se prolonga para fora do perímetro das paredes exteriores, para que as estas estejam sempre à sombra e ao mesmo tempo protegidas da chuva. A alvenaria é também constituída pelos habituais blocos de argila. Não obstante das semelhanças, a grande novidade está somente no desenho e na versatilidade que estes módulos alcançam. Atendendo à Ilustração 112, dos primeiros seis módulos posicionados lado a lado, logo a seguir à escola primária - Ilustração 113 -, cinco adquirem funções relacionadas com escritórios, oficinas e armazéns, o sexto em conjunto com os dois posicionados logo a seguir, são usados como cantinas. Logo a seguir a estes, ligeiramente mais a norte estão sete habitações destinadas a professores ou pessoal administrativo, distinguem-se pela chaminé de grandes dimensões, por se desenvolverem em dois pisos e pela cobertura assumir uma dinâmica específica, Ilustração 115.

Ilustração 115 - Módulo habitacional da Vila Ópera, "Opera Village". (Kéré Architecture, 2014)

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3. Centro de saúde; 2014

Ilustração 116 - Vista sobre o centro de saúde, "Centre de Santé et de Promotion Sociale". (Kéré Architecture, 2017f).

O centro de saúde está inserido no conjunto de edifícios da vila ópera, Ilustração 116. Inicialmente estava prevista a sua construção para uma das últimas fases de desenvolvimento previstas, porém com a tempestade de 2009 que devastou a zona, foi necessário acudir as necessidades básicas das pessoas, ou seja, habitação, saúde e ensino. Por essa razão o projeto foi antecipado e incluído na primeira fase de desenvolvimento. Afastado do centro da vila, por uma questão de maior exposição aos ventos dominantes, contribuiu para o aumento significativo da área ocupada pela vila, são agora 35 hectares. O facto de ter sido colocado numa zona ventosa, não foi por acaso, e essa é uma das principais características deste projeto, que na nossa opinião vale a pena referenciar por se constituir numa evolução face a outros projetos de Kéré. A disposição no terreno e a posição geográfica escolhida são partes integrantes do sistema de ventilação do próprio edifício, concebido para ser refrigerado naturalmente, sem aparelhos de ar-condicionado. O diagrama explícito na Ilustração 117 dá-nos uma ideia de como funciona através do princípio da convecção, porém descrevemo-la em acordo com a numeração da ilustração referida: "1- Hot and dusty air is drawn into the countryard 2- Air is cooled down in the shaded countryard 3- Cool and fesh air is drawn into the interior rooms 4- Hot and stale air rises and escapes through the 5- Wind blows over the roof and helps draw the hot air away"148 (Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.89)

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"1- O ar quente vindo do exterior é moldado pelas aberturas da fachada e conduzido para o interior do pátio. 2- O ar quente é arrefecido pela sombra que as árvores projetam no pátio. 3- O ar arrefecido é forçado a entrar no interior do edifício, refrescando-o. 4- O ar acaba por aquecer, e inicia a sua ascensão

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Ilustração 117 - Diagrama de ventilação do centro de saúde, "Centre de Santé et de Promotion Sociale". ([Adaptado a partir de:] Kéré Architecture, 2017f)

Do ponto de vista formal, o centro de saúde difere um pouco da imagem que Kéré tem vindo a cimentar ao longo das suas intervenções. Contudo reflete todas as suas características projectuais e escolha de materiais, se bem que com algumas alterações subtis, todavia, totalmente integradas na paisagem arquitetónica definida pela vila ópera. Os materiais foram escolhidos segundo a disponibilidade local, mais uma vez foram usados blocos de argila para erguer as paredes e muros que constituem o centro de saúde, que se caracterizam por fenestrações dispostas aleatoriamente. Essas aberturas têm dupla função. A primeira de permitir o bom funcionamento do sistema de ventilação e, a segunda de enquadrarem diferentes vistas exteriores, e deste modo estabelecerem uma relação interior/exterior com os utentes, que desta maneira conseguem observá-lo a partir de qualquer posição em que estejam. À semelhança do que acontece noutros equipamentos da vila, foram usados troncos de eucalipto para o suporte dos tetos. Para a cobertura foram utilizadas as habituais chapas onduladas em ferro, que desta vez são assentes em vigas de betão que lhe conferem a inclinação necessária. O sistema construtivo das paredes é também diferente do que tem sido hábito. Para este edifício, apesar de terem sido utilizados os habituais blocos de argila, estes constituem apenas a camada interior do sistema de duplo pano que constitui o sistema construtivo das paredes, por sua vez o pano exterior é composto por blocos de cimento pré-fabricados e revestidos com argila. A adoção desta configuração devese ao facto das fachadas não estarem salvaguardadas pelo avançar da cobertura num pátio intermédio. 5- O ciclo termina por ação do vento que puxa o ar quente do interior do pátio." (Tradução nossa)

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sobre o perímetro exterior das paredes, o que impediria que a água das chuvas incidisse diretamente na fachada.

Ilustração 118 - Enquadramentos do interior do centro de saúde da vila ópera, "Centre de Santé et de Promotion Sociale". (Kéré Architecture, 2017f)

Do ponto de vista programático, o edifício incorpora os serviços essenciais dentro da comunidade em que se insere, - Ilustração 118 - serviço de estomatologia, obstetrícia e medicina geral e para o seu funcionamento dispõe de salas de examinação, escritórios e farmácia, as salas de espera são os espaços exteriores, que permitem mais uma vez que os utentes se sintam integrados nas suas tradições, Ilustração 119.

Ilustração 119 - Planta do centro de saúde da vila ópera. ([Adaptado a partir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.88 e 89)

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Ilustração 120 - Cortes do centro de saúde da vila ópera. ([Adaptado a partir de:] Kéré, Beygo e Lepik, 2016, p.88 e 89)

4. Anfiteatro "Vila Ópera"; -

Ilustração 121 - Fotomontagem do anfiteatro, "Opera Village". (Kéré Architecture, 2014)

Apesar da ideia inicial que despoletou toda esta intervenção ter sido com o pretexto de criar um evento de ópera no seu sentido clássico, a verdade é que essa ideia inicial se perdeu ao longo do tempo. Não obstante, foi essa a razão pela qual a vila continua a ser denominada de vila ópera, fazendo alusão a essa primeira abordagem. Porém, o anfiteatro, - Ilustração 121 - que se projeta hoje, apesar de não estar ainda edificado, adquire intenções de uso vocacionadas para eventos interculturais e atividades relacionadas com as vilas à sua volta, contribuindo, desta maneira, para a preservação dos costumes e tradições culturais do Burkina Faso. Sem detrimento desta nova configuração, a ideia de reaproveitar o anfiteatro referido anteriormente mantém-se. Para tal Kéré desenhou um projeto que se situa no centro da vila e representa a sua centralidade. Em seu redor desenvolvem-se todas as atividades que tivemos oportunidade de referir e descrever anteriormente. O anfiteatro

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destaca-se das restantes construções pelas suas dimensões monumentais, em que dois corpos circulares se fundem em redor de um palco com cerca de 25 metros de comprimento e respetivo anfiteatro desenvolvido em dois níveis com capacidade para 600 pessoas. O palco além das suas grndes dimensões contempla uma das criações de Christoph Schlingensief, a "animatograph"149, que se debruça sobre a plateia e que era uma das contingências iniciais do projeto feitas por ele. Do ponto de vista construtivo, uma "pele" feita de troncos de eucaliptos forma o pano de fachada que se projeta em altura acima do limite superior da cobertura, e que omite a estrutura de acesso e suporte do conjunto do anfiteatro. A cobertura por sua vez, vai também ao encontro das soluções adotadas por Kéré noutros projetos, feita de chapa metálica ondulada com uma inclinação visível num dos cortes da Ilustração 122.

Ilustração 122 - Planta e cortes do anfiteatro, "Opera Village". ([Adaptado a partir de:] Kéré Architecture, 2017e) 149

O "animatograph" é um palco giratório móvel que pode ser elevado. Ornamentado com elementos convencionais e adereços, oferece ao público mais do que uma vista frontal da cena. Oferece por isso, a experiência mais próxima de uma entrada em cena. Assim a encenação torna-se mais interativa, verdadeira e próxima do público.

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4.2.3. "SERPENTINE PAVILION"; LONDRES, 2017

Ilustração 123 - "Serpentine Pavilion 2017". (Kéré Architecture, 2017g)

O projeto "Serpentine Pavilion 2017", - Ilustração 123 - é um dos mais recentes de Kéré. Ao contrário de todos os outros que temos vindo a elencar, este é temporário e está fora do contexto africano. Kéré foi convidado pelo diretor artístico das Serpentine Galleries150, Hans-Ulrich Obrist151, para construir a sua primeira estrutura em Londres, num evento que faz parte do calendário cultural londrino desde o ano 2000 e no qual, uma vez por ano, é convidado um arquiteto para edificar a sua primeira estrutura na capital inglesa. Kéré acedeu ao convite e como é seu apanágio trouxe consigo a realidade do Burkina Faso, servindo-se dela sob o ponto de vista conceptual para edificar uma das estruturas mais emblemáticas do seu currículo até à data. "We have a big tree in the heart, in the centre of the village which provides shade, and during the day multiple activities are happening there. It can be even a kindergarten. So the adults will be talking and the kids will be playing. The elders will be discussing. But sometimes it becomes a little hospital when you have a vaccination campaign or it becomes a school. So I wanted to bring this spirit, this element in culture in Burkina Faso here using the tree as a reference, and with all the activities happening there.[…]"152 (Serpentine Galleries, 2017) 150

As Serpentine Galleries são um conjunto de galerias de arte em Londres composto por dois edifícios: a Serpentine Gallery e a Serpentine Sackler Gallery. A primeira abriu portas em 1970 num antigo salão de chá em Londres situado nos jardins do Kensington Park em Hyde Park. Desde o início que se dedica a divulgar o trabalho de artistas emergentes. A segunda galeria, mais recente, foi aberta em 2013 num antigo armazém de pólvora depois de ter sido ampliado, numa intervenção da Arquiteta Zaha Hadid, está também localizado nos jardins do Kensington Park. 151 Hans-Ulrich Obrist (1968 - ) - É um crítico, um historiador e curador de arte de nacionalidade suíça. Atualmente é o diretor de arte das Serpentine Galleries. É conhecido pela sua acérrima defesa dos artistas e da arte em geral, considerando-a a coisa mais importante no mundo. Iniciou a sua carreira em 1991 com uma exposição em sua casa, na cozinha com o nome "The Kitchen Show", na qual constavam trabalhos de Christian Boltanski e de Peter Fischli e David Weiss. 152 "Nós temos uma grande árvore mesmo no centro, no coração da aldeia, que providência sombra, e onde durante o dia acontecem várias atividades. Pode funcionar um jardim-de-infância. Onde, os adultos

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Kéré ao utilizar a árvore da sua aldeia, Gando, como referência concetual, explica o que pretende que aconteça no lugar onde implanta o seu pavilhão: recriar um conjunto de atividades que sejam o espelho das atividades da cultura onde se insere. Com essa analogia, Kéré pretende que o pavilhão adquira a mesma importância no lugar onde se insere, que a árvore da sua aldeia em função do seu papel no ciclo diário de 24 horas de utilização, Ilustração 124.

Ilustração 124 - Enquadramentos sobre o Serpentine Pavilion, "Serpentine Pavilion 2017". (Kéré Architecture, 2017g)

Assim, uma grande estrutura deixa trespassar a luz, mas impede a chuva de entrar, constituindo a cobertura do pavilhão projetado por Kéré. À semelhança do papel desempenhado pela copa da árvore, é constituída a cobertura. Através de uma estrutura em ferro revestida pelo exterior com uma "pele" plastificada e transparente. Pelo interior, por uma segunda "pele": um ripado de madeira que faz com que em função da incidência solar se projete sombras com formas diferentes no interior do pavilhão. Como complemento, a camada exterior que cobre a cobertura, configura também um elemento funicular com a função de canalizar a água da chuva para o pátio interior do pavilhão, servindo como elemento de celebração da água, que é um bem essencial e escasso em África, Ilustração 125.

podem conversar e as crianças brincar. Onde os anciãos podem ter as suas reuniões. Por vezes transforma-se também num pequeno hospital quando há uma campanha de vacinação, ou até se pode tornar numa escola. Este é o espirito que quis trazer, o desse elemento da cultura do Burkina Faso, ao usar a árvore como uma referência e com todas as atividades que lá acontecem." (Tradução nossa)

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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Ilustração 125 - Pormenores da cobertura do Serpentine Pavilon, "Serpentine Pavilion 2017". (Kéré Architecture, 2017g)

Outro aspeto importante do pavilhão é a sua parede que concentra nela o maior valor cultural do objeto. Erguida em blocos de madeira prefabricados e pintados de azul, copiam os padrões típicos dos tecidos africanos. É composta por um pano vertical e circular que não toca na cobertura. É interrompido por quatro vezes, e os blocos de madeira que o compõem têm espaçamentos entre si de forma a facilitar a circulação de ar e de pessoas, privilegiando a circulação destas e constante ventilação natural do objeto, Ilustração 127. Não obstante, o azul na cultura de Kéré, tem um valor simbólico muito interessante: "Blue is so important in my village because that is the colour of celebration, you know. If a young man has a date you dress blue. […] And here having the chance to do something, to demonstrate my architecture […], I wanted to show my building in that best colour."153 (Serpentine Galleries, 2017)

Ilustração 126 - Pormenor das paredes, o padrão e a cor azul. ([Adaptado a partir de:] Kéré Architecture, 2017g)

153

"O azul é muito importante na minha aldeia porque essa é a cor da celebração. Se um jovem tiver um encontro marcado, ele vai vestir-se de azul. [...] E aqui, tendo a oportunidade de fazer alguma coisa, para mostrar a minha arquitetura [...], queria mostrar o meu pavilhão naquela que é a melhor cor." (Tradução nossa)

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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Ilustração 127 - Pormenor dos texteis, o padrão. ([Adaptado a partir de:] Serpentine Galleries, 2017)

Para finalizar o ciclo de 24 horas, o pavilhão assume mais uma importante função baseada na realidade do Burkina Faso, a de ser um ponto de encontro noturno: Ilustração 128. "At night time, young people often try to go up and see where is the light in the village and to move towards that light. If you go, you will find there is a celebration. Here our pavilion should be like a beacon. Light goes out, and then everyone will feel invited."154 (Serpentine Galleries, 2017)

Ilustração 128 - O pavilhão à noite, "Serpentine Pavilion 2017". (Kéré Architecture, 2017g) 154

"À noite, os jovens sobem muitas vezes para ver onde está a luz na aldeia e caminharem em direção a ela. Seguindo-a, vão acabar por encontrar algum tipo de celebração. Aqui, o nosso pavilhão deve ser como um farol. A luz é emanada, e todos se sentem convidados." (Tradução nossa)

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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Regionalismo em arquitetura: a perspetiva de Gion A. Caminada e Diébédo Francis Kéré

5. CONCLUSÃO Depois de termos terminado a redação desta dissertação, afigura-se agora indispensável redigir algumas conclusões em função do estudo a que nos propusemos. Iniciámos o nosso documento com uma pergunta: "O que é regionalismo em arquitetura?". A pergunta surgia da dificuldade em compreender a dimensão do vocábulo, no qual se confundia uma série de definições facilmente atribuíveis ao seu campo de ação, sem que fosse possível identificar com clareza o seu significado concreto. A pergunta que é de formulação simples revelou-se de resposta bastante complexa por abarcar uma série de matérias distintas que desenvolvemos nesta dissertação. Em sintonia com o que expusemos no capítulo 2, "Regionalismo em arquitetura. Contextualização de uma definição variável.", salientamos que regionalismo tem incidência em duas dimensões que apesar de terem um elemento em comum, são em si bastante diferentes. A primeira tem repercussão numa determinada extensão de território cuja medição e definição é feita segundo as suas características morfológicas: topografia, clima, fauna e flora. A segunda tem uma influência menos mensurável, que por ser definida pelos fatores fenomenológicos - a memória, a cultura, a tradição -, não pode ser balizada entre limites concretos. Não obstante a diferença, existe um elemento comum entre estas duas dimensões: incidirem sobre um determinado território. Nesse contexto, e sendo a arquitetura uma das principais atividades responsáveis pela intervenção no território, foi com esse intuito que no decorrer do desenvolvimento do capítulo 2, enquadrámos uma perspetiva histórica e outra contemporânea sobre o assunto do regionalismo. Neste contexto vale a pena referir Harwell Hamilton Harris155 que distingue dois tipos de regionalismo, um "regionalismo de restrição" e um "regionalismo de libertação". O primeiro regionalismo é desenvolvido segundo um padrão nacionalista, fechado e focado nos grandes feitos do passado, em que a abertura para o exterior é inexistente. Há nesse sentido uma sobrevalorização da pátria, muitas vezes associado à componente histórica que é também, por diversas vezes, associado a regimes 155

Intervenção desenvolvida neste documento no capítulo 2.1.2 a partir da página 35.

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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autoritários. No campo da arquitetura tem repercussão no modo como se encara novas formas de projetar, reprimindo-as em prol da cópia formal de construções de outros tempos. É em suma um regionalismo revivalista, "tacanho", radical e fechado em si mesmo. O segundo que enunciámos é o oposto; é um regionalismo que se rege por circunstâncias locais, mas com preocupações globais, que reconhece que o progresso é alcançado pela troca de experiencias e pela partilha de conhecimento. É um tipo de ação que encara com perfeita tranquilidade influências vindas do interior do seu raio de ação ou fora dele, consegue construir um discurso permeável a outras influências e que rejeita a cópia, o revivalismo e o chauvinismo. É no fundo, um regionalismo local com influências globais, e como tal, atento ao progresso exterior. Em conclusão, feitas as distinções, facilmente conseguimos associar os diferentes períodos da história com cada um destes tipos de regionalismo. Assim podemos chegar à ideia de que "regionalismo" se debruça sobre uma determinada extensão de território, e que está atento não só às dimensões fenomenológicas e morfológicas, como também promove uma ação mais ou menos restritiva em função da época e regime em que é praticado. Retomando a questão inicial, a sua resposta merece ainda clarificar quais os contornos dentro do campo de ação da arquitetura em que se estabelece o regionalismo. Para esta, é determinante o pensamento crítico de Lewis Mumford através da interpretação de Alexander Tzonis e Liane Lefaivre que o apelidam de "Regionalismo Crítico". Passando ainda pela perspetiva de Kenneth Frampton sobre a mesma matéria, concluímos que apesar da composição da palavra "regionalismo" conter um "ismo", não significa que "regionalismo" seja um estilo artístico ou arquitetónico. Assume, por outro lado, uma importância maior assente nas idiossincrasias de um determinado lugar e alerta, acima de tudo, para uma responsabilidade autoconsciente da ação da arquitetura sobre um determinado território. Neste contexto, e entrando em concordância com a matéria crítica do regionalismo, este pretende apelar à responsabilidade do arquiteto enquanto agente de uma intervenção arquitetónica num determinado lugar. Quando falamos das características especificas do lugar, estamos também necessariamente a falar de clima, pois toda e qualquer ação no território deve considerar essa condicionante como uma componente projetual, respeitando assim,

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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uma perspetiva responsável da intervenção arquitetónica. Nesse sentido, deve ser tida em linha de conta que a contenção do desperdício tem de estar também presente na conceção de edifícios. Por outras palavras, com vista a um controlo do desperdício energético e recursos naturais, deve ser estudado em projeto o comportamento energético do edifício em função da sua envolvente climática. Em suma, a resposta à pergunta sobre o que é regionalismo em arquitetura, comporta as noções de local, global, lugar, intervenção, responsabilidade, controlo do desperdício e critica autoconsciente da ação arquitetónica que deve ser aglutinadora de todos estes fatores. Para nós, este é o significado de regionalismo em arquitetura: uma arquitetura responsável em prol de um progresso e desenvolvimento territorial comum capaz de promover o sentido de pertença. Os dois arquitetos referidos no capítulo 3, Gion A. Caminada e Diébedo Francis Kéré, são exemplo das conclusões acima apresentadas, cuja ação se rege sob essa conduta de responsabilidade, em que cada um e em função das suas condicionantes conseguiu mudar o paradigma dos territórios onde intervencionou. Caminada inverteu a tendência decrescente da ocupação da aldeia de Vrin, ao dotá-la de um conjunto de equipamentos que não só vieram colmatar as necessidades da população, como também promoveram a criação de novas oportunidades. Em função das tradições e da cultura, Caminada conseguiu acrescentar valor ao território de intervenção, exponenciando a qualidade de vida e como consequência, a fixação de novos residentes. Como prova dessa influência da arquitetura no desenvolvimento de um território, citamos Caminada fazendo das suas palavras as nossas, em função desta perspetiva de regionalismo: "I see architecture as the ideal tool to enrich the quality of life in a place. In my view, however, this can only be achieved by engaging with the local social realities. To me, it is important to experience and understand the grounds of these actualities. To experience does not necessarily mean to accept. Realities must also be endured, which is not always easy. Enriching a place happens when connections develop trough the labour. […] for me, architecture is life, concentrated in degrees of experience."156 (Caminada, 2015, p.8)

156

"Olho para a arquitetura como a ferramenta ideal para enriquecer a qualidade de vida num lugar. No entanto, na minha opinião, isso só pode ser alcançado através do envolvimento com as realidades sociais locais. Para mim, é importante experimentar e compreender os motivos dessas atualizações. Experienciar não significa necessariamente aceitar. As realidades também devem ser suportadas, o que nem sempre é fácil. Enriquecer um lugar acontece quando as conexões se desenvolvem através do trabalho. [...] para mim, a arquitetura é vida, concentrada em graus de experiência" (Tradução nossa)

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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A partir desta citação compreendemos a importância das técnicas locais e das vivências específicas de cada lugar, só assim, entendemos a relevância de projetos como a "mazlaria" ou a "stiva da morts". Compreendemos que a sua construção não só dotou o território de equipamentos indispensáveis como o fez em acordo com as dimensões fenomenológicas e morfológicas do lugar onde se inserem, dando resposta a uma necessidade sem descurar o sentido de pertença nem a cultura local. Kéré, na mesma linha de conduta, conseguiu através da construção de escolas, promover a educação para além da fronteira da sua aldeia, repercutindo a ação por todo o país, para além de criar uma pequena economia em torno dos seus projetos. Num país em que a iliteracia rondava taxas inimagináveis numa realidade ocidental, Kéré conseguiu através da sua ação, potenciar o seu desenvolvimento, simplesmente permitindo que algumas aldeias pudessem ter uma escola que ensinasse a ler e escrever. Por outro lado, olhamos para Kéré como um intermediário entre uma cultura ocidental desenvolvida, e uma cultura africana no começo do seu desenvolvimento. É em função dessas conjunturas completamente distintas, e através dos seus projetos em ambas as realidades, que chegamos à conclusão de que enquadramentos diferentes impõem abordagens igualmente diferentes. Citamos Kéré por concordarmos integralmente com as suas palavras no que concerne a este assunto: "[…] the context is a delicate part of my work. My education […] is a European education, is the western education to do architecture. But where I came from is totally different, [...] to build in Germany, there is totally different from building in Gando, so we have to different culture. In one hand, in Germany which is highly developed, [...] and in other hand, in have my little village in Burkina Faso, which architecture is in it's very beginning of its development. And then we have the climate also, they are so different in terms of the way of doing architecture, which is totally different in Germany then in Burkina Faso, where you have to train them to do architecture, in Germany it is different, you have contractors, in Gando you have to translate your ideas for that people to understand, so it is totally different. [...]."157 (Kéré, 2012)

Para finalizar, em resposta à questão objeto desta dissertação, acreditamos que a ação da arquitetura pode efetivamente influenciar positivamente o desenvolvimento 157

"[…] o contexto é uma parte delicada do meu trabalho. A minha educação [...] é uma educação europeia, é a educação ocidental de fazer arquitetura. Mas de onde venho, é totalmente diferente, [...] construir na Alemanha, é totalmente diferente de construir em Gando, isso é o resultado de termos uma cultura diferente. Por um lado a Alemanha que é altamente desenvolvida, [...] e por outro, a minha pequena aldeia no Burkina Faso, onde a arquitetura está no seu começo. À parte disso, temos também o clima que é tão diferente quanto a maneira de fazer arquitetura. No Burkina Faso, é preciso ensinar a fazer arquitetura, na Alemanha é diferente, há empreiteiros. Em Gando temos que traduzir as ideias para que as pessoas entendam, oque é totalmente diferente. […]" (Tradução nossa)

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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territorial; prova disso são os casos de estudo que analisámos no capítulo 4. Porém, tal progresso, só é possível através de uma ação cuidada e responsável em detrimento de uma cultura de desperdício e de inadaptação construtiva. A nossa crítica, a ser aceite como tal, vai precisamente ao encontro da irresponsabilidade que caracteriza uma arquitetura unicamente focada em conceitos estéticos e predicados formais. Queremos por isso alertar consciências para o problema da identidade dos lugares, do sentido de pertença das pessoas e do percurso desses territórios em função das culturas e tradições, cuja importância tem vindo a ser posta de lado, em prol de uma série de condutas menos próprias de uma contemporaneidade que se pretende tecnologicamente evoluída e moderna. No decorrer do documento, abordámos questões debatidas por diversos investigadores destas matérias, que nos levaram a perceber não só a importância do regionalismo enquanto premissa de projeto, mas também a razão pela qual um modelo universalizado visto como expoente máximo de modernidade, é em tudo contraditório daquilo a que chamamos progresso. Finalmente, tendo por base esta perspetiva sobre a arquitetura e a importância do regionalismo enquanto premissa de projeto, questionamo-nos se esta não se constitui como parte integrante ou força motriz de uma “economia circular”, enquanto modelo económico focado na coordenação dos sistemas de produção e consumo em circuitos fechados, e cujo objetivo final é o máximo reaproveitamento dos recursos disponíveis em função de um desperdício mínimo, afinal aquilo a que chamamos de progresso, Ilustração 129.

Ilustração 129 - Economia circular. (eco.nomia, [s.d.])

Bernardo João Ribeiro Lourenço

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