catálogo da exposição "corpos entre tempos", por bárbara bragato e célia ribeiro

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CORPOS

ENTRE

TEMPOS

bárbara bragato

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ENTRE

célia ribeiro

TEMPOS

ENTRE

CORPOS


Galeria Homero Massena abertura online 1 de junho de 2021 presencial 2 de julho a 7 de agosto de 2021


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curadoria karenn amorim

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corpos entre tempos reúne trabalhos de Bárbara Bragato e Célia Ribeiro. O diálogo estabelecido entre as duas é marcado pela diferença de quarenta e um anos de idade, o que constrói diferenças subjetivas e declara o que está no entre tempos, tendo como ponto de partida seus próprios corpos.

À sua maneira, cada uma das artistas estabeleceu formas de lidar com esse distanciamento, encontrando nas interações através da tela sinais da experiência da outra no mundo. A tela, então, passou a ser onde duas mulheres, apesar das circunstâncias, exercitavam a alteridade.

É através do nosso corpo que ocupamos fisicamente o mundo e experimentamos a vida cotidianamente. No entanto, em um tempo em que a possibilidade do contato físico ficou suspensa, colocada em um plano futuro, sentimos as limitações das formas alternativas de manutenção do afeto.

As imagens produzidas durante esse processo transitam entre representações de momentos que demonstram a resistência e a vontade de viver, situações de exercícios íntimos de experimentação da liberdade e registros de interações cotidianas e corriqueiras.

Por isso, as imagens organizadas nesta exposição são, em parte, registros dessa impossibilidade do encontro. Foi necessário admitir as telas do computador e do celular como espaços possíveis para essa relação. Assim, cada gesto apreendido se tornava um indício de resistência diante da sensação de desamparo provocada pelo distanciamento físico.

[img. 2] Final de fevereiro de 2021: Único encontro presencial das artistas no apartamento de Célia.

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A partir dessa experiência de interação e descoberta de si através da outra, a disposição das imagens no espaço expográfico tenta fazer referência a essa relação baseada em intimidade e empatia, revelando, de forma sensível, os mínimos sinais da insistência em não se deixar abater. Abraçar-se a uma rocha ou mover-se livremente pela sala foram, entre tantas outras, tentativas de manter-se firme.

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[img. 3] De cima para baixo, da esquerda para a direita: Célia Ribeiro, Bárbara Bragato, Bruna Afonso e Kerenn Amorim, em reunião virtual.

[img. 4] Primeiro e único encontro presencial da equipe, já com Célia Ribeiro e Karenn Amorim vacinadas (31 de maio de 2021). Da esquerda para a direita: Célia Ribeiro, Karenn Amorim, Bruna Afonso e Bárbara Bragato, com algumas das fotos realizadas por Bárbara dispostas.

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BÁRBARA por célia

CÉLIA Bárbara, a jovem de 25 anos, passou por Ubatuba quando eu morava por lá. Num 8 de março, entre malabaristas cospe-fogo, ao som de gritos/cantos de Marrielle presente, nos conhecemos numa manifestação. Poucos meses depois estávamos de regresso a Vitória, sua terra natal onde eu habitava desde 1982, 11 anos antes dela nascer. Marcamos um café e ela propôs uma exposição conjunta. Na travessia desta exposição eu a fui conhecendo. A inquieta e curiosa Bárbara sai mundo afora – já morou na França, na Índia, EUA, Canadá, percorreu a Amazônia brasileira e da Guiana Francesa, e vários Brasis – em busca de si no mundo e do mundo em si própria.

da construção de seus próprios gestos, ainda que necessariamente com vestígios do coletivo que a atravessa. Os trabalhos que Bárbara vem construindo em suas andanças pensantes possuem maturidade estética. Eles revelam sutilezas que são como nódulos poéticos carregados de significados, e revelam o fluxo, a pulsão da vida. Foi uma experiência potente tanto buscá-la através do desenho, como ser registrada por fotos e vídeos cujos resultados me transcendem. Falam de um fluxo/existência do humano, do feminino.

Munida de textos teóricos e literários estabelece um diálogo com o que vê e vive e o transcreve em diários, e em delicadas fotos e vídeos. Neles busca captar o fluxo natureza/ cultura/ideologia que somos. Performa com os outros que registra em busca da arqueologia e

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por bárbara

foi numa manifestação a primeira vez que a vi. célia era uma espécie de vulto e vulcão ao circular em meio às pessoas, impetuosa e afirmativa. entendi, naquele dia, que era ali sua dança. no coletivo, no verbo, na crença infindável em uma utopia de vida. não sabia, até então, que a célia que lutava era também a célia do desenho, dos desenhos que também se movimentam na tela. ainda hoje, depois de anos de convívio, busco juntar as peças de seu quebra-cabeça, porém, quanto mais tento encaixá-las, mais elas me escapam. sobram peças. tento conectar suas contradições e procuro compreender de onde vêm esses traços tão fortes que parecem flutuar. me pergunto como uma mão tão firme não rasga o papel; se a pena, em cima da pedra, é capaz de voar; como é possível ter na escuridão o maior dos abrigos. como adentrar num túnel sem fim, suas imagens são camadas e camadas dessa célia que hoje soma seus 70 anos. e soma sim, pois está em seu rastro, no papel, a sua história desvelada. um tempo

que para ela não se reduz e que se impõe, a cada momento, com sua inteligência, determinação, generosidade e beleza. como ela mesma diz, saber do fim faz com que só exista o presente. e é esse presente sua maior manifestação. seja na rua ou no desenho, ela nos confronta, mas não nos deixa sós.

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É O ENCONTRO COM O OUTRO QUE NOS SALVA1 curadoria karenn amorim2

1/ Gostaria de fazer um breve comentário sobre o título dado a este texto. Em uma de nossas reuniões ouvi Célia dizer que ao identificar os movimentos de resistência e autocuidado de Bárbara, percebeu que isso a fazia sentir-se viva e com mais ânimo não apenas para continuar desenhando, mas para realizar sua rotina e concluiu seu raciocínio dizendo É o encontro com o outro que nos salva. O encontro de que Célia falava não era o físico, mas aquele que acontece quando nos deslocamos em direção ao outro com a única intenção de conhecê-lo. Essa frase transmite muito bem a relação que essas duas mulheres conseguiram estabelecer entre elas, mas também nos indica como podemos continuar seguindo. 2/ Curadora da exposição corpos entre tempos. Pesquisadora, graduada em Artes pela Universidade Federal do Espírito Santo e Mestra em Artes pela mesma universidade (PPGA/UFES). Atualmente doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGArtes/UERJ).

"[...] o ato de ver só se manifesta ao abrir-se em dois." — G. Didi-Huberman A exposição corpos entre tempos reúne trabalhos de Bárbara Bragato (1993) e Célia Ribeiro (1951). A parceria entre as artistas surgiu após se conhecerem e identificarem interesses em comum sobre arte e vida. Dessa forma, o eixo conceitual da exposição foi estabelecido em torno do diálogo entre as diferentes técnicas usadas por elas, respectivamente fotografia e desenho, tendo como ponto de partida seus próprios corpos. O cerne dessa pesquisa estaria, então, na dinâmica entre observar e ser observada que as colocaria diante do olhar da outra sobre si. Inicialmente, a exposição se basearia no próprio processo criativo das artistas, no qual a curadora, que redige este texto, participaria como um tipo de agente que incentivaria as artistas a encontrarem formas de se aproximarem, com o objetivo de compreender o corpo alheio e o próprio

corpo a partir de um jogo entre aproximações e distanciamentos existentes, não apenas das diferenças e semelhanças físicas, mas também das experiências de vida. No entanto, essa abordagem foi elaborada antes da pandemia de Covid-19 e das medidas de distanciamento social, o que promoveu mudanças na ideia central da proposta e, consequentemente, no resultado final da exposição. Na prática, essas trocas seriam realizadas em encontros periódicos entre as artistas, a partir dos quais ambas desenvolveriam seus trabalhos. Em paralelo também ocorreriam conversas com a curadora e a arte-educadora, Bruna Afonso, para que, em conjunto, pensássemos os desdobramentos possíveis que resultariam na exposição. De certa forma, esse processo foi mantido mesmo com o distanciamento social, porém foi feito remotamente. Durante aproximadamente sete meses (entre dezembro de 2020 e junho de 2021), nos encontramos regularmente uma vez por semana. Esse contato entre curadora, arte-educadora

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e artistas pretendia reunir estratégias de aproximação entre Célia e Bárbara, apesar da impossibilidade do encontro físico. Após algumas tentativas de exercícios de aproximação como trocas de mensagens, fotografias e textos entre Bárbara e Célia, passamos a encarar

3/ A respeito dessa intermediação das telas como um lugar, considero necessário enfatizar que essa lógica se aplica nesse contexto, uma vez que Bárbara e Célia não representaram a outra fisicamente, usando o corpo da outra como referência, mas a partir de imagens em telas, ou seja, são imagens de imagens que, ao mesmo tempo, não deixam de ser representações de seus corpos. Todavia, ao mesmo tempo que são imagens de Bárbara e Célia, são também representações das superfícies onde a imagem técnica existe. Isso é facilmente observado nas fotografias feitas por Bárbara, em que é possível identificar os pixels das telas que se confundem com a granulação característica da imagem fotográfica analógica. 4/ RANCIÈRE, 1995, p. 7.

o fato de que as telas dos computadores e celulares onde eram realizadas as reuniões se tornaram o espaço da interação entre nós. A partir disso, compreendemos esse lugar-tela como o ambiente de encontro e, portanto, de produção dos trabalhos. Também percebemos que havia se tornado comum os relatos sobre o cansaço diante da tela e sentimentos como angústia, medo e desamparo pela condição vivida. Essa sobreposição da compreensão do lugar-tela, o caráter confessional das reuniões e o desejo de levar adiante a pesquisa iniciada se tornou essencial para o pensamento acerca do projeto e para o desenvolvimento do trabalho das artistas. O conceito de corpos entre tempos guarda reflexões que partem da tentativa de se reconhecer no outro e buscar formas de entender como podemos ocupar o mundo na atual condição de limitação das possibilidades de troca, manutenção dos afetos e exercício da alteridade. Nesse sentido, essa parte da proposta inicial foi mantida, porém, rearranjada no contexto

do distanciamento social e guiada por dúvidas sobre como descobrir o íntimo da outra através da intermediação do lugar-tela3. Agora havia, também, a partilha dessa experiência de estar isolada e desejar estar junto. Segundo Jacques Rancère, "Partilha significa duas coisas: a participação em um conjunto e, inversamente, a separação [...]. Uma partilha do sensível é, portanto o modo como se determina no sensível a relação entre um conjunto comum partilhado e a divisão de partes exclusivas"4. Assim, partindo de um mesmo ponto, as artistas se distanciavam nas suas percepções sobre o processo, mas se reencontravam na vontade de desbravar esses corpos desconhecidos e de conhecerem e se reconhecerem neles.

corpos Nos trabalhos realizados para a exposição, o corpo foi explorado em três âmbitos: o físico, o subjetivo e o político. Antes de tudo, é através

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do nosso corpo que exploramos o mundo, descobrimos suas possiblidades e interagimos com outros indivíduos construindo nossa subjetividade. Além disso, a forma como nos colocamos no mundo e estabelecemos nossas relações de afeto e alteridade compreende a dimensão política desse

5/ Segundo Ana Martínez-Collado (2014, p. 45), a partir da década de setenta, muitos dos temas desconsiderados, até então, nos debates sobre arte foram trazidos à tona através do trabalho de mulheres artistas. Entre tais temas devem ser destacados "questões vinculadas a experiência e a autobiografia até temas estritamente relacionados com a intimidade, a subjetividade e a construção dos estereótipos de classe, de sexo e raça". Isso foi possível, em parte, por causa da máxima "o pessoal é político" que difundiu a ideia de que as questões pessoais e subjetivas vividas pelas identidades femininas também deveriam ser consideradas demandas políticas. Graças à isso, problemas como sexismo, direitos reprodutivos e violência sexual e domésticas passaram a ser discutidos publicamente.

corpo. Também considero importante destacar que, historicamente, o uso do corpo na arte produzida por mulheres é inerente à política5. Em outro aspecto, a representação de corpos femininos também possui em si uma dimensão política quando questionamos as representações desses corpos na arte a partir de uma ótica feminista. Historicamente o corpo feminino foi utilizado na arte para a produção de cenas mitológicas, religiosas e como alegorias de valores sociais de determinada época, chegando ao período em que o corpo feminino, principalmente nu, se tornou o próprio tema de pinturas e esculturas. Dentro da historiografia tradicional da arte relacionamos isso ao fato de que, durante um longo período, essas representações dos corpos femininos estiveram sob o controle do olhar masculino. Por esse motivo, é importante localizarmos as práticas artísticas contemporâneas que utilizam o corpo como

suporte dentro de uma organização ligada à subversão das formas de representação tradicionais baseadas no olhar masculino. Essa mudança promovida, sobretudo pelo trabalho de mulheres artistas a partir da década de sessenta, colaborou para a emancipação dos corpos femininos na arte. De acordo com a historiadora da arte Andrea Giunta: — Em termos de representações, este movimento implementou ferramentas que foram produtivas para uma emancipação ampla dos corpos. Essas ferramentas ampliaram o campo do simbólico e deram lugar a um processo emancipador que continua até hoje em extensa expansão. (GIUNTA, 2018, p.13) — Nesse sentido, quando pensamos o trabalho de mulheres artistas que estão lidando com a representação de corpos femininos estamos, inevitavelmente, discutindo sua dimensão política e sua importância na manutenção das práticas emancipadoras.

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entre No título escolhido para a exposição, corpos entre tempos, o entre foi uma palavra que surgiu devido a seus diferentes sentidos que indicam os caminhos reflexivos pelos quais orientamos a pesquisa e o desenvolvimento dos trabalhos das artistas. O que há entre duas pessoas, o entre espaços e entre tempos. O entre pode ser o lugar-tela onde ocorre o encontro e também pode ser o próprio encontro de Bárbara e Célia. Esse encontro é a suspensão do tempo e também o caminho e o deslocamento de um lugar a outro e, aqui, portanto, o deslocamento de uma em direção à outra. O caminho de Bárbara foi tentar alcançar Célia através da tela, reconhecendo a virtualidade como a superfície possível ao mesmo tempo em que tentava superar, de alguma forma, seus limites físicos. O acúmulo obsessivo de imagens, registros em fotografia e vídeo de câmeras analógicas e digitais, celulares e capturas de tela denunciam o querer tocar esse corpo intocável,

impedido pela limitação desse lugar-tela que simula a proximidade. Contra a simulação da proximidade, a alternativa foi tentar materializar o corpo distante de Célia. Em seu trabalho, Bárbara também exibe um exercício de atenção que percebemos nas imagens fragmentadas do corpo de Célia e na captura de movimentos delicados identificados nas telas durante as conversas entre elas. Isso está diretamente relacionado ao estudo da superfície da tela e das possibilidades de produção de imagem com os diversos meios disponíveis, câmeras fotográficas digitais e analógicas, celular, computador e Super 8. Enquanto Bárbara demonstra interesse pelos movimentos instintivos apreendidos e identificados através do excesso de imagens, Célia se atentou aos momentos em que Bárbara parecia cansada e exaurida pelo uso constante das telas. Ao se sentir comovida pela tristeza que identificou em Bárbara, Célia direcionou seu olhar para os gestos que entregavam a íntima

pulsação de resistência em sua companheira de trabalho que dava sinais de cuidado consigo mesma ao acariciar o próprio rosto e brincar com os cabelos. Perceber esse tipo de movimento levou Célia a revisitar vídeos que havia recebido de Bárbara. O conteúdo era diverso, cenas de caminhadas, interagindo com familiares ou em contato com a natureza. Em muitos deles era possível identificar a força que contrastava com o semblante abatido de outros momentos. Assim, Célia passou a representar em desenho essas situações em que enxergava em Bárbara o exercício de resistir cotidianamente. Os desenhos de Célia trazem à tona o prazer do encontro consigo mesma, com o outro e com a natureza.

tempos A diferença de idade entre Bárbara e Célia é um ponto de tensão para pensar os trabalhos e a exposição em sua totalidade. O espaço de quarenta e um anos entre as artistas não

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TRAVESSIA EM TEMPOS INCERTOS tem importância em sua natureza cronológica, mas na intersecção da existência, ou seja, a partir do momento em que se conhecem e identificam na outra as similaridades que estabelecem a conexão de amizade e empatia entre elas, na qual é possível fazer o exercício de autoconhecimento onde se enxerga outras versões de si nas imagens produzidas a partir de seus próprios corpos. 6/ Acredito que seja importante pontuar que os sentimentos de angústia, medo e desamparo citados ao longo desse texto dizem respeito não apenas ao fato de estarmos todas isoladas, mantendo o distanciamento social e cumprindo as medidas de cuidado necessárias durante a crise sanitárias que ainda estamos enfrentando. Havia (e ainda há) o medo de adoecer e perder pessoas próximas e a preocupação causada pela péssima administração dessa crise sanitária pelo atual governo brasileiro. A angústia provocada pelo acelarado número de mortes resultante do descaso do governo federal (que hoje, 03/07/2021, está em aproximadamente 522 mil vidas perdidas) reforça o desejo de continuar vivendo para continuar resistindo.

Os corpos entre tempos relatam esse entrelaçamento de experiências anteriores e da experiência que resulta do encontro. Sendo assim, o nosso encontro com a exposição nos provoca a pensar o nosso corpo entre os tempos relatados nas imagens. Nesse sentido, nós, que observamos o registro dessa experiência, também podemos estabelecer um encontro com essas mulheres através de seus trabalhos, onde ambas partilharam suas estratégias para não se abater diante da sensação de desamparo provocada pelo distanciamento social6. Por isso, o projeto curatorial e a expografia foram idealizados para propor uma experiência que nos levasse a compreender como, e quando, estabelecemos nossas formas de resistência. Desse modo, o que vemos nas imagens produzidas por essas artistas é o resultado do encontro de suas subjetividades e de seus corpos políticos atravessados pela experiência compartilhada de viver a impossibilidade do toque.

célia ribeiro

referências DIDI-HUBERMAN, G. O que vemos, o que nos olha. Tradução: Paulo Neves. Rio de Janeiro: Editora 34, 2009, 264 p. GIUNTA, A. Feminismo y arte latinoamericano: historias de artistas que emanciparon el cuerpo. 3 ed. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2018a. 295 p. MARTÍNEZ-COLLADO, A. "Arte contemporáneo, violencia y creación feminista: ‘Lo personal es político’ y la transformación del arte contemporáneo. Dossiers Feministes. Castelló, n. 18, p. 35-54, jan/jun, 2014.

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Conheci Bárbara numa passeata do dia das mulheres, em Ubatuba, entre performers que cuspiam fogo ao som de tambores e de gritos de "Marielle Vive". A inquieta Bárbara passou umas semanas na cidade. Tínhamos amigos em comum e nos reencontramos outras vezes. De volta a Vitória, marcamos um café no mês seguinte. Ali surgiu a ideia de uma exposição conjunta.

RANCIÈRE, J. Políticas da escrita. Tradução: Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995, 256 p. RANCIÈRE, J. A partilha do sensível. Tradução: Mônica Costa Neto. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora 34, 2009, 72 p.

Sabíamos que seria um diálogo a respeito das semelhanças e diferenças entre nós duas. Sobre a amizade entre duas mulheres em um tempo comum, em pontos

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distintos da existência. 41 anos nos separam. Bárbara, 27 anos, construindo sua precoce e madura carreira autoral de fotógrafa/ cineasta, em movimento pelo mundo e vivenciando convivências afetivas. Eu, Célia, 69 anos, dois casamentos, três filhas, separada, aposentada, artista, iniciando uma produção de animação 2D, experimentando sair pelo mundo neste momento de aposentada, com as filhas criadas. Surgiu, então, a ideia de cada uma registrar a outra através das técnicas adotadas para observar, pensar e reinventar o visto - Bárbara, a foto e o vídeo, eu, o desenho.

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Assim, nos veríamos, cada uma a si própria, através do registro da outra e encontraríamos a outra no ato de registrar. E, esse olhar duplicado, nos colocaria em contato com os distintos tempos das idades vividas, ou por viver, através de nossos corpos. O título inicial da exposição era "deixa eu saber do corpo que me existe". Projeto aprovado no edital da Secult ES, no final de 2020, Bárbara, Bruna Afonso (arte-educadora e produtora), Célia e Karenn Amorim (curadora), iniciamos reuniões virtuais semanais em janeiro de 2021. Estávamos

[imgs. 5—7] Desenhos realizados nos encontros presenciais.

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no segundo período da pandemia. Preparei um quarto em meu apartamento para Bárbara, um local de trabalho que frequentaria duas vezes por semana. Assim, poderíamos conviver e desenvolver estratégias para nos registrarmos adotando medidas de segurança como o uso de máscara, janelas abertas e distanciamento de dois metros. Depois de nosso primeiro encontro foi decretado um lockdown em Vitória. Suspendemos os encontros presenciais. Mantivemos uma correspondência

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[img. 8] Gestos de resistência.

[img. 9] Estudo.

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e passamos a enviar vídeos que cada uma fazia de si para a outra. Iniciei estudos em papel sulfite A4 a partir dos vídeos de Bárbara em encontros pelo zoom e dos que ela me enviava de si mesma trabalhando no computador. Eu, acostumada a desenhar a partir de vídeos que realizava de amigos em momentos de alegria7, me deparei com imagens de uma Bárbara extenuada em frente ao computador, ilustrativas de seus relatos nas reuniões do grupo, sobre seu cansaço por trabalhar longas horas online e de uma sensação de desmaterializar-se nas telas do computador e do celular. Por um momento, achei que não ia dar conta de realizar os desenhos para a exposição. A exaustão de Bárbara foi, para mim, o encontro com toda a tragédia humanitária decorrente da pandemia e da política genocida em

7/ Desenhos anteriores: http://desenhos-celialice. blogspot.com

andamento em nosso país. A tristeza me imobilizava. Voltei a percorrer os vídeos e percebi movimentos de Bárbara para acionar seu rosto e, através dele, seu corpo cansado que se perdia e se desmaterializava dentro da tela do computador. Era um ato de resistência. Ela acariciava a cabeça, brincava com os fios de cabelo, massageava os olhos, abraçava-se. Essas atitudes também me reanimaram. Retratavam uma estratégia de resistência neste momento em que temos que preservar nossa saúde emocional. Voltei meu olhar para os vídeos de cenas de Bárbara em seu cotidiano, e fui analisar as fotos que ela me enviara. Algumas de tempos anteriores à pandemia. Percebi que ela sempre estava envolta em panos, seja como cangas, como echarpes ou xales. Quase sempre caminhando, em movimento. Algumas fotos registravam momentos de encontros profundos, como a cena em que ela segura a sobrinha recém

nascida; de epifania, como em sua entrega no abraço da pedra; e de resistência, carregando a bicicleta sob sol a pino.

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Escolhi, então, essas três imagens para desenhar em maior formato, entre 1,15 e 1,5 m de altura por 1,1 m de largura, em papel vegetal. Eu as nomeei "pacto", "epifania" e "resistência". Neste percurso, encontrei uma Bárbara que ao mesmo tempo se proteje em um casulo feito com os panos, mas lança voo como uma borboleta. A jovem e destemida Bábara, que já morou na França, já trabalhou com crianças pobres na Índia, já perambulou pela floresta amazônica e registrou sonhos de ribeirinhos em uma viagem de barca pelo rio Amazonas. Diferentemente de meus desenhos anteriores, mais escuros e com silhuetas confundindo-se com o fundo, estes de Bárbara são mais solares, com as fronteiras do corpo mais definidas. Talvez tenha sido uma maneira de rematerializar o corpo antes diluído nas telas de computador e celular.

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[img. 10] Estudo.

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Nas páginas 26/27 [imgs. 11—22] Desenhos de cenas de vídeo enviado por Bárbara.

[img. 23] Instalação de fotos e desenhos na Galeria Homero Massena.

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CAMINHOS, RUAS, PRAÇAS, UMA CIDADE bárbara bragato

"eu a conheço desde sempre. todo mundo diz que você era bonita quando jovem; venho lhe dizer que, por mim, eu a acho agora ainda mais bonita do que quando jovem; gostava menos do seu rosto de moça do que do rosto que você tem agora, devastado"8. foi com "o amante", de marguerite duras, que comecei a trocar e-mails com célia. já estávamos no meio de uma pandemia e os caminhos eram incertos. a exposição que outrora imaginávamos, num cruzamento quase que carnal entre nossos corpos, não existiria mais. nos encontrávamos toda semana remotamente na tentativa de solucionar o impasse do não poder ver, do não poder tocar. admitir a tela como um meio, e até ferramenta, não era uma opção. era, na realidade, mais um lugar que gostaríamos de eliminar, de furar para ver se de fato existia alguém do outro lado. viver ou viver um desejo de viver? até hoje me embaralho no que existe

8/ DURAS, Marguerite, O amante, 1984.

de real nisso que vejo e escuto intermediado por fios, conexões, cabos e webcams. a célia que observo na tela é a mesma célia que vejo quando a encontro em sua casa? o que há de diferente entre a voz de célia que ouço no fone e aquela que escuto quando nos encontramos nas manifestações? não faço questão de dar conta dessas perguntas, mas elas continuam comigo. a decisão de ter a tela como superfície não estava calcada em questões conceituais, era apenas a única forma possível de se criar numa pandemia sem oferecer riscos a ninguém. não era o desejo, sabíamos disso, mas a frustração nos levou para corpos, imagens e percepções que ultrapassaram aquilo que imaginávamos acessar. célia se concentrou em desenhar fotografias que eu tinha no celular, das quais nem me recordava mais. três cenas: o fim de uma trilha, uma tentativa de levar uma bicicleta na areia, braços de uma tia principiante que aprende a segurar sua sobrinha recém nascida. imagens estáticas onde o corpo é a origem do movimento. ação e imagem, aqui, inerentes.

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enquanto célia buscava encontrar os detalhes de fotos em baixa resolução, feitas a partir de um celular, eu tentava encontrar e refazer seus rostos a partir da tela do meu computador. e aqui, faço uma breve explicação: praticamente todas as fotografias que fiz de célia foram a partir de encontros via Zoom9, gravados desde novembro de 2020, quando começamos a nos reunir junto a Karenn Amorim, curadora, e Bruna Afonso, arte-educadora. se vivemos um momento de imagens efêmeras, que se perdem em meio ao excesso de informação,

9/ Software que permite a realização de videoconferências.

se não fosse pelo arquivo, neste momento, estas fotografias não existiriam. para achá-las, foi necessário resgatá-las. e utilizo o achar aqui não ao acaso. compreendo que as fotos de célia não foram feitas, ou "tiradas", porém encontradas. a cada gravação assistida e reassistida, procurava suas faces, seus gestos, suas repetições. ampliava até encontrar pixels de uma imagem quase sem informação. percebi ali que existia um mundo a ser percorrido, e não precisava me deslocar para encontrá-lo. um mundo que exigia atenção, calma e espera, como o contrário do que eu imaginava de um cenário calcado no digital.

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ao observá-la intermediada por meu monitor, utilizei para o registro aquilo que tinha disponível: celular, câmera digital, câmera analógica pequeno e médio formato, super 8, capturas de tela. enquanto a câmera analógica me permitia 36 imagens por filme, certos dias fazia 3000 capturas de tela. imagens que, independente de sua origem técnica, tinham em comum um olhar intermediado: pelos fios, pela internet, pela tela, pela lente, pela luz. pelo olho que observa sempre uma superfície, uma representação de um corpo, nunca ele mesmo. um olho que tenta tatear um corpo intocável. foram meses percorrendo os territórios de seu corpo. cansar os dedos, as costas e os olhos foi o modo de sentir meu próprio corpo cansado

10/ ANTELO, Raúl (org.).Correspondência: Mário de Andrade & Newton Freitas. v. 6. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Instituto de Estudos Brasileiros; Universidade Federal de Santa Catarina, 2017.

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de telas. me cansar era o modo de sentir, de existir. um paradoxo entre fadiga e prazer, que se consumava ao atravessar suas cartografias e encontrar sua matéria. ao mesmo tempo que esgotava meu corpo, também esgotava o dela. ao procurar seus traços, suas fissuras, seus cantos, suas perfurações, seus gestos, suas repetições, me deparava sempre com o desconhecido. uma mulher envolvente e multifacetada. seu rosto era o mundo, e ali eu podia habitar.

nossa primeira troca de cartas, permito-me agora citar Mário de Andrade, em uma das últimas cartas digitais me enviadas por Célia: "lhe mando o retrato que mais gosto, mas exijo troca. gosto mais porque marca no meu rosto os caminhos do sofrimento, você repare, cara vincada, não de rugas ainda, mas de caminhos, de ruas, praças, como uma cidade".10

em nenhum momento, ao observá-la, me vinha a razão originária desta exposição: nossa diferença de idades. as grafias de célia, que se misturavam à textura do grão, do pixel e da sujeira da minha tela, me apontavam um corpo vivo, desejante e desejável. um corpo revestido de memória e de pulsão. e talvez esteja aí um dos grandes aprendizados neste processo: o envelhecer é apenas um viver. por fim, se introduzo este texto ao parafrasear Marguerite Duras, em

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[img. 31] Resistência. Foto por Ignez Capovilla.

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[imgs. 33—36] Frames do vídeo realizado por Bárbara, com imagens feitas com super 8, câmera digital, câmera analógica pequeno formato, vídeos e prints do celular. Duração: 8’40’

[img. 37] Pacto. Foto por Ignez Capovilla.

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[img. 40] Empatia. Foto por Ignez Capovilla.

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OFICINA DE DANÇA CONTEMPORÂNEA [imgs. 41—43]

com gabriela moriondo

9 de junho de 2021

DANÇAS DISTANTES/ DANÇAS POSSÍVEIS

A oficina prática de dança propôs a experimentação, através da improvisação, as relações do corpo consigo mesmo e com outros corpos, mediados por uma interface, num encontro com as possibilidades do movimento. Numa imersão acerca das particularidades de cada corpo, foram pesquisados o movimento em seu detalhamento, em diferentes fluxos e escalas; experimentando o mínimo, o diminuto, e a repetição como forma de ampliação da intenção, do rastreamento do movimento e da propriocepção. Distantes, neste ensaio do encontro, experimentando a observação como aproximação e como ferramenta criativa, praticou-se a intenção do olhar.

[imgs. 41—43] Fotos por Bárbara Bragato.

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OFICINA DE CORPO [imgs. 44—46]

com paloma durante

6 de julho de 2021 A oficina teve como proposta a estruturação de um corpo sensível, entendendo essa sensibilidade enquanto a capacidade de incorporação – encarnação – do que nos atravessa e de nossas memórias corporais. Sendo proposta uma série de ações a serem executadas pelos participantes, nas quais investigaram, por meio de diferentes materiais, re(L)ações do corpo em contato com superfícies. Essas ações intencionaram-se no sentido de trazer certo reconhecimento de nossa estrutura, e a percepção de um presente espesso que pudesse surgir por meio desses estímulos. São o toque, o gesto e o movimento que nos lembram do desafio que é estar em linguagem, e é também por eles que aprendemos a lidar com o que é efêmero e indizível. Reconhecer na própria carne a inconstância, a enxurrada e o tremor.

[imgs. 44—46] Fotos por Bruna Afonso.

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SUPERFÍCIE É UM RIO PARA DENTRO o que vibra dessa paisagem corporal em traduções, mobilizando estes afetos como agenciadores de processos criativos. recursos necessários Um saco plástico transparente (desses que ficam disponíveis nas gôndolas de fruta do mercado); um leque, ou algo que possa ser transformado em um abano; um espaço em que seja possível ficar deitado no chão de braços abertos; uma manta para deitar em cima (principalmente em casas de piso frio); roupas confortáveis.

Esse tempo do sentir proposto pela oficina é um modo de transformar

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PROPOSTA EDUCATIVA arte-educadora bruna afonso

O projeto tem seu início marcado pelo desejo de movimento, de descobertas e estudos de si e da outra, partindo do encontro dos corpos dessas duas mulheres, Bárbara e Célia, e dos seus corpos no mundo. A frase "deixa eu saber do corpo que me existe", que desponta do primeiro movimento que focaliza os corpos entre tempos, é praticamente a expressão deste início e uma forma despretensiosa de dizer "me deixe conhecer esse corpo!" ou de perguntar "me deixa conhecer esse corpo?". No processo de conhecimento e resposta, de uma relação que vai se construindo, as duas vão encontrando seus corpos entre tempos, entre outras mulheres, experimentando e partilhando separadas, mas juntas, brincando com esses gestos envoltos na descoberta que tudo tem a ver com o aprendizado: observar, se permitir experimentar, aprofundar, errar e sentir. O corpo se revela como base do conhecimento e como uma ferramenta para descoberta ao ver, assistir, procurar, perceber, transcrever,

desenhar, falar, dividir, fotografar, printar, apagar, editar, reescrever, cansar! O processo e resultado da descoberta que é proposto pelas duas artistas é intenso e generoso no desfazer de si e aprofundar-se na outra, se diferenciando da representação, ainda majoritária nos meios de circulação das artes, na qual corpos femininos são representados por homens, por apresentar a troca de representações entre duas mulheres. Na percepção e leitura das imagens que uma produz sobre a outra, é possível ver como o corpo delimita o tempo e o transcreve em marcas, expressões, gestos e sensações. As duas representam os corpos uma da outra em desenhos, fotografias, vídeos e prints de tela. O que se pode descobrir desses corpos? Que tempos os atravessam? A troca de e-mails e mensagens realizadas entre Bárbara e Célia durante o processo tornou possível não só a relação em si, mas também a descoberta entre as artistas diante de um momento de

distanciamento, como é possível notar em outros momentos da história em que artistas se correspondiam por cartas. O próprio distanciamento torna-se um tema, assim como a tela. Através do detalhamento e reorganização, ambas chegam em cartografias como expressão de afetos11 dos corpos uma da outra, nas quais Bárbara ganha um pouco de Célia e Célia ganha um pouco de Bárbara, ao mesmo tempo que ambas ganham também uma outra possibilidade de existência e forma de ocupar o mundo.

o que pode o corpo expressar?

exercício

As obras de Bárbara e Célia nos mostram que mesmo diante de telas e em condições de distanciamento, há uma expressão e comunicação que é realizada pelo corpo através dos gestos. Inspirado nisso, este exercício busca promover a experiência do corpo através da investigação de imagens deste em outras épocas.

Escolha uma dessas imagens que te traga a lembrança de um gesto que se repetia muito naquela época.

Procure imagens suas em outras épocas.

Escreva sobre as sensações que esse gesto te traz hoje. Estude esse gesto no seu corpo agora. Registre o estudo desse gesto no seu corpo. Escolha o desenho, o vídeo ou a fotografia para o registro. Compartilhe o seu registro através da #corposentretempos

11/ ROLNIK, Suely. CARTOGRAFIA ou de como pensar com o corpo vibrátil. 1989. Disponível em: https://www.pucsp. br/nucleodesubjetividade/ Textos/SUELY/pensarvibratil. pdf. Acesso em: 18 de junho de 2021.

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Bárbara Bragato e Célia Ribeiro Curadoria Karenn Amorim Arte-educação Bruna Afonso Produção Bruna Afonso Design Caterina Bloise Expografia e iluminação Flora Gurgel Montagem Juliana Almeida Assessoria de imprensa Julia Casotti, Purpurina comunicação e cultura Revisão textual Vanessa Cordeiro

Governador do Estado do Espírito Santo José Renato Casagrande Vice-Governadora do Estado do Espírito Santo Jacqueline Moraes Secretário da Cultura Fabricio Noronha Subsecretária da Cultura Carolina Ruas Palomares Subsecretário de Estado de Gestão Administrativa Pedro Sobrino Porto Virgolino Gerência de espaços e articulação cultural Vinicius Fábio Ferreira Silva Gerência de Memória e Patrimônio Museologia Paula Nunes Costa

Oficinas de dança Gabriela Moriondo, Paloma Durante

Agradecimentos Bruno Zorzal, Daniel Cabrel, Marcela Matos, Renan Grisoni, Imagens de papel, Unicopy

Apoio

Galeria Homero Massena Coordenação de Artes Visuais Nicolas Soares Administrativo Amanda Stange Martins Funcionários Bianca Alves Balbino Santos, Evani Rezende da Silva, Tânia Maria de Jesus Costa Equipe de segurança Damião André Pinto de Oliveira, Diego Araújo Rodrigues, Rondinelio Siqueira, Anderson Ferreira


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curadoria karenn amorim

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