ReBEQ v.4 n.2 - Revista Brasileira de Ensino de Química

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ISSN 1809-6158

VOLUME 04 | NÚMERO 02 | JUL./DEZ. 2009


VOLUME 04 | NÚMERO 02 | JUL./DEZ. 2009

Coordenação Editorial Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Robson Fernandes de Farias – UFRR Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo Conselho Editorial Adriana Vitorino Rossi – UNICAMP Gláucia Maria da Silva – USP|RP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Ricardo Ferreira – UFPE Sérgio Melo – UFC Yassuko Iamamoto – USP

Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de ideias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deve ser construído e compartilhado coletivamente. O conhe­ cimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/ transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atuali­ zação e otimização do Ensino de Química.

Conselho Ad hoc Marlon Herbert F. B. Soares – UFG Nidia Franca Roque – UFBA Viviani Alves de Lima – UFU Revista Brasileira de Ensino de Química rebeq@atomoealinea.com.br www.atomoealinea.com.br/rebeq Revisão

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação PUC-Campinas Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jun./jun. 2006 Semestral Publicação científica-educacional 1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos.

Helena Moysés Capa e Editoração Eletrônica

CDD 540

Fabio Diego da Silva Indexada

Índice para Catálogo Sistemático 1. Química

540

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VOLUME 04 | NÚMERO 02 | JUL./DEZ. 2009

Sumário

7

Editorial

Artigos

9

15

Determinação do Calor Específico da Água José de Alencar Simoni, Matthieu Tubino e João Rogério Miraldo

Experimento para Identificação de Íon Alumínio em Antiácidos Comerciais e Simulação do Combate à Acidez Estomacal Izabel Cristina Eleotério, Gustavo Bizarria Gibin, Keila Bossolani Kiill e Luiz Henrique Ferreira

21

Estudo do Desempenho dos Candidatos no Vestibular e a Relação dos Níveis Cognitivos das Questões de Química Fabiele Cristiane Dias Broietti e Sônia Regina Giancoli Barreto

31

O Uso de Visualizações no Ensino de Química: a formação inicial do professor de Química Celeste Rodrigues Ferreira e Agnaldo Arroio

Relatos de Experiência

43

A Periodicidade e a Ligação Química nos Compostos de Boro Abordadas em Nível de Pós-graduação Adriano de Souza Reis, Renato Henriques de Souza, Samira Faria Câmara Sales, Sergio Lontra Vieira, Silmar José Spinardi Franchi, Rudi Vargas Solano, Sandra Cecília Bannwart, Eduardo Marques Meneghetti, Flavio Santos Freitas, Silvia Regina Grando, Carlos Richard Eduardo Matheus Lizárraga,Tomás Mazzo de Oliveira Campos, Ligia Giovanini, Sergio C. Moreno e Pedro Faria dos Santos Filho

63

Interdisciplinaridade e Contextualização na Prática Pedagógica dos Professores: a experiência de uma escola pública Luzia Helena Castro Squinca1, Angela Fernandes Campos e Maria Angela Vasconcelos de Almeida


Instrumentos e Criatividade

73

Construindo um Sistema de Destilação Alternativo Usando Conexões e Tubos de PVC e Aquatherm Huita do Couto Matozo

História da Química

79

Friedrich Sertürner e a Descoberta da Morfina RFF

81

Resenhas

83

Normas para Publicação


Contents

7

Editorial

Articles

9

15

Determination of Specific Heat of Water José de Alencar Simoni, Matthieu Tubino e João Rogério Miraldo

Experiment for Aluminum Ion Identification in Commercial Antacid and Simulation of Neutralization the Stomach Acidity Izabel Cristina Eleotério, Gustavo Bizarria Gibin, Keila Bossolani Kiill e Luiz Henrique Ferreira

21

Study of the Acting of Candidates of the College Entrance Exam and the Relationship With the Cognitive Levels of the Subjects of Chemistry Fabiele Cristiane Dias Broietti e Sônia Regina Giancoli Barreto

31

The Use of Visualizations in Chemistry Education: the inicial formation of the Chemistry Teacher Celeste Rodrigues Ferreira e Agnaldo Arroio

Experiences Account

43

The Periodicity and Chemical Bonding in Boron Compounds Studied in Post-graduate Level Adriano de Souza Reis, Renato Henriques de Souza, Samira Faria Câmara Sales, Sergio Lontra Vieira, Silmar José Spinardi Franchi, Rudi Vargas Solano, Sandra Cecília Bannwart, Eduardo Marques Meneghetti, Flavio Santos Freitas, Silvia Regina Grando, Carlos Richard Eduardo Matheus Lizárraga,Tomás Mazzo de Oliveira Campos, Ligia Giovanini, Sergio C. Moreno e Pedro Faria dos Santos Filho

63

Interdisciplinarity and Contextualization in the Pedagogic Practice of Teachers: the experience of a public school Luzia Helena Castro Squinca, Angela Fernandes Campos e Maria Angela Vasconcelos de Almeida


Tools and Creativity

73

Building an alternative distillation system using connections and tubes of PVC and Aquatherm Huita do Couto Matozo

Chemistry History

79 81 83

Friedrich Sert端rner and the Discovery of Morphine RFF

Reviews Editorial Standards


Editorial

A atividade didática exercida em qualquer nível de conhecimento é cercada de erros e acertos, novidades e repetições de velhas fórmulas já consagradas de abordagem. Aos professores cabe o desafio de se fazerem entender e, principalmente, saber avaliar se está havendo uma assimilação efetiva daquilo que é ensinado. Em muitos casos, pelas mais diversas razões, os professores se vêem desafiados a encontrar maneiras alternativas de expor algum assunto ou mostrar algum conceito. Se por um lado isto é desafiador e estimula o professor a investir em seu auto-desenvolvimento, em outros casos isto acaba sendo frustrante porque muitos professores se encontram isolados em regiões onde a escassez de profissionais é muito acentuada e a troca de informações é muito precária. No enfrentamento deste desafio, em muitos casos, a alternativa encontrada acaba não satisfazendo nem aos alunos nem aos professores. Em outros casos, porém, as estratégias encontradas por muitos professores acabam trazendo alguma forma de inovação na abordagem de velhos conteúdos, que acaba surpreendendo a todos os envolvidos. Nestes casos, é imprescindível que estas iniciativas sejam divulgadas para toda a comunidade acadêmica. A ReBEQ, com sua seção Relatos de Experiência, tem divulgado muitas alternativas interessantes que foram aplicadas nas mais diferentes situações e regiões do país. É de se destacar que estes relatos incluem aplicações em todos os níveis de formação, incluindo o superior onde, normalmente, a ousadia por formas alternativas é mais restrita. Nestes últimos números da ReBEQ foram mostrados dois relatos de experiência que merecem destaque, um para o ensino médio e outro para o nível superior. Este último, apesar de um pouco extenso, traz, inclusive, um texto sobre a ligação química em compostos de boro, produzido por um grupo de alunos de pós-graduação, desenvolvido em uma disciplina de pós-graduação sobre periodicidade. Estes trabalhos, assim como muitos outros, acabam seduzindo professores e alunos e os estimulam a buscar formas alternativas de conduzirem suas atividades. E a ReBEQ convoca estes professores a divulgarem suas idéias e inovações neste importante veículo de divulgação.

Coordenação Editorial



Artigo 01 | Volume 04 | Número 02 | Jul./Dez. 2009

p. 09-14

Determinação do Calor Específico da Água Determination of Specific Heat of Water José de Alencar Simoni Matthieu Tubino João Rogério Miraldo

Instituto de Química – UNICAMP E-mail: caja@iqm.unicamp.br

Resumo Esse artigo traz uma introdução ao conceito de calor especifico (cp) e um experimento para a determinação dessa grandeza. Essa determinação é realizada utilizando-se um aquecedor de água e um termistor associado a um multímetro, como sensor de temperatura. O sistema completo custa cerca de 30 reais e permite leituras de temperatura com sensibilidade de 0,03 K. A média de calor específico obtido para a água, 4,17 J K-1 g-1 coincide como valor tabelado, 4,184 J K-1 g-1, dentro do desvio experimental. O experimento não envolve nenhum aspecto de periculosidade, não gera qualquer resíduo químico e pode ser aplicado no ensino médio e no ensino superior. Palavras-chave: Calor específico; Água; Laboratório; Atividade experimental. Abstract This article shows an introduction to the concept of specific heat (cp) and an experiment for its determination of this property. This determination is carried out by using an electrical heater and a thermistor associated to a multimeter as a temperature sensor. The complete system costs about US$ 15 and allows to read temperature within the 0,03 K of sensitivity. The average specific heat value observed for water, 4,17 J K-1 g-1 agrees to the accepted literature value, 4,184 J K-1 g-1, within the experimental deviation. The experiment does not involve security aspects, does not generate any chemical residue and can be applied in secondary or undergraduate classes. Key-words: Specific heat; Water; Laboratory; Experimental activity.


Introdução A energia é uma grandeza fundamental e de primeira linha na termodinâmica. O valor absoluto de energia que um (sistema) corpo, um objeto ou uma substância possui não é relevante nesse contexto, a diferença de energia entre uma situação (estado) e outra é, sim, importante (Chagas, 1999). Quando um corpo recebe ou cede energia e sofre uma mudança de temperatura, uma das formas de se relacionar essas duas grandezas é pela capacidade calorífi ca. Pode-se dizer que essa capacidade é uma constante de proporcionalidade entre essas duas grandezas. A grandeza, capacidade calorífi ca, é um termo mais genérico e que pode receber várias designações particulares, dependendo da natureza ou do tamanho do sistema considerado, assim como da forma que esse sistema saiu de um estado e foi para outro. Assim, quando a transferência de energia se dá a volume constante, deve-se utilizar a capacidade calorífi ca a volume constante Cv; quando o processo é realizado à pressão constante deve-se utilizar Cp. Outra distinção que aparece é entre os termos específi co e molar: quando se trata de um sistema químico bem defi nido, utiliza-se o subíndice m e quando se trata dessa grandeza por massa, utiliza-se a letra c minúscula. Assim, têm-se Cpm, Cvm, respectivamente, para capacidade calorífi ca molar à pressão constante e a volume constante. Quando o texto é claro em relação ao sistema, o subíndice m pode ser omitido. Para a capacidade calorífi ca específi ca, utilizam-se letras minúsculas, assim, cp e cv são as capacidades específi cas à pressão e volu me constante, respectivamente. Nesses casos, essas gran dezas são chamadas de capacidades calorífi cas específi cas ou simplesmente calores específi cos (Quantities..., 2007).

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REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

As unidades de Cpm, Cvm, são J mol-1 K-1 enquanto as de cp e cv são dados em J g-1 K-1. Como se tratam de variações de temperatura e não valores absolutos de temperatura, também é possível expressar as grandezas em J mol-1 °C-1 e J g-1 °C-1, respectivamente, e os valores não se alteram. Essa propriedade se destaca pela importância que tem na explicação de fenômenos naturais, fatos do cotidiano, além de processos industriais (Kimbrough, 1998). Regiões circunvizinhas a lagos e mares são menos afetadas pelas variações de temperatura durante as estações inverno e verão, pois o alto valor da capacidade calorífi ca da água permite que ela absorva a energia térmica, a radiação infravermelha emanada pelo sol e a armazena, dissipando-a lentamente. Assim, a chegada do inverno ou do verão é mais branda, assim como a sua partida. Em outras palavras, a mudança na temperatura ambiente é atenuada nessas regiões. Essa propriedade também torna a água um potencial veículo de transporte energético, sendo largamente utilizada para tal em sistemas de aquecimento residenciais ou em processos indus triais, e também como líquido refrigerante. Também é importante destacar que o vapor d’água na atmosfera tem papel fundamental na absorção da radiação infravermelha refl etida pela Terra, atuando como o principal gás do efeito estufa, mantendo a temperatura, na média, em torno de 15 °C. Do contrário, a Terra seria muito mais fria, e sua temperatura média seria ao redor de -18 °C, o que poderia comprometer ou inviabilizar diversas formas de vida no planeta; Em comparação com os estados sólido e gasoso, a capacidade calorífi ca molar da água no


Determinação do Calor Específico da Água

estado líquido é muito maior, cerca de 39 kJ mol-1. Isto se deve ao fato de que no líquido as moléculas de água interagem fortemente por ligações hidrogênio e podem movimentar-se por translação, rotação e vibração. No sólido, o grau de liberdade diminui e as moléculas não podem rotar, dessa forma, as possibilidades de armazenar energia também diminuem. No estado gasoso não existe interação por ligação de hidrogênio e, a baixas temperaturas, a contribuição rotacional para moléculas não lineares, como a água, é inexiste, sendo que passa a ser importante a altas temperaturas, quando a rotação se inicia. A contribuição vibracional ocorre somente a temperaturas muito elevadas. Assim, a capacidade calorífi ca molar do vapor, a temperaturas ordinárias, é bem menor que a da água líquida. Do ponto de vista submicroscópico, é dessa forma que podemos entender essa propriedade da matéria (Tennis; Bailey; Henderson, 2000).

Rigorosamente, as capacidades calorífi cas são reportadas para uma dada temperatura específi ca e correspondem ao coefi ciente angular da tangente à curva que relaciona a energia do sistema em função da temperatura, conforme equação 3. Essas capacidades calorífi cas variam de acordo com a temperatura, porém, em muitos casos, para pequenas variações de temperatura pode-se desprezar essa variação se o intervalo de temperatura for muito pequeno (Chagas, 1999). Cp = ` δH j δT p

e

Cv = ` δU j δT p

(3)

Experimental As medidas do calor especifi co da água líquida foram feitas por aquecimento, utilizando-se o dispositivo da Figura 1: um aquecedor elétrico, um cronômetro e uma garrafa PET, além do sistema detector de temperatura.

Considerações teóricas Como pontuado na introdução, a capacidade calorífi ca representa, do ponto de vista macroscópico, uma conexão entre uma mudança de energia térmica do sistema em relação à temperatura. Dessa forma, o valor numérico dessa grandeza se determina experimentalmente adicionando ou removendo uma quantidade conhecida de energia de um sistema e medindo sua variação de temperatura. A razão entre essas duas grandezas é uma medida da capacidade calorífi ca: C = ∆E / ∆T

(1)

onde ∆E é a quantidade de energia e ∆T a variação de temperatura sofrida pelo sistema. Como dito anteriormente, há diferenças quando se faz o processo a volume ou à pressão constante. Assim, nessas condições a equação 1 se transforma em: Cp = ∆H / ∆T ou Cv = ∆U / ∆T

(2)

onde ∆H é a variação de entalpia e ∆U a variação de energia interna, a primeira para processos à pressão constante e a segunda a volume constante.

Figura 1. Sistema completo para determinação do calor específi co da água (garrafa PET, aquecedor elétrico, cronômetro, multímetro e termistor).

Construção do sensor de temperatura No caso presente o sensor de temperatura foi um termistor associado a um multímetro. No comércio local, o valor desse conjunto é de 30 reais. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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José de Alencar Simoni, Matthieu Tubino e João Rogério Miraldo

Um termistor de 10 kΩ de resistência nominal tem uma sensibilidade térmica de 0,03 ºC. Um termômetro de vidro, de sensibilidade 0,2 ºC, custa em torno de 280 reais. O termistor é um óxido misto cuja resistência varia em torno de 4% para cada grau, assim ele pode funcionar como um termômetro muito sensível. Sua montagem é simples e pode ser vista na Figura 1.1 Basta adquiri-lo no comércio de material eletrônico e soldar fi os condutores metálicos em cada um de seus dois terminais e, no fi nal dos fi os, colocar pinos banana, para serem inseridos na entrada do multímetro. Para usá-lo como termômetro, deve-se construir uma escala de conversão de resistência elétrica em temperatura. Para isso, usa-se a montagem mostrada na Figura 1. • Colocar água na garrafa PET cortada, juntamente com um termômetro e o termistor. • Medir a temperatura e a resistência do termistor com o multímetro. • Ligar o aquecedor, agitando sempre, até a temperatura subir um pouco (3 graus). • Desligar o aquecimento, esperar estabilizar a temperatura, mantendo a agitação. Ler a resistência do termistor no multímetro. • Repetir o procedimento anterior até obter 6 ou 7 leituras de temperatura e resistência. • Montar um gráfi co (temperatura x resistência) com os valores obtidos. Assim, a escala de temperatura já está pronta para ser usada.

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de aquecimento e melhor controle do tempo de aquecimento e das temperaturas.

Determinação do calor específico da água

No caso de uma prática de laboratório, a curva de calibração pode ser feita pelo professor, que vai entregar a tabela ou gráfi co para os alunos utilizarem. Nesse trabalho foi usado um termistor de 10 kΩ e um aquecedor elétrico de potência nominal 1000 W em 230 V. O aquecedor foi usado em uma tensão de 127 V para se ter uma menor potência

Simplifi cadamente, o procedimento é o seguinte: • Cortar a parte superior de uma garrafa do tipo PET (2 litros) para obter um “copo”; • Medir uma massa de água entre 1.200 e 1.800 g. Anotar o valor. Se não houver uma balança disponível, pode-se fazer a medida por volume, não se esquecendo de comentar com os alunos as questões pertinentes à adoção dessa última estratégia; • Colocar o aquecedor elétrico no interior da água, juntamente com o termistor já acoplado ao multímetro na escala de leitura de resistência (Figura 1); • Com movimentos ascendentes e descendentes do aquecedor, movimentar a água por certo tempo, até o valor de resistência do termistor fi car constante; • Medir e anotar a resistência do termistor; • Ligar o aquecedor e o cronômetro, ou relógio, ao mesmo tempo e manter o aquecedor em movimento; • Continuar o aquecimento até a resistência do termistor mudar entre 15 e 20 % do seu valor inicial (equivalente a um ΔT ~6 °C); • Desligar, ao mesmo tempo, o aquecedor e o cronômetro; • Anotar o tempo; • Continuar a agitação sem tirar o aquecedor da água; • Medir e anotar o valor da resistência do termistor quando ele atingir seu valor mínimo (termistor NTC) ou máximo (termistor PTC);2

1. Disponível em: <http://brunoum.sites.uol.com.br/>. Acesso em: abr. 2009.

2. Disponível em: <http://brunoum.sites.uol.com.br/>. Acesso em: abr. 2009.

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Determinação do Calor Específico da Água

• Medir com o multímetro a tensão da rede (V) e o valor da resistência do aquecedor (R).

Cálculos A quantidade de energia elétrica (térmica) (E) fornecida no aquecimento da água é calculada com base no conhecimento do tempo (t) e da potência elétrica (P) aplicada pelo aquecedor, conforme equação 4:

E = P × t

(4)

P = V2 / R

(5)

Essa energia elétrica é transferida à água na forma de variação de entalpia (∆H) , pois o processo é à pressão constante, então:

∆H = m × cp × ∆T

(6)

no qual o valor de ∆T é obtido pelas medidas de resistência (inicial e fi nal) do termistor e usa-se a curva de calibração. Os outros termos da equação 6 têm signifi cados já descritos anteriormente. Todos os valores da equação 6 são conhecidos e o valor de cp pode ser calculado.

Resultados Os resultados apresentados nas Tabelas 1 e 2 foram obtidos em condições encontradas em salas de aula de escolas de ensino médio. Foi utilizada a tensão da rede elétrica de 127 volts, alternada, e um aquecedor elétrico de potência nominal 1000 watts para uma tensão de 230 volts. As massas de água variaram entre 800 e 2000 g. Tabela 1. Determinação da capacidade calorífi ca espe cífi ca da água usando um termômetro de sensi bilidade 1 ºC. Massa de água / g

cpexp / J g–1 K–1

800

3,9 ± 0,1

1100

3,9 ± 0,1

1400

4,1 ± 0,2

1700

4,1 ± 0,1

2000

4,1± 0,1

Tabela 2. Determinação da capacidade calorífi ca específi ca da água usando o termistor. Massa de água / g

cpexp / J g–1 K–1*

Cplit / J g–1 K–1**

800

4,08 ± 0,07

4,184

1100

4,16 ± 0,05

4,184

1400

4,16± 0,20

4,184

1700

4,17 ± 0,03

4,184

2000

4,18 ± 0,06

4,184

* Valor médio calculado ± desvio padrão; ** The NBS (1982).

Comentários finais • Os resultados obtidos com o uso do termistor na rede comum (não controlada) são coincidentes com os da literatura, dentro do erro experimental, na faixa de temperatura utilizada. • Quanto maior a massa de água utilizada, mais o resultado se aproxima do esperado, já que as outras contribuições para a capacidade calorífi ca total, não discutidas e computadas nesses cálculos, passam a ser relativamente menores quando a massa de água aumenta. • O uso do termistor leva a valores de calor específi co mais precisos, já que se conhecem os valores de temperatura com maior precisão. • A temperatura fi nal de equilíbrio se estabelece depois de cerca de 60 segundos após o término do aquecimento elétrico. Também é importante lembrar que a temperatura atinge esse valor mais elevado e depois começa a decair, como um refl exo da troca de energia entre a água mais quente e o ambiente. • O sistema completo de determinação de temperatura custa 30 reais e fornece leituras de temperatura com sensibilidade de 0,03 ºC. Um termômetro de sensibilidade 0,2 ºC custa, hoje, cerca de 280 reais. • O experimento não envolve nenhum aspecto de periculosidade, a não ser a conexão que deve ser feita à rede elétrica, e não gera qualquer resíduo. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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José de Alencar Simoni, Matthieu Tubino e João Rogério Miraldo

Referências CHAGAS, A. P. Termodinâmica química. Campinas: Editora da Unicamp, 1999. KIMBROUGH, D. R. J. Chem. Educ., v. 75, p. 48, 1998. QUANTITIES, units and symbols in Physical Chemistry. the IUPAC Green Book, 3. ed., 2007.

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TENNIS, R.; BAILEY, R.; HENDERSON, G. J. Chem. Educ., v. 77, p. 1634, 2000. THE NBS tables of Chemical Thermodynamic Properties, J. of Phys. And Chem. Ref. Data, 1982, 12.


Artigo 02 | Volume 04 | Número 02 | Jul./Dez. 2009

p. 15-20

Experimento para Identificação de Íon Alumínio em Antiácidos Comerciais e Simulação do Combate à Acidez Estomacal Experiment for Aluminum Ion Identification in Commercial Antacid and Simulation of Neutralization the Stomach Acidity Izabel Cristina Eleotério

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Departamento de Química, Universidade de São Paulo E-mail: izabeleleoterio@yahoo.com.br

Gustavo Bizarria Gibin

Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos E-mail: gustavogibin@yahoo.com.br

Keila Bossolani Kiill

Departamento de Ciências Exatas da Universidade Federal de Alfenas E-mail: kbossolani@unifal-mg.edu.br

Luiz Henrique Ferreira

Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos E-mail: ferreira@dq.ufscar.br

Resumo A ocorrência da sensação de “queimação” no estômago é caracterizada pelo aumento da acidez estomacal. Uma das classes farmacológicas utilizadas para reduzir a acidez excessiva é a dos antiácidos. Neste trabalho é apresentada uma proposta de um experimento de baixo custo com o objetivo de identificar o íon alumínio constituinte do antiácido hidróxido de alumínio na forma de comprimido e suspensão. Também é possível realizar uma simulação da neutralização da acidez estomacal por meio de um antiácido. Com esta atividade pretende-se estimular discussões em sala de aula sobre íons, equilíbrio químico, pH, reação de precipitação, compostos anfóteros e principalmente sobre identificação de uma substância química. Palavras-chave: atividade experimental, hidróxido de alumínio, antiácido. Abstract The occurrence of the sensation of “burning” in the stomach is characterized by increased stomach acidity. One of the pharmacological classes used to reduce


excessive acidity is the antacids. In this work we present a proposal for a low cost experiment to identify the constituent ion of one antacid in the form of tablet and suspension. A simulation of stomach acidity and its neutralization by an antacid is also presented. With this activity is possible to stimulate discussion in the classroom about ions, chemical equilibrium, pH, precipitation reaction and mainly on identifi cation of a chemical substance. Key-words: experimental activity, aluminum hydroxide, antacids.

Introdução No homem a função principal do estômago é armazenar e digerir o alimento ingerido. Para tanto, a acidez de sua secreção promove as importantes reações de hidrólise no bolo alimentar, além de apresentar um caráter bactericida (Purves et al., 2006). O ácido é secretado pelas células parietais, que mantém o pH do estômago entre 1 e 3,5 em jejum (Aulton, 2006). A secreção ácida é uma solução isotônica de HCl com pH próximo de 1, cuja concentração de íons hidrogênio é um milhão de vezes maior que a do plasma sanguíneo. Além disso, o estômago secreta 2,5 litros de suco gástrico por dia em média (Rang et al., 2007). Uma alimentação desequilibrada pode ocasionar mal estar como azia e, neste caso, são empregados os antiácidos em cuja composição podem estar contidos bicarbonato de sódio, hidróxido de magnésio e hidróxido de alumínio, os quais são responsáveis por neutralizar o ácido clorídrico, elevando o pH do suco gástrico. O hidróxido de alumínio pode elevar o pH gástrico a 4. Esta base reage com o HCl presente no estômago, reduz o excesso de íons hidrogênio (H+) e promove a formação de cloreto de alumínio (Larini, 2008). O hidróxido de alumínio na presença da solução alcoólica de alizarina (1,2 – dihidróxi - 9,10 - antracenodiona, C14H8O4) promove a formação de uma laca (substância resinosa) de coloração vermelha brilhante. A formação da laca envolve a adsorção química entre o precipitado gelatinoso Al(OH)3 e a alizarina (H2Aliz). O tom da coloração depende dos íons metálicos e pode variar entre o alaranjado (estanho), vermelho (alumínio), róseo salmão e até a violeta azulado (ferro) (Feigl, 1954; Sandell, 1959).

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A alizarina é um corante orgânico derivado da raiz garança (madder em inglês), Rubia tinctorum, planta da família das Rubiáceas encontrada no Sul da Europa. É encontrada na forma de cristais vermelho-alaranjado, é pouco solúvel em água e solúvel em álcool, éter, óleos fi xos e em soluções alcalinas. Foi utilizada como corante têxtil e para pintura ao longo do tempo; em soluções alcalinas (pH 12) sua coloração é violeta e em soluções ácidas (pH 3,5) a coloração é amarela. Por volta de 1868, a alizarina foi o primeiro corante a ser sintetizado. Foi reconhecida por Graebe e Liebermann em 1868, como um derivado do antraceno - um hidrocarboneto contido no carvão – e no mesmo ano, eles elaboraram um método para produzi-la comercialmente e a patentearam na Inglaterra, embora fosse economicamente inviável sua produção em larga escala. Em 1871, Perkin desenvolveu, a partir do antraceno da hulha, um método viável para a produção industrial da alizarina. Em seguida, a empresa BASF iniciou o processo para patentear a síntese e, posteriormente, houve um acordo para que Perkin detivesse os direitos de produção para a Inglaterra e a BASF para o resto do mundo (Souza, 2007). A alizarina diluída em etanol 70% v/v em solução 0,2% m/v é conhecida como alizarol, que é usado em laticínios como teste de verifi cação da estabilidade térmica do leite. O teste tem como princípio a coagulação das proteínas do leite quando já se encontram parcialmente desestabilizadas, devido ao aumento da acidez ou desequilíbrio salino e, além disso, funciona como indicador visual de pH, pois ocorre a formação de uma coloração rósea salmão, devido a interação com íons Ca2+ (Feigl, 1954; Sandell, 1959; Pereira, 2008).


Experimento para Identificação de Íon Alumínio em Antiácidos Comerciais...

A característica anfótera do hidróxido de alumínio auxilia na sua identifi cação, pois o precipitado dissolve-se em excesso de hidróxido de sódio, condição esta que favorece a formação de íons de hidroxialuminato. A reação é reversível e qualquer reagente que reduza sufi cientemente a concentração de hidroxila favorece a precipitação do hidróxido de alumínio (Russel, 1994; Baccan et al., 1997). Diante do exposto, procurou-se desenvolver uma atividade experimental de baixo custo e fácil acesso visando identifi car íons de alumínio na composição de antiácidos comerciais com princípio ativo de hidróxido de alumínio na forma de comprimido e em suspensão. Outro objetivo deste trabalho foi realizar uma simulação do processo de diminuição de acidez do estômago, utilizando hidróxido de alumínio pre sente em tais medicamentos.

materiais e reagentes Na Tabela 1 encontra-se a relação com os materiais e reagentes empregados para a realização do experimento, sufi cientes para 10 grupos com 4 alunos em média.

Medidas básicas de segurança Os reagentes devem ser cuidadosamente ma nipulados, então, recomenda-se que, se possível, os alunos utilizem jaleco (podendo ser o

descartável, principalmente pelo baixo custo), calça comprida, luvas descartáveis, cabelos presos e sapato fechado. O preparo das soluções deve ser realizado em lugar arejado e local espaçoso. Deve-se ressaltar que por razões de segurança, as soluções de HCl 2,0 mol.L-1, NaOH 2,0 mol.L-1 devem ser preparadas pelo professor. A solução de alizarina 0,1% pode ser preparada a partir de uma solução de alizarol 0,2% em álcool 70%. Esta solução pode ser adquirida, a preço reduzido, no comércio especializado em produtos agrícolas ou mesmo pela internet. Caso seja feita a opção pela realização do experimento pelos próprios alunos, é recomendável que o professor solicite a ajuda de um auxiliar na supervisão dos procedimentos. Se não for possível seguir estas recomendações, sugere-se ao professor trabalhar o experimento na forma de demonstração. Recomenda-se que seja produzido 1L de solução de HCl 2,0 mol.L-1 e 500 mL da solução de NaOH 2,0 mol.L-1. Depois de feito o experimento, os resíduos podem ser neutralizados e descartados na pia. A solução de HCl pode ser neutralizada com NaHCO3 e a de NaOH pode ser neutralizada com ácido acético (vinagre). A solução indicadora de repolho roxo pode ser descartada na pia, pois apresenta pH próximo de 7. A seguir são apresentados os procedimentos A, B, C e D que, a critério do professor, poderão ser realizados com a participação ativa dos alunos ou na forma de demonstração.

Tabela 1. Materiais e reagentes empregados e suas respectivas quantidades. Material

Quantidade

Seringa de 10 mL ou proveta

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Seringa de 25 mL ou proveta

10

Indicador Alizarina (alizarol 0,2% em álcool 70%)

1g

Tubo de ensaio grande (15 cm) ou tubo para análise de sangue.

20

Almofariz e pistilo ou pilão

1

Conta-gotas

10

1 Proveta de 50 mL

1

Comprimidos de Al(OH)3

40

Al(OH)3 em suspensão Repolho roxo Bicarbonato de sódio

5 mL 1 120g

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Preparo da solução de repolho roxo Solução indicadora do repolho roxo Em um béquer adicione 300 mL de água. Em seguida, coloque pedaços pequenos de uma folha do repolho roxo e aqueça com um bico de bunsen ou uma lamparina. Quando o volume de solução for reduzido até pela metade, interrompa o aquecimento e fi ltre a mistura. A solução indicadora obtida deve ser armazenada em geladeira até o momento em que for utilizada, preferencialmente por meio de um conta-gotas (GEPEQ, 1995).

Procedimento experimental para o Al(OH)3 em comprimido Coloque 2 comprimidos do hidróxido de alumí nio no almofariz e os macere com o pistilo até homogeneizar a amostra. Transfi ra o macerado para um béquer de 50 mL e adicione 20 mL da solução de HCl 2,0 mol.L-1. Agite com um bastão de vidro por 5 minutos até homogeneizar. Filtre a solução com o auxílio de um papel de fi ltro (ou de um fi ltro para café) e recolha o fi ltrado em um béquer de 50 mL. O resíduo pode ser desprezado. Com o auxílio de uma seringa, coloque 5 mL do fi ltrado em um tubo de ensaio e goteje 5 mL da solução de NaOH 2,0 mol.L-1. Observe a formação de um precipitado branco com aspecto coloidal. Por fi m, adicione com auxílio de um conta-gotas 20 gotas do indicador alizarina 0,1% e observe uma formação da laca vermelha brilhante, indicando a presença de íons de alumínio no antiácido.

Procedimento experimental para o medicamento hidróxido de alumínio em suspensão Agite o frasco que contém o antiácido para homogeneizar a mistura formada pelo excipiente e hidróxido de alumínio em suspensão. Em seguida, transfi ra 2 mL da mistura para um tubo de ensaio e adicione 5 mL de solução de HCl 2,0 mol.L-1 a este mesmo tubo. Observe a dissolução do precipitado. Com uma seringa, goteje 5 mL da solução de NaOH

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2,0 mol.L-1. Observe a formação de um precipitado branco de aspecto coloidal. Por fi m, com um conta-gotas, adicione 20 gotas do indicador alizarina 0,1% e observe o surgimento de uma coloração vermelha laca brilhante, indicativa da presença de alumínio na dispersão coloidal.

Procedimento experimental para a simulação do combate à acidez estomacal Nesta etapa utilize dois béqueres de 50 mL, colocando em cada um deles 20 mL de solução de HCl 2,0 mol.L-1. Em seguida adicione 5 mL da solução indicadora de repolho roxo ao ácido contido nos béqueres e coloque dois comprimidos de hidróxido de alumínio já macerados em um deles para promover a reação de neutralização entre o ácido e a base. O outro béquer, contendo apenas a mistura de ácido e a solução indicadora de repolho roxo é utilizado como referência de pH. Por fi m compare a coloração das duas soluções. O professor pode, opcionalmente, adicionar no fi nal do experimento, 10 mL da solução de HCl à solução que contém o Al(OH)3 formado, com a fi nalidade de explorar o fenômeno de deslocamento de equilíbrio.

Resultados e discussão Um estudo sobre a presença de íons de alumínio em medicamentos pode provocar em sala de aula uma refl exão sobre as diferentes formas em que este elemento está presente no cotidiano e sua função na composição de antiácidos. A importância de consumir medicamentos apenas com prescrição médica e a abordagem destes temas pode proporcionar uma situação de ensino favorável para a ocorrência de aprendizagem signifi cativa. O professor pode iniciar a aula pedindo que alunos analisem e discutam a composição dos medicamentos antiácidos, com hidróxido de alumí nio em sua composição, por meio de seus respectivos rótulos e bulas e, então, levá -los à identifi ção do hidróxido de alumínio como princí-


Experimento para Identificação de Íon Alumínio em Antiácidos Comerciais...

pio ativo de tais medicamentos. Além disso, pode-se ressaltar a importância de se observar a quantidade de hidróxido de alumínio presente em diferentes formulações farmacêuticas, pois é comum encontrar grandezas e concentrações diferentes dentre as opções de medicamentos com mesmo princípio ativo. A partir disto, o professor pode aproveitar possíveis observações dos alunos para levantar os seus conhecimentos prévios, abordando a ação do medicamento no organismo e, sobretudo, a importância do íon de alumínio na composição química do medicamento. A comparação de preço em função da quantidade de princípio ativo nos diferentes medi­camentos pode também alertar os alunos para a necessidade de desenvolver hábitos mais conscientes de consumo. Esta é uma discussão que implica em conhecimentos interdisciplinares, inclusive abordando a questão da influência do pH na manutenção da vida, e que permite desenvolver um olhar mais amplo sobre a importância das inter‑relações entre os conceitos químicos e aqueles próprios de outras áreas do conhecimento. Para a realização das atividades experi­ mentais aqui propostas, foi necessário triturar os comprimidos com o auxílio do almofariz e pistilo, com o objetivo de elevar a superfície de contato e, consequentemente, tornar a reação mais rápida. No caso do hidróxido de alumínio em suspensão, apenas agitou-se o frasco antes de iniciar o experimento, com o objetivo de homogeneizar a mistura formada pelo princípio ativo e seu excipiente. A adição do ácido clorídrico no sólido triturado e na substância coloidal faz com que ocorra a reação de neutralização da base hidróxido de alumínio e, consequentemente, a formação do sal cloreto de alumínio e água. A Equação 1 descreve reação de neutralização do ácido.

Al (OH)3(s) + 3HCl(aq) → AlCl3(susp) + 3H2O(aq)

(eq. 1)

Esta reação pode ser discutida como uma simulação do que ocorre no estômago, quando o antiácido é ingerido. É possível também trabalhar o conceito de pH e sua importância para o organis­

mo. Este tema envolve interdisciplinaridade e implicações sociais destes fenômenos no dia a dia do aluno. A filtração é realizada com o objetivo de eliminar os resíduos do medicamento não solubi­ lizados pelo ácido. O professor pode, neste momento, discutir a importância da filtração no processo de separação de misturas. A Equação 2 descreve a formação de íons Al3+:

AlCl3(aq) → Al3+(aq) + 3 Cl-(aq) (eq. 2)

A presença de Al3+ é identificada pela forma­ ção de um precipitado gelatinoso de cor opaca esbranquiçada (Al(OH)3) quando se adicionam pequenas quantidades de solução de NaOH, conforme a equação III. O Al(OH)3 pode ser solubilizado, novamente, com a adição de HCl, devido à sua característica anfótera (ver Equação 4) e depois reprecipitado com a adição de pequenas gotas de NaOH (ver Equação 3). Caso íons OH- sejam adicionados em excesso, o precipitado será solubilizado por meio da formação do íon [Al(OH)4]-, conforme a equação V. Esta reação pode ser, também, revertida, com nova formação de precipitado, se ácido for adicionado ao meio reacional (Russel, 1994; Baccan et al., 1997).

Al3+(aq) + 3OH-(aq) → Al(OH)3(susp)

(eq. 3)

Al(OH)3(susp) + 3H+(aq) → Al3+(aq) + 3 H2O(l)

(eq. 4)

Al(OH)3(susp) + OH-(aq) → [Al(OH)4]- (aq)

(eq. 5)

Neste caso, por meio da mediação do professor, o aluno pode construir o conhecimento sobre substâncias anfóteras e suas características, equilíbrio químico, soluções aquosas e reações de precipitação. O indicador alizarina, mostrado na figura 1, também confirma a presença de hidróxido de alumínio por meio da formação de uma laca de coloração vermelha brilhante (Feigl, 1954; Sandell, 1959; Baccan et al., 1997). Neste caso, ocorre uma interação entre o gel hidróxido de alumínio REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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e as moléculas de alizarina formando uma laca (substância resinosa). A alizarina forma esta laca vermelha somente em contato com o íon alumínio, principalmente na sua forma de Al(OH)3 (Feigl, 1954; Sandell, 1959; Baccan et al., 1997).

Curriculares Nacionais (Brasil, 1998). Recomendase que o professor promova discussões considerando os níveis de conhecimento químico e permita que os alunos manifestem livremente o que sabem sobre o uso de antiácido. É possível também promover discussões que abrangem aspectos sociais e econômicos por meio das relações com conceitos químicos, com a possibilidade de promover refl exões nos estudantes que os tornem mais críticos e participativos na sociedade.

Figura 1. Estrutura da alizarina (1,2 – dihidróxi - 9,10- antracenodiona).

Neste momento do experimento o professor pode discutir os conceitos químicos sobre composto orgânico, adsorção química e história da química envolvida com o tema alizarina. Além disso, por meio da simulação da acidez excessiva no estômago, e sua neutralização por meio do antiácido, é possível promover uma discussão interessante sobre a alteração do pH no meio. O pH inicial da solução era de aproximadamente 2 e após a adição do antiácido foi alterado para aproximadamente 4. Pode-se fazer uma escala de pH, como mostrado na Figura 2, para facilitar a comparação das soluções nos dois instantes, antes e depois da adição do antiácido. O professor pode discutir ainda questões relacionadas ao conceito de equilíbrio químico e adicionar novamente ácido ao béquer que contém o antiácido como uma atividade complementar.

REFERêNCIAS AULTON, M. E. Delineamento de formas farmacêuticas: fi siologia do trato gastrintestinal. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. BACCAN, N. et al. Introdução a Semimicroanálise Qualitativa: Alumínio. 7ª ed. Campinas: Unicamp, 1997. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Ministério da Educação; Secretaria de Educação Média e Tecnológica; Brasília; 1998. FEIGL, F. Spot test, Inorganic applications. Trad.: Raphe Oesper. Vol. I. Elsevier publishing Company, 1954. GEPEQ. Extrato de repolho roxo como indicador universal de pH. Química Nova na Escola, n. 1, p. 32-33, maio 1995. LARINI, L. Fármacos & Medicamentos: fármacos neutralizantes da secreção ácida. Porto Alegre: Artmed, 2008. PEREIRA, F. R. A investigação da qualidade do leite como ferramenta de estímulo no aprendizado de conceitos físico-químicos no ensino médio. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Química). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008. Disponível em: <http://www.cecimig.fae.ufmg. br/>. Acesso em: 05 jan. 2010, 09:00:00. PURVES, W. K. et al. Vida, a Ciência da Biologia: digestão. 6ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. RANG, H. P. et al. Farmacologia: trato gastrintestinal. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

Figura 2. Escala de pH. a) solução de HCl 2,0 mol.L-1. b) solução de HCl 2,0 mol.L-1 após a adição do antiácido.

Considerações finais A realização deste experimento permite uma abordagem interdisciplinar, seguindo os Parâmetros

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RUSSEL, J. B. Equilíbrio Químico. Vol. 2. Makron Books, 1994. SANDELL, E. B. Colorimetric Determination of Traces of Metals. 3ª ed. 1959. SOUZA, A. T. Síntese e caracterização de complexos orgânicos com hidroxiestânicos com hidróxiantraquinonas. Dissertação (Mestrado em Química). Universidade de Brasília, Brasília. 2007.


Artigo 03 | Volume 04 | Número 02 | Jul./Dez. 2009

p. 21-30

Estudo do Desempenho dos Candidatos no Vestibular e a Relação dos Níveis Cognitivos das Questões de Química Study of the Acting of Candidates of the College Entrance Exam and the Relationship With the Cognitive Levels of the Subjects of Chemistry Fabiele Cristiane Dias Broietti

Professora Colaboradora da Universidade Estadual de Londrina E-mail: fabieledias@uol.com.br

Sônia Regina Giancoli Barreto

Professora Adjunto D E-mail: giancoli@uel.br

Resumo O objetivo deste trabalho foi analisar os níveis cognitivos das questões das provas específicas de química do vestibular da Universidade Estadual de Londrina, referentes aos anos de 2001 a 2009, seguindo a Taxonomia de Bloom e estabelecer uma relação com o desempenho dos candidatos. Nos vestibulares investigados houve predomínio de questões no nível de conhecimento e compreensão, demonstrando a intenção dos elaboradores em enfatizar questões relacionadas à memória, de fenômenos e informações, e um entendimento do significado das leis, da linguagem e dos processos químicos. Alguns vestibulares apresentaram cerca de 40% das questões de análise e síntese, buscando averiguar a capacidade dos candidatos de analisar e esquematizar saberes. O nível de aplicação variou até 30%, avaliando a capacidade em aplicar os conhecimentos em situações concretas. A avaliação apresentou-se com pouca frequência. A Análise das Componentes Principais mostrou que não há um padrão rígido com relação aos níveis cognitivos. Palavras-chave: vestibular, química, ensino, ACP. Abstract The objectives of this work were to analyze the cognitive level of chemistry questions in the Londrina State University entrance exam, from 2001 to 2009, following Bloom’s Taxonomy and to establish a relation with the students’ performance. In


the exams investigated there was a predominance of knowledge and comprehension questions, demonstrating the intention of the elaborators to emphasize questions related to memory retention, phenomenon and information, and an understanding of the meaning of laws, language and chemical processes. Some exams presented roughly 40% of analysis and synthesis questions, aiming to evaluate the candidates’ capacity to analyze and organize knowledge. The level of application varied up to 30%, evaluation the ability to apply knowledge in concrete situations. The evaluation, presented itself with little frequency. The Principal Component Analysis showed that there is not a rigid pattern with relation to the cognitive levels. Key-words: entrance exam, chemistry, teaching, PCA.

Introdução A química como disciplina escolar pode ser um instrumento de formação humana, meio de interpretar o mundo e intervir na realidade. Como forma pedagógica, há sugestões de que os conteúdos desta disciplina sejam desenvolvidos de maneira que o aluno reconheça e compreenda, de forma integrada e signifi cativa, tanto os processos químicos em si, quanto a construção de um conhecimento científi co em estreita relação com aplicações e implicações tecnológicas e ambientais (Brasil, 2006). Um ensino baseado nessas perspectivas, agre gado a adequações pedagógicas tais como contextualização e interdisciplinaridade, pode gerar uma sustentação ao conhecimento químico do estudante. Buscar uma aprendizagem de química, nesses moldes, acaba por facilitar o desenvolvimento de capacidades interpretativas, de análise de dados e argumentativas. A proposta apresentada para o ensino de Química nas OCEM – Orientações Curriculares para o Ensino Médio[1] se contrapõe à velha ênfase na memorização de informações, nomes, fórmulas e conhecimentos como fragmentos desligados da realidade dos alunos, ao contrário, pretende-se que o aluno reconheça e compreenda, de forma integrada e signifi cativa, as transformações químicas que ocorrem nos processos naturais e tecnológicos em diferentes contextos. Considerando a fi nalidade da Educação Básica em assegurar ao educando a formação indispensável para o exercício da cidadania, a base curricular nacional deve contemplar, além

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de conteúdos específi cos, a abordagem de temas sociais que propiciem ao aluno o desenvolvimento de atitudes e valores e a capacidade de tomada de decisões. Assim sendo, a contextualização no currículo da base comum constituir-se-á pela abordagem de temas sociais, associados a conteúdos químicos, que possibilitem a discussão de aspectos sociocientífi cos, por meio dos quais os alunos possam compreender o mundo social em que estão inseridos e desenvolver a capacidade de tomada de decisão. Em se tratando da avaliação da aprendizagem, esta pode ser tomada como um meio possível de verifi car e regular os processos de ensino e aprendizagem. Pode auxiliar a compreender esses processos e a multiplicidade de conhecimentos neles envolvida. Quando se estuda sobre o tema “avaliação”, muitas são as defi nições encontradas, o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Houaiss; Villar; Franco, 2001), traz a seguinte defi nição sobre avaliação: a verificação que objetiva determinar a competência, o progresso etc. de um profissional, aluno etc. Além dessa defi nição, é importante compreender o ponto de vista de alguns autores que tratam do assunto. Luckesi (1996) resgata o signifi cado do termo em questão: o termo avaliar, tem sua origem no latim, e provém da composição a-valere que quer dizer “dar valor a...”. Entretanto, o autor aponta que

o conceito de “avaliação” é formulado a partir de determinações da conduta de atribuir um valor a alguma coisa, que implica um posicionamento


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positivo ou negativo em relação ao objeto, ato ou curso de ação avaliado. Segundo o mesmo autor, a atual prática da avaliação escolar estipulou como função do ato de avaliar a classificação e não o diagnóstico, como deveria ser constitutivamente. Considerando a avaliação como um julgamento de valor sobre manifestações relevantes da realidade, tendo em vista uma tomada de decisão (Luckesi, 1996), o que se

entende é que este julgamento de valor, o qual teria a função de possibilitar uma nova tomada de decisão sobre o avaliado, passa a ter a função estática de classificar um objeto ou um ser humano histórico num padrão definitivamente determinado. Por outra perspectiva, a avaliação como investigação, pode ajudar a organizar o discurso e a ação pedagógica, pois ela pode se traduzir, para professores, em um processo formativo pelo qual se articulem dialeticamente reflexão e ação; teoria e prática; contexto escolar e contexto social e ação; ensino e aprendizagem; processo e produto; singularidade e multiplicidade; saber e não-saber; dilemas e perspectivas (Esteban, 2002).

Neste sentido e ainda de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio – DCNEM (Brasil, 1998), a avaliação no ensino de química deve ter um caráter processual e formativo, ocorrendo por intermédio de interações recíprocas, durante o decorrer da aula, levando em conta o conhecimento prévio do aluno e como ele supera suas concepções espontâneas. Servindo de redirecionamento aos pro­fes­sores, o processo avaliativo tem como finalidade também assegurar a qualidade do processo de ensi­no e aprendizagem. Buscando em outros documentos mais refe­ rências sobre a avaliação no ensino de química, temos, nas Orientações Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN+ (Brasil, 2002), que avaliar deve ser mais que apenas aferir ou definir sucesso e fracasso, significa acompanhar o processo de aprendizagem e os progressos de

cada aluno, percebendo dificuldades e procurando contorná-las ou superá-las continuamente. O vestibular utilizado como um instrumento de avaliação tem como característica classificar e selecionar os candidatos para o ingresso no ensino superior. O vestibular da UEL se enquadra nesses moldes. O Concurso Vestibular UEL (Normas do Vestibular, 2009) privilegia a abordagem contex­ tualizada e crítica dos conteúdos programáticos estu­ dados no Ensino Médio com os seguintes objetivos. Verificar o domínio do conhecimento exigido até o nível de complexidade do Ensino Médio, conforme o programa apresentado no Manual do Candidato; classificar candidatos com o perfil esperado pela Universidade e interagir com o ensino fundamental e médio contribuindo para o aprimoramento do ensino. Para atingir os objetivos estabelecidos, busca-se ainda enfatizar, na elaboração das questões, o debate de assuntos contemporâneos importantes para o desenvolvimento do país, interpretação de dados e fatos, organização das ideias, elaboração de hipóteses expressando com clareza sua opinião. Esse direcionamento visa atualizar o compromisso da Universidade com a formação de profissionais conscientes das tarefas necessárias à transformação das condições de vida e trabalho da comunidade em geral. Em tempos como os atuais em que práticas políticas distanciadas de um comportamento ético no cenário nacional agridem as expectativas das novas gerações, sobretudo no momento em que os indivíduos se veem compelidos a optar por um caminho profissional, nunca é demais valorizar a articulação dos conhecimentos adquiridos ao longo da vida escolar com os princípios fundadores da equidade social. Nesse sentido, é importante lembrar que as provas da UEL exploram o diálogo entre as várias disciplinas por meio de temas articuladores, procurando inserir os problemas sugeridos para a reflexão dos candidatos em situações vivenciadas no dia a dia.

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Fabiele Cristiane Dias Broietti e Sônia Regina Giancoli Barreto

As provas do processo seletivo são elaboradas de modo a permitir a avaliação e a adequação do candidato ao perfil de estudante esperado pela UEL, em relação à capacidade de: interpretar textos, dados e fatos; estabelecer relações, organizar suas ideias, elaborar hipóteses e expressar-se com clareza. O processo seletivo vestibular é constituído pelas seguintes provas: Conhecimentos Gerais; Língua Portuguesa e Literaturas Brasileira e Portuguesa, Língua Estrangeira e Redação; Conhecimentos Específicos (prova em que o estudo deste trabalho está direcionado) e Habilidade Específica. Na 1º fase, é aplicada a prova de Conhe­ cimentos Gerais, elaborada na perspectiva interdis­ ciplinar, com 60 questões de múltipla escolha das seguintes disciplinas do ensino médio: Artes, Biologia, Filosofia, Física, Geografia, História, Matemática, Química e Sociologia. O conteúdo da prova de Conhecimentos Gerais é o mesmo para todos os inscritos no processo seletivo. Após uma primeira classificação dos candi­ datos, estes vão para a 2º fase. Nesta, realizam, em um primeiro dia, as provas de Língua Portuguesa e Literaturas Brasileira e Portuguesa, Língua Estran­ geira e Redação, que estão organizadas da seguinte forma: • Redação elaborada a partir da escolha de uma entre 3 (três) possibilidades ofere­ cidas ao candidato; • 20 (vinte) questões de múltipla escolha com os conteúdos de Língua Portuguesa e Literaturas Brasileira e Portuguesa, segundo os programas apresentados no Manual do Candidato; • 10 (dez) questões de múltipla escolha de uma Língua Estrangeira, conforme a opção selecionada pelo candidato no ato da inscrição, entre os conteúdos progra­ máticos das áreas de Inglês, Francês e Espanhol, relacionados no Manual do Candidato. Por fim, é aplicada a prova de Conhe­cimen­ tos Específicos, nela, os candidatos serão avaliados

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em duas disciplinas, selecionadas pelos respectivos cursos de graduação, contendo 20 questões cada. Os cursos que fazem a prova específica de química são: Agronomia, Biomedicina, Ciências Biológicas, Educação Física – Bacharelado, Ciências do Esporte, Farmácia, Medicina, Medicina Veterinária, Odontologia, Química (Bacharelado e Licenciatura) e Zootecnia. A Taxonomia dos Objetivos Educacionais de Bloom (1976) e outros permitem estabelecer objetivos capazes de ultrapassar o mero nível de memorização e de possibilitar maior precisão e univocidade de linguagem. Um grupo de educadores, liderados por Benjamin Bloom, em 1948, assumiu a tarefa de classificar metas e objetivos educacionais, um sistema de classificação para os domínios cognitivo, afetivo e psicomotor. O trabalho no domínio cognitivo é dentre estes três, o mais frequentemente usado e foi concluído em 1956 e é normalmente referenciado como Blomm´s Taxonomy of the Cognitive Domain. A taxonomia dos Objetivos Educacionais de Bloom e outros descrevem, do mais simples ao mais complexo, seis níveis cognitivos, por meio dos quais os conteúdos ensinados podem ser aprendidos, abrangendo o domínio cognitivo e das capacidades e habilidades intelectuais (Dias, 2006). Os níveis são: conhecimento, que consiste em lembrar informações sobre fatos, datas, teorias, métodos, classificações, regras, critérios e procedimentos; compreensão, que corresponde ao entendimento de informações, ou seja, captar seu significado para utilizá-lo em contextos diferentes; aplicação, é o nível no qual se aplica o conhecimento em situações concretas; análise, neste nível busca-se identificar as partes e suas inter-relações; síntese é a combinação das partes não organizadas para formar um todo e avaliação, que tem como característica julgar o valor do conhecimento. Os processos caracterizados pela Taxonomia de Bloom (1976) devem representar resultados de aprendizagem, cada categoria taxonômica repre­ senta o que o indivíduo aprende. Os processos são


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cumulativos, uma categoria cognitiva depende da anterior e, por sua vez, dá suporte à seguinte, cada nível utiliza as capacidades adquiridas nos níveis anteriores. A extração de informações dos níveis cognitivos das questões dos vestibulares analisados envolveu algumas variáveis que podem ser interpretadas simultaneamente utilizando métodos estatísticos multivariados como a Análise das Componentes Principais (ACP). Estas têm sido de grande aplicação em áreas como física, matemática, geografi a e química, sendo no entanto pouco utilizadas no ensino de ciências. A ACP é uma técnica de análise multivariada baseada nas combinações lineares das variáveis originais. Um dos objetivos da utilização desta técnica é reduzir a representação dimensional dos dados, organizando-os em uma estrutura que facilita a visualização de todo o conjunto de dados. A ACP decompõe uma matriz de dados na qual as linhas são as amostras e as colunas as variáveis, em uma soma de n matrizes de posto igual a 1. O posto expressa o número de vetores linearmente independentes de uma matriz. As matrizes resultantes de posto 1 são produtos de vetores denominados escores que podem ser calculados por um ajuste de mínimos quadrados. As novas variáveis denominadas componentes principais (CP), explicam a maior parte da variância total contida nos dados e podem ser usadas para representá-los (Sena et al., 2000). Por exemplo, Godinho et al. (2006) aplicaram a ACP com o objetivo de classifi car as escolas do ensino médio da rede pública do estado de Goiás, considerando o tipo de cargo do professor e a subsecretaria, além desta infl uência nos resultados obtidos pelos alunos na prova de química no vestibular do ano de 2001 da Universidade Federal de Goiás. Para este trabalho, a ACP foi utilizada para discriminar os vestibulares dos anos de 2001 a 2009. Os parâmetros de discriminação utilizados nesta análise foram a classifi cação dos níveis cognitivos da Taxonomia de Bloom das questões

das provas de Química da 2° fase dos vestibulares e os anos. Este trabalho teve como objetivo analisar os níveis cognitivos das questões da prova específi ca de química do vestibular da Universidade Estadual de Londrina (UEL), nos anos de 2001 a 2009, segundo a Taxonomia de Bloom e estabelecer uma relação dos níveis cognitivos das questões com o desempenho dos candidatos que realizaram a prova específi ca.

metodologia Para a concretização deste estudo foram realizadas três etapas. A primeira etapa foi selecionar as provas específi cas de química do vestibular da UEL referentes aos anos de 2001 a 2009, resolvê-las para então analisá-las e classifi cá-las seguindo a taxonomia de Bloom. Esta etapa foi realizada individualmente, pelas autoras do trabalho, sendo posteriormente confrontados os dados entre elas. Em uma segunda etapa, utilizando dados de desempenho dos candidatos, disponíveis na página da COPS da UEL (Normas do Vestibular, 2009), foi comparado o desempenho dos candidatos de diferentes cursos que fazem a prova específi ca de química com relação aos níveis cognitivos das questões. Para fi nalizar, a terceira etapa consistiu em construir uma matriz que relaciona os anos investigados e os níveis cognitivos. Esta matriz foi utilizada no programa computacional TANAGRA (2005) para realizar a Análise das Componentes Principais na discriminação dos anos dos vestibulares segundo os níveis cognitivos e o respectivo círculo de correlação.

Resultados e discussão A Tabela 1 mostra as questões das provas específi cas de química dos vestibulares dos anos de 2001 a 2009 classifi cadas segundo os níveis cognitivos da Taxonomia de Bloom.

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Fabiele Cristiane Dias Broietti e Sônia Regina Giancoli Barreto Tabela 1. Identificação das questões de químicas das provas específicas dos vestibulares referentes aos anos de 2001 a 2009 da Universidade Estadual de Londrina de acordo com a taxonomia de Bloom. Ano

Conhecimento

Compreensão

Aplicação

Análise

Síntese

2001

1-2-3-8-10-11-17-18

4-7-12-16-20

9-13-15

5-14

6-19

2002

5-11-20

1-2-3-4-7-9-10-14-17

8-12-15-16-18-19

6-13

2003

6-10-12

1-11-14-17-18-19-20

2-5-7-13-15

3-4-8-9

16

2004

1-3

7-8-14-18-19-20

10-15-16-17

2-5-6-11-12-13

4-9

1-2-9-10-13-15-17-18-19-20

11-12-16

3-7-8

4-6-14

2006

6-9-18

2-3-4-7-10-11-12-13-15-16-20

17-19

1-5-14

8

2007

1-2-6-8

4-9-10-12-13-16-17-18-20

3-5-7-15-19

11-14

2008

7-13

2-3-5-9-11-15-16-18-19-20

17

1-4-14

6-8-15

10

2009

14-16

3-4-6-7-8-15-18-19-20

2-5-10-13-17

9-12

1-11

2005

A Figura 1 mostra a distribuição das porcen­ tagens de questões nos seis níveis cognitivos da Taxonomia de Bloom nas provas específicas de Química nos vestibulares dos anos de 2001 a 2009.

Figura 1. Porcentagem de questões nos níveis cognitivos da Taxonomia de Bloom nas provas específicas de Química nos vestibulares dos anos de 2001 a 2009.

Segundo análise da Figura 1, nos nove anos analisados, exceto no ano de 2001, na prova de Química do vestibular da 2º Fase da UEL, ocorreu predomínio das questões com nível cognitivo de compreensão. No ano de 2001, 40% das 20 questões, se classificaram no nível de conhecimento. Exceto no ano de 2004, nos demais vesti­ bulares investigados da UEL, a soma das porcen­ tagens de questões de química no nível de conhe­ cimento e no nível de compreensão foram iguais ou superiores a 50%, sendo que para o exame de 2006

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Avaliação

5

esta soma foi de 70%. Portanto é clara a intenção dos elaboradores do exame vestibular de química solicitar, dos candidatos, maior ênfase em questões relacionadas à evocação por recognição ou memória, de fenômenos, de ideias e de informação (nível de conhecimento) e demonstram a preocupação nestas provas de química em constatar se o candidato apresenta um entendimento do significado das leis, da linguagem, dos processos e dos procedimentos químicos (nível de compreensão). As questões nos níveis cognitivos de análise e síntese podem ser consideradas no mesmo patamar cognitivo, sendo que no nível de análise o candidato deve dividir a informação ou o conceito em partes visando um entendimento mais completo e, no nível cognitivo de síntese, o candidato precisa reunir ideias para formar algo novo. Os processos são cumulativos, um nível cognitivo depende do(s) anterior(es), portanto, questões nos níveis análise e síntese requerem do candidato uma aprendizagem superior às questões de conhecimento e compreensão. Os vestibulares de 2004, 2005, 2008 e 2009 apresentaram a soma de questões de análise e síntese variando de 30 a 40% e nos demais vestibulares analisados a faixa de questões nestes níveis, esteve entre 10 e 20%. Percebe-se com este resultado a preocupação dos elaboradores destes vestibulares de também averiguar nos candidatos a capacidade de analisar, calcular, construir, criar, compor, distinguir e esquematizar saberes que envolvam conhecimentos específicos.


Estudo do Desempenho dos Candidatos no Vestibular e a Relação dos Níveis Cognitivos...

Exceto no vestibular do ano de 2009, o nível cognitivo de aplicação esteve presente nas provas, variando desde 5 a 30% no número de questões. Este nível busca no candidato a sua capacidade em aplicar seus conhecimentos específicos da disciplina em situações concretas. Embora este nível cognitivo se enquadre acima dos níveis de conhecimento e compreensão, muitas vezes as questões a ele relacionadas se tornam simples de serem resolvidas devido à sua relação com o dia a dia, sendo esta situação uma outra preocupação dos elaboradores das provas. Já o último nível cognitivo, a avaliação, apresenta-se com pouca frequência, sendo detectado por nós apenas nos anos de 2005 e 2009. Este nível exige do candidato a capacidade de tomada de decisões, ele precisa julgar o valor do conhecimento, criticar e defender seu ponto de vista frente a situações-problema. Uma possível justificativa da baixa porcentagem de questões neste nível pode estar relacionada à dificuldade de se elaborar questões que cumpram este objetivo,

visto também que este nível ainda se encontra pouco trabalhado nas escolas do ensino médio. Dando sequência nas análises realizadas, foi feita uma comparação do desempenho dos candidatos de diferentes cursos que fazem a prova específica de química. A Tabela 2 mostra, respectivamente, as porcentagens de pontuações máximas e mínimas dos candidatos convocados para os cursos de agronomia, biomedicina, ciências biológicas, educação física (bacharelado), esporte, farmácia, medicina, medicina veterinária, odontologia, química (bacharelado), química (licenciatura) e zootecnia, nos vestibulares do ano de 2003 até 2009. Exceto no ano de 2003, a pontuação máxima dos candidatos que concorreram às vagas para o curso de medicina foi 100% e a pontuação mínima foi de 80% no ano de 2009. Isto evidencia que os candidatos para o curso de medicina, independente do nível cognitivo da prova, apresentam uma média de acerto das questões superior aos candidatos dos demais cursos.

Tabela 2. Porcentagem de pontuação máxima e mínima dos candidatos que foram convocados nos vestibulares nos anos de 2003 até 2009, da UEL, para ingressar nos cursos que exigem a prova específica de química. % de pontuação máxima e mínima da prova específica de química Ano de realização do vestibular Cursos

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Agronomia

60 50

95 35

85 30

90 50

90 65

100 35

65 20

Biomedicina

85 85

95 90

95 80

95 70

90 75

75 60

65 55

85 65 65 50 80 45 90 80 95 85 100 70 95 75 90 35 45 20 70 35

95 80 90 80 55 30 75 55 100 90 75 60 75 65 65 55 70 45 70 65

95 50 80 50 65 25 100 85 100 95 80 65 80 40 85 50 45 35 65 60

75 60 55 20 70 30 75 60 100 90 80 65 100 65 70 60 50 25 45 30

85 70 80 30 90 55 90 65 100 90 90 65 85 70 85 75 85 50 85 40

90 25 60 30 70 25 95 55 100 100 60 25 85 35 75 35 75 45 80 35

70 20 65 35 80 35 70 55 100 80 75 40 70 45 80 45 70 30 55 20

Ciências biológicas Educação Física (Bacharelado) Esporte Farmácia Medicina Medicina veterinária Odontologia Química (Bacharelado) Química Licenciatura Zootecnia Nota: Total de questões = 20. Fonte: www.cops.uel.br.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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Fabiele Cristiane Dias Broietti e Sônia Regina Giancoli Barreto Tabela 3. Média aritmética das porcentagens de pontuações máximas e mínimas dos candidatos convocados para os cursos nos vestibulares do ano de 2003 a 2009, com os respectivos desvios padrão e as porcentagens de pontuações máximas e mínimas para o vestibular do ano de 2009. Média aritmética e desvio padrão da pontuação máxima (2003 a 2008)

% de pontuação máxima (2009)

Média aritmética e desvio padrão da pontuação mínima (2003 a 2008)

% de pontuação mínima (2009)

Agronomia

87 ± 14

65

44 ± 13

20

Biomedicina

89 ± 8

65

77 ± 11

55

Ciências biológicas

88 ± 8

70

58 ± 19

20

Educação Física (Bacharelado)

72 ± 14

65

43 ± 22

35

Esporte

72 ± 12

80

35 ± 12

35

Farmácia

88 ± 10

70

67 ± 13

55

Medicina veterinária

81 ± 14

75

58 ± 17

40

Odontologia

87 ± 9

70

58 ± 17

45

Química (Bacharelado)

78 ± 10

80

52 ± 15

45

Química Licenciatura

62 ± 17

70

37 ± 12

30

Zootecnia

69 ± 14

55

44 ± 15

20

Em geral, verificamos que a maior diferença entre a pontuação máxima e mínima ocorreu nos vestibulares dos anos de 2008 e 2009. Esta informação corrobora com as análises já realizadas no que diz respeito à presença do maior número de questões envolvendo os níveis cognitivos mais altos. E que a menor diferença ficou atribuída ao ano de 2004, sendo este o ano em que houve uma distribuição mais uniforme das 20 questões entre os níveis cognitivos. Levando em consideração a constância do elevado desempenho dos candidatos ao curso de medicina, para as demais análises que foram realizadas decidimos por não utilizá-lo em nossas comparações com os demais cursos. A Tabela 3 mostra a média aritmética das porcentagens de pontuações máximas e mínimas dos candidatos convocados para os cursos nos vestibulares do ano de 2003 até 2008, com os respectivos desvios padrão e as porcentagens de pontuações máximas e mínimas para o vestibular do ano de 2009. Pode-se observar na Tabela 3 que somente os candidatos aos cursos de esporte, química bacha­ relado e licenciatura apresentaram uma porcen­

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tagem máxima de acerto em 2009, superior à média aritmética dos anos anteriores. Esta observação não ocorreu com a média aritmética da pontuação mínima quando comparada à porcentagem de pontuação mínima no ano de 2009, no entanto, ao se comparar a diferença entre o valor médio para a pontuação mínima e a pontuação mínima de 2009 verifica-se o menor valor, igual à 7% para os candidatos aos cursos de química contra, por exemplo 38, 24 e 22% para os cursos de ciências biológicas, agronomia e biomedicina, respectivamente. Além do descrito, a Figura 1 mostra que a prova do vestibular de 2009 foi a que apresentou o maior número de questões no nível cognitivo de avaliação (2 questões), a soma do número de questões nos níveis análise e síntese foram superiores aos demais vestibulares, exceto em 2004 e as questões de aplicação, análise, síntese e avaliação compreendem 45% da prova. Os relatos apresentados permitem deduzir que, prin­cipalmente os candidatos ao curso de química, sejam eles bacharéis ou licenciados, apresentaram melhor desempenho nas provas com questões que exigem um nível cognitivo além do conhecimento e compreensão. Isso pode estar associado a uma maior busca deles por conhecimentos específicos.


Estudo do Desempenho dos Candidatos no Vestibular e a Relação dos Níveis Cognitivos...

Figura 2. (A) Gráfi co dos escores das componentes ACP eixo1 e ACP eixo 3. As Componentes Principais 1 e 3 juntas explicaram 66% da variância total. (B) Círculo de correlação.

Para a discriminação das provas especí fi cas de química, foi utilizada a Análise das Componentes Principais (ACP). A Figura 2(a) mostra a discriminação das provas dos vestibulares de 2001 até 2009 com relação aos anos e a Figura 2(b) mostra a correlação entre os níveis e os anos (Figura 2A) realizados no programa computacional TANAGRA. No gráfi co dos escores das componentes principais 1 e 3 é possível observar a formação de dois grupos. O grupo com linha contínua, situado à direita do gráfi co, que contém os vestibulares dos anos de 2003, 2002 e 2007, foi discriminado na ACP eixo 1, dos demais vestibulares devido à quantidade de questões de aplicação (escore 0,4833) (Figura B) e o grupo pontilhado, à esquerda do gráfi co, que contém os vestibulares dos anos de 2009, 2008 e 2005, foi discriminado, também na ACP eixo 1, dos demais vestibulares devido à quantidade de questões de avaliação (escore -0,5185) e de síntese (escore -0,4367) (Figura B). A prova de química do vestibular do ano de 2001 foi discriminada das demais provas na ACP eixo 1 e na ACP eixo 3 (escore -0,5727) pela quantidade de questões no nível de conhecimento (Figura B) e o vestibular do ano de 2004, foi discriminado principalmente na ACP eixo 3, pela quantidade de questões no nível de análise (escore 0,6344) (Figura B). Os resultados das ACP mostram que os elaboradores não seguem um padrão rígido de prova com

relação aos níveis cognitivos, porém pela análise das questões percebemos a preocupação dos elaboradores na utilização dos diferentes níveis cognitivos, primando pela alta qualidade das provas.

Conclusão Partindo dos dados obtidos das análises e da classifi cação das questões das provas específi cas de química do vestibular da Universidade Estadual de Londrina, concluiu-se que não há um modelo de prova fi xo a ser seguido pelos elaboradores todos os anos, ocorrendo uma variação das questões dentro dos seis níveis cognitivos estabelecidos pela Taxonomia de Bloom. Ao se analisar o desempenho dos candidatos de vários cursos que realizaram a prova específi ca de química, notou-se a variação das porcentagens de acertos das questões de acordo com os níveis cognitivos exigidos dos candidatos em cada ano relacionado. De uma forma geral, quanto mais elevado o nível cognitivo exigido, menor o número de acertos. O curso de medicina foi o único curso que não apresentou essa relação, uma vez que independente do tipo de prova, a média de acerto dos alunos é muito próxima de 90%. A aplicação da ACP, pela combinação das variáveis, confi rmou a discriminação de uma prova específi ca de química da outra. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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Fabiele Cristiane Dias Broietti e Sônia Regina Giancoli Barreto

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Artigo 04 | Volume 04 | Número 02 | Jul./Dez. 2009

p. 31-42

O Uso de Visualizações no Ensino de Química: a formação inicial do professor de Química The Use of Visualizations in Chemistry Education: the inicial formation of the Chemistry Teacher Celeste Rodrigues Ferreira Faculdade de Educação – USP. E-mail: rsilva1111@yahoo.com

Agnaldo Arroio

Faculdade de Educação – USP. E-mail: agnaldoarroio@yahoo.com

Resumo O papel dos modelos e da visualização em ciência e no ensino da ciência e, em especial na química, tem ganhado importância teórica e prática ao longo da última década. Vários estudos apontam que o uso destas ferramentas visuais em sala de aula aumenta a eficácia da aprendizagem. Torna-se, então, imperativo que os professores escolham com grande rigor que representações visuais irão usar na sala de aula, porque se o impacto na aprendizagem é maior, também o risco de introduzir concepções erradas aumenta se a escolha não for adequada. Para que isso aconteça, o professor precisa conhecer de que forma os alunos interpretam as imagens, que capacidades de visualização devem ser desenvolvidas, ou seja, o que se passa em termos cognitivos durante estas aprendizagens apoiadas fortemente no uso de modelos e na visualização. Neste contexto, é fundamental conhecer de que forma os professores concebem o uso destas ferramentas no ensino de Química. Neste trabalho apresentamos um estudo qualitativo efetuado a uma turma de alunos (n=24) de licenciatura em Química da USP, aplicando um questionário com o objetivo de identificar as suas concepções nesta área. Das suas respostas podemos inferir que os seus conhecimentos são superficiais e por vezes até errôneos. É apresentada uma discussão sobre a contribuição da formação inicial para a resolução dessa problemática. Palavras-chave: modelos; visualizações; formação de professores Abstract Models and visualization’s role in science and science education, especially in chemistry, has grow up during the last decade. Chemistry involves the interpretation


of matter’s observables changes (e. g. color changes or gas’ release) on the macroscopic level in terms of imperceptive changes on the submicroscopic level. These changes are represented in a symbolic and abstract way using symbols, equations, graphics, etc. With the purpose of making these representations accessible to the students, teachers are using visualizations more frequently. Several studies indicate that the use of these tools in classroom increase the learning effi cacy. So, it is imperative that teachers choose with good accuracy, which representations they are going to use in classroom, if the learning impact is bigger, so is the risk of misconceptions if the image’s choice is inappropriate. In order to make this happens, the teacher needs to know in what way students make the perception of images, what visual capabilities must be developed, and what is going on in cognitive terms during this apprenticeship strongly supported in models and visualizations. In this context, is very important to discuss what education must teachers have to teach in this new scenario, where the learning is frequently mediated by visualizations. In this work, we present a qualitative study done to a class (n=24) of pre-service chemistry teachers from USP, applying a questionnaire with the purpose to identify theirs conceptions on this issue. From their answers we can say that their conceptions are superfi cial and sometimes even became misconceptions. A discussion about the contribution of teacher’s education to this issue is presented. Key-words: Models; Visualizations; Teacher’s instruction.

o uso da visualização no ensino de Química: breve panorama A Química é uma ciência cujos objetos de conhecimento se situam em dois planos distintos, o plano do perceptível e observável, a dimensão macroscópica, e o plano do imperceptível ao olho humano, a dimensão submicroscópica. Quer numa dimensão quer na outra, o homem tem construído diversas ferramentas que lhe permitem elaborar signi fi cados nesta ciência. A busca incessante por correlacionar as variáveis, propriedades e com portamentos do sistema macroscópico com as variáveis, propriedades e comportamento do sistema sub microscópico tem sido alvo do trabalho dos quími cos ao longo dos tempos. A linguagem verbal (escrita e oral) começou por ser a forma mais usual de representar, comunicar e resolver os primeiros problemas desta ciência, mas à medida que o conhecimento evoluiu, tornou-se necessário, ao homem, associar outros tipos de linguagem, novas formas de representar, por vezes com o objetivo de as tornar mais próximas da “realidade”. À medida que a teoria corpuscular da matéria se desenvolveu, a busca por novas formas de

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representar as partículas, os processos e os conceitos que povoam esta teoria também tem evoluído. Esta dimensão representacional de substâncias, partí culas, transformações, suas propriedades e comportamentos é constituída por símbolos, fórmulas, equações químicas, expressões algébricas, gráfi cos, números, palavras, gestos e imagens. O desenvolvimento acelerado das tecnologias de informação, acompanhado de vários estudos empíricos e teóricos na área da teoria cognitiva em visualização para promover a aprendizagem de ciências, tem permitido a criação de diversas ferramentas visuais (modelos concretos 3d, imagens virtuais 2d e 3d, estáticas e dinâmicas, simulações, animações, softwares interativos etc.) que são postas ao dispor dos professores que, muitas vezes, não têm formação necessária nesta área para poderem escolher a melhor metodologia. Quais as representações visuais seriam mais adequadas para usar na sala de aula? Considerando que o impacto na aprendizagem é maior de acordo com pesquisas recentes também deveriamos considerar o risco de introduzir concepções erradas, se a escolha não for adequada. Assim, assistimos nas últimas décadas à publicação de numerosos trabalhos nesta área


O Uso de Visualizações no Ensino de Química

(McGrew, 1972; Roberts; Traynham, 1976; Chapman, 1978). Estes davam-nos instruções para a construção e uso de kits de modelos concretos de moléculas. A sua utilidade foi rapidamente investigada e, assim, encontramos trabalhos (Goodstein; Howe, 1978; Yamana, 1989) que referem que, em virtude de estes modelos concretos poderem ser fisicamente manipuláveis, eles eram eficazes no ensino de estruturas moleculares. O aumento da capacidade de memória dos computadores pessoais permitiu, na década de noventa, o desenvolvimento de softwares simples que permitiam a construção de modelos virtuais 2d e 3d. Estes trabalhos (Hyde et al., 1995; Ealy, 1999) apontavam igualmente para o seu potencial em ensino de química, baseados em pesquisas que simultaneamente eram produzidas por cientistas cognitivos e outros (Johnstone, 1993) que tentavam demonstrar porque os alunos tinham tanta dificuldade em aprender com os currículos tradicionais, baseados na transmissão de conhecimentos pelo professor e em que se tentava ensinar “como as transformações químicas acontecem”, esperando que os alunos por eles próprios fossem capazes de compreender os conceitos e os processos que estão subjacentes as estas transformações, partindo muitas vezes de descrições verbais, pouco ou não adequadamente ilustradas. Barnea (1997) refere que estudantes do ensino médio que estudaram estrutura mole­ cular e as suas relações com as propriedades macroscópicas, com o auxílio de modelos virtuais, obtiveram melhores aprendizagens no conceito de “modelo” e conseguiram explicar mais fenômenos com a ajuda de vários tipos de modelos do que os alunos de um grupo de controle. Com o contínuo desenvolvimento da informática, diversos softwares foram introduzidos na pesquisa e ensino de Química. Um dos mais populares foi o RasMol, desenvolvido por Roger Sayle na Universidade de Edimburgo, Reino Unido, em meados dos anos noventa. Este software foi atualizado e criada uma versão para o sistema operacional Windows chamada Raswin

que pode ser descarregado gratuitamente do seu site na Web. Canning e Cox (2001) relatam que 85 % dos alunos que usaram este programa aumentaram seu conhecimento acerca da estrutura natural de moléculas biológicas e do papel das interações não covalentes na estrutura das proteínas. Russell et al. (1997) desenvolveram o programa ‘4M:CHEM’®, em que representações macroscópicas (fotos e vídeos), representações submicroscópicas (animações) e representações simbólicas são apresentadas sincronamente, numa tentativa de aumentar o ensino e a aprendizagem de conceitos químicos. Estes autores referem que estudantes universitários apresentaram melhores resultados em pós-testes após o uso do seu material educacional. Wu, Krajcik e Soloway (2001) apresentaram uma nova ferramenta de visualização o ‘e-Chem’®. Este programa permite aos estudantes construírem modelos virtuais, observar simultaneamente múlti­ plas representações e avaliar a sua utilidade. Os resultados mostram que esta ferramenta de visuali­ zação em combinação com modelos concretos de bolas e bastão permitiu a estudantes do ensino médio desenvolverem um melhor conhecimento visual e conceitual das representações químicas. Estes autores referem ainda que o ‘e-Chem’ aumentou a habilidade dos alunos conseguirem transitar de representações 3d para 2d. Existem outros programas disponíveis cujas características diferem um pouco destes, mas cujo objetivo principal é aumentar o conhecimento conceitual em Química. Paralelamente aos estudos apresentados por estes autores, existem muitos outros que pas­ sam, por exemplo, por comparar os diversos tipos de ferramentas de visualização, na tentativa de encontrar as mais eficazes na aprendizagem dos alunos. Na maioria dos estudos, é referido que o uso de vários tipos de visualizações torna a aprendizagem mais eficaz, uma vez que os alunos que usaram estas ferramentas apresentaram melhores resultados em testes de retenção quando comparados com outros alunos. Um destes estudos é o de Dori e Barak (2001), que basearam a sua pesquisa na ideia que REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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Celeste Rodrigues Ferreira e Agnaldo Arroio

tanto modelos concretos 3d como modelos virtuais teriam vantagens e desvantagens. Os autores relatam que estudantes do ensino médio do seu grupo experimental, onde foi usada uma combinação de vários tipos de representação, alcançaram uma melhor compreensão do conceito de ‘modelo’ e apresentaram mais facilidade em defi nir e implementar novos conceitos adquiridos, tais como isomeria e grupo funcional. O seu grupo experimental de alunos apresentou igualmente melhores capacidades para transformar representações 2d em 3d e vice-versa. Eles recomendam a incorporação tanto de modelos 3d concretos como virtuais no ensino/ aprendizagem de química para criar a percepção de modelo e compreensão molecular espacial. Outros autores focaram as suas pesquisas nas operações mentais envolvidas na manipulação das representações (Seddon; Eniaiyuju, 1986; Seddon; Shubber, 1985; Tukey; Selvaratnam, 1991) e, de forma geral, relatam que estudantes do ensino médio alcançaram mais sucesso ao resolver tarefas que envolviam a rotação mental de representações 2d quando eram ensinados com ferramentas visuais (vídeos e outros) que demonstravam as rotações. Estes estudos têm causado impacto na comunidade de ensino de Química, em que a necessidade e a proliferação de ferramentas visuais associadas ao uso de tecnologias é muito elevada, como já referido. Professores e educadores, nos seus respectivos contextos, estabelecem uma série de objetivos de aprendizagem para os seus alunos, que podem ou não ser atingidos por estes. Numa tentativa de serem bem-sucedidos, estes professores e educadores recorrem, então, cada vez mais, ao uso de ferramentas de visualização. Verifi camos também que emergem pesquisas elaboradas por cientistas cognitivos (psicólogos e outros) que reforçam a importância do uso da visualização na aprendizagem destes conceitos abstratos e que, simultaneamente, tentam explicar que processos cognitivos estão presentes nestas apren dizagens fortemente apoiadas em visualizações. Este recurso cada vez mais frequente à utilização da visualização por educadores no ensino

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REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

química tem feito emergir um campo de pesquisa nesta área, que busca responder a algumas questões de natureza epistemológica, ontológica, cognitiva e metodológica. Por que usar visualizações? Qual a natureza das imagens que encontramos em livros, artigos e comunicações? Quais as características dessas imagens? De que forma o seu uso infl uencia a aprendizagem dos alunos? Como introduzir estas ferramentas visuais na sala de aula de Química? Que formação devem ter os professores para utilizarem adequadamente estas ferramentas no processo de ensino/aprendizagem de Química? Que habilidades espaciais os alunos devem possuir para poderem usar estas ferramentas visuais? Como avaliar o impacto destas ferramentas? Estas são algumas das questões que encontramos com frequência na literatura. Se é, então, possível conceber que a linguagem visual é de fundamental importância na elaboração conceitual em Química e que, tal como a linguagem verbal, seu papel não é o de meramente comunicar ideias, e se pretendemos incorporar essas propostas em nosso cotidiano na sala de aula e em nossas discussões com outros professores e com futuros professores, é fundamental que conheçamos como estes concebem esta linguagem e as ferramentas associadas e como percebem seu papel na elaboração conceitual em sala de aula. Este é o problema central desta pesquisa.

A formação inicial do professor de Química O uso sistemático destas ferramentas veio alterar a dinâmica da sala de aula, ou seja, as estruturas típicas das interações em sala de aula que correspondiam às tríades IRF (iniciação – resposta – feedback) (Mehan, 1979; Cazden, 2001) consideradas como tradicionais, dão origem a outro de tipo de interações. A sequência do discurso é agora distinta de uma lição tradicional. Nestes novos cenários de ensino, orientados por uma perspectiva construtivista do conhecimento, no qual, muitas vezes, a produção de representações é determinada


O Uso de Visualizações no Ensino de Química

diretamente pelas ações do aluno, a multiplicidade de propósitos que estes aplicativos oferecem, desde a seleção de textos, construção de gráficos, escolha e construção de determinada imagem, servem simultaneamente para estruturar ações externas e internas do pensamento do aluno. Estas “caixas de ferramentas” (Crook, 1992) mudaram o ensino de Química. As atividades organizadas pelos professores com recurso a estas ferramentas alteraram a forma como os alunos aprendem. É bastante provável que o uso conjugado entre o plano dos fenômenos e a interface computacional gráfica, transforme o processo de generalização mas, no entanto, fica a questão como é que estas interfaces influenciam a forma como o aluno observa o fenômeno? A introdução na sala de aula de atividades de ensino mediadas por estas ferramentas é da responsabilidade do professor que, também de acordo com Wells (1999), deve ter o papel de facilitar o processo, ou seja, de ajudar o aprendiz a compreender o significado da atividade como um todo e indicar quais as ações e artefatos que podem mediar sua atuação, enquanto toma responsabilidade pela organização da estrutura, de envolver o apren­ diz o máximo possível, providenciando ajuda e orientação nas partes da atividade que ele não consiga ainda realizar por si próprio. Uma questão que emerge neste contexto é: será que a formação inicial e continuada dos professores tem preparado professores sensibilizados para estas novas práticas de ensino apoiadas fortemente em ferramentas visuais? A nossa suposição é que não. Aparentemen­ te, ainda temos licenciados em Química que, na sua formação, não obtiveram qualquer preparação para introduzirem convenientemente estas práticas em sala de aula, além do que, muitas vezes, a falta de recursos e tempo acaba por se tornar um obstáculo incontornável para o uso destas ferramentas. Considerando igualmente as especificidades destas ferramentas, tememos que, nos seus cursos de formação inicial, estes profes­sores muitas vezes não sejam apetrechados convenientemente da noção

que estes objetos moleculares são repre­sentações imagéticas da entidade molecular e podem ser definidos como uma analogia do que supomos ocorrer no plano submicroscópico da maté­ria e não um retrato da realidade. Estas questões epistemológicas e ontológicas sobre estas representações são muitas vezes “omitidas” dos cursos de formação inicial e conti­nuada de professores, dando lugar a professores que fazem transposições cegas e irrefletidas de deter­ minadas práticas de ensino para a sua sala de aula, com graves prejuízos para a aprendizagem dos alunos. De acordo com Giordan: Estamos certos que é possível articular fundamentos epistemológicos da Química, como a especificidade da representação estrutural, com a organização das ativi­ dades de ensino na direção de superar visões eivadas pela memorização ou pelo experimento ingênuo. Para tanto é necessário focar a atenção na estru­ turação de atividades pelas quais as for­ mações discursivas abriguem elementos representacionais das realidades macros­ cópicas e submicroscópicas, de modo que os estudantes dominem estes elementos para elaborar significados na fronteira destas realidades (Giordan, 2008, p. 181).

Parece-nos que muitos professores não têm a concepção que a sala de aula deve ser, então, um lugar onde existem atividades organizadas para ensinar ciências com uma disposição temporal coerente, e em que se verifique o entrecruzamento das narrativas produzidas por professores e alunos com as narrativas produzidas por agentes externos (por ex. representação imagética). Destacando-se a necessidade de o professor ser capaz de conceber uma narrativa sequencial com várias atividades e com várias ferramentas, mas mantendo sempre um alto grau de referencialidade entre esses meios, ou seja, tem de haver coerência entre o que é dito no texto escrito, nos esquemas, nas equações e na locução oral. Na literatura encontram-se alguns trabalhos recentes, que têm como foco o uso de visualizações no ensino de química e a formação de professores. Dori e Barnea (1997) discutem o efeito de um curso de formação continuada de professores REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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na introdução da tecnologia computacional, baseadas, na atitude dos professores e, na forma de implementação destes recursos na sala de aula. Estes pesquisadores referem que, o uso de computadores no ensino de ciências apresenta várias vantagens, especialmente no ensino de Química, dado que, permite a visualização de modelos do mundo submicroscópico da Química. De acordo com os resultados (quantitativos e qualitativos) obtidos neste estudo, os autores relatam que o curso de formação com um módulo sobre polímeros modificou a atitude dos professores face ao uso desse tipo de recurso. Os autores mencionam um aumento na preparação e na confiança dos professores para usar estes meios. É referido igualmente que só os professores que participaram desta formação é que incorporaram nas suas aulas o módulo sobre polímeros, o que por si só, é um indicativo das dificuldades cognitivas e técnicas que os professores apresentam ao tentarem implementar estas novas tecnologias na sala de aula. Num estudo posterior, estes mesmos autores (Barnea; Dori, 2000) investigaram como professores e alunos do ensino superior que estiveram envolvidos num programa especial, percebem a natureza e a função dos modelos, usando um questionário de percepção de modelos. Para estes autores, a percepção que os professores têm acerca dos modelos é muito importante, dado que, se os professores não possuem um correto conhecimento da natureza e do papel dos modelos nas ciências, dificilmente serão capazes de os incorporar apropriadamente no seu ensino. Nesta pesquisa, 24 professores em formação continuada e em formação inicial participaram de uma oficina de 14 horas acerca de modelos, tendo sido avaliada a percepção dos modelos por meio de um questionário de modelos. Este questionário foi também aplicado a dois grupos de alunos do ensino superior (um de controle, outro experimental), que estudaram ligações químicas e estruturas. Os autores verificaram que os professores do grupo experimental que participaram na oficina enfatizaram o conceito

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de modelo, usando vários tipos de modelos, incluindo modelagem molecular computadorizada, enquanto os professores do grupo de controle ensi­naram este tópico da forma tradicional, sem a ajuda do computador e sem enfatizar o conceito de modelo. Os autores referem, igualmente, que, de forma geral, a formação (oficina) melhorou vários aspectos da percepção de modelos e que este fato pode ser confirmado pela significante diferença obtida entre o grupo experimental (ensino mediado por modelagem molecular computadorizada) e o grupo de controle (ensino tradicional) dos alunos do ensino superior. Estes autores concluem afirmando que a formação foi importante, porque permitiu aos professores expandir as suas noções iniciais sobre modelos, e por isso, mais tempo deve ser investido na formação continuada e inicial de professores nesta temática, em particular no ensino de Química. Na literatura, encontramos outro estudo (Galagovsky; Giacomo; Castelo, 2009) dentro desta temática em que se analisam as explicações verbais e gráficas elaboradas por docentes no ensino de forças intermoleculares. As autoras concluem que é possível considerar a complexidade da linguagem dos especialistas como fonte de obstáculos episte­ mológicos na comunicação entre alunos e docentes. Este trabalho apresenta uma investigação levada a cabo com um grupo de professores do ensino médio e universitário durante uma oficina, em que estes tinham de expressar modelos explicativos submicroscópicos sobre fenômenos macroscópicos de solubilidade, insolubilidade e formação de uma emulsão com água, óleo e azeite. O objetivo desta oficina era levar os participantes a refletirem sobre a dificuldade de construir modelos explicativos sobre forças intermoleculares, acrescida das complicações derivadas da expressão gráfica de tais modelos. Neste trabalho, também se propõe uma distinção ontológica entre os conceitos de “modelo mental”, “modelo explícito” e “desenho”. A análise dos resultados obtidos durante a oficina, assim como do levantamento de infor­ mações gráficas contidas em livros-texto sobre este tema, permitiu a estas autoras pôr em evidência


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que, no caso das forças intermoleculares, existe uma ambiguidade entre a simbologia existente nos desenhos de textos científi cos e a complexidade conceitual das descrições verbais acompanhantes. Acrescentam, ainda que, estes resultados lhes permitem defi nir os “desenhos” como a parte gráfi ca que representa, em forma simplifi cada e concreta, alguns conceitos abstratos e complexos de qualquer modelo científi co. Os “modelos explícitos” são informações criadas por peritos, provêm de seus modelos mentais explicativos, e são parte dos recursos

ensino (Galagovsky; Adúriz-Bravo, 2001; Galagovsky; Bekerman, 2008).

Por fi m, estas autoras, citando Perales López e Romero Barriga (2005), assinalam que a alfabetização visual é crucial na compreensão e retenção de imagens, além de que nós professores e os autores dos livros tendemos a pensar equivocadamente que a interpretação das imagens depende de habilidades intuitivas, inseridas de forma natural nos sistemas de processamento visual.

didáticos (Galagovsky; Giacomo; Castelo, 2009, p. 17),

para estas autoras os modelos mentais serão: Um modelo que está na mente do sujeito (seja este um cientista ou um professor), um ‘modelo mental perito’ quando com fins comunicacionais, este modelo é explicitado, transforma-se num conjunto de explicações que se expressam complementarmente em diferentes linguagens: aparece então o “modelo explícito” (Galagovsky; Giacomo; Castelo, 2009, p. 15).

No fi nal do trabalho, as autoras deixam várias considerações didáticas das quais nós destacamos duas que consideramos pertinentes para a natureza deste trabalho (Galagovsky; Giacomo; Castelo, 2009, p. 19): a) Nós docentes construímos nossos próprios modelos mentais a partir dos modelos científicos explícitos que encontramos em livros universitários. Com a finalidade de ensinar, modificamos, simplificamos e, mediante transposições didáticas produzimos, modelos de ‘ciência escolar’, para apresentá-los na aula. Estes também são explícitos e constituem uma parte fundamental da informação que se apresenta aos alunos. b) Os alunos, por sua vez, constroem os seus próprios ‘modelos mentais idiossincráticos em função da informação que recebem de professores, textos e das suas próprias características cognitivas. Estes modelos mentais idiossincráticos constroem-se baseados em conhecimentos prévios e podem estar embasados no ‘senso comum, outorgando significados cotidianos a palavras e desenhos provenientes do

metodologia Esta pesquisa está estruturada no referencial metodológico de pesquisa qualitativa, sendo assim, foram aplicados questionários a professores em formação inicial de uma turma de Metodologia de Ensino de Química II do curso de licenciatura em Química da USP (2º semestre/2009), com o objetivo de identifi car as concepções/representações dos mesmos e, simultaneamente, qual a contribuição do curso de formação inicial para a utilização destas ferramentas na sala de aula. O questionário aplicado aos alunos, encontra-se no item Resultados, a seguir. O questionário foi respondido anonimamente por 24 alunos, com um histórico acadêmico bastante diferenciado, mas o mais relevante é que 16 alunos já tinham experiência como professores e 8 nunca tinham lecionado. Aos alunos que não tinham experiência como professores foi pedido que indicassem esse aspecto e que respon dessem ao questionário como alunos. O questionário é composto por 17 questões de resposta aberta, que abordam alguns dos con ceitos teóricos relacionados com o tema, a expe riência com o uso de visualizações, como aluno ou como professor e, ainda, acerca da contribuição do curso de formação inicial para o ensino de Química fortemente apoiado no uso destas ferramentas de visualização. Em seguida, para cada questão indicaremos quais as respostas mais relevantes para discussão. A partir destes dados foi feita uma análise das respostas. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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Resultados Em relação à primeira questão do questionário: “Nas suas aulas recorre a utilização de visualizações no ensino de química?”. Como já foi referido, 8 alunos indicaram não terem experiência como professores, enquanto os outros 16 afi rmaram serem responsáveis, ou já terem sido, por lecionar aulas de química. Destes 16, só um aluno respondeu não usar qualquer tipo de ferramenta visual, todos os outros mencionaram a utilização destas ferramentas. Os outros 8 alunos afi rmaram que nas suas aulas de graduação os professores recorrem ao uso de visualizações. À segunda questão: “Se respondeu negativamente à questão anterior, indique por que motivo(s)”, como já referido só um aluno respondeu: “Devido à escassez de recursos da instituição para a qual trabalho”. Na terceira questão: “Se respondeu afi rmativamente à questão um, indique qual a frequência (raramente, frequente, muito frequente)”. Dos vinte e três alunos que reponderam afi rmativamente à questão um: três responderam raramente, treze responderam frequente e, sete responderam muito frequente. Em relação à quarta questão: “Em que tipo de conteúdo de química costuma recorrer a ferramentas visuais?”, as respostas são variadas, mas podemos salientar que: três alunos referiram o uso em todo o conteúdo, um aluno referiu a utilização em conteúdos relacionados com o cotidiano, outro aluno menciona gráfi cos e tabelas, no entanto, a maioria dos alunos refere a sua utilização em conteúdos que necessitam de abstração (elementos, modelos, modelos atômicos, mecânica quântica, orgânica, orbitais, estruturas, mecanismos, formação de ligações, reações etc.). Destacamos aqui também a resposta de um aluno que refere a sua utilização para: “Experimentos que não podem ser efetuados na sala de aula”. Na quinta questão: “Que tipo de ferramentas visuais costuma usar nas suas aulas (imagens estáticas, modelos, animações, simulações, vídeo, fi lmes etc.)?”, a maioria das respostas refere imagens

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estáticas, com alguns alunos especifi cando: gráfi cos e tabelas; temos também um número signifi cativo de respostas que incluem modelos (em alguns casos moleculares concretos) e também um número elevado de respostas que incluem animações e vídeos/fi lmes. As simulações são referidas com menor frequência. Destacamos igualmente a maioria dos alunos mencionarem o uso de diversas ferramentas de visualização. Em relação à sexta questão: “Por que motivo recorre ao uso de visualizações na sala de aula?”, uma larga maioria dos alunos respondeu para facilitar a compreensão e o aprendizado (alguns alunos especifi cam as estruturas 3d) de alguns conceitos de Química, também referenciando o aumentar a concentração, quebrar a monotonia, diversifi car, substituir as atividades práticas e ainda para ajudar os alunos a estabelecerem ligações com o cotidiano. Na sétima questão: “O que entende por visualização?”, a maioria dos alunos se referiu diretamente a ferramentas visuais, outros a expressões relacionadas: recursos audiovisuais, imagens, vídeos, fi guras, utilização de imagens etc. Raramente mencionam o processo de compreensão de imagens relacionado com o ato de visualizar. A oitava questão era: “Qual é a receptividade dos alunos às ferramentas visuais que introduz nas suas aulas?”. A maioria dos alunos respondeu simplesmente, “boa”. Alguns complementaram as respostas com: “Os alunos ficam mais atentos”, “... mostram mais interesse na aula”, “... torna o conteúdo mais atraente”. Só um dos alunos referiu indiferença. Em relação à nona questão: “Observa algum aumento no interesse dos alunos nas aulas em que utiliza ferramentas visuais? Se respondeu afi rmativamente, indique por que razão é que acha que isso acontece”. Os motivos apresentados com mais frequência foram: porque facilita a aprendizagem e a compreensão dos conceitos químicos e torna as aulas mais dinâmicas, diferentes do modo tradicional. Alguns alunos mencionaram outras opiniões: “Torna a matéria mais ‘real’”,


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“Sim, pois a vida destes alunos é cercada de recursos visuais, dos mais diversos”, “O movimento”. A décima questão era: “Você acha que os alunos precisam de alguma habilidade específica para aprender com a utilização de imagens?”. A esta questão a maioria dos alunos respondeu que não. Inclusivamente um aluno mencionou: “Ele necessitará de menos habilidade do que necessitaria em uma aula sem imagens, pois elas facilitam a aprendizagem”. Dois alunos responderam que dependeria do tipo de imagens usadas, e os restantes responderam afirmativamente, complementando as respostas com os seguintes comentários: “... têm de saber interligar os conceitos com imagens”, “... principalmente quando usam modelos”, “... é preciso entender que a imagem é uma representação”. Em relação à décima primeira questão: “A escolha das visualizações usadas na sala de aula é efetuada segundo algum(s) critério(s)? Em caso afirmativo, indique quais”, verificamos que alguns dos alunos não responderam à questão e outros responderam negativamente. A maioria respondeu afirmativamente e alguns dos critérios mencionados foram: “... a visualização deve estar adequada ao conteúdo”, “As imagens devem ser representativas”, “... as que forem mais interessantes”, “... devem ter coerência com o tema e ter precisão científica”, “... depende da aula e dos recursos e tempo”, “... devem ser exemplos clássicos”, “... julgamento e experiência do professor”. A décima segunda questão era: “O que é para você uma imagem?”. Um elevado número de alunos respondeu: representações visuais ou gráficas de algo; outros referiram: figuras, fotos, desenhos, algo no plano das ideias, algo diferente de texto, cópia ou modelo do real etc. Outros ainda mencionaram: “... forma de comunicação visual”, “... o que formamos a partir das visualizações”. À décima terceira questão: “Encontra alguma razão especial para o uso frequente de modelos no ensino de Química?”, a maioria dos alunos respondeu que é para facilitar a visualização de alguns conceitos abstratos, outros revelaram

que é para diversificar e dinamizar as aulas, outros para captar a atenção, facilitar a associação com o cotidiano. Um aluno referiu que era para: “Podermos tocar e mexer com as mãos”; outro aluno referiu que se esta ciência está repleta de modelos, eles também devem ser importantes para o ensino de Química. Em relação à décima quarta questão: “Já leu alguma literatura acerca do tema visualização? Qual?”. Nesta questão, dada a expressividade dos resultados, vamos quantificar as respostas: um aluno não respondeu, dezenove responderam que não e, os quatro restantes responderam afirmativamente, mas não se recordam do que leram. À décima quinta questão: “O que entende por capacidades de visualização?”. Nesta questão, a opinião mais frequente é que são capacidades para lidar, compreender, interpretar ou construir imagens. Um aluno respondeu que é: “... a habilidade para absorver o que é visto pela pessoa”; salientamos, também, que um elevado número de alunos não respondeu ou não soube responder à pergunta. Em relação à décima sexta questão: “Considera que a sua formação lhe permite ser sensível às problemáticas relacionadas com este tipo de ensino fortemente apoiado no uso do computador e em visualizações?” Uma pequena maioria dos alunos respondeu que sim, acrescentando que, no entanto, a abordagem deveria ser mais profunda; os restantes responderam que não e alguns referiram mesmo que nunca abordaram o assunto. A décima sétima questão era: “Durante a sua formação essa temática foi abordada? Você acredita que no caso específico do Ensino de Química essa temática seria fundamental no processo de ensino (para o professor) e aprendizagem (para o aluno)?”. De acordo com as respostas à questão anterior a maioria respondeu que sim, embora de uma forma superficial e esporádica, os restantes responderam que não e todos, à exceção de um aluno consideram esta temática importante e até fundamental, sem especificarem de que ponto de vista é que estavam a falar.

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Conclusões Do universo das respostas constatamos que, em momento algum, é associado o termo ‘visua lização’ ou ‘ferramentas visuais’ à teoria Sociocultural de Vygotsky, ou seja, como ferramenta de media ção, apesar de termos conhecimento de que esta abordagem foi introduzida no semestre anterior na disciplina de Metodologia do Ensino de Química I. Da mesma forma, o conceito de mediação desenvolvido por James Wertsch também não aparece nos vários discursos recolhidos e muito menos a noção de semiótica. O porquê destas constatações é algo sobre o qual teremos de refl etir. Analisando agora, as respostas do questionário, que tinha como objetivo, como já foi referido, resgatar concepções acerca do tema, frequência e tipo de uso destas ferramentas, assim como a contribuição da formação inicial para esta temática, verifi camos para esta amostra que estas ferramentas são populares e usadas com frequência. As mais usadas são as imagens estáticas 2d e modelos concretos, só depois as ferramentas virtuais, o que pode ser inicialmente explicado por serem as de mais fácil acesso, ou então se aprofundarmos um pouco por outra perspectiva, por serem aquelas que se sentem mais confortáveis em usar, ou seja, as que melhor “dominam” ou de que se “apropriaram”. Constatamos, igualmente, que estas ferramentas são mais usadas em conteúdos de Química que necessitam de abstração (elementos, modelos, modelos atômicos, mecânica quântica, orgânica, orbitais, estruturas, mecanismos, formação de ligações, reações etc.), o que já era esperado. Estas representações acabam por conferir uma certa noção de concretude às entidades abstratas, o que se tem mostrado essencial no ensino/aprendizagem de Química. As respostas à sexta questão também confi rmam de certa forma esta constatação, o uso de visualizações aparece mais uma vez associado à compreensão de conceitos químicos onde a tridimensionalidade das estruturas está presente. No entanto, para um número signifi cativo de alunos, o uso destas ferramentas serve para

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aumentar a concentração, quebrar a monotonia, ou diversifi car... Em relação às questões (sete, dez, onze, doze, treze e quinze) que abordavam as suas concepções teóricas, os alunos mostraram, em alguns casos lacunas no conhecimento segundo os referenciais teóricos apresentados e até concepções erradas (Ferreira; Arroio, 2009). Desse conjunto de respostas, ressaltamos, desde já, que alguns alunos apresentam a noção de que estas representações são cópias ou modelos do real e também verifi camos que alguns aparentam não distinguir os processos de obtenção de informação a partir de verbalizações e de visualizações. Salientamos, igualmente, que os alunos relacionam majoritariamente o termo ‘visualização’ à ferramenta visual e poucos o relacionam com a natureza do verbo (visualizar). Em relação às questões sobre o interesse dos alunos acerca das visualizações (oito e nove), a maioria respondeu que os alunos se mostravam interessados. Os motivos apresentados estão relacionados mais uma vez com a facilidade na compreensão dos entes químicos, aos desvios em relação ao modo tradicional das aulas e ao uso de ferramentas próximas do cotidiano dos alunos (computador, imagens etc.). Às questões que abordavam a questão da contribuição da formação inicial (dezasseis e dezassete), os alunos responderam, de forma geral, que estes tópicos foram abordados com pouca frequência e de uma forma muito superfi cial; atribuem importância a esta área, mas sentem-se pouco preparados para usarem estas ferramentas em sala de aula. Desta análise, podemos afi rmar que eles mostram falta de conhecimentos nesta área, quer do ponto de vista das teorias socioculturais que eles abordaram no semestre passado, quer do ponto de vista das teorias internalistas, não mostrando nesta área qualquer conhecimento acerca de habilidades de visualização, ou de desenvolvimento de competências metavisuais, ou sequer da necessidade de os alunos deverem conhecer códigos e convenções de representação. Também acreditamos


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que eles não veem a visualização como uma metodologia de ensino, mas como uma ferramenta de uso pontual para auxiliar a aprendizagem. Para confirmar e esclarecer algumas destas constatações teremos de continuar a analisar os dados recolhidos e alargar o tamanho da amostra. Apoiando-nos nestes estudos e de acordo com várias considerações tecidas ao longo deste trabalho, parece-nos muito pertinente a discussão acerca do crescente uso da visualização no ensino de Química e a necessária e complexa formação do professor, sem a qual, será improvável a adequada introdução destes meios mediacionais no ensino de Química.

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Relato 01 | Volume 04 | Número 02 | Jul./Dez. 2009

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A Periodicidade e a Ligação Química nos Compostos de Boro Abordadas em Nível de Pós-graduação The Periodicity and Chemical Bonding in Boron Compounds Studied in Post-graduate Level Adriano de Souza Reis, Renato Henriques de Souza, Samira Faria Câmara Sales, Sergio Lontra Vieira, Silmar José Spinardi Franchi, Rudi Vargas Solano, Sandra Cecília Bannwart, Eduardo Marques Meneghetti, Flavio Santos Freitas, Silvia Regina Grando, Carlos Richard Eduardo Matheus Lizárraga,Tomás Mazzo de Oliveira Campos, Ligia Giovanini, Sergio C. Moreno e Pedro Faria dos Santos Filho Instituto de Química - UNICAMP

Resumo A escassez de disciplinas de pós-graduação que preparem os futuros professores de nível superior para o bom desempenho de sua atividade docente, bem como para desenvolver a habilidade de produzir material didático, são discutidas neste trabalho. A periodicidade e a ligação química nos compostos de boro foram os temas escolhidos para serem tratados em uma disciplina deste tipo. Nesta primeira parte, discutimos como deve ser a abordagem da ligação química em compostos de boro e fazemos uma análise crítica da literatura, enfatizando os aspectos positivos e negativos de se explicar estes compostos por meio de argumentos que misturam vários modelos científicos. No final, apresentamos uma proposta de construção dos níveis de energia dos orbitais moleculares para a molécula de diborano e interpretamos as características desta molécula com um diagrama. Além disso, apresentamos um texto, produzido pelos alunos, que pode ser utilizado como material didático, direcionado ao nível superior, para explicar as características e a reatividade dos compostos de boro, muitas vezes rotulados como deficientes de elétrons. Palavras-chave: diborano; periodicidade; orbitais moleculares no diborano. Abstract The missing of post-graduation courses directed to the preparation of teachers for higher level education, as well as to the developing of the ability to write scientific texts are discussed in this article. The periodicity and chemical bonding in boron compounds were chosen as topics to be treated in a course of this kind. In this


fi rst part we discuss the chemical bonding in boron compounds and a critical analysis of the discussion on this topic that appeared in the literature is presented. The schematic energy levels diagram of diborane molecule is constructed and the chemical properties of this compound are explained on the basis of this diagram. Besides this we presented a text directed to undergraduate students, produced by the whole group of the students attending this discipline, to explain the characteristics and reactivity of boron compounds, sometimes called electron defi cient compounds. Key-words: diborane; periodicity; molecular orbitals of diborane.

Introdução Ao longo dos últimos anos, muitas disciplinas oferecidas nos programas de pós-graduação em química têm se tornado muito específi cas, atendendo uma clientela bastante restrita. Isto é uma consequência do intenso desenvolvimento alcançado pelos diversos ramos da química, que acaba exigindo a formação de profi ssionais cada vez mais especializados. Sob certos aspectos, esta constatação tem seu lado positivo. Entretanto, a preocupação com a formação mais geral e sólida em conceitos básicos, têm se tornado uma preocupação cada vez maior em, praticamente, todos os programas de pós-graduação. No caso específi co do Instituto de Química da UNICAMP, esta preocupação tem se acentuado sobremaneira, a ponto dos diversos departamentos, frequentemente, repensarem as disciplinas oferecidas no programa de pós-graduação. Na última reformulação das disciplinas oferecidas pelo Departamento de Química Inorgânica, do Instituto de Química da UNICAMP, sugeriu-se a criação de uma disciplina que enfocasse a periodicidade, ou a falta dela, tanto dos elementos quanto dos compostos destes elementos. A ideia é que se tratasse a periodicidade de uma maneira um pouco diferente daquela que, normalmente, se encontra nos livros didáticos; pretendia-se substituir a química inorgânica descritiva por aspectos mais ligados às propriedades dos compostos dos elementos dos vários períodos, seus aspectos estruturais e os tipos de ligação envolvidos. A partir, então, da comparação destes vários aspectos se avaliaria a periodicidade ou a falta dela, ao longo da tabela periódica dos elementos. A partir da aprovação desta proposta, a disciplina “Periodicidade” foi oferecida pela primeira

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vez no 2º semestre de 2007, para um grupo de 18 alunos matriculados no programa de pós-graduação. Além de contemplar os aspectos conceituais inerentes a esse assunto, imaginou-se que a disciplina também pudesse contribuir para a formação dos alunos, nos aspectos referentes à atividade docente, tanto para a atividade didática quanto na produção de material didático. Na verdade, existe uma grande difi culdade enfrentada pelos alunos que concluem o seu programa de pós-graduação. Esta difi culdade surge já nos concursos públicos para o ingresso no magistério superior onde, como parte do processo seletivo, os candidatos têm que ministrar uma aula em nível de graduação para a banca examinadora. Como os alunos não foram treinados, ao longo de seu programa de pósgraduação, para esta fi nalidade, eles encontram sérias difi culdades para superar este, que acaba sendo um grande obstáculo. Além disso, ao longo de sua atividade docente, a maioria dos professores não está acostumada a produzir material didático para seus alunos, limitando-se a indicar as mesmas bibliografi as já consagradas há muitos anos. Diante desta situação, e considerando estas difi culdades encontradas pelos alunos, é que nos propusemos a ministrar a disciplina Periodicidade, tentando suprir esta lacuna na formação de nossos alunos de pós-graduação.

A estratégia para a disciplina “periodicidade” A carga horária para a disciplina foi de 60 horas, distribuídas ao longo de 15 semanas, optando-se por encontros semanais de 4 horas de


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duração, e limitando-se o conteúdo programático da disciplina aos elementos representativos. A discussão de cada um dos grupos desta região da tabela periódica se iniciava com uma explanação do professor, efetuada em um nível de abordagem elevado, condizente com uma disciplina de pós-graduação. Esta apresentação durava cerca de 3 horas e era seguida de uma discussão com os alunos, onde se destacava os pontos mais importantes daquele conteúdo, as diferenças de abordagem daquele conteúdo oferecido para os níveis médio e superior, as aproximações e os modelos disponíveis para se discutir o mesmo conteúdo. Finalmente, comentava-se como todo aquele conteúdo poderia ser condensado e apresentado em uma aula com duração de 50 minutos, tal como se faz em um concurso público. Neste estágio da aula, em princípio, todos os alunos já teriam conhecimento do assunto abordado e de suas nuances, bem como daquilo que seria mais importante em uma apresentação de 50 minutos. Escolhia-se, então, uma dupla de alunos que era encarregada de produzir um material didático sobre o assunto discutido, bem como de preparar e apresentar uma aula no próximo encontro semanal. O material didático produzido era enviado, via internet, para todos os alunos da disciplina e para o professor em, no máximo, quatro dias. Este material era avaliado criticamente por todos os alunos e esta análise era enviada para o professor da disciplina em um prazo de até dois dias. No dia seguinte, que correspondia ao encontro semanal, a dupla designada apresentava a aula de 50 minutos, numa abordagem direcionada para o nível superior. Após a aula, a dupla de alunos era arguida por todos os alunos e pelo professor sobre o conteúdo apresentado. Além disso, existia ainda uma discussão sobre a qualidade do material didático apresentado pela dupla, quanto ao aspecto e conteúdo e nível de abordagem. Ao longo destas arguições e discussões, destacavam-se os aspectos positivos e negativos da aula apresentada, como poderiam ser melhorados, quais os comentários que fi caram faltando e quais poderiam ser omitidos por

alguma razão. Tudo isso era feito e conduzido pelo professor de uma forma construtiva, de modo que as pessoas envolvidas pudessem ter uma avaliação, ainda que de uma forma bem informal, de seu desempenho e da aceitação de seu trabalho pelos outros alunos. Observamos que esta exposição dos alunos a seus pares, ainda que incômoda nos primeiros encontros, acabava por contribuir para a melhoria de seu desempenho e servia para corrigir muitos equívocos tanto de conhecimento quanto de postura perante seus pares. Além disso, a avaliação do material produzido feita por todos os alunos era um ponto muito positivo, pois ajudava a desenvolver uma habilidade muito pouco praticada ao longo de todo o processo de formação dos alunos. Imaginamos que a progressão, com todos estes passos a que os alunos seriam submetidos, serviria para treinar e desenvolver as habilidades e competências necessárias para o bom desempenho da atividade docente, em uma instituição de ensino de nível superior.

o conteúdo e a abordagem proposta para cada grupo Apesar de tratar-se de uma disciplina em nível de pós-graduação, optamos por fazer algumas discussões que consideramos importantes, antes de iniciarmos a abordagem da periodicidade propriamente dita. A primeira delas se refere ao correto entendimento de modelos científi cos e suas implicações. Isto é muito importante porque as discussões acerca de periodicidade são muito amplas e abrangentes e se deve ter o devido cuidado para preservar a mesma linha de raciocínio e os mesmos argumentos nas comparações entre os elementos ou famílias. Isto é muito importante para que as comparações sejam pertinentes e tenham sentido. Em outras palavras, só podemos comparar aquilo que pode ser comparado, ou seja, não podemos comparar um gás com um metal, ou mesmo um composto molecular com outro REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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polimérico, como muitas vezes se faz nas discussões sobre a variação dos parâmetros atômicos ao longo da tabela periódica. Por isso, após as discussões sobre modelos científi cos, escolhemos um deles e avaliamos a natureza dos compostos formados a partir dos elementos ao longo da tabela periódica; percebemos que em um mesmo período, em um percurso da extrema esquerda até a extrema direita, os elementos formam compostos metálicos, poliméricos e/ou oligoméricos, moleculares poliatômicos, moleculares diatômicos, terminando com os átomos dos elementos na extrema direita. Esta análise preliminar permitiu identifi car as situações e as regiões onde as comparações são pertinentes. Ainda neste primeiro momento, percebemos a importância do parâmetro eletronegatividade, para a explicação da diferença na natureza destes compostos. Ainda que não se trate de um parâmetro defi nido nos átomos isolados, pode-se constatar que a diferença de eletronegatividade entre os átomos que participam das ligações pode explicar a natureza metálica, polimérica ou molecular dos compostos nos quais participam. Por tudo isso, e à luz do modelo de ligação de valência, dedicamos especial atenção à infl uência da diferença de eletronegatividade na natureza dos compostos formados. Em seguida, começamos a traçar uma estratégia para discutir os cinco grupos dos elementos representativos. Imaginamos que tínhamos que dar alguma contribuição para uma melhor abordagem deste assunto e, que não nos limitar a repetir o conteúdo já descrito e consolidado nos livros didáticos que vêm sendo utilizados há algum tempo. A premissa inicial era de que não trataríamos dos aspectos descritivos, ou seja, aqueles que qualquer estudante de pós-graduação pode, por iniciativa própria, ler e assimilar. Pretendíamos fugir do óbvio e não praticar a mesma abordagem sequencial, que inclui obtenção do elemento, regiões em que se encontra, propriedades físicas e, por fi m, a descrição de que tipo de composto este elemento forma com átomos de outros elementos químicos.

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Aliados a estes comentários anteriores, imaginamos que uma boa alternativa seria estender o estudo de ligação química, muito além daquele praticado ao longo do curso de graduação. Em outras palavras, poderíamos estender o estudo de ligação química utilizando os vários grupos dos elementos representativos, em especial, aqueles em que temos alguma particularidade que não seja abordada nos cursos de graduação e que sejam importantes na formação dos alunos, contribuindo para a ampliação do conhecimento químico. Além disso, seria importante, também, abordar aspectos estruturais de compostos menos familiares para alunos de graduação, bem como a reatividade dos compostos correspondentes dos vários grupos, discutida à luz dos conceitos de ligação química. A análise crítica da literatura mais utilizada na discussão de alguns assuntos também foi um compromisso assumido no início da disciplina. Consideramos que os alunos de pós-graduação devem adquirir a capacidade de comentar, criticamente, a literatura existente e apresentar o seu ponto de vista, enfatizando os pontos positivos e negativos de cada literatura avaliada. Isso é muito importante porque os alunos de pós-graduação de qualquer época representam a próxima geração de professores universitários, que será responsável pela condução da atividade didática de muitas instituições de ensino.

A abordagem do Grupo 13 Na maioria das universidades brasileiras, a abordagem do tópico ligações químicas é feita, normalmente, na disciplina de química geral ou, em muitos casos, em disciplinas de química inorgânica. Em qualquer um dos casos, esta abordagem limita-se às situações mais simples encontradas rotineiramente. Isto é muito razoável, pois a maioria dos alunos de graduação tem como destino o setor produtivo ou a atividade didática nos níveis fundamental e médio. Normalmente, a primeira análise acerca das ligações químicas em um composto molecular,


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é feita a partir de sua correspondente estrutura de Lewis. Nela se podem perceber as ligações existentes e se fazer uma análise, ainda que superfi cial, de seu caráter ácido ou básico, verifi car os ângulos entre as ligações e a existência ou não de pares de elétrons não compartilhados e sua localização na molécula. Por outro lado, para as moléculas nas quais não podemos escrever uma estrutura de Lewis adequada, este tipo de análise se torna impossível. Desta maneira, muitas moléculas que não podem ser interpretadas com estes argumentos simples, acabam fi cando sem serem abordadas e permanecem desconhecidas para a grande maioria dos profi ssionais de química. Entretanto, para aqueles que se dedicarão ao magistério superior, a extensão do conhecimento sobre ligação química, bem como a análise de moléculas para as quais não existe a correspondente estrutura de Lewis, é imprescindível. Dentre os compostos que se encaixam neste perfi l, podemos citar alguns organometálicos do grupo principal, bem como compostos de boro e alumínio. A opção por compostos de boro pareceu bastante adequada para se atingir os propósitos de uma disciplina de pós-graduação com as características que pretendíamos. Esta constatação fi cará evidente a partir da discussão a seguir.

um pouco da literatura recente Existem pelo menos dois livros que são utilizados na maioria das universidades como literatura para disciplinas de química inorgânica, e que podem ser facilmente encontrados em livrarias e bibliotecas. Em ambos temos uma boa discussão sobre compostos de boro, tanto com relação aos aspectos estruturais quanto àqueles que tratam da reatividade destes compostos. No prefácio da última edição do texto de Cotton et al. (1999) os autores chamam atenção para o fato de que, dentre as alterações introduzidas, um capítulo foi dedicado, exclusivamente, à química do boro. Além disso, apesar de toda a tradição e

respeito que estes autores desfrutam, eles não se consideravam à vontade para discorrer sobre este assunto e acreditaram que seria mais prudente que o capítulo sobre compostos de boro fosse escrito por um especialista na química deste elemento. Por outro lado, no texto de Huhhey e col. (1993), apesar de também fi gurarem outros autores, em relação às edições anteriores, a mesma estrutura foi mantida e, aqui também, o boro ocupa uma posição de destaque, não sendo discutido juntamente com os outros elementos de sua família na tabela periódica. De qualquer forma, em todos os livros em que se comenta algum aspecto sobre o boro, os autores são unânimes em afi rmar que o boro é um elemento com características únicas e que sempre representou um verdadeiro desafi o para os químicos, tanto os teóricos quanto os práticos ou sintéticos. Da mesma maneira que o carbono, o boro também tem a tendência de formar compostos covalentes, ligando-se a outros átomos de boro, formando compostos com uma variedade estrutural única para os derivados deste elemento. Por outro lado, diferentemente dos compostos de carbono, os compostos de boro com hidrogênio apresentam muitas características estruturais e de ligação muito particulares e distintas dos demais elementos. Esta talvez seja a característica mais marcante que justifi ca um tratamento separado dos demais elementos de seu grupo. Além disso, diferentemente dos outros elementos de sua família, que apresentam baixa energia de ionização e caráter metálico, o boro é um semicondutor encontrado na natureza associado ao oxigênio. Enquanto a maioria dos elementos da tabela periódica forma ligações covalentes que envolvem dois elétrons, que são atraídos simultaneamente por dois núcleos, o boro é capaz de formar ligações que podem ser interpretadas como multicêntricas em que, ao invés de apenas dois átomos, envolvem três ou mais átomos que se mantêm unidos pela atração simultânea por apenas um par de elétrons. Além disso, o boro é capaz de formar compostos do tipo BX3, nos quais ele apresenta apenas seis elétrons REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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mais externos, que podem ser adequadamente interpretados segundo os argumentos da teoria da ligação de valência. Estes comentários, além da descrição da grande variedade de aspectos estruturais dos compostos de boro, estão presentes em, praticamente, toda a literatura acadêmica que trata de compostos de boro. Ainda, todos são unânimes em afi rmar que muito de tudo isto é consequência do fato de que o boro apresenta mais orbitais de valência que elétrons de valência. Isto leva a uma situação que é conhecida na literatura como “defi ciência eletrônica dos compostos de boro”. Pelo que estamos percebendo até aqui, aparentemente, os argumentos da teoria da ligação de valência são muito utilizados na descrição dos compostos de boro. E é justamente sobre este aspecto que focalizaremos nossa atenção na discussão a seguir.

A interpretação da molécula de b2H6 – uma análise crítica da literatura No ensino/aprendizagem de química, sempre nos deparamos com um problema muito comum, que é o de tentar relacionar algo que estamos aprendendo com alguma coisa que já conhecemos ou aprendemos no passado. Se esta é uma tendência natural do ser humano, muitas vezes ela pode ser prejudicial. No caso específi co dos compostos de boro, o exemplo clássico é a molécula de diborano, B2H6, cuja estrutura é mostrada na Figura 1.

Figura 1. Arranjo estrutural na molécula de diborano.

Os dados de difração de elétrons e cristalografi a de raio X indicam que nesta molécula o arranjo ao redor dos átomos de boro é tetraédrico,

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com o plano que contém os dois fragmentos B-H-B perpendicular ao plano que contém os dois fragmentos BH2. A primeira ideia que surge, naturalmente, é interpretar a molécula utilizando -se os argumentos da teoria da ligação de valência, localizando um par de elétrons entre cada par de átomos que aparece na estrutura mostrada na Figura 1. Como o arranjo ao redor dos dois átomos de boro é tetraédrico, assumese, ainda que erroneamente, uma hibridização do tipo sp3 a estes átomos. Cada uma das ligações seria, então, formada a partir da interação entre um orbital híbrido sp3 do boro e um orbital s de cada um dos átomos de hidrogênio, de maneira semelhante àquilo que se faz na molécula de etano. Entretanto, um olhar mais cuidadoso leva à constatação de que não existem elétrons sufi cientes nesta molécula para atender a esta interpretação, pois ali seriam necessários 16 elétrons, em vez dos doze elétrons de valência que se tem a partir de dois átomos de boro e seis de hidrogênio. Como, do ponto de vista termodinâmico, o diborano é um composto estável, surgiu a ideia de que os compostos de boro seriam defi cientes de elétrons, se comparados aos compostos de carbono. Ressalte-se que a ideia de defi ciência eletrônica estaria atrelada à difi culdade de se escrever a estrutura de Lewis para os compostos de boro, da mesma maneira que se faz para os compostos de carbono. O que ocorreu foi que, ao longo do tempo, com a determinação do arranjo estrutural desta molécula, associaram-se apenas dois elétrons a cada um dos fragmentos B-H-B, o que justifi cava a existência de apenas 12 elétrons para manter unido o conjunto de átomos presentes nesta molécula. Vencido este obstáculo na interpretação da molécula de diborano, fi cava a dúvida de como seria a interação entre os três átomos no fragmento B-H-B. Seguindo a mesma linha de argumentação, segundo o modelo da ligação de valência, sugeriu -se que neste fragmento deveria haver a interação de dois orbitais híbridos do tipo sp3, um de cada átomo de boro, com o orbital s do átomo de hidrogênio, formando uma ligação que se convencionou chamar de três centros (o boro, o hidrogênio e o outro átomo de boro) e apenas dois


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elétrons (ligação 3c, 2e). Apesar de razoável, este entendimento transcende os argumentos da teoria da ligação de valência, que tem sua essência no par de elétrons compartilhado por dois núcleos. O desconforto provocado por esta interpre­ tação foi superado por outra interpretação, também razoável, mas que apresenta algum inconveniente. Se o problema era o fragmento B-H-B, manteve­ ‑se a explicação da parte periférica da molécula, e tratou-se de reformular a interpretação do frag­ mento central da molécula. Em outras palavras, se manteve a hibridização sp3 dos átomos de boro e o arranjo tetraédrico ao redor dos mesmos e se reinterpretou a ligação B-H-B, agora segundo os argumentos da teoria do orbital molecular. A ligação entre estes três átomos seria for­ mada a partir da combinação linear de três orbitais atômicos, um sp3 de cada um dos átomos de boro e um s do átomo de hidrogênio. Como resultado desta combinação linear de três orbitais atômicos, teríamos a formação de três orbitais moleculares, um ligante, um não ligante e um antiligante. Como se tem apenas dois elétrons, apenas o orbital molecular ligante, de energia mais baixa, é que seria ocupado e que responderia pela união dos três átomos e pela estabilidade da molécula. É interessante notar que estes argumentos que se referem à TOM foram utilizados corretamente e não foram misturados ou confundidos com àqueles da TLV. Para reforçar esta ideia, alguns autores ainda insistiam em comparar o diborano ao etileno, uma vez que são isoeletrônicos. Nestes casos, afirmavam que as pontes B-H-B poderiam ser interpretadas como “ligações duplas que foram protonadas, permanecendo assim com o mesmo número de elétrons. Desta maneira, relacionando-se estes dois compostos, como apenas os orbitais ligantes é que são ocupados, não existe, de fato, deficiência eletrônica em nenhuma destas moléculas. As ideias expostas nos parágrafos anteriores são aquelas apresentadas nos livros que trazem alguma análise dos compostos de boro, independentemente de eles serem tratados separadamente ou não dos outros elementos da mesma família. Apesar de

representarem uma tentativa de se explicar a ligação nestes compostos mais simples de boro, cada uma delas apresenta algum inconveniente, mais ou menos sério em termos do aprendizado dos alunos. Quando dizemos que estes argumentos apresentam algum inconveniente, que pode ser mais ou menos sério, estamos nos referindo à pertinência ou não dos mesmos em relação ao restante das informações que são passadas aos alunos neste nível de formação. Normalmente, quando ensinamos ligação covalente, introduzimos dois modelos para a sua interpretação, que são a teoria da ligação de valência, TLV, e a teoria do orbital molecular, TOM. Em nossas explicações, insistimos junto aos alunos na diferenciação entre a linguagem e os argumentos pertinentes a cada um dos modelos e enfatizamos a importância na escolha do modelo mais adequado para determinada situação, lembrando sempre que a necessidade é que determina a escolha. Além disso, alertamos os alunos para não misturar os dois modelos e permanecerem sempre fiéis à escolha por um deles. Na comparação entre os dois modelos, ressaltamos, insistentemente, algumas considerações, dentre as quais podemos destacar: • Na teoria da ligação de valência, não existe orbital molecular; • Não existe modelo que leve em conta a combinação linear de orbitais híbridos para formar orbitais moleculares; • A teoria do orbital molecular não justifica o arranjo espacial da molécula; • O emprego dos argumentos de qualquer um dos modelos deve ser feito na totalidade da molécula e não apenas em parte dela; • Enquanto o modelo da ligação de valência tem na localização dos elétrons um de seus pilares, o modelo do orbital molecular prioriza a deslocalização eletrônica, que se propaga por todos os átomos que compõe a molécula, particu­ larmente nos orbitais moleculares de energia mais baixa; REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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• Não podemos analisar uma parte da molécula por meio de um modelo e outra parte da mesma molécula por outro modelo, pois além de não ser correto, cometemos um erro crasso, que é o de utilizar um mesmo orbital em mais de uma interação, sendo que se ele já foi utilizado em uma combinação, é óbvio que ele não está mais disponível para ser utilizado em outra! Felizmente, estas e outras considerações que enfatizamos junto a nossos alunos, também são compartilhadas pelos autores dos mais variados livros‑textos que são utilizados nos cursos de graduação. Por ocasião da análise de moléculas simples tais como CO, NO, CH4, NH3 e H2O, dentre outras que também são interpretadas sempre pelos dois modelos, a maioria dos autores também ressalta algumas destas considerações sobre as facilidades e limitações de cada um dos modelos. A grande diferença que existe entre estas moléculas que acabamos de citar, em relação aos boranos, é a dificuldade que surge na atribuição de uma estrutura de Lewis para estes últimos. E é evidente que se não existe uma estrutura de Lewis, não podemos aplicar a teoria da ligação de valência da mesma maneira que a aplicamos em outras moléculas e, assim sendo, não se pode apelar para argumentos que envolvam a existência de orbitais híbridos. O que podemos afirmar acerca destas explicações que aparecem nos livros é que, ao longo do tempo, foi se tentando adaptar algum modelo a um sistema que não se encaixava nele, ou que apresentava uma característica distinta ou muito particular. Na verdade, isto acontece muito frequentemente, nos mais variados assuntos. O que acontece normalmente, é que temos algum composto ou mesmo algum comportamento típico, sobre o qual se estabelece um conjunto de características gerais e para o qual se sugere alguma explicação ou se estabelece um conjunto de ideias. Em outras palavras, é para esse tipo de composto

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ou comportamento típico que se formula o modelo ou o conjunto de ideias. Considerando agora o nosso caso dos com­ postos de boro, como eles fogem daquelas carac­ terísticas típicas para as quais se formulou um modelo, independentemente de qual, fica claro que a aplicação deste modelo se tornará mais difícil e exigirá que seja adaptado ou modificado. O problema é que estas adaptações ou modificações no modelo, na maioria dos casos acabam indo contra as premissas sobre as quais o mesmo se baseia. Mesmo que a intenção tenha sido a melhor possível, e que se tenha tentado dar um entendimento adequado para os compostos de boro aos alunos de graduação, o que se fez ao longo do tempo foi misturar ideias de modelos distintos, criando-se uma linha de raciocínio que não se trata de um ou outro modelo, mas que não é permitida em nenhum deles. Esta ideia do parágrafo anterior pode ser comprovada analisando-se as explicações que aparecem nos livros, e levando-se em conta as seis considerações que fizemos anteriormente. Isto não deixa de ser um exercício bastante interessante e que também nos auxilia na aplicação dos dois modelos que mais utilizamos para interpretar os compostos covalentes. Senão vejamos: • Se na teoria da ligação de valência não existe orbital molecular, não podemos dizer que o orbital molecular ligante do fragmento B-H-B foi formado a partir de orbitais híbridos, que só existem segundo uma análise feita com o auxílio dos argumentos da TLV. • Se fizermos as combinações dos orbitais atômicos dos dois átomos de boro, que apresentam simetria adequada para se combinar com o orbital s do átomo de hidrogênio, estamos deixando entendido que as demais combinações dos outros orbitais atômicos dos dois átomos de boro também foram feitas. Se isto for verdadeiro, então não existem as ligações localizadas B-Ht. Isto torna inválidas as afirmações que aparecem nos livros de


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que na molécula de diborano as ligações B-Ht são localizadas. • Não se pode utilizar o argumento de que, como o arranjo ao redor de cada um dos átomos de boro é tetraédrico, então este átomo se encontra hibridizado. • Em todas as explicações descritas nos livros textos, a molécula de diborano apresenta uma região em que os elétrons estão localizados entre dois núcleos, enquanto que na outra região os elétrons estão deslocalizados entre três núcleos. Não haveria a possibilidade de os elétrons se deslocalizarem sobre um número maior de átomos? Se imaginarmos a combinação de todos os orbitais s de todos os átomos que compõe a molécula, não haveria pelo menos dois elétrons que seriam atraídos simultaneamente por todos os núcleos dos átomos que compõem a molécula? Aparentemente, sim! • Faz sentido, ou é academicamente correto, interpretar fragmentos de uma mesma molécula segundo modelos distintos? Estas e outras questões, ou constatações, nos indicam que a interpretação das ligações químicas nos diboranos requer uma reavaliação e uma readequação aos modelos que utilizamos rotineiramente. Isto é necessário para raciocinar e interpretar tanto as propriedades quanto a reatividade dos compostos covalentes, independentemente de sua natureza, sem perder de vista que os modelos que utilizamos continuam sendo a TLV e a TOM. Por outro lado, estendendo esta análise crítica da literatura utilizada nos cursos de graduação, constatamos que, com relação aos aspectos descritivos, tanto de propriedades físicas quanto químicas, os livros-textos são mais ou menos parecidos, não trazendo dúvidas de interpretação ou aplicação de conceitos para o leitor. Esta constatação nos induziu a pensar que, numa abordagem dos compostos de boro, os aspectos referentes às ligações químicas trariam uma contribuição muito

signifi cativa para os alunos e representaria uma boa alternativa em termos de novidade para uma disciplina em nível de pós-graduação.

A aula sobre Compostos de boro A aula sobre os compostos de boro se iniciou com comentários sobre a família deste elemento e as correspondentes nuances que os seus compostos apresentam. Ressaltou-se nesta introdução a necessidade de uma discussão mais detalhada desta família, em particular sobre os compostos de boro. Comentamos o ponto de vista manifestado no livro Advanced Inorganic Chemistry (Cotton, et al., 1999), quanto à impressão de que se deveria dedicar um capítulo específi co para discussão dos compostos de boro e discutimos a pertinência e a necessidade ou não desta conduta nesta disciplina. Como os alunos acharam que o conhecimento adquirido nas disciplinas de graduação sobre os compostos de boro era superfi cial, e os problemas envolvendo as ligações químicas presentes nestes compostos não haviam sido elucidados satisfatoriamente, optamos por dedicar um período de quatro horas para esta abordagem, lembrando sempre da estratégia da disciplina já mencionada anteriormente. Iniciamos a exposição deste conteúdo chamando a atenção dos alunos para as inconsistências que aparecem nos livros didáticos sobre a ligação química nestes compostos. Baseados nos argumentos já apresentados anteriormente, concordamos que as explicações acabavam usando um conjunto de argumentos que não se tratava de nenhum dos modelos específi cos utilizados para se discutir ligações químicas. Tornou-se então necessário fazer a opção por um modelo de ligação química e esta escolha recaiu sobre o modelo do orbital molecular. O próximo passo foi então imaginar uma estratégia para se aplicar este modelo à molécula de B2H6. Como o passo inicial para a aplicação da teoria do orbital molecular é o reconhecimento do arranjo espacial de todos os átomos que compõe a molécula, procuramos pela maneira mais adequada

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de se imaginar este arranjo. Como os dados da literatura mostram que o arranjo ao redor dos dois átomos de boro é tetraédrico e que o plano das quatro ligações B-Ht é ortogonal àquele das ligações B-H-B, optamos por utilizar o artifício a seguir, já consolidado na literatura como muito adequado para se imaginar o arranjo tetraédrico. A partir da forma geométrica de um cubo, podemos imaginar os seus oito vértices ligados a um ponto no centro do mesmo. Considerando-se, então, como ponto de partida, qualquer um dos vértices, se eliminarmos, de forma alternada, quatro dos oito vértices, ficaremos com os quatro vértices restantes ligados ao ponto central orientados para os vértices de uma figura geométrica que agora representa um tetraedro, como mostrado na Figura 2.

Figura 2. Representação do arranjo tetraédrico ao redor de um ponto situado no centro do cubo. Os quatro pontos destacados no cubo encontram-se em vértices alternados do mesmo.

Se imaginarmos agora que este cubo seja condensado a outro semelhante a ele, compartilhando uma de suas faces e os mesmos dois pontos que fazem parte do tetraedro no primeiro cubo, ficaremos com a forma geométrica mostrada na Figura 3. Nesta figura, se considerarmos agora que os pontos nos vértices de cada um dos cubos estejam ligados aos pontos no centro do mesmo cubo, teremos agora dois arranjos tetraédricos, sendo que cada um se encontra no interior de cada um dos cubos. Este artifício nos permite fazer a analogia de que cada um dos seis pontos coincide com a posição de um átomo de hidrogênio, enquanto que os pontos no centro de cada um dos cubos coincidem com a posição dos átomos de boro. Desta maneira, os quatro átomos de hidrogênio nas laterais da Figura 3 corresponderiam aos hidrogênios terminais enquanto que os dois átomos de hidrogênio na parte interior da figura corresponderiam aos outros dois átomos

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de hidrogênio, que se ligariam simultaneamente aos dois átomos de boro.

Figura 3. Figura geométrica obtida a partir de dois cubos condensados, que compartilham uma de suas faces.

Se ligarmos os pontos correspondentes a cada um dos átomos de boro aos quatro vizinhos mais próximos, preservando o mesmo arranjo espacial inicial, obtemos a organização espacial mostrada na Figura 4, que coincide com as posições dos átomos na molécula de diborano mostrada na Figura 1. Desta maneira, este artifício de se utilizar os cubos auxilia bastante na imaginação do arranjo estrutural desta molécula, ao mesmo tempo em que é muito útil para se imaginar as possíveis combinações entre os orbitais atômicos para formar os correspondentes orbitais moleculares, como veremos a seguir.

Figura 4. Disposição espacial de todos os átomos que compõem a molécula de diborano. As uniões entre os núcleos não representam ligações covalentes e foram utili­ zadas apenas para auxiliar a elucidar o arranjo espacial.

A partir da representação mostrada na Figura 4, solicitou-se aos alunos que imaginassem o conjunto de orbitais atômicos mais externos de cada um dos átomos de boro (2s e 2p) bem como as correspondentes combinações de orbitais 1s dos seis átomos de hidrogênio, que apresentassem os mesmos sinais algébricos dos orbitais atômicos dos átomos de boro. Isso é essencial para que se consiga determinar todas as combinações possíveis entre orbitais atômicos que levam à formação dos correspondentes orbitais moleculares. Agora se pode perceber, nitidamente, como o artifício da utilização


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dos cubos é importante e facilita sobremaneira a determinação de todas as combinações possíveis entre os orbitais atômicos. Esta tarefa foi passada aos alunos que, após algum tempo, e com o auxílio do professor, foram capazes de fazer suas sugestões. Considerando os argumentos da teoria do orbital molecular, os alunos não tiveram dificuldade em estabelecer que, como um mesmo orbital atômico de qualquer um dos átomos de hidrogênio pode se combinar com mais do que um orbital atômico dos átomos de boro, é necessário que se determine as combinações de orbitais atômicos dos átomos de hidrogênio, que participam de cada uma das combinações lineares. Como existem seis átomos de hidrogênio, são possíveis seis combinações dos orbitais atômicos 1s. Destas seis combinações, pode-se inferir de antemão que duas delas devem apresentar caráter predominantemente não ligante, uma vez que existem apenas quatro orbitais atômicos em cada um dos átomos de boro. Por outro lado, cada combinação de orbitais dos átomos de hidrogênio interage, simultaneamente, com um orbital atômico de cada átomo de boro; assim, a partir de cada combinação de orbitais atômicos do tipo (OA´sH ± OAB ± OAB) obtêm­‑se três orbitais moleculares sendo um ligante, um predominantemente não ligante e outro antiligante. Como cada átomo de boro apresenta quatro orbitais atômicos, será possível obter um total de doze orbitais moleculares, dos quais quatro serão ligantes, quatro antiligantes e quatro predominantemente não ligantes. Desta maneira, mesmo sem ainda termos feito o diagrama dos níveis de energia dos orbitais moleculares da molécula de diborano, já podemos afirmar que o mesmo será constituído por quatro orbitais moleculares ligantes, quatro antiligantes e seis predominantemente não ligantes. Como na molécula temos um total de 12 elétrons para serem distribuídos nestes orbitais, podemos adiantar que todos os orbitais moleculares ligantes estarão ocupados, bem como dois dos orbitais moleculares não ligantes. Como a molécula de diborano é diamagnética, podemos usar esta informação para afirmar que, dos seis orbitais moleculares predominantemente não ligantes, dois

(os que são ocupados) devem ter energia mais baixa que o conjunto dos outros quatro. Este conjunto de informações obtido na discussão entre os alunos, e com a interferência do professor, permite que se proponha um diagrama dos níveis de energia dos orbitais moleculares para a molécula de diborano e que se interprete as ligações existentes na mesma a partir deste modelo. Com isso, segue-se ao longo de todo o percurso apenas o modelo do orbital molecular, interpretando-se a molécula de uma forma global, sem fragmentá-la e sem interpretar cada uma de suas partes por meio de um conjunto de ideias diferente. Assim, conseguiu-se evitar todos os inconvenientes detectados nos livros didáticos e se evitou uma distorção no conhecimento passado aos alunos. Após toda esta discussão e do exercício de se reconhecer todas as combinações possíveis entre os orbitais atômicos, o próximo passo seria verificar a habilidade dos alunos de produzir um material que contemplasse esta discussão e pudesse servir de apoio para a explicação da natureza da ligação química nos compostos de boro. Pensando nisso, todo o grupo de alunos discutiu os aspectos que deveriam ser contemplados neste material escrito e dois alunos foram incumbidos de produzi-lo. Estes alunos teriam um prazo de uma semana para produzir este material e preparar uma aula de 50 minutos sobre este assunto, em nível de graduação. O material produzido deveria contemplar toda esta discussão, desde uma justificativa para se fazer esta abordagem, passando por uma análise da literatura, até o esclarecimento da natureza da ligação química em compostos de boro. Por outro lado, a aula de 50 minutos deveria servir como uma eventual preparação para concursos públicos e, assim sendo, deveria ser concisa e esclarecedora sem, entretanto, omitir detalhes importantes para o entendimento deste assunto. Isto permitiria avaliar a capacidade dos alunos de selecionar os pontos mais importantes para serem abordados. E como após a aula haveria um período de perguntas e esclarecimento de eventuais dúvidas de todo o grupo de alunos, aqueles que prepararam o material deveriam estar bem preparados e seguros do mesmo. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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o material proposto pelos alunos

as discussões que se seguiram à proposta inicial. Desta maneira, ele representa a contribuição não

O material apresentado a seguir é fruto da

somente da dupla de alunos, mas também de toda

proposta da dupla de alunos, com os comentários

a turma, que contribuiu, sobremaneira, para que

de todos os outros alunos e do professor, após todas

tivesse este formato.

COMPOSTOS DEFICIENTES DE ELÉTRONS: QUAL O MELHOR MODELO PARA INTERPRETÁ-LOS? Introdução A necessidade por uma teoria atômica para interpretar um fenômeno químico já havia sido destacada por Lewis, em 1916, em uma discussão sobre a polaridade das moléculas. Lewis representava os átomos do segundo período da tabela periódica por cubos, sendo que em cada um dos vértices se alojava um elétron. Em sua teoria original, ele considerava os elementos da tabela formando cubos concêntricos e, através destas figuras, expressou a idéia de ligação química entre átomos ou, como afirmou neste mesmo artigo, a união química através de símbolos. Lewis utilizava um artifício interessante em que, através da figura de um cubo, mostrava a formação de uma ligação química entre dois átomos, envolvendo o emparelhamento dos elétrons presentes nos vértices desses cubos. Ainda que se limitasse ao segundo período da tabela periódica, onde a tendência do octeto vale como regra, conseguiu explicar a estabilidade de alguns compostos e a diferença de polaridade entre algumas espécies. Neste mesmo texto, relacionou ainda esse caráter polar de alguns compostos com a possibilidade de apresentarem cores em determinadas situações. Estas idéias indicam que Lewis já apontava um caminho a seguir, afirmando que para entender química era necessário um modelo que tentasse explicar e prever a estrutura molecular de compostos. Com o passar do tempo, a teoria mecânico-quântica se desenvolvia, acarretando na proposição de modelos quânticos para justificar as propriedades dos compostos, a partir do entendimento da estrutura atômica e ligação química. A partir de então, passamos a dispor de dois modelos para explicar a natureza das ligações químicas, ou seja, a Teoria de Ligação de Valência (TLV) e a Teoria do Orbital Molecular (TOM). Passado este período de proposições e incertezas quanto à interpretação da natureza das ligações químicas e dos aspectos estruturais dos compostos moleculares, nos vemos nos dias de hoje diante de uma quantidade imensa de informações, mas que derivam destas mesmas idéias iniciais de Lewis. Entretanto, mesmo com todas as facilidades de que dispomos atualmente, o entendimento de alguns compostos ainda requer cuidado, e isto exige muita cautela ao longo do nosso processo de formação acadêmica. Para ilustrar um destes exemplos, escolhemos o elemento químico boro e seus compostos com hidrogênio, para fazer uma análise de suas ligações químicas e seus aspectos estruturais. Tentaremos fazer uma análise das propostas existentes na literatura e de suas vantagens e desvantagens, destacando os pontos positivos e as limitações de cada uma delas. O composto mais simples utilizado para esta finalidade é o diborano, B2H6, um gás incolor que deve ser manuseado com muito cuidado, pois é altamente reativo. Ele se inflama espontaneamente quando exposto ao ar e explode em atmosfera de oxigênio. É um importante agente redutor eletrofílico para certos grupos funcionais e ataca sítios com elevada densidade eletrônica; quando em contato com água ou com uma solução alcalina, se hidrolisa instantaneamente. No laboratório, ele é manuseado sob atmosfera inerte e, como reage com a graxa usada na vedação da aparelhagem, cuidados especiais devem ser tomados (Lee, 1996).

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A Periodicidade e a Ligação Química nos Compostos de Boro Abordadas em Nível de Pós-graduação A partir deste contexto inicial e observando as propriedades deste composto, podemos nos questionar: se o diborano ataca sítios com elevada densidade eletrônica, podemos afirmar que esse composto é deficiente em elétrons? Diborano: um composto deficiente de elétrons? Na avaliação de uma molécula, o primeiro passo é imaginar o arranjo espacial dos átomos que a compõe. Para isso, a partir de sua fórmula molecular e da distribuição eletrônica de todos os átomos, tentamos propor uma estrutura de Lewis para molécula. No exemplo em questão, o átomo de boro apresenta três elétrons de valência e o átomo de hidrogênio apresenta um elétron. Como temos dois átomos de boro e seis átomos de hidrogênio, temos um total de 12 elétrons de valência para uma molécula de diborano. O próximo passo é tentar distribuir os seis pares de elétrons ao redor de todos os átomos na molécula. Contrariamente ao que acontece com a maioria das moléculas, percebemos que não existem elétrons suficientes para formar ligações covalentes unindo todos os átomos. Na literatura antiga, dos tempos em que se começou a trabalhar com estes compostos de boro, esta dificuldade era contornada representando-se a molécula da maneira mostrada na figura 1. Do ponto de vista acadêmico, isso reflete uma maneira de pensar e atuar, uma vez que, mesmo não sabendo como representar a molécula do ponto de vista estrutural, muitos pesquisadores sabiam muito bem como utilizá-la!

Figura 1. representação utilizada pelos primeiros pesquisadores do potencial sintético do diborano.

O modelo utilizado nesta tentativa de distribuir todos os elétrons mais externos de todos os átomos presentes na molécula é o da Ligação de Valência. Normalmente, este é o modelo utilizado rotineiramente para se avaliar aspectos simples, tais como tipos de ligação e arranjo espacial dos átomos. Entretanto, neste caso nos deparamos com uma situação inusitada porque não conseguimos ligar todos os átomos existentes na molécula; à primeira vista, nossa impressão seria de que o composto não deveria existir. Entretanto, temos a informação de que a molécula existe. Diante desta dificuldade, outras propostas foram feitas para se explicar as ligações entre os átomos, tais como a mostrada na figura 2. Neste caso os autores apelam para uma contribuição iônica, assumindo que a molécula de diborano deve ser um híbrido de ressonância, onde participam as formas canônicas indicadas na figura (Wade, 1971; Huheey, 1993). O que se pode comentar acerca desta proposta é que ela não explica satisfatoriamente a molécula de diborano e nem responde pelo arranjo espacial dos átomos.

Figura 2. Tentativa de se explicar as ligações na molécula de diborano, utilizando formas canônicas que participariam de um híbrido de ressonância.

Posteriormente, outra tentativa de se explicar a molécula de diborano envolveu a diferenciação das ligações entre o boro e os átomos de hidrogênio. Neste caso, considerou-se que cada átomo de REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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Adriano de Souza Reis et al. boro forma duas ligações covalentes com dois átomos de hidrogênio, onde um par de elétrons está envolvido em cada uma das ligações, nos moldes tradicionais segundo o modelo de Lewis . Além disso, cada um dos outros dois átomos de hidrogênio estaria ligado, simultaneamente, aos dois átomos de boro, formando o que eles chamavam de ligação com o átomo de hidrogênio em ponte. Neste caso existiriam apenas dois elétrons entre os três átomos, constituindo o que chamavam de ligação de três centros e dois elétrons (3c,2e). Nesta proposta, cada um dos átomos de boro apresentaria uma hibridização do tipo sp3 e um arranjo tetraédrico ao seu redor. Se interpretarmos a molécula de diborano desta maneira, considerando a existência dos dois tipos de ligação boro-hidrogênio, podemos considerar a molécula como sendo deficiente de elétrons. Esta deficiência de elétrons estaria associada ao fato de não conseguirmos escrever uma estrutura de Lewis, nos mesmos moldes que fazíamos com os compostos de carbono, e assumirmos por isso a existência das ligações com os átomos de hidrogênio em ponte. Estes dois tipos de ligação estão mostrados na figura 3; deve-se enfatizar que esta estrutura não pode ser interpretada da mesma forma que as demais estruturas de Lewis que conhecíamos até aqui. Em outras palavras, não podemos assumir que cada linha neste desenho representa um par de elétrons, como fazíamos anteriormente.

Figura 3. representação da molécula de diborano enfatizando os dois tipos de ligação B-H.

Segundo os argumentos da teoria da ligação de valência, analisando apenas a parte central da molécula, podemos pensar em um composto deficiente de elétrons uma vez que existem apenas quatro elétrons para unir quatro átomos. Por outro lado, levando-se em conta a existência de ligações de três centros e dois elétrons, poderíamos assumir que cada par de elétrons deva estar deslocalizado sobre três átomos, mesmo sem saber direito como deve ser esta deslocalização eletrônica. Na verdade, a deslocalização eletrônica é interpretada mais adequadamente segundo os argumentos da teoria do orbital molecular. Segundo este modelo, a partir da combinação linear de orbitais atômicos, obtém-se um conjunto de orbitais moleculares que se encontram deslocalizados sobre todos os átomos que compõe a molécula. Segundo este modelo, em uma molécula poliatômica, não existe ligação localizada entre apenas dois átomos. Isto indica que as ligações B-H-B deveriam ser interpretadas mais adequadamente por este modelo, em relação ao modelo da ligação de valência. Considerando este conjunto de informações chegamos a um ponto delicado. Na interpretação anterior, uma parte da molécula (as extremidades) está sendo interpretada pela teoria da ligação de valência, enquanto que a outra (a parte central) está sendo interpretada pela teoria do orbital molecular. Além disso, na parte da molécula que está sendo interpretada pela teoria do orbital molecular há uma mistura de argumentos exclusivos de cada um dos modelos. Observe-se que em vários textos (Huheey 1993, Cotton et al., 1999), os autores afirmam que cada átomo de boro deve estar hibridizado em sp3, e que estes orbitais atômicos se combinam com o orbital 1s do átomo de hidrogênio para formar um conjunto de três orbitais moleculares. Nesta afirmação, percebemos a utilização de argumentos de modelos distintos, ou seja, na parte da molécula que está sendo interpretada através de deslocalização eletrônica, os autores utilizam a idéia de orbitais híbridos na construção de orbitais moleculares. Na verdade, não existem orbitais atômicos híbridos no modelo de orbitais moleculares.

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A Periodicidade e a Ligação Química nos Compostos de Boro Abordadas em Nível de Pós-graduação Em nossa opinião, esta mistura de argumentos acaba confundindo os alunos, em particular nos estágios iniciais de formação, e aquilo que foi utilizado como conveniência para uma constatação de difícil explicação, acaba por confundir os alunos mais bem esclarecidos. Como já tentamos explicar a molécula de diborano utilizando, exclusivamente, os argumentos da teoria da ligação de valência e não chegamos a uma explicação satisfatória, resta-nos agora tentar interpretá-la através da teoria do orbital molecular. Para interpretar a molécula de diborano segundo a teoria do orbital molecular, o primeiro passo é imaginar espacialmente a molécula, na tentativa de se estabelecer todas as combinações possíveis entre os orbitais atômicos mais externos de todos os átomos que a compõe. Lembrando que o arranjo espacial ao redor de cada um dos átomos de boro é tetraédrico, um artifício muito simples para imaginar a molécula seria unir dois cubos através de uma das faces, onde cada um dos átomos de boro se encontraria no centro de cada um dos cubos enquanto que os seis átomos de hidrogênio ocupariam vértices alternados do cubo. Isto resulta na figura 4.

Figura 4. Arranjo espacial dos átomos na molécula de diborano onde se pode observar o arranjo tetraédrico ao redor dos átomos de boro.

O próximo passo agora é imaginar todas as combinações possíveis entre os orbitais atômicos de todos os átomos. Existem seis orbitais atômicos 1s correspondentes aos seis átomos de hidrogênio, dois orbitais atômicos 2s dos dois átomos de boro, além dos seis orbitais atômicos 2p, sendo três de cada um dos átomos de boro. Assim, temos um total de 14 orbitais atômicos para serem combinados, para formar os correspondentes orbitais moleculares. As combinações possíveis envolvendo estes 14 orbitais atômicos estão mostradas na figura 5.

Figura 5. Combinações possíveis entre os orbitais atômicos de todos os átomos que compõe a molécula

É importante ressaltar que, como um mesmo orbital atômico dos átomos de hidrogênio pode interagir, simultaneamente, com mais do que um orbital atômico do átomo de boro, temos que fazer, previamente, todas as combinações de orbitais atômicos dos átomos de hidrogênio. Como temos seis orbitais atômicos 1s dos seis átomos de hidrogênio, teremos seis REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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Adriano de Souza Reis et al. combinações possíveis destes orbitais atômicos. Destas seis, quatro estão representadas na figura 5 e assim, devemos lembrar que existem duas combinações que não são utilizadas e permanecem, portanto, com caráter não ligante. A partir de cada uma das combinações mostradas na figura 5, obtém-se três orbitais moleculares, um ligante, um predominantemente não ligante e um anti-ligante. Como o orbital ligante resultante da combinação entre orbitais s não apresenta nodo, ele deve ser o de energia mais baixa. Em seguida, têm-se as combinações entre os orbitais 2p dos átomos de boro e as combinações adequadas dos orbitais atômicos 1s dos átomos de hidrogênio. As combinações mostradas na figura 5B e 5D apresentam apenas um nodo, enquanto que aquela mostrada em 5C apresenta dois nodos; desta maneira, os dois orbitais moleculares ligantes provenientes de 5B e 5D apresentam energia mais baixa que aquela da combinação mostrada em 5C. A partir destas considerações podemos pensar agora no diagrama dos níveis de energia dos orbitais moleculares da molécula de diborano. Do exposto anteriormente, sabemos que o orbital molecular ligante de energia mais baixa é aquele que não apresenta nodo, proveniente da combinação envolvendo apenas os orbitais atômicos do tipo s. Em seguida aparecem os dois orbitais moleculares que apresentam um nodo, que são os provenientes das combinações mostradas em 5B e 5D, seguidos daquele que apresenta dois nodos, proveniente da combinação mostrada em 5C. Este é o conjunto de orbitais moleculares ligantes da molécula, mostrados na figura 6.

Figura 6. Diagrama dos níveis de energia dos orbitais moleculares da molécula de diborano.

Com relação ao conjunto de orbitais com caráter, predominantemente, não-ligante devemos lembrar que temos as duas combinações de orbitais atômicos do tipo 1s dos átomos de hidrogênio, que não foram utilizadas nas combinações com os orbitais atômicos dos átomos de boro. Além destas, tem-se os quatro orbitais não ligantes correspondentes àqueles quatro ligantes já identificados, e que apresentam a mesma disposição dos correspondentes ligantes. Desta maneira, temos um conjunto de seis orbitais moleculares não ligantes, sendo que os dois de menor energia devem ser degenerados e referentes às combinações não utilizadas dos orbitais atômicos 1s. Finalmente, aparecem os quatro orbitais moleculares anti-ligantes, correspondentes ao quatro orbitais moleculares ligantes. Na distribuição eletrônica da molécula de diborano, como mostrado na figura 6, temos um total de 12 elétrons, que ocupam todos os orbitais moleculares ligantes, além de dois não ligantes. Sob este aspecto, pode-se observar que esta molécula não apresenta deficiência de elétrons porque todos os seus orbitais moleculares ligantes já se encontram preenchidos. Por outro lado, ela pode receber elétrons de espécies que apresentam elétrons não compartilhados porque apresenta orbitais de caráter, predominantemente não-ligante, desocupados. Como estes orbitais não apresentam energia muito alta, esta recepção de elétrons acaba não sendo difícil. Isto justifica a reatividade da molécula frente a agentes nucleofílicos.

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A Periodicidade e a Ligação Química nos Compostos de Boro Abordadas em Nível de Pós-graduação A construção do diagrama dos níveis de energia dos orbitais moleculares da molécula de diborano, da maneira como foi feita, envolveu apenas argumentos pertinentes a este modelo e tratou a molécula como um todo, segundo os mesmos argumentos. Desta maneira, percebemos que não existe razão ou motivo aparente para a mistura de argumentos que se encontra na maioria dos livros textos utilizada nesta abordagem. Da mesma maneira, não há necessidade de separar partes da molécula para serem tratadas segundo modelos distintos. Podemos ainda supor que toda esta mistura tenha se originado, historicamente, pela tentativa que se fez de interpretar a molécula utilizando apenas os argumentos da teoria da ligação de valência, esquecendo que, por mais versátil que seja este modelo, ele é limitado e se aplica essencialmente às espécies para as quais se pode escrever a correspondente estrutura de Lewis. É muito provável que, se este composto tivesse sido isolado muito tempo depois, quando a teoria do orbital molecular já tivesse sido consolidada na literatura e nos livros didáticos, esta abordagem incluindo argumentos não pertinentes àquele modelo tivesse sido evitada e seria, certamente, menos confusa. Aspectos estruturais de alguns hidretos de boro Na prática, a terminologia de ligações de três centros e dois elétrons, (3c,2e), sugerida para se interpretar as ligações B-H-B no diborano, foi disseminada na literatura na interpretação das ligações químicas em outros hidretos de boro. A estratégia que sugerimos é que as pessoas entendam que quando se fala em ligações (3c,2e), entenda-se que não existe ali estrutura de Lewis conveniente que representa as ligações químicas existentes. Entenda-se sim, que existe um tratamento segundo a teoria do orbital molecular, que explica o fato de que apenas dois elétrons podem unir mais do que dois átomos. Como a construção do correspondente diagrama que mostra os níveis de energia dos orbitais moleculares vai se tornando cada vez mais difícil, à medida que se aumento o número de átomos que interagem entre si, a sua aplicação também vai ficando cada vez mais restrita. Nestes casos, acabamos apelando para os bons e velhos argumentos da teoria da ligação de valência, ainda que adaptada para estes casos. Por isso, para boranos com um número cada vez maior de átomos de boro, utilizaremos a terminologia de ligações de (3c,2e), lembrando das considerações feitas anteriormente. Alguns autores afirmam que o conceito de ligações (3c,2e) pode ser aplicado de forma proveitosa a uma ampla variedade de outros compostos de boro, tidos como deficientes em elétrons pelos mesmos motivos do diborano. Eles afirmam que os diversos tipos de ligações são melhores compreendidos por um tratamento “mais ou menos” completo segundo o modelo do orbital molecular. (Wade, 1971) De forma semelhante à estrutura molecular do diborano, compostos de boro com um número maior de átomos, como tetraborano [B4H10], pentaborano [B5H9] e o íon hidreto de boro [B12H12]2- podem ser representados utilizando as mesmas idéias. No [B4H10], por exemplo, existem as ligações B-H (2c,2e), B-H-B (3c,2e) e a B-B (2c,2e), mostradas na figura 7.

Figura 7. A molécula de B4H10 onde aparecem as ligações B-H (2c,2e), B-H-B (3c,2e) e B-B (2c,2e)

Diferentemente destes exemplos anteriores, o hidreto de boro [B12H12]2- apresenta um arranjo de átomos de boro formando um icosaedro. Esta é uma característica marcante dos compostos de boro, que formam estruturas do tipo de gaiola, com as mais diferentes formas geométricas. Neste caso do icosaedro, as vinte faces são triângulos eqüiláteros que REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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Adriano de Souza Reis et al. apresentam um átomo de boro em cada vértice; além disso, todos os átomos de hidrogênio são externos ao icosaedro e formam ligações B-H do tipo (2c,2e), como mostrado na figura 8.

Figura 8. Estrutura molecular do íon hidreto de boro [B12H12]2mostrando o icosaédro de átomos de boro.

Utilizando-se os mesmos argumentos apresentados na explicação para o diborano, podemos dizer que as ligações entre os átomos de boro devem ser entendidas como sendo ligações de três centros (representados pelos três átomos de boro que formam o triângulo eqüilátero) e dois elétrons. Na verdade, assume-se que a estrutura molecular deste íon é melhor representada por um híbrido de ressonância de muitas formas canônicas, que envolvem ligações B-B (2c,2e), B-H (2c,2e) e BBB (3c,2e). Outro exemplo interessante, que também ilustra a característica de se apresentar com estruturas do tipo gaiola, trata-se do pentaborano, B5H9, mostrado na figura 9. O tratamento apresentado na literatura para explicar as ligações no pentaborano são semelhantes àqueles apresentados para o diborano; isto confirma a dificuldade de se construir o diagrama dos níveis de energia para os orbitais moleculares deste composto e tratá-lo, exclusivamente, segundo este modelo. O que se encontra aqui, novamente, é a atribuição de uma hibridização do tipo sp3 aos átomos de boro e a formação de ligações covalentes do tipo 2c,2e entre os átomos de boro e hidrogênio. Por outro lado, na interpretação das ligações B-H-B, novamente, se utiliza o argumento de que os orbitais híbridos dos átomos de boro se combinam com orbitais 1s dos átomos de hidrogênio para formar o conjunto de orbitais moleculares ligantes, não ligantes e antiligantes. (Wade 1971)

Figura 9. Estrutura molecular do pentaborano, mostrando suas faces triangulares.

Resumindo, podemos dizer que a interpretação de moléculas poliatômicas utilizando-se os argumentos da teoria do orbital molecular vai se tornando cada vez mais difícil à medida que aumenta o número de átomos envolvidos. Talvez por esta razão, e para facilitar um pouco o entendimento dos estudantes de graduação, adotam-se algumas estratégias que tentam contornar estes problemas. A mais utilizada consiste em misturar argumentos de dois modelos distintos e analisar apenas a parte da molécula que nos interessa. Se isto é correto ou não, depende do ponto de vista. A crítica que fazemos não é com relação à estratégia, mas sim com relação à omissão destes comentários, esclarecendo que se trata apenas de um

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A Periodicidade e a Ligação Química nos Compostos de Boro Abordadas em Nível de Pós-graduação artifício para facilitar o entendimento. Acreditamos que a omissão destes comentários deva ser evitada e que se esclareça aos alunos que, apenas para um entendimento superficial, esta aproximação que se faz tem se mostrado adequada. Conclusão Este texto ilustra que o “ponto chave” para buscar o entendimento das propriedades de compostos químicos é a escolha do modelo para interpretá-los. Decidir a maneira de pensar é a estratégia mais adequada na intenção de estudar química, principalmente em se tratando de estrutura atômica e ligação química. Os chamados compostos deficientes em elétrons podem ser assim classificados, se estivermos pensando na Teoria de Ligação de Valência (TLV), visto que os mesmos não apresentam elétrons suficientes para estabelecer ligações covalentes envolvendo todos os átomos da molécula. Assim, podemos imaginar que nestas situações, o mais adequado é utilizar a teoria do orbital molecular para interpretá-los. Diante desta necessidade, quando estabelecemos uma combinação dos orbitais atômicos destes chamados “compostos deficientes em elétrons”, ocorre a formação de um conjunto de orbitais moleculares que acomoda os elétrons de valência de toda a molécula. Como os orbitais ocupados são apenas os ligantes e não ligantes, a molécula não é considerada deficiente de elétrons e pode existir e ser estável nesta conformação. Esses compostos podem, ainda, agir como ácidos de Lewis, pois nem todos os orbitais não ligantes foram utilizados, o que explica a sua elevada reatividade frente a nucleófilos. A tentativa de entender um composto de boro deficiente em elétrons utilizando a ligação de hidrogênio em ponte, conhecida por (3c,2e), muitas vezes facilita a compreensão de algumas propriedades. No entanto, interpretar a molécula considerando uma parte por TLV e outra parte por TOM, apesar de parecer, muitas vezes, adequada e conveniente, pode levar a erros conceituais em virtude de se utilizar, simultaneamente, argumentos próprios de modelos diferentes. Considerar um composto deficiente em elétrons depende do modelo que estamos utilizando e, desta maneira, podemos pensar que a mistura de modelos é uma forma deficiente de imaginar esse composto. Bibliografia COTTON, F.A.; WILKINSON, G.; MURILLO, A.A.; BOCHMANN, M. Advanced Inorganic Chemistry, 6a ed., EUA, John Wiley, 1999. 1352p., ISBN 0471199575; HUHEEY, J.E.; KEITER, E.A.; KEITER, R.L. Inorganic chemistry : principles of structure and reactivity, 4ª ed., New York, EUA, Harper Collins, 1993. 848p., ISBN 9788577801992; LEWIS, G.N. The Atom and the Molecule. J. Am. Chem. Society n. 38, p.762, 1916; LEE, J. D. Química Inorgânica não tão Concisa, tradução: TOMA, H.E.; ARAKI, K.; ROCHA, R. C., 5ª ed., 1996. 544p., ISBN 9788521201762; WADE, K. Electron Deficient Compounds, Durham, 1971. 200p.; ISBN 0177717068

Comentários finais sobre a disciplina Do ponto de vista da fi nalidade estabelecida inicialmente, de se esclarecer a ligação química em compostos de boro com hidrogênio, acreditamos que o objetivo desta aula foi alcançado. A estratégia

adotada melhorou sobremaneira tanto o entendimento dos alunos, quanto contribuiu para a melhoria da habilidade de redigir e apresentar o material. O material apresentado era resumido e introdutório, ressaltando, principalmente, os aspectos de REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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ligação química e apenas ilustrando a característica de formarem compostos tipo gaiola. A continuação deste assunto, em uma eventual aula adicional, serviria para ilustrar os aspectos estruturais e a reatividade dos compostos de boro. Finalmente, é importante lembrar que a disciplina em que este conteúdo se inseriu tem como foco a discussão da periodicidade. O fato de termos apresentado apenas a abordagem sobre os compostos de boro é fruto da decisão preliminar de todo o grupo de alunos, em que se optou por este caminho. Em todas as outras aulas, o bloco dos elementos representativos foi explorado e, aí sim,

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a discussão sobre a periodicidade, ou a falta dela, foi consolidada. Estas discussões serão mostradas, oportunamente, na continuação deste trabalho.

Referências Cotton, F.A.; Wilkinson, G.; Murillo, A.A.; Bochmann, M. Advanced Inorganic Chemistry, 6a ed., EUA, John Wiley, 1999. 1352p., ISBN 0471199575; HUHEEY, J.E.; KEITER, E.A.; KEITER, R.L. Inorganic chemistry: principles of structure and reactivity, 4ª ed., New York, EUA, Harper Collins, 1993. 848p., ISBN 9788577801992.


Relato 02 | Volume 04 | Número 02 | Jul./Dez. 2009

p. 63-72

Interdisciplinaridade e Contextualização na Prática Pedagógica dos Professores: a experiência de uma escola pública Interdisciplinarity and Contextualization in the Pedagogic Practice of Teachers: the experience of a public school1 Luzia Helena Castro Squinca E-mail: luziasquinca@hotmail.com

Angela Fernandes Campos

E-mail: afernandescampos@gmail.com

Maria Angela Vasconcelos de Almeida E-mail: angela.vasc@uol.com.br

Departamento de Química – UFRPE

Resumo Este trabalho identificou a concepção dos professores da área de Ciências da Natureza sobre interdisciplinaridade e contextualização em sua prática pedagógica. Foram utilizados um questionário para coleta dos dados e uma entrevista para validação das respostas do questionário. As ideias apresentadas pelos professores sobre contextualização e interdisciplinaridade mostraram terem sido construídas mais na ação do que nos estudos teóricos, sugerindo que a estratégia metodológica da Oficina Pedagógica Interdisciplinar utilizada na organização curricular, facilitou a introdução de ações interdisciplinares e planejamentos disciplinares sem sequências lineares de conteúdos. Para a maioria dos sujeitos investigados, a interdisciplinaridade é uma estratégia pedagógica que favorece uma melhor compreensão da realidade e a contextualização desperta um maior interesse nos alunos, na medida em que dê significado aos conteúdos disciplinares. Palavras-chave: interdisciplinaridade, contextualização, prática pedagógica. Abstract This study identified the conception of natural sciences teachers about interdisciplinarity and contextualization in their pedagogic practice. A questionnaire 1. Agradecimentos: Ao CNPq pelo financiamento do projeto (edital universal 19/2004) desenvolvido no Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano (CEEGP). Aos professores e gestores do CEEGP.


was used for data collection and an interview for response validation. The ideas put forth by the teachers regarding contextualization and interdisciplinarity showed that they were based more on action than on theoretical studies, suggesting that the methodological strategy of Interdisciplinary Pedagogic Workshops used in curricular organization facilitated the introduction of interdisciplinary actions and disciplinary planning without linear content sequences. For most of the subjects investigated interdisciplinarity is a pedagogic strategy that favors a better understanding of reality and contextualization awakens great interest in the students, because it provides meaning to disciplinary content. Key-words: interdisciplinarity, contextualization, pedagogic practice.

Introdução A promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394) de 19962 e os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio – PCNEN (Brasil, 2002), trazem o desafi o de transformar o modelo de ensino vigente em nosso país. No novo modelo de ensino que vem sendo proposto pelas bases legais, busca-se atender as exigências de um ensino de qualidade, por meio do desenvolvimento de competências do alunos, utilizando no processo de ensino-aprendizagem estratégias de interdisciplinaridade e contextualização. O modelo de ensino tendo como proposta a interdisciplinaridade e a contextualização precisa ser planejado relacionando as diversas disciplinas em atividades ou projetos de estudos compartilhados. Sob essa perspectiva, busca-se desenvolver nos alunos uma visão mais sistêmica do conhecimento nas quais as diversas disciplinas se articulam favorecendo sua complementação, questionamento e confi rmação. Segundo Fazenda (2002), quando se discute a educação na contemporaneidade, a interdisciplinaridade ocupa uma função importante, pois a interdisciplinaridade é uma forma de compreender e modificar o mundo, pelo fato da realidade do mundo ser múltipla e não una. Esta visão direciona o ensino no

sentido de superar a prática pedagógica fragmentada dos conteúdos, possibilitando que o aluno tenha um 2. As citações das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) encontradas neste texto foram extraídas dos Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio (Brasil, 2002).

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olhar mais ampliado sobre os fatos e fenômenos que estão postos na sociedade em que ele está inserido. Dessa forma, a prática pedagógica supera uma visão linear e fragmentada em que os acontecimentos podem ser explicados por um único olhar disciplinar, alcançando uma dimensão cada vez mais ampla na medida em que busca desenvolver uma prática pedagógica mais globalizadora e mais humana, que para tanto necessita da interação de vários olhares disciplinares (Hernández, 1998; Luck, 2000). Podemos considerar que a interdis ciplinaridade é uma estratégia que possibilita tal prática pedagógica, isto é, se fundamenta nas articulações entre as disciplinas favorecendo o raciocínio, a capacidade de aprender e, especialmente, a construção de sentido dos conteúdos ensinados aos alunos, se contrapondo a fragmentação, superando um ensino descontextualizado, compartimentalizado em disciplinas, que apenas favorece um acúmulo de informações na mente dos estudantes. Contudo, como alerta Fazenda (2000), a interdisciplinaridade não pode ser alcançada por normas estabelecidas pela gestão escolar, pois se constitui muito mais em uma questão de mudança de atitude dos professores, frente à natureza do conhecimento e de como ocorre o processo de aprendizagem dos alunos. Assim, se faz necessário que os professores vivenciem programas de formação continuada que estejam fundamentados em modelos de ensino que privilegiem a interdisciplinaridade e a contextualização de forma que os mesmos sejam capazes de perceber a potencialidade dessa nova forma de atuação. Afi nal, não se abandona modelos de ensino já internalizados


Interdisciplinaridade e Contextualização na Prática Pedagógica dos Professores

para substituir por outros modelos sem se ter a oportunidade de vivenciar e refletir sobre novas formas de atuação e comprovar sua melhor eficiência ou não. Além disso, nesse processo de formação continuada o professor necessita ter a oportunidade de refletir sobre qual é a sua concepção de ensino, ou qual a abordagem teórica que norteia sua prática, possibilitando perceber as diferenças entre os diferentes modelos. Por exemplo, o modelo de ensino tradicional se fundamenta na aprendizagem por memorização e assim justifica a necessidade do professor repetir de forma recorrente a lição (Schnetzler, 2004). Por outro lado, o modelo de ensino por investigação que utiliza temas e/ ou situações-problema necessita que os alunos interpretem a situação e proponham estratégias para resolvê-la (Costa; Moreira, 1996, 1997a, 1997b, 1997c; Meirieu, 1998; Pozo, 1998; Macedo, 2002; Nunez; Silva, 2002; Perrenoud, 1999, 2000, 2002; Cachapuz; Praia; Jorge, 2002; Santos et al., 2005). Assim, a memorização por si só já não faz muito sentido, sendo desejável que o professor desenvolva novas estratégias de ensino-aprendizagem para favorecer nos alunos uma melhor compreensão da situação em questão (Carvalho, 1992; Gauche et al., 2008; Maldaner, 2008). As situações-problema vinculadas a uma ou mais temáticas podem ser propostas pelo professor, pelos alunos em negociação com o professor ou ainda por fatos e ou fenômenos de interesse da comunidade escolar. Estas situações-problema, como estão inseridas dentro de um contexto, necessitam, para serem mais bem compreendidas, dos olhares de mais de uma disciplina favorecendo um ensino interdisciplinar (Figura 1). Assim, a interdisciplinaridade, no ambiente escolar, pode ser alcançada a partir do modelo de ensino por investigação. Na superação de um ensino que memo­ riza e acumula informações é necessário compre­ ender outra estratégia pedagógica, isto é, a contextualização, ou seja, a vinculação do ensino com a vida do aluno, bem como, com as suas

Figura 1. Tema e situação-problema atuando como eixo norteador do planejamento dos conteúdos e conceitos das demais disciplinas.

potencialidades (Demo, 1988). Nesse sentido, pesquisas revelam (Zanon; Palharini, 1995, p. 15; Silva et al., 1991) que os professores têm enorme dificuldade em relacionar os conteúdos serem abordados em sala de aula com o dia a dia do aluno. Com relação à Química, por exemplo, Zanon e Palharini comentam: Não é raro a química ser resumida a conteúdos, o que tem gerado uma carência generalizada de familiarização com a área, uma espécie de analfabetismo químico que deixa lacunas na formação de cidadãos e cidadãs.

À medida que há uma identidade cultural dos indivíduos com as questões que a eles são postas, pode-se também correlacionar a necessidade de se levar em conta o contexto cultural no qual está inserido, para que se possa desenvolver a participação. Dessa forma, torna-se fundamental a contextualização do ensino, de modo que ele tenha algum significado para o aluno, pois só assim é que ele sentirá comprometido e envolvido com o processo educativo, desenvolvendo a capacidade de participação (Santos; Schnetzler, 1997). Segundo os PCNEM (Brasil, 2002), a inter­ disciplinaridade e a contextualização são estratégias complementares, pois não se pode imaginar atividade didático-pedagógica interdisciplinar sem contexto. Juntas, elas se comparam a um traça­ do cujos fios estão dados, mas cujo resul­ tado final pode ter infinitos padrões de en­tre­laçamento e muitas alternativas para combinar cores e texturas (Brasil, 2002, p. 97). REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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A partir de uma situação-problema que pode estar contextualizada num experimento, problema ambiental ou social específi co, são identifi cados os conceitos de cada disciplina que contribuem para descrevê-la, explicá-la ou propor soluções. Diante do exposto, esta pesquisa tem como objetivo investigar as concepções de um grupo de professores do Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano (CEEGP), uma escola pública de Recife-PE, sobre interdisciplinaridade, contextualização, além de buscar compreender como utilizam essas estratégias pedagógicas em sala de aula.

metodologia A metodologia de trabalho adotou uma abordagem qualitativa (Lüdke; André, 1986) e foi realizada por meio de uma pesquisa bibliográfi ca (escolha dos autores de referência), de campo (visitas de observação ao ambiente escolar). Os dados foram coletados por meio de um questionário e entrevista. As questões presentes no questionário foram as seguintes: Como você defi ne interdisciplinaridade na educação? Como você defi ne contextualização na educação? Os conteúdos das disciplinas são abordados levando em consideração a interdisciplinaridade? Como é realizado esse trabalho? Como se dá a contextualização das temáticas propostas no processo ensino-aprendizagem? Antes da aplicação do questionário foi realizado um pré-teste com outros professores da mesma escola de outra área do conhecimento, com o objetivo de aperfeiçoar o instrumento. A entrevista não padronizada foi realizada com a fi nalidade de validar as respostas do questionário. Dessa forma, por se tratar de uma pesquisa qualitativa, Alves (1991) recomenda checar se as interpretações construídas a partir da análise do questionário fazem sentido ou não para aqueles que forneceram os dados, visando uma reconstrução de sentidos se for o caso. As respostas do questionário e da entrevista foram analisadas tomando como base as seguintes

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referências: Perrenoud (1999); Luck (2000); Brasil (2002); Fazenda (2002); Cachapuz, Jorge e Praia (2002).

Perfil dos professores Os professores do CEEGP, objeto de estudo deste trabalho, vivenciaram um programa de formação continuada de 300 horas-aula nos três meses que antecederam o início do ano letivo de 2004. Nessa ocasião, os mesmos elaboraram, em articulação com os docentes das doze disciplinas desse nível de ensino que são: português, inglês, arte e educação física; química, física, biologia e matemática; fi losofi a, sociologia, geografi a e história, uma matriz curricular para a 1ª série. Assim, foram atendidas as três áreas do ensino médio: Linguagem, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias, conforme proposto pelos PCNEM (2002). Essa matriz curricular foi organizada a partir de um tema geral para a escola seguido do desdobramento de três temas, um para cada área. Cada uma das áreas se desdobrou em quatro temas formando um conjunto de doze temáticas e doze situações-problema. Todos os temas e problemas propostos estavam articulados de forma a se constituírem numa estrutura em rede (Figura 2).

Figura 2. Temas e problemas articulados numa estrutura em rede.


Interdisciplinaridade e Contextualização na Prática Pedagógica dos Professores

Ao iniciar o ano letivo de 2004 a gestora pedagógica da referida escola percebeu que apesar da matriz curricular apontar para a interação entre as diversas disciplinas e que os professores, durante o processo de formação continuada, tiveram a oportunidade de realizar estudos teóricos e experimentar o modelo de ensino por investigação, a interdisciplinaridade ainda não estava assegurada. Assim sendo, em reunião com a equipe de professores, propôs a introdução de uma disciplina na parte diversifi cada do currículo que foi denominada de Ofi cina Pedagógica Interdisciplinar (OPI). Esta disciplina teve as seguintes características: • foi ministrada por três ou quatro professores em aula; • apresentou tema e situação-problema propostos pelos professores para ser resolvido pelos alunos na perspectiva das disciplinas do ensino médio. Na medida em que os conceitos multidisciplinares escolhidos por contribuírem para prever soluções ao problema iam sendo discutidos durante o desenvolvimento da OPI, os professores percebiam a necessidade dos mesmos serem reme tidos para as aulas disciplinares, para maior aprofundamento, favorecendo a fl exibilização dos conteúdos curriculares. Portanto, no momento das aulas disciplinares esses voltavam a ser discutidos, favorecendo a superação de sequências lineares de conteúdos. Assim, a OPI passou a ser o centro do desenvolvimento curricular. Na amostra foi selecionado um professor de cada disciplina da área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, constituindo um grupo de quatro, denominados aqui de A, B, C, D. Os professores tinham mais de 13 anos no exercício do magistério e passaram a fazer parte do corpo docente dessa escola de Ensino Médio no ano de sua implantação, em 2004. Dois professores são mestres e dois especialistas e trabalham em regime integral.

Resultados e discussão As falas dos professores registradas a seguir foram validadas pelos mesmos no momento da entrevista. Em relação à questão de como os professores defi nem a interdisciplinaridade, os professores A e D assim se posicionaram: “Interdisciplinaridade é fazer com que diversas fontes, as diversas disciplinas, introduzam seus conceitos em decorrência da leitura do texto exemplifi cado” (Professor A). “Olhares que as disciplinas podem ter dentro de um mesmo contexto” (Professor D). As respostas dos professores A e D estão relacionadas ao conceito de interdisciplinaridade, pois o professor A apresenta a compreensão de que as diversas disciplinas contribuem para a leitura e interpretação de um texto, enquanto o professor D fala dos olhares das disciplinas dentro de um mesmo contexto. Evidentemente o conceito de interdisciplinaridade não se apresenta de forma “pura”, pois os discursos não são réplicas de respostas memorizadas da literatura, mas as respostas contribuem para esclarecer como são trabalhados os conteúdos disciplinares, a partir da contribuição das diversas disciplinas, sugerindo a superação da fragmentação do ensino (Brasil, 2002; Luck, 2000). A estratégia pedagógica da interdisciplinaridade é mais uma demanda que urge no contexto escolar para um ensino de qualidade em que várias ciências contribuem para o entendimento de uma situação proposta, desenvolvendo, nos professores e alunos, competências relacionadas à complexidade das relações homem-sociedade e homem-natureza. Professores e alunos ao compreenderem que uma única disciplina não encerra toda a verdade sobre um determinado acontecimento, fato ou situação, acabam desenvolvendo posicionamentos mais amplos diante da vida, superando uma visão estreita e linear característica da técnica que dominou e ainda

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domina as ciências em pleno século XXI e que tem trazido sérios problemas ao nosso planeta. Em relação aos demais professores, foram obtidas as seguintes respostas a 1ª questão: “Interdisciplinaridade entendo como prin­ cípios de produção do conhecimento. Apropriação e introjeção dos conceitos de quem está recebendo e que gera significados no aluno” (Professor B). “É importante na educação, pois, dá um significado aos conteúdos que são vivenciados; o aluno percebe a sua utilização e sabe empregar o conhecimento adquirido. A situação-problema gera aprendizagem significativa que favorece a interdisciplinaridade” (Professor C). As respostas dos professores B e C sobre interdisciplinaridade, se aproximam de conceitos apontados por Fazenda (2002) e Luck (2000), uma vez que implica como aponta Fazenda (2002), em uma atitude diferente com relação ao problema proposto, isto é, a situação como um todo. Esta estratégia pedagógica favorece ao aluno uma leitura de mundo mais ampla quando o que se aprende tem um significado na vida do aluno, podendo, assim, vir a atuar com mais esclarecimento na sociedade e com uma visão mais crítica. A estratégia metodológica da disciplina Oficina Pedagógica Interdisciplinar (OPI) parece contribuir para uma melhor compreensão e utilização da interdisciplinaridade. No que se refere à questão de como os professores definem contextualização foram obti­ das as seguintes respostas: “Contextualização é relacionar os conceitos trabalhados em cada disciplina com o dia-a-dia do estudante, para que haja maior interesse em estudálos” (Professor A). “Contextualização é compreendido como uma estratégia fundamental para a construção de significações, ou seja, contextualizar é enraizar uma referência e as significações são apropriações de quem está recebendo a aprendizagem” (Professor B).

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“Contextualização é importante na educação, pois dá um significado aos conteúdos que são viven­ ciados, o aluno percebe a utilização e sabe onde se pode empregar o conhecimento adquirido (mesma resposta sobre interdisciplinaridade)” (Professor C). “O aluno compreende melhor quando o conteúdo está contextualizado e o desenvolvimento de aprendizagens significativas são quando estabe­ lecem uma relação com o aluno e ele compreende melhor” (Professor D). Ao analisar a fala dos quatro professores, encontramos em comum que esta estratégia favorece a melhor compreensão dos conteúdos pelos alunos. As respostas sugerem que os professores reconhecem que a contextualização facilita um melhor entendimento, pelos alunos, dos conteúdos disciplinares, uma vez que estes estabelecem relações com as suas experiências pessoais. Além disso, os alunos conseguem identificar como podem utilizar e aplicar os conceitos em outros contextos. Assim, esta estratégia promove aprendizagens significativas, desencadeando uma maior motivação na medida em que os alunos percebem relações com os problemas encontrados no seu cotidiano. A resposta do profes­ sor C reproduz a resposta anterior relativa à interdis­ ciplinaridade. Isto sugere que esse professor não consegue distinguir entre estes termos. Na perspectiva dos PCNEM (Brasil, 2002) interdisciplinaridade não existe independente da contextualização e é natural que num primeiro momento de construção do conceito haja esta superposição. No tocante à questão sobre como é realizada a interdisciplinaridade, foram obtidas as seguintes respostas: “Planejamento é a palavra de ordem. Organi­ zamos o tema geral depois as oficinas pedagógicas interdisciplinares e o planejamento das disciplinas” (Professor A). Ao analisar a resposta dada pelo Professor A sobre como acontece a prática pedagógica utilizando a interdisciplinaridade, verifica-se que os conteúdos disciplinares não são retirados de listas e que para


Interdisciplinaridade e Contextualização na Prática Pedagógica dos Professores

definir esses conteúdos disciplinares é necessário que haja planejamento coletivo da Oficina Pedagógica Interdisciplinar. Este planejamento da OPI, que é uma metodologia de trabalho, possibilita aos participantes vivenciar, refletir, identificar e articular as contribuições de diversas disciplinas na resolução de situações-problema, favorecendo um planejamento flexível (Perrenoud, 1999). “Os conteúdos disciplinares eram trabalhados levando em consideração a interdisciplinaridade e contextualização visando a metodologia da oficina [...] salientando que na oficina espelha-se um tempo e uma situação-problema” (Professor B). “Procuramos enfocar os conteúdos sobre a ótica das diversas disciplinas durante as aulas criando situações onde a matemática possa estar relacionada com a biologia, sociologia, geografia, química, física etc. A situação-problema favorece a interdisciplinaridade” (Professor C). “Uma oportunidade de promover a constru­ ção do conhecimento através da mobilização dos diferentes enfoques disciplinares na situaçãoproblema. A oficina interdisciplinar estimula o desenvolvimento do conhecimento (vários olhares) (sobre) a situação-problema” (Professor D). Com os professores B, C e D verificamos que a Oficina Pedagógica Interdisciplinar contribuiu para que os conteúdos disciplinares fossem abordados de forma mais integrada em sala de aula. Porém o que é comum em todas as falas é que tudo se volta para a situação-problema o que sugere que a situação­ ‑problema não fica restrita às aulas da disciplina OPI, mas que repercute no contexto das salas de aula disciplinar, influenciando nos conteúdos trabalhados. Perrenoud (1999) aponta que atualmente não pode­ mos utilizar cadernos de exercícios, ou fichas e questionários para quem se propõe a trabalhar com situação-problema, explicitando que para resolvê-la é importante os vários olhares disciplinares. No tocante à questão sobre como é realizada a contextualização, foram obtidas as seguintes respostas:

“Buscamos trabalhar com situações-pro­ blema que estão no nosso entorno” (Professor A). “Na maioria das vezes através de situaçãoproblema” (Professor D). Para os professores, contextualização remete a situação-problema e vice-versa. Na verdade, uma situação-problema sempre faz referência a um contexto, mas não se reduz ao mesmo, pois há uma problematização que é preciso resolver. É muito mais uma visão operacional do que uma compreensão do conceito em si. “A contextualização estimula o levantamento das concepções prévias cabendo ao professor posteriormente sistematizar este conhecimento” (Professor C). O professor C, durante o processo de validação de sua resposta vivenciado na entrevista, comentou sobre o uso de diferentes recursos pedagógicos: leitura, interpretação de textos, leitura de imagem, questionamentos sobre o tema em pauta na sala de aula. O professor esclareceu que estes recursos possibilitam o levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos, explicando que são os conhecimentos que o aluno traz à escola, que representam indícios para o professor reconhecer como o aluno está em relação ao tema estudado. Conclui esclarecendo que “a contextualização esti­ mula o levantamento das concepções prévias...” É necessário reconhecer que o aluno chega para a escola como um todo, isto é, como ser social, cultural e histórico, sendo desejável que seu conhecimento anterior seja considerado, mas não da maneira como o movimento de concepção alternativa trata, isto é, fazendo o levantamento dessas concepções isoladamente. Esta forma de proceder pode colocar o aluno numa situação desconfortável de negação da sua concepção, afastando-o do saber científico. Na fala do professor C, a contextualização traz a vantagem de reconhecer os conhecimentos anteriores do aluno sem colocá-lo em situação de constrangimento (Cachapuz; Jorge; Praia, 2002). REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 02

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Segundo Cachapuz, Jorge e Praia (2002), a contextualização favorece aos alunos a tomada de consciência das suas concepções e suas limitações frente à situação-problema. “A contextualização ocorre quando se enraíza uma referência, ou seja, constrói signifi cados. É possível identifi car no dia-a-dia que está havendo a contextualização dos conteúdos disciplinares no entendimento da aprendizagem. Quando identifi ca como está expondo, interpretando, referendando um trabalho-conexão” (Professor B). O professor B percebe que os alunos, após vivenciarem modelos de ensino por investigação, conseguem relacionar os conteúdos/conceitos disciplinares em diferentes contextos e situações, superando a dicotomia entre o conhecimento construído na sala de aula versus conhecimento do dia a dia, o que possibilita aos mesmos um outro olhar sobre o cotidiano, visto na dimensão do conhecimento científi co, favorecendo sua inserção na sociedade (Brasil, 2002). Os conteúdos não serão memorizados e repetidos, mas transformados pelo educando para dar conta da realidade.

à construção do conhecimento pelos alunos, além de desenvolver nos professores a compreensão dos limites do conhecimento disciplinar e a potencialidade de articulações interdisciplinares. A prática pedagógica das OPI, para os sujeitos pesquisados é o espaço em que a interdisciplinaridade está mais evidente. Para os sujeitos investigados a interdisciplinaridade é uma estratégia pedagógica que favorece a melhor compreensão de situaçõesproblema. Ainda, a contextualização do ensino é capaz de despertar interesse nos alunos na medida em que traz uma melhor compreensão e signifi cado dos conteúdos trabalhados. A contextualização também pode atuar como facilitadora para que o professor identifi que os conhecimentos prévios dos alunos sobre os conteúdos/conceitos trabalhados. O modelo de ensino por investigação a partir de temas e situações-problema, que utiliza as estratégias da interdisciplinaridade e contextualização, está presente na prática pedagógica dos professores, possibilitando melhores aprendizagens nos seus alunos como mostram os depoimentos apresentados e validados pela entrevista.

Conclusão Os conceitos apresentados pelos professores sobre contextualização e interdisciplinaridade sugerem que foram construídos na ação, fundamentados em estudos teóricos, evidenciando que para ocorrer mudanças é preciso articular muito bem a teoria e a prática. A estratégia metodológica da OPI parece ter sido importante para uma organização curricular fl exível na qual o centro do processo ensino-aprendizagem passa a ser o aluno, na medida em que facilita ações interdisciplinares sobre situações-problema de seu interesse. Além disso, promove a superação de sequências de conteúdos/conceitos disciplinares lineares que pouca aprendizagem trazem para os mesmos. A disciplina OPI favoreceu mudanças de concepção e atitude dos professores com relação

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Instrumentos e Criatividade 01 | Volume 04 | Número 02 | Jul./Dez. 2009 | p. 73-78

Construindo um Sistema de Destilação Alternativo Usando Conexões e Tubos de PVC e Aquatherm Building an alternative distillation system using connections and tubes of PVC and Aquatherm Huita do Couto Matozo1

E-mail: huitamineiro@yahoo.com.br

Introdução A falta de equipamentos e vidrarias necessários para o desenvolvimento de atividades práticas em escolas públicas, principalmente em regiões mais caren tes, acarretam defi ciência no processo de ensino-aprendizagem. A utilização de materiais alternativos com baixo custo e de fácil aquisição vem se tornando cada vez mais frequente (Ciscato et al., 1991; Guimarães et al., 2000; Fraceto, 2007; Pachecol et al., 2008; Hora et al., 2009; Sartori et al,, 2009), além de gerar conscientização e responsabilidade com o ambiente. Sendo a química uma ciência experimental, ela exige para seu estudo atividades experimentais. Não é aconselhável, em qualquer hipótese, que os alunos aprendam química sem passar, em algum momento, por atividades práticas (Ciscato et al., 1991). Sabendo-se que as atividades experimentais constituem um ponto crítico, foi desenvolvido um destilador alternativo usando tubos Aquatherm e PVC (policloroeteno) após um problema que surgiu, em que não tínhamos um sistema de destilação para separarmos etanol da água.

Os tubos Aquatherm (coluna de destilação) foram utilizados porque são adequados para pas s agem de água quente oriunda do aquecedor solar, tornando-o propício para a passagem dos vapores gerados (igual ou menor que 100 oC) no sistema, e o PVC, por ter um custo menor, foi usado como condensador (local onde foi colocado água). Os sistemas destinados a destilação do tipo alambique foram inventados pelo alquimista Djabir ibn Hajjan (Geber) que viveu no século VIII. No século XII os árabes aperfeiçoaram a técnica da destilação na qual foi possível recolher produtos muito voláteis (Vidal, 1986). A destilação (Silva et al., 1990; Mastermon et al., 1990, 2006) é uma técnica importante para auxiliar a compreensão de algumas teorias, como a separação de líquido-líquido miscíveis, ponto de ebulição (interações intermoleculares). Os testes foram feitos na disciplina Química Orgânica Prática, da Escola Municipal Governador Israel Pinheiro.

1. Agradeço aos Professores Dra Maria Auxiliadora Morim Santos, Dr. Luiz Henrique Ferreira, Ms. Gilmar Bueno Santos pelo apoio. À Verônica Martins Paula Matozo, aos alunos do Curso de Técnico em Química EMIP-20062008, à Escola Municipal Governador Israel Pinheiro EMIP-Química e FAPESP.


materiais 1 lâmpada (queimada) de vidro transparente; produtos Aquatherm Tigre® Ø 15mm: 1m de tubo, 1 curva 45o, 1 curva 90o,1 T (Tê), 1 União e 1 tampão; 1 frasco de adesivo Aquatherm Tigre (cola ou solda); produtos PVC Tigre® Ø 40mm: 35cm de tubo, 2 tampões; 1 frasco de adesivo plástico Tigre (cola ou solda); 1 borracha escolar ou tampa de borracha (encontrada em frasco de medicamentos); 1 copo descartável; 1 abraçadeira Ø 20mm; 1 veda rosca opcional; 1 tesoura; 1 pedaço de chinelo; 1 termômetro (0 °C a 100 °C).

furo dos tampões de PVC e soldado (Figura 2), em seguida, foi soldado a curva de 45° a este tubo e à curva o tubo de 5cm de comprimento com a união soldada. Soldou-se o T ao tubo de 10 cm e ao outro lado do T (mesmo sentido) o tubo de 25 cm, a curva de 90° e o tubo de 5cm respectivamente. Foi desenroscada a união e observou-se que havia três partes da conexão – uma já soldada –, então, foi colocada a parte maior no tubo (sentido da curva de 90°), sem soldá-la, e, em seguida, foi soldada a outra parte que restou (Figura 3).

Procedimentos Com o auxílio de um arco de serra, foram providenciado 35cm de tubo PVC (Ø40 mm) e 45 cm, 25 cm, 10 cm e 3 × 5 cm de tubos Aquatherm (Ø15 mm). As soldagens devem ser conforme recomendações do fabricante. Para tubos e conexões em PVC foi usado o adesivo plástico Tigre®, e para os Aquatherm, o adesivo Aquatherm Tigre®. Com uma furadeira (ou ferro quente) foram feitos dois furos de Ø15 mm nos tampões de PVC; em seguida, a soldagem dos tampões nas extremidades. Após a soldagem dos tampões de PVC (Figura 1), furou-se com mesmo diâmetro a 5cm abaixo de um dos tampões, e neste furo, foi colocado o tubo Aquatherm de 5cm e soldado.

Figura 1. Condensador (furos Ø 15 mm).

Após a secagem, foi passado o tubo Aquatherm Tigre® de 45cm de comprimento pelo

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Figura 2. Destilador (Coluna e Condensador).

Figura 3. Condensador soldado (colado) PVC seguindo normas descritas no frasco de solda (cola).

Após 24 horas da construção do destilador, foi colocado água no condensador pelo furo onde localiza-se o tampão Aquatherm Tigre Ø 15 mm (Figura 3) e foi colocado para funcionar. Para a construção do balão de vidro, usouse uma lâmpada com um pano grosso e, com uma chave de fenda, foi quebrado o fundo da lâmpada e retirado o fi lamento de metal e o seu suporte de vidro (Figura 5).


Construindo um Sistema de Destilação Alternativo Usando Conexões e Tubos de PVC e Aquatherm

O valor gasto para a montagem dos destila dores alternativos em PVC-Aquatherm, PET em relação ao convencional pode ser observado na Tabela 1. Tabela 1. Comparação de preços de destiladores convencional e alternativos. Sistema de destilação

Preço por Unidade / R$

Destilador alternativo feito com PET

7,89**

Destilador alternativo feito com PVC* e Aquatherm*

17,06

Destilador convencional

198,00

Foi adicionada anilina (fenilamina) azul ao etanol e água para melhor vizualização.

Resultados Figura 4. Montagem de sistema de destilação simples usando tubos de PVC e Aquatherm. (A) Vista do Condensador (B) Vista da Coluna acoplada ao termômetro.

Figura 5. Construção do balão de vidro usando uma lâmpada. Fonte: Ciscato (1991).

Para a conexão entre o destilador e o balão de vidro, foi usada uma tampa de borracha. Há algumas lâmpadas que encaixam no tubo sem a necessidade da borracha, nesse caso, use o veda rosca para que não escape o vapor, caso julgue necessário. Para a conexão do termômetro, foram usados uma tesoura e um pedaço de chinelo. Com o auxílio da tesoura, foi cortado o chinelo para que coubesse dentro da conexão T e neste foi feito um furo para introduzir o termômetro (Figura 4).

A montagem do equipamento é facilitada seguindo as instruções nos rótulos das soldas. Poderá ocorrer vazamento de água pelo furo onde localiza-se o tampão Aquatherm Tigre, diâmetro de 15mm (Figura 3), “local para colocar água”, porque ao passar o gás gerado na lâmpada pelo condensador, ocorrerá o aquecimento da água, acarretando a movimentação por convecção. Para que isso não ocorra, basta diminuir a água no condensador e retirar o tampão quando o equipamento estiver funcionando. O equipamento funcionou como o esperado, lembrando-se que ele é usado para destilação simples. A vantagem observada entre o destiladorPVC-Aquatherm e o PET está na durabilidade, praticidade, conexões com outros equipamentos e estética. A desvantagem é observada no preço (Tabela 1). Foi observado que, após seis meses, o destilador-PET estava com a mangueira corroída (Figura 6a e 6b), confi rmando a durabilidade do destilador-PVC-Aquatherm. A união localizada entre as curvas de 45° e 90°, foi usada para diminuir o espaço ao guardar o destilador alternativo (Figura 7a).

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Huita do Couto Matozo

Figura 6. Destiladores alternativos. (a) e (b) Destilador alternativo segundo Ciscato com corrosão na mangueira. (c) Destiladores e as vidrarias (lâmpadas e frascos de vidro).

Figura 7. Destilador com conexões União e T. (a) Destilador desmontado devido a União entre o condensador e a coluna. (b) Vista do destilador montado com as conexões União e T.

A temperatura de ebulição da solução (etanol, anilina azul e água) foi de 78 °C, e parou a destilação quando a temperatura começou a aumentar (superior a 78 °C), obtendo um destilado límpido.

Conclusões Os atuais aparelhos de destilação apresentam um grande inconveniente quanto ao seu desempenho, isso devido ao desperdício de elevados volumes de água, podendo chegar a até 40 litros de água de refrigeração (Costa et al., 2006), enquanto que no destilador-PVC-Aquatherm não

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há desperdício, porque não precisa ter a circulação da água de refrigeração, em razão de o volume da lâmpada ser de 80mL e a destilação chegar no máximo 80% deste volume ou até a mudança da temperatura do termômetro. A água do condensador fornece a troca de calor necessário, por isso não há desperdício. A efi ciência do destilador foi baseada em experimentos, usando lâmpadas incandescentes cristal clara (Figura 4) sem ultrapassar o volume total de 150 mL. A lâmpada poderá ser substituída por um balão de destilação com a mesma capacidade, caso o professor julgue necessário. Para que se possa aumentar a superfície de contato da lâmpada, foi usado um banho-maria diminuindo o tempo de destilação (Figura 4b). Neste experimento, o bico de Bunsen foi substituído por uma chapa de aquecimento para evitar a combustão do destilado (etanol), assim, evitando qualquer acidente. Caso a escola não possua a chapa, poderá construí-la seguindo o roteiro de Pachecol, 2009, que demonstra a construção a partir de um ferro de passar roupa, chegando a economizar aproximadamente 90% do valor de compra de uma chapa convencional. A vantagem do destilador com a conexão União é a diminuição de espaço para guardá-lo, e a conexão T auxilia o uso do termômetro, mostrando a interferência da mistura entre água e etanol na temperatura de ebulição (interação intermolecular). A desvantagem entre os destiladores alternativos (Tabela 1) está no preço, e os tubos podem ser encontrados em tamanho 1,5 metros e/ou 3,0 metros. Pode-se usar, também, outras marcas e medidas, desde que se tenham as mesmas especifi cações de uso. A montagem do destilador alternativo também destaca a importância da evolução dos materiais como: • O material Aquatherm substitui os tubos de cobre antes utilizados para escoar água quente gerada pelos aquecedores a lenha, gás e solar; o PVC, os tubos de ferro utilizados para levarem água até as residências.


Construindo um Sistema de Destilação Alternativo Usando Conexões e Tubos de PVC e Aquatherm

Também poderá ser utilizado na destilação do álcool encontrado em vinhos ou em outras bebidas alcoólicas e água. Após a prática, poderá abordar temas como: • a importância do álcool (etanol) para economia brasileira; • esterilização de ambientes usando o etanol; • produção de cachaça e até o biocom­ bustível (etanol, óleo e hidróxido de sódio ou potássio ou outros catalizadores); • separação de misturas homogêneas, como água e cloreto de sódio, e outros. Os destiladores alternativos podem ser usados no ensino fundamental, ensino médio, ensino profissionalizante e até nos primeiros períodos da graduação no ensino de Ciências. No ensino fundamental, separação de misturas; no ensino médio, profissionalizante e graduação, as interações intermoleculares, materiais alternativos e outros. Sabemos que a aquisição de equipamentos para o ensino de química em escolas públicas é muito burocrático e, com isso, os professores e tendem a não usar práticas no ensino de Ciências, e tendo alternativas com redução de custo e praticidade, isso poderá ser reduzido. A situação problema (separação do etanol e água) foi sanada, concluindo que o destilador funcionou conforme a proposta, verificado pela temperatura de ebulição de 78 °C. Em Ciscato, 1991, a temperatura de ebulição do etanol é de 78,5°C, próximo ao observado no termômetro acoplado ao sistema. Pelo cheiro característico do etanol e a coloração do destilado, que antes da destilação estava azul e depois, incolor. O termômetro (com um custo aproximado de R$ 20,00) poderá ser substi­tuído nos casos em que o processo seja para separar misturas como água e sal, ou mostrar como funciona o sistema de destilação usando apenas água.

Referências BRASIL. Ministério da Educação Secretária de Educação Básica. Coleção Explorando o Ensino. Volume 4 e 5, p. 101-103 e 116-121, Química Ensino Médio. Brasília: 2006. Ciscato, C. A. M.; Beltran, N. O. Química Coleção Magistério 2o grau Série formação geral. São Paulo: Cortez Editora, p. 41- 48, 1991. COSTA, D.M.A.; GRILO,J.A.; SANTOS, A.A.A. Concepção de uma unidade para destilação de água com reciclo do fluído refrigerante. I Congresso de Pesquisa e Inovação da Rede Norte Nordeste de Educação Tecnológica Natal-RN. Resumo. Natal, 2006. Acesso: Outubro de 2009. Disponível em http://www.redenet.edu.br/publicacoes/ arquivos/20081020_084147_MM%20033.pdf FRACETO, L. F.Construção de um agitador magnético de baixo custo. Revista Brasileira de Ensino de Química, v. 2, p. 73-76, 2007. GUIMARÃES; P. I. C.; OLIVEIRA, R.E.C.; ABREU, R.G. Extraindo óleos essenciais de plantas. Química Nova na Escola, n. 11, p. 45-46, 2000. Acesso: Outubro, 2009. Disponível em http://qnesc.sbq.org.br/online/ qnesc11/v11a10.pdf HORA, P.H.A.; TAVARES, M.R.S.; SANTOS, S.R.B. Desenvolvimento de equipamento com materiais alternativos para o ensino de espectroscopia. 7° Simpósio Brasileiro de Educação Química, 2009. Acesso: Agosto, 2009. Disponível em http://www.abq. org.br/simpequi/2009/trabalhos/109-5991.htm Mastermon, L. W.; Slowinski; E. J.; Stanttski, C. L. Tradução Jossyl de Souza Peixoto. Princípios de Química. Sexta Edição. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., p. 664, 1990. PACHECOL, J.R. RIBAS, A.S. MATSUMOTO, F.M. Equipamentos alternativos para laboratório de ensino de Química:chapa de aquecimento e calorímetro. XIV Encontro Nacional de Ensino de Química (XIV ENEQ), 2008. Acesso: Outubro de 2009. Disponível em http://www. quimica.ufpr.br/eduquim/eneq2008/resumos/R0075-1.pdf SARTORI, E. R.; BATISTA, É. F.; SANTOS, V. B.; FATIBELLO-FILHO, O.. Construção e Aplicação de um Destilador como Alternativa Simples e Criativa para a Compreensão dos Fenômenos Ocorridos no Processo de Destilação. Química Nova na Escola, v. 31, p. 1-3, 2009. Acesso: Outubro de 2009. Disponível em http://qnesc. sbq.org.br/online/qnesc31_1/10-EEQ-0308.pdf Silva, R. R.; Bocchi, N.; Rocha, R. C. Filho. Introdução à química experimental. São Paulo: McGrawHill, p.98, 1990. VIDAL, Bernard. História da Química. Lisboa-Portugal, Edições 70, Lda.,1986.

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História da Química 01 | Volume 04 | Número 02 | Jul./Dez. 2009 | p. 79-80

Friedrich Sertürner e a Descoberta da Morfina RFF

Classificado como uma anestésico de ação geral, a morfina pertence ao grupo dos chamados opioides. Os opioides, como o nome indica, são os princípios ativos do ópio, o qual, por sua vez, é extraído da papoula (Papaver somniferum). Anestésico potente, a morfina é empregada, por exemplo, em pacientes com casos graves de câncer, devido às dores intensas.

Fórmula estrutural da morfina

Do ponto de vista estrutura-atividade biológica, a presença dos grupos OH torna a morfina solúvel em água (com a qual forma ligações de hidrogênio). Além disso, no pH fisiológico, sabe-se que o átomo de nitrogênio está protonado, o que o torna apto a interagir com um grupo aniônico do neuroreceptor, “simulando”, assim, a ação de anestésicos produzidos pelo organismo, como a endorfina e a encefalina. Foi Friedrich Sertürner (Freidrich Wilhelm Adam Sertürner, 1783 -1841), quem, ao promover o isolamento dos princípios ativos do ópio, terminaria por descobrir a morfina. A descoberta deu-se, oficialmente, em 21 de maio de 1805. O termo ‘morfina’ vem do latim morphium, nome dado por Sertürner ao composto isolado, em referência a Morpheus, o deus grego dos sonhos. Estima-se que, atualmente, mais de 230 toneladas de morfina sejam utilizadas, por ano. Tendo testado em animais, em pessoas e em si mesmo o composto isolado, Sertürner terminaria por constatar os possíveis efeitos, tanto positivos quanto negativos, da morfina sobre o organismo. A morfina seria o primeiro alcaloide a ser isolado, fato que torna a descoberta de Sertürn ainda mais significativa para a história da química.

Friedrich Sertürner



Resenhas

SILVA PASSOS, M. H. da; SOUZA, A. A. de. Química Nuclear e Radioatividade. Campinas: Átomo, 2010. A obra Química Nuclear e Radioatividade aborda o núcleo atômico e suas transformações de forma diferente da que encontramos em livros de Ensino Médio e de Ensino Superior, pois o tema é mostrado de forma abrangente e objetiva. Química Nuclear e Radioatividade nos mostra, em linguagem fl uida e acessível, os aspectos históricos, além de uma teoria aprofundada e exemplifi cada das propriedades e fenômenos relacionados ao núcleo atômico. É importante lembrar que a natureza do núcleo é assunto importante para os químicos, pois a estrutura nuclear está relacionada a inúmeros processos, como a síntese de elementos não encontrados na natureza, geração de energia, determinação de processos biológicos etc. Este livro destina-se, não apenas a docentes e discentes do Ensino Superior, mas a todos os fascinados pela Química Nuclear e que desejem um aprofundamento no tema.

MASSI, L.; QUEIROZ, S. L. Iniciação Científica no Ensino Superior: funcionamento e contribuições. Campinas: Átomo, 2010. Desde a década de 1950 foram instituídos no Brasil, por agências de fomento, programas de incentivo à pesquisa científi ca na graduação. No entanto, existem poucos trabalhos na literatura que investigam a atividade da Iniciação Científi ca desenvolvida em nosso país. A presente obra, dirigida a gestores, docentes e discentes do ensino superior, apresenta e discute algumas características e contribuições da Iniciação Científi ca, aqui entendida como o conjunto de experiências vivenciadas por alunos de graduação, vinculadas a um projeto de pesquisa, elaborado e desenvolvido sob a orientação de um docente, com ou sem fi nanciamento de agências de fomento. O livro apresenta as origens e o estabelecimento da Iniciação Científi ca no interior das universidades brasileiras, além de um detalhamento sobre as principais considerações advindas de diversas pesquisas brasileiras sobre o tema. São levantadas as principais contribuições das pesquisas sobre Iniciação Científi ca, em especial, abordando-a como atividade de formação do universitário. Traz, também, uma avaliação do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científi ca do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico - PIBIC/CNPq - quanto a seus objetivos e caracteriza algumas particularidades REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 04 | Número 01

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Resenhas

do funcionamento da Iniciação Científica. São apresentados os resultados de pesquisas sobre Iniciação Científica em cursos de graduação em Química, nossa área de estudo em particular. São também discutidos os referenciais teóricos da Análise do Discurso de Linha Francesa e da Sociologia e Antropologia da Ciência, empregados em grande parte dos trabalhos relacionados à área de Química. Esperamos que os conteúdos presentes neste livro contribuam para que as Instituições de Ensino Superior, seus docentes e discentes, conheçam melhor a atividade de Iniciação Científica e possam, assim, propor ações que promovam e incentivem o graduando a realizar pesquisa, considerando as inúmeras contribuições advindas dessa atividade. Esperamos, ainda, que nossa obra estimule outros pesquisadores a se envolverem com investigações sobre a Iniciação Científica.

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