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Introdução
Introdução
“[a fotografia participativa] é um processo pelo qual as pessoas podem identificar, representar e melhorar a sua comunidade através de uma técnica fotográfica específica. É confiada câmaras nas mãos de pessoas que lhes permite agir como documentaristas, e potenciais catalisadores de ação social e de mudança, em suas próprias comunidades. O método usa do imediatismo da imagem visual e das histórias que à acompanham para fornecer e promover um meio eficaz de compartilhamento participativo e de conhecimentos para criar políticas públicas saudáveis” (Blackman 2007: 10).
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Desde sua invenção até à sua alargada acessibilidade, a fotografia foi tratada como uma janela que observa o mundo tal qual ele se apresenta. Após muitos debates acerca da veracidade e representação fidedigna de uma realidade estática, a imagem fotográfica passou a ser compreendida como um novo formato de enquadrar as diversas perceções do mundo real. Segundo Susan Sontag (1986), essa transição se deu com o consumo estético emergente das sociedades industriais no início do século XX, transformando os seus cidadãos em viciados imagéticos. A acessibilidade dos indivíduos às representações visuais do mundo ampliou as perspetivas que limitam o enquadramento fotográfico. Na década de 90, Baudrillard (1998) afirmou que a “produção de realidade” a partir de narrativas midiáticas visuais criou um mundo de simulações e simulacro, que expandiria as experiências vividas. Uma década depois, Maffesoli (2002) referiu que a sociedade da imagem demarcou o fim do individualismo e o nascimento de
ambientes tribais, caracterizados pela convergência entre práticas arcaicas e pelo desenvolvimento tecnológico. A imagem na contemporaneidade gera laços sociais e eterniza instantes efémeros, não sendo o seu conteúdo o formador de uma nova sociedade, mas o elemento que promove uma sociabilidade. Esta perceção visual da realidade passa pelo exercício autoral de quem produz a imagem, sendo um conjunto de escolhas que refletem o repertório cultural e pessoal de cada indivíduo. Após um longo caminho em que a imagem fotográfica permeou entre a arte e a tecnologia, as críticas conduziram para um entendimento de que o meio se tornaria um objeto que fragmenta uma determinada realidade no espaço e no tempo, imortalizando o momento e ativando memórias. As lembranças de um passado que já se foi poderiam continuar vivas e eternizadas de forma efémera na representação fotográfica. Entusiastas da fotografia passaram a compreendê-la não apenas como janela, mas como um espelho que ultrapassa a perceção do objeto que o sujeito retratou ao apertar o disparador, aprofundando o olhar numa subjetividade além do enquadramento e indo de encontro com os interesses e preocupações do seu produtor. Todo o processo que vai desde o ato de escolha do que será captado até as formas de disseminação imagética são processadas neste livro a partir da possibilidade de compreensão da imagem fotográfica enquanto ferramenta metodológica e estratégia participativa para a reflexão individual e coletiva. Partimos destas linhas gerais e da importância da Cultura Visual para a sociedade contemporânea como pontos geradores desta investigação, direcionada a utilizar a imagem como instrumento reflexivo e de empowerment em jovens provenientes de contextos de exclusão social e vulnerabilidade. Através de um projeto de investigação-ação participativa de quatro anos, nos propomos a refletir como a visualidade pode incidir sobre certas mudanças individuais e coletivas a partir de suas perspetivas e experiências pessoais. Utilizamos de forma intensiva as teorias de uma educação pela consciência crítica do pedagogo Paulo Freire (1970) que nos guiaram pela perceção de que indivíduos são criadores de cultura e têm capacidade crítica para refletirem
acerca dos problemas que os afetam diretamente. Estudar as perceções dos jovens a partir de uma ferramenta criativa e que os estimulem a falarem das suas preocupações e experiências foi a desafiante tarefa deste trabalho. O projeto Olhares em Foco foi a nossa plataforma de investigação, na qual a fotográfica participativa passaria a ser trabalhada como elemento de representação e reflexão identitária de três grupos de jovens de diferentes contextos sociais provenientes de meios desfavorecidos no Brasil e em Portugal. Através de uma proposta de intervenção social com base nas análises e discussões das fotografias produzidas pelos participantes, procuramos estabelecer uma relação de reflexão identitária dos adolescentes envolvidos no projeto, a partir de parâmetros de relações sociais estruturadas e da compreensão de quatro formas de representação visuais: de si mesmo (self) (Atkinson et al., 2002); dos seus grupos de pares (Buckingham, 2008; Feixa, 1998); das suas famílias (Steinberg e Morris, 2001); e das relações estabelecidas com o espaço e o ambiente onde encontram inseridos (Feixa, 1998). Para o desenvolvimento deste trabalho desenvolvemos dois objetivos conjugados que estiveram presentes de forma paralela em todas as etapas do processo. A partir da responsabilidade social e comunitária, o objetivo geral da intervenção social foi o de estimular uma reflexão crítica sobre os seus direitos e sobre a sua identidade (pessoal e coletiva) a partir do registo de imagens e do debate acerca da relação entre os jovens, a sua família e a sua comunidade, estimulando um papel proativo na sociedade e na construção dos seus projetos de vida. Por sua vez, o objetivo de investigação científica, criado para complementar a ação, foi o de compreender se a imagem fotográfica pode ser um elemento importante de (re)construção e reflexão identitária de jovens provenientes de contextos socioeconómicos vulneráveis. Para alcançar estes objetivos, duas estratégias foram dinamizadas: 1 - Promover competências de captação fotográfica e comunicação visual entre os jovens; 2 - Estimular os participantes na reflexão a partir das fotografias e dos debates, sobre as suas bases identitárias, raízes culturais, problemáticas, necessidades e recursos comunitários.
A opção metodológica que caracteriza este trabalho está fundamentada nos usos da fotografia participativa (Clover, 2006; Prins, 2010; Singhal et al., 2007), associada aos aspetos metodológicos que incorporam elementos de uma abordagem baseada nos Youth Participatory Action Research (YPAR) (Schensul et al., 2004; Cammarota, 2007; Schensul e Berg, 2004; Cammarota e Fine, 2008). Apesar do Photovoice (Wang e Burris, 1997) ser uma das nossas bases metodológicas, iniciamos esse trabalho com a perceção de que cada contexto social e cultural necessitava de distintas e enquadradas estratégias de intervenção, direcionadas para os indivíduos e ambientes em que os objetivos e questões de partida da investigação se mantivessem (Wilson, 2007). Este livro é resultado de uma contextualização teórica conjugada em um trabalho empírico que se encontra organizado em três partes, as quais representam o percurso de uma aprendizagem adquirida ao longo do desenvolvimento deste projeto. A primeira parte é composta pelas reflexões teóricas e conjuga toda uma recolha bibliográfica que permite enquadrar o projeto Olhares em Foco num conjunto de indagações que consideramos relevantes para a operacionalização do estudo sobre imagem, juventude e contextos de exclusão. O primeiro capítulo introduz e contextualiza o conceito de imagem e o papel da visualidade nas Ciências Sociais e Humanas. O segundo capítulo vem a contribuir com a definição de juventude e a correlação entre o desenvolvimento identitário na adolescência e a importância da visualidade. E o terceiro capítulo encerra a primeira parte com a definição do fenómeno da “exclusão social” nos contextos contemporâneos e uma análise de terminologias como risco, vulnerabilidade e resiliência, que fizeram parte de constantes reflexões dos territórios em que esta investigação se dedicou a estudar. Na segunda parte, dedicada às metodologias, o quarto capítulo se debruça nos usos e implementações da fotografia participativa e no método Photovoice como ferramentas de pesquisa e análise social. O capítulo 5 tem um caráter relevante por apresentar as estratégias e processos metodológicos.
A terceira parte deste livro é a conjugação de todo um percurso que se descortina com a apresentação dos resultados e análises, posicionados frente à literatura referida em consequência das escolhas metodológicas e desenho propostos no projeto Olhares em Foco. No capítulo 6, nos dedicamos a desenvolver uma síntese sobre a plataforma de investigaçãoação participativa, fundamentada no projeto Olhares em Foco. Por fim, o capítulo 7 reflete todo um momento de experimentação e aprendizagem académica adquirida, em que confrontamos os referenciais teóricos com os resultados e análises empíricas encontradas. Este livro apresenta um conjunto de recomendações direcionadas a propostas baseadas na fotografia participativa e nos contributos que o projeto Olhares em Foco oferece tanto à investigação académica, quanto à intervenção social. As suas perspetivas nos fazem refletir acerca do potencial transformador e interventivo que as investigações sociais possam ofertar para que indivíduos envolvidos.