Aurora #1

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minger, Lang e outros poucos) e arte romântica (o “cinema de autor” e da expressão individual exacerbada, na linha iniciada por Orson Welles em Cidadão Kane e continuada pelos cineastas modernos que então se preparavam para o grande triunfo dos anos 1960). Com isso, ele cobre toda a história do cinema até então (1959) e, partindo da perspectiva idealista-evolucionista baziniana, separa os cineastas entre aqueles que traem a vocação original do cinema (revelar ontologicamente a verdade que existe em estado latente no mundo fenomênico, e que o cinema tem o poder de catalisar ou trazer à tona) e aqueles que não só a respeitam como ainda a enriquecem pela arte da mise en scène, isto é, da organização do mundo sensível numa forma significante. É a premissa classicista (talvez devêssemos dizer neoclássica) por excelência: o intuito da arte não é só copiar o real, mas, respeitando a qualidade intrínseca da matéria, enobrecê-lo pela depuração estética, o que abrange desde a escolha dos aspectos do mundo que se pretende representar até a maneira mesma da representação. Assim, o realismo bruto de Rossellini é visto como insuficiente, pois abdica de

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ordenar o real e se entrega a apenas uma das dimensões do cinema – o documentário – esquecendo-se da outra – a “féerie” (Mourlet afirma que ambas devem se interpenetrar). Hitchcock, que faz o caminho contrário (impõe sua mão de diretor sobre cada mínimo detalhe, sufocando a realidade pela significação), também é rejeitado. A esses dois componentes do time titular da “política dos autores”, Mourlet prefere Cecil B. DeMille, Vittorio Cottafavi e Don Weis, cineastas que a redação dos Cahiers ignorava ou mesmo desdenhava. Grosso modo, podemos dizer que as linhas mestras do texto de Mourlet, no que tange a parte mais especificamente focada na mise en scène, são as seguintes: 1) achar o equilíbrio entre o documental e o feérico, o que implica rechaçar tanto a sobrecarga barroca e a estilização expressionista (e seus avatares) quanto o simples registro do real: é preciso captar o mundo de forma imediata,“sem outros meios que não os mais naturais”, porém estruturá-lo dentro de uma construção cênica e dramática; 2) a preeminência do ator e a presença irrefutável do mundo: o que deve ocupar o centro do pla-


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