Bahiaciencia

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prio Siqueira e colaboradores identificaram seis espécies invasoras que realmente já colonizaram mais de 800 hectares nas margens do rio São Francisco. E novas invasões estão a caminho, o que representa uma ameaça real à biodiversidade da caatinga. Quando o assunto é o Velho Chico, a Onça Caetana de Ariano Suassuna, que o escritor costumava associar à morte, que o levou em julho deste ano mesmo tendo trabalho, como o autor gostava de dizer, volta ao foco principal. O pesquisador da Universidade Federal do Vale do São Francisco é categórico: “O São Francisco está condenado”.

54 | setembro/outubro de 2014

fotos •josé alves Siqueira / arquivo pessoal

S

egundo Siqueira, apesar de ter sido chamado de “maluco” há dois anos, quando disse que o grande rio brasileiro estava morrendo, infelizmente os fatos apenas têm reforçado ainda mais esta sua tese. “O que ocorreu agora, com as nascentes do rio secando, com uma boa parte do Parque Nacional da Serra da Canastra queimado, é muito triste. A simbologia que envolve a nascente do rio secando, mesmo que isso ainda possa ser revertido, é muito grande. Chegamos ao fim do poço.” Em Ibotirama (BA), não há navegacão, lembra Siqueira. Fenômeno também causado pela falta de chuvas e por alterações no ecossitema do rio. Sobre o São Franciso, Siqueira e seus colegas podem falar de carterinha. Entre 2008 e 2012, foram mais de 200 expedições, que totalizaram 344 mil quilômetros, para fazer o livro A Flora das Caatingas do Rio São Francisco: História Natural e Conservação, vencedor do Prêmio Jabuti de 2013, na categoria Ciências Naturais. Para o pesquisador, que fez a obra com um grupo de 99 pesquisadores e 40 instituições científicas, o São Franciso “não é mais um rio com vida exuberante como era no passado. É apenas um canal de água”. As causas para este processo ter ocorrido, diz ele, não é única, nem de responsabilidade de uma pessoa ou de uma única obra de engenharia. “O mais correto é dizer que houve uma falência múltipla dos órgãos.” Um exemplo citado por Siqueira é o desmatamento histórico que ocorreu ao longo dos Os levantamentos mais recentes mostram que O licuri ou oricuri anos. “Nós temos hoje 2% de mata ciliar no (Syagrus coronata), o ritmo da destruição da caatinga é alarmante. Se São Franciso. Isso é um dos itens que precisam palmeira nativa; há mais de 10 anos os números indicavam que por ser recuperados.” Esta vegetação, que deveria frutos comestíveis disputados pelas volta de 30% do ambiente estava alterado, hoje ficar a centenas de metros das duas margens crianças e sementes aproximadamente 60% do bioma não existe mais do rio, tem um papel ecológico fundamental ricas em óleo vegetal em sua forma original. Apesar de estar muito à na preservação do rio. Ela protege a vida aquáfrente de outras regiões, como a mata atlântica, tica e o próprio rio de substâncias poluidoras que tem menos de 7% da sua formação original e da erosão. Se em relação ao ambiente da caatinga como um todo, de pé, e mesmo assim vários desses trechos são muito pequenos, Siqueira não vê com otimismo a situação da região. Siqueira se diz um entusiasta por esse “ambiente mágico”, Mesmo porque por volta de 22% das áreas já alteradas da quando o assunto é o principal rio que corta a região, a caatinga estão sofrendo com processos de desertificação em projeção do futuro é outra. “Não posso deixar de ter uma diversos estágios, alguns bastante avançados. visão apocalíptica”, afirma o cientista, que, por meio de A alteração de um ambiente originalmente exuberante suas lentes – ele é também fotógrafo –, vem registrando começa a gerar distúrbios ecológicos importantes. O próas transformações ruins, segundo ele, da região. w


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