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Francisco Egberto de Melo

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DE PATINHO FEIO À MUSA COBIÇADA

Francisco Egberto de Melo

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Experiência e expectativa são os dois aspectos fundamentais utilizados por Koselleck (2002) para pensar o passado e o presente de um determinado tempo histórico e creio que são úteis para nos ajudar a refetir um pouco sobre o momento histórico que estamos vivendo no que diz respeito ao ensino das disciplinas escolares e sua relação com as ciências correlatas, especialmente quando pensamos na relação que se estabelece entre os cursos de licenciatura como espaços formação de professores e lugar de pesquisa.

O artigo que vos apresento é resultante de uma refexão sobre esta conturbada relação à luz das experiências de um passado recente com permanências bastante presentes na atualidade.

É inegável que as áreas de ensino das diversas licenciaturas como História, Geografa, Matemática, Física, dentre outras, vêm se afrmando nos últimos anos nos espaços acadêmicos, não só como área de formação, mas, também, como objeto de pesquisa. De início, as pesquisas no campo fcaram concentradas nos programas de pós-graduação em educação. Não resta dúvida que a Educação ainda tem este domínio sobre estas pesquisas, mas, aos poucos, os programas de pós-graduação nas áreas específcas começam a desenvolver pesquisas no campo do ensino. O mesmo pode-se dizer nos cursos de graduação, quando os alunos dão seus primeiros passos como pesquisadores e professores.

Em boa medida, esse diálogo teve seu crescimento nos últimos anos, notadamente nos governos Lula e Dilma, com os investimentos do governo federal em projetos de incentivo às licenciaturas, como, por exemplo, o Programa Institucional de

Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e o Prodocência. Difícil, hoje, participarmos de eventos nos quais não identifcamos pesquisas e/ou relatos de experiências resultantes destes e outros programas de valorização na formação do professor.

Não faz muito tempo, havia um considerável desprezo por parte dos próprios professores dos cursos de licenciatura e dos programas de pós-graduação em relação ao ensino. Os alunos que se preparavam para a docência acabavam pagando o preço, e muitas vezes, um preço muito alto, das pesquisas que seus professores queriam desenvolver em outros áreas. Muitos entendiam que para formar seus alunos bastavam as leituras das teorias e pesquisas mais recentes, alguns preferiam identifcar os melhores alunos e prepará-los para as seleções das pós-graduações nos campos mais diversos, menos no ensino.

No entanto, observa-se que, nos últimos tempos, tem havido um deslocamento para os projetos governamentais voltados para a docência, de pesquisadores que tradicionalmente se dedicaram às pesquisas em diversos campos do conhecimento das licenciaturas enquanto viam o ensino como um apêndice da formação profssional, ainda que isso ocorresse em cursos de formação de professores. Aparentemente, isso pode signifcar que o ensino passa a ocupar o lugar sempre reivindicado pelos que sentiram no dia a dia as difculdades pelo envolvimento com esta área, ou por serem professores da escola básica. Resta saber qual a medida de envolvimento destes pesquisadores com o novo nicho das licenciaturas.

Normalmente, quando as águas do sertão nordestino começam a secar, muitas aves de arribação voam em busca de áreas mais verdes. Mas ali não fazem ninho, preferem retornar ao seu habitat de origem quando a seca passa. Talvez estejamos vivenciando um momento sazonal de envolvimento com o ensino. Dizendo de outra forma, não vislumbro que o

namoro dos pesquisadores e cientistas com o ensino se transforme em casamento, me parece que são apenas fertes passageiros, enquanto o poço de verbas não seca. É difícil acreditar que uma tradição de discriminação de longas datas tenha sido quebrada, ainda que tenhamos um campo que vem se afrmando pela organização, luta e produção acadêmica.

É fácil perceber isso quando se observa que professores de graduação e pós-graduação disputam os projetos governamentais para o ensino e formação docente, como o PARFOR, PRODOCÊNCIA, PIBID, PROCAMPO, Mestrados profssionais, dentre outros, mas na hora de abrirem concursos para preencher os seus quadros, inclusive na área de ensino, dão prioridade aos candidatos que têm uma formação verticalizada (graduação, mestrado e doutorado), quando não excluem completamente os que mesclam sua formação com a Educação, apesar de serem estes os profssionais predominantes que têm atuação e pesquisa nas áreas de ensino em nível superior.

A experiência do passado demonstra que esta contradição é fruto de uma cultura de longa duração que se arrasta por anos em nossa formação como professores e historiadores que necessita ser visitada para possamos compreendê-la melhor. Fazendo, assim, talvez possamos rever algumas ideias e marcos cristalizados de tanto se repetirem, como sugere a professora Margarida Maria Dias de Oliveira, por exemplo, no que diz respeito às generalizações feitas com relação aos Estudos Sociais, impedindo que sejam observadas as experiências diferenciadas do modelo da ditadura militar, inclusive as positivas (OLIVEIRA, 2013, p.232).

Aceitando esta provocação, resolvi ler os anais da ANPUH,1 para identifcar a medida da resistência entre os his-

1 Até 1977, a ANPUH – Associação Nacional de Professores Universitários de História, hoje Associação Nacional de História – vetava a participação dos professores da escola básica em suas atividades (FONSECA, 1995).

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toriadores nos anos de 1970 às imposições do regime no que diz respeito à substituição da História e da Geografa pelo ensino dos Estudos Sociais e até que ponto posições sobre a relação ensino e pesquisa, teoria e prática, licenciatura e bacharelado, presentes nos dias atuais eram postas naquele momento.

Para este artigo, trabalhei com os Anais do Simpósio da ANPUH, em 1977, um dos momentos cruciais em que o ensino era o patinho feio da academia, apesar de algumas manifestações em sentido contrário. Na História, temos os artigos da professora Emília Vioti da Costa (1957, 1959, 1960 e 1963) e os livros de Mirian Moreira Leite (1969) e Terezinha Deusdará (1972), por exemplo. Na segunda metade dos anos de 1970, a preocupação com o ensino nos cursos universitários de História começava a dar os primeiros passos em busca de um lugar no espelho do lago das vaidades acadêmicas.

Dois fatos de 1977 marcam, portanto, esse novo olhar para o ensino de História. Em dezembro, foi a publicação da Revista de História da USP (v. LVI, n° 112, Ano XXVIII, de 1977) com uma seção que trazia o título Questões Pedagógicas. Neste caso, era um artigo de Antonio Alberto Banha de Andrade com o título A Reforma Pombalina dos estudos menores em Portugal e no Brasil (linhas gerais para um livro que importa escrever).

O outro fato foi a participação dos professores da escola secundária no IX Simpósio da ANPUH, posto que até o Simpósio anterior era vetada. Ou seja, até 1977, os professores do ensino secundário eram chamados para a academia apenas para ouvir e não para falar, ou decidir.

Mesmo naquele ano, quando os professores da escola básica somados aos alunos da graduação eram a maioria dos participantes do Simpósio Nacional, estes foram discriminados conforme se pode observar nos Anais do IX Simpósio Na-

cional do Professores Universitários de História, realizado em Florianópolis, entre os dias 17 e 23 de julho de 1977.

Naquele ano, se inscreveram, conforme os anais2:

quinhentos e trinta e dois (532) interessados, assim categorizados: 225 professores universitários, 62 professores secundários e 245 estudantes; dos quais somente aos primeiros, de acordo com os Estatutos da entidade, era facultada a participação efetiva, tanto nas comunicações, como nas discussões que se lhe seguiram, enquanto aos demais, deveriam permanecer, apenas, como observadores (ANPUH, 1977, p.15). Destaque-se que para garantir a efetivação do determinado, a Secretaria do Simpósio providenciou “distintivos diferentes para cada categoria de participantes” (ANPUH, 1977, p.45).

Evidentemente, que esta posição da ANPUH sempre foi contestada, ainda que de forma isolada. No entanto, em 1977, a inserção dos professores da escola básica na entidade ganhou o apoio de cerca de cem associados, que subscreveram uma moção que teve a adesão do presidente Eurípedes Simões de Paula, votada, aprovada e publicada na Assemblea Geral, no dia 20 de julho de 1977.

Pela moção apresentada por professores como Fernando Antonio Novais, Maria Stella Bresciani, Dea Ribeiro Fenelón, Edgar De Decca, Antonio Torres Montenegro, José Jobson de Arruda e Alice Canabrava, para citar os mais conhecidos entre nós, e aprovada na Assembleia por 73 votos a favor, 4 contra e 5 abstenções, os § 1° e § 2° do Art. 20, foram substituídos por um único § com a seguinte redação:

A ANPUH assegura o direito a participação de professores secundários, professores de matérias afns, estudantes de pós-graduação e graduação em todas as

2 Anais do IX Simpósio Nacional da ANPUH, Florianópolis, julho de 1977.

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reuniões de seus Simpósios, salvo o direito de voto na Assembléia Geral. (ANPUH, 1977, p.16).

Observe-se que a deliberação mantém o poder de decisão exclusivo para os professores de Institutos de Ensino Superior e somente teria validade para o Simpósio seguinte, o de 1979, uma vez que o Simpósio de 1977 seguiu o regulamento defnido em Aracaju, no encontro anterior, em seu Artigo 4°: “A apresentação das comunicações ao IX Simpósio é reservada aos professores de História dos institutos de ensino superior participantes do certame” (ANPUH, 1977, p.45). Em todos os espaços do Simpósio os professores do ensino secundário eram silenciados. Na Assembléia Geral, somente poderiam fazer uso da palavra e votar, os “professores de História dos institutos superiores de ensino, inscritos no certame (art. 11, § segundo, ANPUH, 1977, p.49).

Apesar do caráter limitado, a decisão de inserir os professores da rede básica de ensino nas atividades do Seminário Nacional gerou uma “crise face às mudanças estruturais recém aprovadas” (ANPUH, 1977, p.18), a preocupação em abrir os espaços da Associação maior dos historiadores evidencia a tradição deixa muito clara a tradição bacharelesca de nossa formação.

A outra novidade do Seminário de 1977 foi defnir para o encontro seguinte a realizar-se em Niterói uma ampliação do debate sobre o ensino de História, uma vez que um dos três temas para o X Simpósio Nacional era “Metodologia e Técnica do ensino e da pesquisa Histórica” (ANPUH, 1977, p.16), isto porque abria-se o debate para os diversos níveis de ensino, ao contrário do que ocorrera no IX Encontro, em Florianópolis, de 1977, quando o tema sobre o ensino, defnido em 1975, em Aracaju, era bem mais restrito: “Metodologia do ensino de História em nível superior” (ANPUH, 1977, p.26).

Neste caso, o tema recebeu a inscrição de 12 trabalhos, enquanto os outros dois, O homem e a técnica teve 36 trabalhos (17 de História Geral e 19 de História do Brasil) e Levantamento de fontes primárias, 55 comunicações. (ANPUH, 1977, p.27-28). Os números demonstram claramente o desinteresse pelo tema do ensino, mesmo que específco para o ensino superior.

Quanto aos minicursos, foram ofertados cinco, nenhum deles voltado para o ensino, apesar de serem ministrados no período noturno em estabelecimentos de ensino de Florianópollis, de onde se conclui que havia a intenção de atingir os professores da escola básica. Era o saber acadêmico se sobrepondo ao escolar. Caberia aos professores secundários ouvir os iluminados da academia e fazerem a transposição didática para os sues alunos.

Dos minicursos do Seminário da ANPUH de 1977, o que mais recebeu inscrições foi Política econômica e monarquia ilustrada – a época pombalina, ministrado por Francisco José Calazans Falcón, com 162 inscritos, de onde se tem uma ideia dos temas de maior interesse dos participantes. Nenhum dos minicursos voltava-se para o ensino, apesar de serem ministrados no período noturno em estabelecimentos de ensino de Florianópolis, de onde se conclui que havia a intenção de atingir os professores da escola básica.

Quanto às mesas-redondas, de 1977, das quatro apresentadas, 3 se dedicavam ao ensino de História e ao currículo, no entanto, mais uma vez, a preocupação era com o nível superior e a pesquisa, como se pode observar pelos títulos: História no Currículo da Graduação das Faculdades de Filosofa, A História e o problema dos Estudos Sociais, As Novas Técnicas do Ensino de História em Nível Superior. (ANPUH, 1977, p.29).

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Dos doze trabalhos inscritos nos Simpósio sobre o ensino de História no ensino Superior, merecem destaque as comunicações da professora Antonieta de Aguiar Nunes da Faculdade de Filosofa Carlos Pasquale, São Paulo, com o título O Ensino de História em Faculdades de Estudos Socais (ANPUH, 1977, p.967) e História e Estudos Sociais um estudo comparativo dos guias metodológicos do MEC, de Raquel Glezer, do Departamento de História da Faculdade de Filosofa, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (ANPUH, 1977, p.863) Para pensarmos um pouco o lugar social da professora Antonieta vale destacar que era licenciada em História pela Universidade Federal da Bahia, desde 1963, e estava concluindo o bacharelado em Serviço Social na Faculdade Paulista de Serviço Social. Vinha de uma trajetória profssional aberta a outras possibilidades de trabalho do historiador, tendo em vista que 1975, no VII Simpósio, fzera uma comunicação sobre um trabalho interdisciplinar do qual participara com o título A participação do historiador numa equipe interdisciplinar de restauração de monumentos e obras de arte (VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História, 1973, Belo Horizonte. ANPUH, São Paulo, 1974).

Quanto à sua comunicação, em 1977, abre espaço para repensarmos o ensino de Estudos Sociais, tradicionalmente visto como o grande vilão e carrasco da História da Educação Básica no Brasil.

Segundo Antonieta Aguiar Nunes, o problema dos Estudos Sociais não foi o propósito da lei que o criou, mas a forma como a mesma foi utilizada, pois a Lei de 1971 “criou uma área multidisciplinar denominada Estudos Sociais que abrangia como conteúdos específcos História, Geografa e Organização Social e Política do Brasil” (ANPUH, 1977, p.979). O proble-

ma foi que na hora de contratar os professores para ministrar os conteúdos, muitas escolas preferiram contratar apenas um professor, por uma questão de economia. E daí, várias faculdades viram nesse campo um excelente nicho para investir na formação rápida de professores e aquisição de lucro fácil.

O artigo de Antonieta nos fornece algumas evidências contrárias a duas interpretações extremadas sobre a criação e o ensino dos Estudos Sociais que foi sedimentado no fnal doa anos de 1980 e início de 1990: primeiro que os Estudos Sociais resultou do autoritarismo ideológico de Estado da Ditadura Militar – neste caso, os professores e alunos da Escola Básica e do Ensino Superior foram meros coadjuvantes, obrigados a aceitar as imposições do Estado; segundo, em pesquisas e interpretações mais recentes de que os professores da escola básica foram resistentes e que se contrapunham ao ensino dos Estudos Sociais e burlavam em suas práticas cotidianas as determinações do governo militar, enquanto havia uma ampla mobilização da ANPUH para a derrocada dos Estudos Sociais.

Não estou negando estes fatos e não podemos ser ingênuos em acreditar que não havia interesses de hegemonização da Ideologia de Segurança Nacional à frente dos Estudos Sociais, nem tampouco posso negar o papel dos professores que fechavam as portas das salas para que os olhos e ouvidos do regime não lhes escutassem as aulas, ou de alguns professores universitários que armaram suas barricadas em suas associações e Departamentos.

Mas temos que considerar que havia aqueles que viam os Estudos Sociais com bons olhos e defenderam por acreditarem que era o melhor para a aprendizagem de seus alunos. Além disso, parece haver uma supervalorização da resistência aos Estudos Sociais nos anos de 1970, a considerar o que afrma Raquel Glezer de que existiam professores preocupados

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com o “problema dos Estudos Sociais e de História, mas que até agora [1977] não encontrou nenhum trabalho impresso (GLEZER, ANPUH, 1977), o que lhe incentivara a fazer aquela comunicação.

Raquel Glezer faz diversas críticas enfatizando o fato dos dois manuais, tanto para os Estudos Sociais como para a História, serem escritos e prefaciados pelas mesmas pessoas e de que havia um direcionamento para que o professor de História se sentisse superado e, mesmo permanecendo na especifcidade da História, se rendesse aos novos tempos contemplados pelos Estudos Sociais e afrma:

Com tudo que acabamos de dizer, não somos contra o material didático fornecido pela FENAME. Ao contrário, consideramos este material de alta qualidade, oferecendo grandes oportunidades de trabalho com alunos, e pelo baixo preço acessível a todos; mas queremos ressaltar a responsabilidade do professor de História, que não pode ser um mero transmissor da Ideologia pronta, e sim um elemento crítico do material didático colocado à sua disposição (ANPUH, 1977, p.877-878).

O Simpósio de 1977 da ANPUH, realizado um ano após a publicação da portaria 790 de 1976, reservava exclusivamente aos professores formados em Estudos Sociais o direito de ensinar Estudos Socais nas escolas de 1° Grau, excluídos, portanto, os formados em Geografa e História. Apesar do momento, não encontramos nos Anais do Simpósio, manifestações em sentido contrário, de forma mais efetiva.

A comunicação mais relevante que encontramos é da professora Antonieta que discorda não da criação da Lei, mas do fato da mesma ter sido desvirtuada e seu espírito não ser atendido, mas sim o interesse comercial de diretores de escolas particulares (ANPUH, 1977, p.970).

Para a professora, havia duas possibilidades de se formar em Estudos Sociais: “profssionais com visão crítica ou integradora, ou profssionais superfcialmente polivalentes” (idem). Para a professora, o tempo de quatro anos era pouco para formar “professores críticos, capazes de ter o domínio regular de cada área e de síntese e integração necessária aos Estudos Sociais” (idem).

Mesmo fazendo a crítica, no entanto, a professora, em nenhum momento, propõe o fm dos Estudos Sociais, mas saídas que possam superar as difculdades encontradas nas disciplinas históricas como o trabalho conjunto entre os professores, como forma de facilitar ao aluno da licenciatura de Estudos Socais a capacidade integradora. Mas, destaca que esta ação se torna difícil à medida que os professores são mal remunerados e por não terem disponibilidade os alunos fcam abandonados. Ao fazer a crítica, a comunicação ressalta o papel do professor das instituições de ensino superior no processo de formação de professores. O interessante de se observar na fala da professora é que as questões levantadas por ela, em 1977, parecem extremamente atuais. Se não vejamos quando levanta uma problemática, que muitas vezes se pensa ser recente:

Face a este aluno despreparado e afito, nem sempre consciente do peso da tarefa que lhe cabe, como deve proceder o docente de História? ... Em primeiro lugar, devemos pensar que estamos formando professores de Estudos Sociais e não pesquisadores em História e, portanto, preocupar-se em fornecer uma bibliografa onde o aluno encontre os mais recentes pontos de vista sobre cada assunto de forma já sintetizada e coerentemente organizada (ANPUH, 1977, p.973). Veja-se, portanto, que havia uma clara desvalorização da formação do professor. Este não precisava desenvolver ha-

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bilidades de pesquisa, o trabalho com as fontes e documentos seria dispensável, caberia apenas uma formação de acúmulo enciclopédico adquirido.

As mudanças que ocorreram dos anos de 1970 para cá em relação ao ensino de história na escola básica foram consideráveis, tanto em pesquisas como na produção historiográfca, No entanto, ainda temos muitos cursos de bacharelado disfarçados legalmente de licenciaturas.

Mesmo com todo debate e produção acadêmica que se expressam nas pesquisas e encontros, como no Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História, realizado desde 1988, o Encontro Nacional de Pesquisadores em Ensino de História, realizado desde 1993, e dos diversos Simpósios Temáticos presentes nos encontros da ANPUH e da Associação Nacional de Geografa (AGB), ainda se repete que a história e a geografa na escola básica são decorebas e que não mudam, ocultando os esforços e silenciando o trabalho de professores que se desdobram para um ensino de qualidade capaz de formar alunos que sejam capazes de questionar a realidade social, espacial e histórica na qual estão inseridos.

Soma-se a isso a concepção hierarquizada dos saberes e conhecimentos que envolvem o ensino. Nossa tradição perpetuou a ideia de que é na academia e nos institutos que se produz conhecimento, cabendo à escola básica sua repetição de forma vulgarizada.

E tudo isso num momento em que se articulam nas esferas do MEC uma reforma curricular para o Ensino Médio que aposta num retorno ao ensino por áreas. Este flme nós já vimos e não gostaríamos de assisti-lo novamente.

Referências Bilbiográfcas

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