ReBEQ v.1 n.1 - Revista Brasileira de Ensino de Química

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ISSN 1809-6158


Coordenação Editorial Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Robson Fernandes de Farias - UFRR Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo

Conselho Editorial Gláucia Maria da Silva – USP|RP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Ricardo Ferreira – UFPE Sérgio Melo – UFC Yassuko Iamamoto – USP.

Endereço da Revista Revista Brasileira de Ensino de Química rebeq@atomoealinea.com.br www.atomoealinea.com.br/rebeq

Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de idéias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes(ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deva ser construído e compartilhado coletivamente. O conhecimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atualização e otimização do Ensino de Química.

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação PUC-Campinas Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jan./jun. 2006 Semestral Publicação científica-educacional 1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos. CDD 540

Revisão Juliana Del Tio Índice para Catálogo Sistemático Editoração Eletrônica Miriam Rosalem

1. Química

Capa Fabio Diego da Silva

Pede-se permuta. - Pide-se cange. We ask for exchange. - On demande l’echange. Si sollecita intercambio. Wir bitten un aurstausch un publikationen.

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SUMÁRIO 7

Editorial

Artigos 9

Extração do beta-caroteno da cenoura e reações de caracterização Sebastião F. Fonseca e Caroline C. S. Gonçalves

13

Uma estratégia para abordar o problema da água no Ensino Fundamental e Médio Maria Raimunda Chagas Silva, Káthia Maria Honório, Albérico Borges Ferreira da Silva, Agnaldo Arroio, Luiz Antônio Caparrós e Ana Maria Silveira

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Crônicas para o ensino de Química: a construção do conceito de densidade a partir de situações do cotidiano Pedro Faria dos Santos Filho

Conceitos e Definições 33

Ácidos e bases Ótom Anselmo de Oliveira

Relatos de Experiência 61

Jogo educativo sobre a tabela periódica aplicado no ensino de Química Rosana A. Giacomini, Paulo Cesar M. L. Miranda, Alzira Suellen K. P. Silva e Carolina B. P. Ligiero

77

Química Analítica Quantitativa Experiemental I: uma oportunidade para a iniciação científica na UFPI Luis Carlos Duarte Cavalcante e Rosa Lina Gomes do Nascimento Pereira da Silva


História da Química 81

A contribuição do professor Ernesto Silva para o ensino de Química Cristiane K. de Oliveira, Gilberto F. de Sá, Ricardo Ferreira e Severino Alves-Jr

89

Sobre o surgimento da Química Teórica no Brasil Myriam M. Segre de Giambiagi

101

Memória fotográfica da Química no Brasil Robson Fernandes de Farias

Resenhas 103

Gestão de Qualidade em Laboratórios Robson Fernandes de Farias

Notícias 105

Busca e estímulo aos talentos para a Química Sérgio Maia Melo

111

Normas para publicação


CONTENTS 7

Editorial

Articles 9

Extraction of beta-carotene from carrot and characterization reactions Sebastião F. Fonseca and Caroline C. S. Gonçalves

13

An approach to teach the problem in the Ensino Fundamental and Medio classes Albérico Borges Ferreira da Silva, Agnaldo Arroio, Luiz Antônio Caparrós and Ana Maria Silveira

21

Chronicles to the Chemistry teaching: the density concept construction based on daily situations Pedro Faria dos Santos Filho

Concepts and Definitions 33

Acids and bases: a revision

Ótom Anselmo de Oliveira Experiences Account 61

Teaching Chemistry with a periodic table board game Rosana A. Giacomini, Paulo Cesar M. L. Miranda, Alzira Suellen K. P. Silva and Carolina B. P. Ligiero

77

Experimental quantitative Analytical Chemistry: a chance for the scientific initiation in the UFPI Luis Carlos Duarte Cavalcante and Rosa Lina Gomes do Nascimento Pereira da Silva


Chemistry History 81

The contribution of professor Ernesto Silva to the Chemistry teaching Cristiane K. de Oliveira, Gilberto F. de SĂĄ, Ricardo Ferreira and Severino Alves-Jr

89

About the beginning of theoretical Chemistry in Brazil Myriam M. Segre de Giambiagi

101

Chemistry photographic memory in Brazil Robson Fernandes de Farias

Reviews 103

Quality management in laboratories Robson Fernandes de Farias

News 105

The search and stimulus to the Chemistry promises SĂŠrgio Maia Melo

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Instructions to authors


EDITORIAL

Neste início de século, frente aos avanços da informatização, Internet, globalização e suas múltiplas facetas, além do desenvolvimento alcançado pela bio e nanotecnologia, é preciso investir muito em ensino, dentro e fora das salas de aula. Nesse contexto, a publicação de uma nova revista, voltada para a temática do ensino de ciências - mais especificamente, o ensino de Química – de fato, é muito bem-vinda. A Revista Brasileira de Ensino de Química, ReBEQ, nasce comprometida não apenas com a divulgação científica, mas, também, com a formação e atualização dos pesquisadores, professores e estudantes da área do ensino, pelo intercâmbio de idéias e experiências que enriqueçam o processo ensino/aprendizagem. Assim, professores universitários e dos ensinos médio e fundamental estão convidados para apresentar, aqui, suas experiências ou contribuições, as quais, com certeza, poderão melhorar a qualidade do ensino de Química no Brasil Se com todo o desenvolvimento alcançado pelo homem nos tempos modernos, o ensino de Química ainda apresenta muitas das mesmas dificuldades já encontradas no passado, somente com muita união, troca de experiências e divulgação de nossos esforços e resultados é que poderemos lutar, juntos, contra todas elas. Assim, a ReBEQ se faz presente para a divulgação de todas as formas de conhecimento e desenvolvimento alcançados, que possam, efetivamente, contribuir para a melhoria da qualidade do ensino de Química em todas as regiões do país, independente do seu nível de aplicação e abrangência. Ao mesmo tempo, ela abre as portas para qualquer profissional divulgar suas idéias e experiências, desde que adequadas aos propósitos da revista. A Revista Brasileira de Ensino de Química vem somar-se a outros veículos de divulgação para toda a comunidade, com o firme propósito de diminuir as diferenças entre aqueles que produzem o conhecimento e aqueles que fazem uso este, sabedora de que essas duas partes são fundamentais para o desenvolvimento tanto da ciência quanto do país. Coordenação Editorial



EXTRAÇÃO DO BETA-CAROTENO DA CENOURA E REAÇÕES DE CARACTERIZAÇÃO Sebastião F. Fonseca* e Caroline C. S. Gonçalves

Resumo O artigo enfoca uma experiência que envolve a extração do beta-caroteno da cenoura e as reações típicas dos alcenos, usando um removedor doméstico e soluções de tintura de iodo e de permanganato de potássio como reagentes. A experiência, realizada com materiais simples e de fácil aquisição, pode ser executada na própria sala de aula. Palavras-chave: beta-caroteno; extração de pigmento; reações de alcenos.

Abstract Extraction of beta-carotene from carrot and characterization reactions The article focus an experiment involving the extraction of beta-carotene from carrot and the characteristic reactions of the alkenes, using a domestic wax solvent of and solutions of commercial iodine tincture and potassium permanganate as reagents. The experiment, carried out with accessible materials, can be executed in an usual class period. Key-words: beta-carotene; pigment extraction; alkene reactions.

Introdução A extração de produtos naturais e sua caracterização utilizando reações são assuntos atraentes para demonstração em sala de aula, mas a pouca disponibilidade de materiais pode desencorajar sua realização. Entretanto, materiais alternativos baratos e acessíveis podem ser utili1, 2 zados com bons resultados . As liga ções duplas carbono-carbono, presentes em alcenos, por exemplo, dão reações de adição características, muitas das quais podem ser acompanhadas pelo descoramento dos reagentes utilizados. Duas dessas reações podem ser executadas facilmente utilizando

*

extrato de cenoura, obtido pela extração com removedor doméstico. O extrato apresenta como constituinte principal o beta-caroteno (I)3, um polieno conjugado que possui cor alaranjada típica, e como reagentes podem ser utilizadas soluções de tintura de iodo e de permanganato de potássio, preparadas com produtos disponíveis comercialmente.

Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas. CP: 6154, CEP: 13083-970. Os autores agradecem o apoio e o incentivo dos Grupos de Ensino de Química do Instituto de Química da UNICAMP.

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Sebastião F. Fonseca e Caroline C. S. Gonçalves

Materiais 1. Extração do beta-caroteno: â Recipiente de vidro Pyrex ; ralador de 3 legumes; provetas de 10 e 50 cm (ou recipientes graduados compatíveis); pistilo de madeira; conta-gotas (ou pipeta de Pasteur); metade de uma cenoura média ralada; 15-20 mL de acetona comercial (removedor de esmaltes) e 70 mL de removedor de ceras doméstico. 2. Testes de caracterização: Provetas de 10 e 100 mL (ou outros recipientes graduados compatíveis); conta-gotas (ou pipetas de Pasteur); 6 tubos de ensaio; solução de extrato de cenoura em acetona/removedor; solução de tintura de iodo (1 mL diluído em 9 mL de acetona comercial); comprimido de 0,1 g de permanganato de potássio; 200 mL de água.

Parte experimental 1. Extração do beta-caroteno: Ralar, em forma de aparas, em um ralador de legumes, metade de uma cenoura de tamanho médio e colocar em um recipiente de vidro â Pyrex para guar dar ali men tos. Adi ci onar cerca de 10 mL de acetona comercial, 50 mL de removedor de ceras e macerar o material com um pistilo de madeira durante alguns minutos. Decantar as fases líquidas para outro recipiente. Separar a fase aquosa (inferior) com um conta-gotas (ou pipeta de Pasteur). Preparar com a fase orgânica (superior) uma solução contendo duas partes de extrato/removedor para uma de acetona, para melhorar a miscibilidade, e proceder os testes indicados a seguir. Se for necessário, adicione 20 mL de removedor às aparas de cenoura utilizadas e faça nova extração. 2. Testes de caracterização: a) Reação com solução de iodo (tintura de iodo): Diluir 1 mL de tintura de iodo em 9 mL de acetona comercial. Colocar em um tubo de ensaio 1 mL da solução de tintura de iodo/ aceto na e adi ci o nar em por ções, com um conta-gotas, a solução de extrato de cenoura em

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removedor/acetona (2-3 mL). Agitar o tubo a cada adição de reagente e observar a mudança de coloração. Repetir o teste adicionando gotas da solução de iodo/acetona à solução de extrato de cenoura e comparar com o resultado do teste anterior. Manter um tubo com apenas tintura de iodo/acetona para as comparações. b) Reação com uma solução de permanganato de potássio: Preparar uma solução de KMnO4 dissolvendo um comprimido (100 mg) em 100mL de água e agitando para deixar a solução homogênea. Diluir 1 mL dessa solução em 100 mL de água para a realização dos testes. Colocar em um tubo de ensaio cerca de 2 mL de solução diluída de KMnO4 e adicionar, com um conta-gotas (agitar após cada adição), 2-3 mL de solução de extrato de cenoura em removedor/acetona (2-3 mL) e observar a mudança de coloração. Repetir o teste adicionando gotas da solução de KMnO4 à solução de extrato/removedor e comparar com o resultado anterior. Manter um tubo de ensaio apenas com solução diluída de KMnO4 para as comparações.

Resultados e discussão O extrato de cenoura ralada foi obtido por â maceração em um recipiente de vidro Pyrex , com removedor de ceras doméstico (constituído, principal mente, por alca nos de cadeia longa), em presença de pequena quantidade de acetona comercial (Figura 1). A fase extrato/remo ve dor foi se pa ra da fa cil men te da aquosa/acetona com um conta-gotas. A solução extrato/removedor foi submetida a reações com: a) solução de tintura de iodo, diluída em acetona, e b) solução aquosa de permanganato de potássio, obtida pela dissolução de um comprimido do reagente. A adição da solução extrato/removedor (cerca de 2cm3), em porções, a 2 cm3 de solução de tintura de iodo/acetona, em tubo de ensaio, levou à diminuição gradativa da cor castanha da solução (Figura 2), indicando a formação do


Extração do beta-caroteno da cenoura e reações de caracterização

Figura 1. Obtenção do extrato de cenoura.

Figura 2. Reação do extrato de cenoura com solução de tintura de iodo.

produto dihalogenado correspondente3, 4 (Esquema 1). A solução de tintura de iodo/acetona foi descorada, imediatamente, ao ser adicionada, gota a gota, sobre a solução de extrato/removedor. A adição em tubo de ensaio, de cerca de 3 2 cm da solução extrato/removedor à solução diluída de KMnO4, de cor violeta, promoveu o descoramento total da solução (Figura 3), eviden3, 4 ciando a formação do produto de adição (Esquema 2). Como na reação anterior, a solução de KMnO4 apresentou descoloração imediata quando foi adicionada, gota a gota, à solução de extrato/ removedor. A reação de alcenos com KMnO4 em solução aquosa neutra é conhecida como teste de Baeyer5. O descoramento da solução é baseado na formação do intermediário 3 (Esquema 2), passando a 4, que, por sua vez, fornece, de maneira lenta, o diol 5 e MnO2, embora a reação ocorra rapidamente em meio alcalino e em meio ácido.6, 7 A extração e as reações podem ser realizadas em sala de aula e utilizadas como motivação para uma abordagem sobre alcenos, suas estruturas e reações de adição, envolvendo, ainda, os conceitos de solubilidade e extração. É importante lembrar que para esclarecimento de certos aspectos das reações é necessária uma consulta à bibliografia específica. H

H C

C

R

Figura 3. Reação do extrato de cenoura com solução aquosa de KMnO4. H C R

H

H C + MnO4

R'

R'

H

C

C

I

I

R'

Esquema 1. Reação de adição de iodo a um alceno.

H

R

R

H

H

H

C

C

OH

OH

H

H

C

C

OH

OMnO 2

R' C

R

C

O

O

R'

R

R'

Mn O

O

-

Esquema 2. Reação de adição de KMnO4/H2O a um alceno.

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Sebastião F. Fonseca e Caroline C. S. Gonçalves

Considerações finais

Referências

A extração da cenoura ralada, utilizando removedor doméstico, foi rápida e forneceu um extrato que foi separado com facilidade da fase aquosa. A reação do extrato com solução de tintura de iodo/acetona foi visualizada pela diminuição gradativa da cor castanha. A reação do extrato com solução aquosa de KMnO4 foi evidenciada pelo descoramento total da solução violeta. As duas soluções descoraram, imediatamente, quando foram adicionadas à solução de extrato/removedor. As reações típicas dos alcenos evidenciaram a presença do beta-caroteno como cons ti tu in te prin ci pal do ex tra to de cenoura. Além de exemplificar reações típicas de alcenos, o experimento ilustra a extração rápida e eficiente de um corante natural utilizando como solvente um removedor de ceras doméstico. Com essas características o experimento poderá despertar a atenção dos professores e alunos do ensino médio para a Química Orgânica e para a Química de Produtos Naturais.

1. HESS, S. Experimentos de química com materiais domésticos. Moderna: São Paulo, 1997.

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2. FONSECA, S. F.; GONÇALVES, C. C. S. Extração de pigmentos do espinafre e separação em coluna de açúcar comercial. Química Nova na Escola, 20, 55, 2004. 3. SOLOMONS, T. W. G. Química Orgânica. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, v. 1, cap. 8 e p. 558, 1996. 4. REUSCH, E. H. Química Orgânica. São Paulo: McGraw-Hill, v. 1, cap. 5, 1977. 5. SWINEHART, J. S. Organic Chemistry: an experimental approach. New York: Meredith, 1969. p. 97-99. 6. MARCH, J. Advanced Organic Chemistry. 3. ed. New York: Wiley, 1985. p. 732-733. 7. HOUSE, H. O. Modern synthetic reactions. New York: Benjamin, 1965. p. 92-93.


UMA ESTRATÉGIA PARA ABORDAR O PROBLEMA DA ÁGUA NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO Maria Raimunda Chagas Silva, Káthia Maria Honório, Albérico Borges Ferreira da Silva*, Agnaldo Arroio,** Luiz Antônio Caparrós e Ana Maria Silveira***

Resumo Este trabalho tem o objetivo de promover, nos ensinos fundamental e médio, a Educação Ambiental, notadamente os aspectos relativos à química ambiental. Para isso, utilizou-se, como tema para análise, discussão e reflexões de problemas locais, as águas do córrego do Tijuco Preto (São Carlos- SP). O interesse dos alunos foi despertado por meio de trilhas nas margens do córrego e pela ánalise de amostras de sua água. A partir dos resultados obtidos, foi proposta uma mudança de atitudes, valores e comportamentos diante dos problemas ambientais, proporcionando uma prática de ensino e de cidadania integrada pelo paradigma educativo-socioambiental. Palavras-chave: água; Química; Educação Ambiental.

Abstract An approach to teach the water problem in the Ensino Fundamental e Medio classes This work has the goal to promote Environmental Education in High and Basic School in order to develop the awareness on preservation and conservation of the environment. For this, it was used the basin of the Tijuco Preto stream (São Carlos, SP) and its water as the subject for analysis, discussion and reflection of local environmental problems. Levels of sensibility of the students on environmental problems were achieved by means track and analysis of water samples of the Tijuco Preto stream. From the observed results it was proposed for the students a change of attitude, values and behavior before environmental problems, providing one practical use of education and citizenship integrated by the science-education-technology paradigm. Key-words: water; Chemistry; Environmental Education.

*

Departamento de Química e Física Molecular, Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo, CP 780 13560-970, São Carlos - SP. E-mail: alberico@iqsc.usp.br ** Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, Av. da Universidade 308, 05508-040, São Paulo – SP. *** Centro de Recursos Hídricos e Ecologia Aplicada, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, 13560-970, São Carlos - SP.

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Maria R. C. Silva, Káthia M. Honório, Albérico B. F. da Silva, Agnaldo Arroio, Luiz A. Caparrós e Ana M. Silveira

Introdução

A

Educação Ambiental surgiu das reflexões sobre os problemas ambientais ob ser va dos nas úl ti mas dé ca das. O termo “Educação Ambiental” começou a se tornar oficial durante a Conferência de Tbilisi, em 1977, na Geórgia, onde foram definidos e sistematizados os princípios que orientaram o desenvolvimento desta nova área de estudo em âmbito regional, nacional e internacional.1 A Conferência propôs a educação como papel fundamental no que diz respeito ao esclarecimento de problemas relacionados ao meio ambiente. Considerando que todas as pessoas deveriam gozar do direito à educação, a Conferência de Tbilisi definiu alguns tópicos a serem abordados em Educação Ambiental:

• Auxiliar a compreensão sobre a existência e a importância da interdependência econômica, social, política e ecológica nas zonas urbanas e rurais;

• Proporcionar, a todas as pessoas, a possibilidade de adquirir os conhecimentos, o sentido dos valores, o interesse e as atitudes necessárias para proteger e melhorar o meio ambiente;

• Induzir novas formas de conduta nos indivíduos, nos grupos sociais e na sociedade, em seu conjunto, a respeito do meio ambiente. A aplicação dos conceitos envolvidos em Educação Ambiental no Ensino Médio e Fundamental não se refere a uma nova disciplina, o que acarretaria a necessidade de um novo professor. Os próprios professores que já ministram aulas podem utilizar conceitos envolvidos em Educação Ambiental, conduzindo os alunos a revisar e criar novos valores sociais, conhecimentos, habilidades e atitudes voltadas para a preservação e conservação do meio ambiente, promovendo a melhoria da qualidade de vida e a sua sustentabilidade. Esse novo modo de educar pressupõe também “conhecer as partes no todo e o todo nas partes, e ainda os elos que

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transpassam os pontos”. A essa abordagem denomina-se visão sistêmica do conhecimento, o que leva o indivíduo a compreender o todo e 2 suas inter-relações. Com o objetivo de promover a educação ambiental para alunos do ensino médio (neste caso, alunos do Colégio Adventista de São Carlos, SP) e desenvolver a conscientização sobre preservação e conservação do meio ambiente, utilizou-se a bacia do córrego Tijuco Preto, em 3 São Carlos, como unidade de abordagem . Alguns parâmetros empregados para medir a 4 qualidade da água foram utilizados como elementos de integração para análise, discussão e reflexão sobre os problemas ambientais locais. As condições da água de rios e lagos, em geral, são alterados em função da utilização e ocupação do solo pelo homem, bem como pelos dejetos e resíduos lançados em suas águas. Dessa forma, conhecer as características da água possibilita tomar conhecimento do grau de alteração que estes rios e lagos podem estar sofrendo. 2 De acordo com Espíndola , o córrego Tijuco Preto está situado em uma área bastante urbanizada. Ao longo do seu curso, observam-se locais de deposição de lixo nas margens, locais semicanalizados, suportando travessias, e um trecho canalizado. A referida canalização foi realizada pela Prefeitura Municipal de São Carlos, no ano de 1983, (para a abertura de uma via marginal) resultando em danos ambientais uma vez que corpos d’água foram soterrados. Esses danos provocaram alterações nas condições ambientais, tais como o isolamento do curso da água superficial, impedindo sua interação 5 com o meio físico . Neste trabalho, a escolha dos locais de coleta de água para análises considerou os resultados de outros trabalhos realizados na região do córrego Tijuco Preto, pesquisados no ano de 1999 3 por Motz e colaboradores , o que permitiu uma avaliação temporal da qualidade da água. Foram selecionados três pontos desde a nascente até a foz, e as coletas ocorreram em dois períodos: maio e agosto de 2002. Uma breve caracterização de cada ponto de coleta pode ser realizada:


Uma estratégia para abordar o problema da água no Ensino Fundamental e Médio

• o ponto 1 se refere a uma nascente do córrego Tijuco Preto e está localizado em uma área residencial;

• o ponto 2 está localizado na Av. Trabalhador São-carlense (via expressa), próximo a um posto de combustível. Este ponto apresenta, na margem esquerda, uma indústria alimentícia desativada e uma fábrica de tapetes e, na margem direita, pequenas chácaras e residências, utilizado atualmente, como pasto de animais;

• o ponto 3 também está localizado na Av. Trabalhador São-carlense, próximo a um posto de combustível e a uma ponte, apresentando depósitos de lixo e entulho.

Metodologia Inicialmente, foi realizada uma incursão ao longo do Córrego do Tijuco Preto para a escolha dos pontos de coleta, levando em consideração a proximidade do colégio e promovendo um maior envolvimento dos alunos participantes do projeto. Foram selecionados três pontos de coleta das amostras de água desde a nascente até a foz, em dois períodos diferentes (maio e agosto de 2002). A metodologia de análise dos parâmetros físico-químicos da água baseou-se na utilização de um kit para análises da qualidade da água, fornecido pelo Centro de Recursos Hídricos e Ecologia Aplicada (CRHEA). Os parâmetros analisados foram: temperatura do ar e da água, pH, oxigênio dissolvido e condutividade elétrica. O kit utilizado consiste de aparatos básicos para análises iniciais dos recursos hídricos. Este kit pode ser considerado de fácil manuseio, podendo ser utilizado por pessoas de diferentes faixas etárias e grau de instrução. Ele possui um medidor de pH, um medidor de condutividade elétrica, termômetros de mercúrio, frascos coletores e soluções para determinação de oxigênio dissolvido (OD), frascos para armazenamento de amostras e vidraria básica. A utilização dele

permite a determinação de cinco parâmetros de qualidade da água: pH, temperatura, condutividade elétrica, transparência e oxigênio dissolvido. Outra atividade realizada foi uma dinâmica de grupo com os alunos do terceiro ano do Ensino Médio, visando a conscientização sobre os problemas ambientais relacionados à poluição das águas e suas implicações na relação entre homem e natureza. O trabalho foi desenvolvido como um projeto interdisciplinar congregando as disciplinas de Química, Física, História, Geografia e Artes. Após a dinâmica, foi proferida uma palestra sobre questões ambientais e, em seguida, os alunos saíram para um reconhecimento da área e para uma observação dos problemas ambientais presentes ao longo do córrego. Durante as aulas teóricas, foram discutidos os conceitos relacionados com o conteúdo de Química e envolvidos nas análises da qualidade da água. Os alunos formaram grupos para realizar as coletas das amostras e análises in loco e no laboratório da escola. As medidas de temperatura foram realizadas no local de coleta, em tempo real. Para as análises do oxigênio dissolvido (OD), as amostras foram coletadas em frascos âmbar e fixadas com reagentes para posterior análise em laboratório. Para as medidas de condutividade e pH, a água foi acondicionada em frascos de polietileno e as medidas realizadas no laboratório de química do colégio. Os alunos participaram tanto das análises in loco, quanto das análises no laboratório.

Resultados e discussão As atividades práticas foram discutidas previamente na sala de aula, buscando evidenciar a relação entre cada parâmetro empregado na análise, os conceitos químicos e suas implicações nos fatores ambientais. As atividades de análise possibilitam a aprendizagem do manuseio de equipamentos e vidrarias no trabalho experimental. Após as análises realizadas in loco e no laboratório, os dados foram tratados e apresentados na forma de gráficos e tabelas para discussão e interpretação destes.

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Maria R. C. Silva, Káthia M. Honório, Albérico B. F. da Silva, Agnaldo Arroio, Luiz A. Caparrós e Ana M. Silveira

Análise da temperatura do ar e da água Os rios e lagos podem ser classificados de acordo com as temperaturas de suas águas, mas a distribuição do calor não é uniforme. A estratificação térmica faz com que se formem camadas de temperaturas diferentes em relação as suas características físicas e mesmo químicas em diferentes períodos do ano. Os resultados das análises da qualidade da água evidenciaram o quadro de degradação ambiental que vem ocorrendo no córrego Tijuco Preto ao longo do tempo. A análise da temperatura da água é uma variável importante a ser salientada aos alunos, pois exerce influência marcante na velocidade das reações químicas, nas atividades metabólicas dos organismos, na solubilidade de substâncias e, especialmente, na solubilidade do oxigênio. Os 6 ambientes aquáticos brasileiros apresentam, em 0 geral, temperaturas na faixa de 20 a 30 C. A partir dos dados coletados, foi possível verificar a variabilidade nos valores de temperatura do ar referentes aos dois períodos de amostragem (Tabela 1), ou seja, na primeira coleta foram ob0 0 servadas temperaturas de 20 C (mínima) e 24 C (máxima). As discussões sobre os valores encontrados enfatizaram que não é o efeito direto do calor sobre os organismos aquáticos que deve ser considerado, mas sim o efeito ecológico (indireto) resultante da perda de oxigênio pela água sempre 7 que a temperatura é ligeiramente elevada , evidenciando as inter-relações ambientais.

Tabela 1. Valores encontrados para temperatura do ar e da água. Ponto

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T ºC (ar)

T ºC (água)

05/2002

08/2002

05/2002

08/2002

1

24

21

23

19

2

24

20

23

22

3

24

20

23

25

O comportamento de vários organismos aquáticos se difere em relação à temperatura do ambiente. Logo, a vida destes organismos é diversamente afetada pelas grandes variações de temperatura causadas pelo lançamento de despejos aquecidos, em geral, provenientes de indústrias, sistemas de refrigeração etc.

Análise dos valores de pH Existe uma estreita relação entre os reinos vegetais, animais e o meio aquático. Essa relação ocorre na medida em que o meio aquático interfere no pH, assim como o pH interfere de diferentes formas no metabolismo desses reinos. A maioria dos organismos, na água, apresenta acentuada preferência por uma determinada reação do ambiente. Nessa reação, a relação de + equilíbrio químico entre os íons H e OH , em solução, regula, intensivamente, numerosos processos fisiológicos tanto em animais, quanto em vegetais. Além de ter grande influência sobre numerosos processos químicos e biogeoquímicos, os processos de decomposição e mineralização de compostos orgânicos, importantes no ciclo das substâncias nutritivas na água, sofrem influência direta desse equilíbrio químico. A influência do pH sobre os ecossistemas aquáticos naturais ocorre por seus efeitos diretos e indiretos sobre a fisiologia das diversas espécies, quer por determinar condições que favoreçam a precipitação de substâncias tóxicas, tais como metais pesados, ou ainda por alterarem a solubilidade de nutrientes. Após a coleta das amostras, os valores de pH medidos foram organizados em forma de tabelas para melhor discussão dos resultados. Na Tabela 2, estão resumidos os valores de pH das amostras de água nos dois períodos de coleta (maio e agosto de 2002). O menor valor de pH foi observado no ponto 1 (nos dois períodos de coleta), variando entre 6,46 e 6,49. Isso se deve, provavelmente, aos dejetos domésticos, pois este ponto encontra-se localizado em uma área residencial.


Uma estratégia para abordar o problema da água no Ensino Fundamental e Médio

Tabela 2. Valores encontrados para os parâmetros: pH, oxigênio dissolvido (OD) e condutividade elétrica.

A importância das análises de pH das amostras de águas pode ser evidenciada aos alunos levando-se em consideração que a grande maioria dos corpos d’água continentais apresentam pH variando entre 6 e 8. Para essas medidas, mostrou-se aos alunos como o valor de pH influi na distribuição das formas livre e ionizada de diversos compostos quími cos, além de contribuir para maior ou menor grau de solubilidade das substâncias e definir o potencial de toxicidade de vários elementos.6 O pH pode ser considerado uma das variáveis ambientais importantes, assim como uma das mais difíceis de se interpretar, dado o grande número e complexidade dos fatores que podem influenciá-lo.

ponto 1 (3 mg/L) e o valor mínimo nos pontos 2 e 3 (1,8 e 2,4 mg/L, respectivamente). Na segunda coleta, a maior concentração encontrada foi no ponto 3 (7,1 mg/L) e o valor mínimo foi observado nos outros dois pontos (5,7 mg/L). De acordo com a resolução n0 20, Art. 70, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA (http://www.mma.gov.br/port/conama/), para os valores dos parâmetros físico-químicos analisados, o córrego Tijuco Preto é considerado inadequado para consumo humano. Sabendo-se que menores concentrações de oxigênio estão relacionadas com altas temperaturas, pode-se dizer que o oxigênio dissolvido (OD) no ecossistema aquático é um dos fatores mais importantes na dinâmica e na caracterização deste, e que as principais fontes para sua obtenção, para o ambiente aquático, são a atmosfera e a fotossíntese. Também foram discutidos alguns aspectos relacionados à legislação ambiental e aos parâmetros físico-químicos analisados. O oxigênio dissolvido na água é uma variável muito importante na caracterização do ambiente e seus valores podem ser utilizados como indicadores da qualidade da água, lembrando que baixas concentrações de oxigênio na água podem indicar poluição.

Concentração de oxigênio dissolvido (OD)

Valores de condutividade elétrica nas amostras de água

O oxigênio é um dos mais importantes gases dissolvidos na água, indispensável para os seres vivos aquáticos e elemento essencial para a sobrevivência de organismos aeróbicos. Porém, muitos organismos não sobrevivem em condições abaixo de um determinado limite de concentração de oxigênio dissolvido. Por essa razão, é um parâmetro extremamente importante na dinâmica e na caracterização dos 4 ecossistemas aquáticos . Na Ta be la 2, es tão apre sen ta das as concen tra ções de oxi gê nio dis sol vi do nas amostras de água, coletadas nos dois períodos de amostragem (maio e agosto de 2002). Na primeira coleta, o valor máximo encontrado foi no

A condutividade elétrica é um indicador da capacidade da água em conduzir eletricidade. A condução elétrica ocorre em função da maior concentração de íons (substâncias quími4 cas eletricamente carregadas) . As substâncias nutritivas se apresentam na forma de íons dissolvidos na água; dessa maneira, a medida da condutividade elétrica nos possibilita obter in for ma ções acer ca da con cen tra ção to tal dessas substâncias. Por meio da medida da condutividade, é possível detectar fontes poluidoras nos sistemas aquáticos, já que valores elevados podem implicar em poluição, ou ainda, avaliar a disponibilidade de nutrientes nos ecossistemas aquáticos.

Ponto

pH

OD (mg/L)

Condutividade elétrica (mS/cm)

05/2002 08/2002 05/2002 08/2002 05/2002 08/2002 1

6,49

6,43

3,00

5,07

129

120

2

7,12

7,30

1,80

5,07

275

305

3

7,18

7,41

2,40

7,10

260

273

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Maria R. C. Silva, Káthia M. Honório, Albérico B. F. da Silva, Agnaldo Arroio, Luiz A. Caparrós e Ana M. Silveira

A condutividade elétrica de uma solução é a capacidade desta em conduzir corrente elétrica. Na Limnologia (estudo da ecologia de ambientes aquáticos de água doce), adota-se 0 como padrão a temperatura de 25 C para a realização das leituras de condutividade elétrica. Além da temperatura, o pH da amostra pode ter grande influência sobre os valores de condutividade elétrica. A condutividade da água é uma das variáveis mais importantes em análises de águas, pois pode fornecer valiosas informações tanto sobre o metabolismo do ecossistema aquático, como sobre fenômenos 3 que ocorram na bacia de drenagem. Os valores de condutividade elétrica, nas amostras de água coletadas nos dois períodos de estudo (maio e agosto de 2002), são apresentados na Tabela 2. Enquanto as águas naturais apresentam valores de condutividade na faixa de 10 a 100 mS/cm, em ambientes poluídos por esgotos domésticos ou industriais os valores podem chegar até 1.000 mS/cm. A partir dos valores obtidos, pode-se mostrar aos alunos que todos os valores ultrapassaram 100 mS/cm e que os pontos 2 (próximo de indústrias) e 3 (próximos a um posto de combustível) apresentam os maiores valores para a segunda coleta. A partir desses altos valores de condutividade, pode-se ilustrar aos alunos os impactos causa6 dos por atividades antrópicas ao meio ambiente, já que nos pontos onde se observam os maiores valores de condutividade existem indústrias, postos de combustíveis e depósitos de entulhos. A condutividade elétrica também é uma das va riá ve is im por tan tes nos es tu dos da qualidade da água, pois pode fornecer informações sobre o metabolismo do ecossistema aquático, bem como sobre os fenômenos que ocorrem em sua bacia, em especial, os referentes às atividades humanas tais como despejo de esgoto doméstico e industrial, atividades agro-pastoris e outras.

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Considerações finais Ao longo deste trabalho, a importância da água para a sobrevivência do homem foi abordada por alguns parâmetros físico-químicos, dando suporte para um projeto de implantação da Educação Ambiental no Ensino Médio. A discussão sobre questões ambientais gera um maior conhecimento dos processos que afetam a nossa qualidade de vida. A atividade de análise da qualidade da água criou um ambiente de motivação para os alunos, evidenciado pelo engajamento destes. Os conteúdos abordados durante as análises da qualidade da água acabam se tornando mais significativos para os alunos, pois agora eles estão relacionados, diretamente, com problemas do cotidiano. Por meio de atividades de campo, a proposta objetivou a sensibilização dos alunos do Ensino Médio, possibilitando aos educadores e educandos entrarem em contato direto com o meio ambiente natural, vendo o mundo não mais compartimentalizado (como, muitas vezes, é abordado em sala de aula), mas como uma relação de interdependência. Para tanto, é preciso, sempre que possível, proporcionar aos alunos o contato com o meio ambiente, quando novas descobertas poderão ser realizadas, ajudando-os a viver bem e conviver cada vez melhor com os recursos naturais. A importância da Educação Ambiental na melhoria da qualidade de vida da população se apresenta como uma forma promissora de propor uma mudança de atitudes, de valores e de com por ta men tos fren te aos pro ble mas 8 ambientais , proporcionando uma prática do ensino e de cidadania integrada pelo paradigma educativo-socioambiental.

Referências 1. CASCINO, F. Educação ambiental: princípio, história, formação de professores. São Carlos: SENAC, 1999.


Uma estratégia para abordar o problema da água no Ensino Fundamental e Médio

2. ESPÍNDOLA, E. L. G. ; SILVA, J. S. V.; MARINELLI, C. E.; ABDON, M. M. A. Bacia hidrográfica do rio do Monjolinho – Uma abordagem ecossistêmica e a visão interdisciplinar. São Carlos: Rima, 2000. 3. MOTZ, A .V. M.; PASTORI, F.R.V.; QUEIROZ, L. A. Educação ambiental: a bacia hidrográfica como método de abordagem e ensino. (Monografia) Universidade de São Paulo, São Carlos, 1999. 4. MORAIS, A. J. Manual para avaliação da qualidade da água. São Carlos: Rima, 2001.

5. SÉ, J. M. S. Educação ambiental na bacia hidrográfica do rio Monjolinho. São Carlos: Rima, 1996. 6. VON SPERLING, E. Qualidade de água. In: Curso de gestão de recursos hídricos aplicados a projetos agrícolas. ABEAS: São Paulo, 1997. 7. BRANCO, S. M. A Morte de nossos rios. São Paulo: Moderna, 1983. 8. Grassi, M. T. As águas do planeta Terra. In: JARDIM, Wilson F. (Org.). Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola, p. 31, 2001.

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CRÔNICAS PARA O ENSINO DE QUÍMICA: A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE DENSIDADE A PARTIR DE SITUAÇÕES DO COTIDIANO Pedro Faria dos Santos Filho*

Resumo A atividade do professor de química vem se tornando cada vez mais difícil em função da escassez de novos materiais didáticos, que enfatizem abordagens alternativas para velhos tópicos de ensino de química. A finalidade de utilizar estes materiais é tornar o aprendizado mais acessível e atraente aos alunos do ensino médio. Este trabalho se baseia na confecção de uma crônica, a partir da qual se constrói o conceito de densidade; ela enfatiza situações do dia-a-dia do aluno e aproxima o cotidiano e suas ocorrências aos conceitos que lhe estão atrelados. Apesar de requerer mais tempo, uma abordagem deste tipo se mostrou muito mais atraente e estimulante, tanto para alunos quanto para professores, ao mesmo tempo em que sepultou, definitivamente, aquelas velhas questões referentes à necessidade de se estudar este conteúdo. Palavras-chave: densidade; novas abordagens; química do cotidiano.

Abstract Chronicles to the Chemistry teaching: the density concept construction based on daily situations Teaching chemistry is an activity that is becoming more and more difficult to teachers, mainly due to the lack of new materials emphasizing alternative approach to old topics in chemistry. The purpose to use these materials is to turn the learning in chemistry more accessible and attractive to students in the high school. This work is based on the writing of a chronicle, from which the concept of density emerges. It emphasizes simple students situations and approaches the concepts to daily life. Although it requires a little more time to develop the ideas, this approach seems to be much more attractive and stimulating to students and teachers, at the same time it definitively buries those old questions concerning the necessity of study this topic. Key-words: density; new approachs; daily chemistry.

Introdução O ensino/aprendizagem das chamadas ciên ci a s exa tas en con tra uma sé rie de dificuldades, particularmente, nos níveis mais fundamentais. Essas dificuldades passam por pre con ce i tos, idéi as er ra das, as si mi la das *

indevidamente, dificuldade para abstração, dissociação do cotidiano etc. Contudo, dentre essas e outras, talvez a dificuldade mais patente seja a falta de relacionamento do conteúdo a ser ensinado/aprendido com situações imaginá-

UNICAMP – Instituto de Química CP 6154, CEP: 13083-970. E-mail: pfaria@iqm.unicamp.br

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Pedro Faria dos Santos Filho

veis e coerentes com a maturidade de quem está tentando aprendê-lo. Historicamente, a falta de relacionamento do conteúdo ensinado/ aprendido com situações do cotidiano sempre foi marcante. As velhas questões formuladas pelos alunos, tais como: “Para que aprender isto?” “Qual a importância deste conteúdo para a minha vida?” “Para que estudar este assunto se não pretendo seguir esta carreira?”, além de muitas outras, tornam-se cada vez mais freqüentes. Em outras palavras, a medida em que o tempo passa, mudam os alunos, mudam os professores, mas as mesmas questões e a mesma falta de justificativa para o estudo de certos assuntos permanecem. No caso específico do ensino de Química, essa situação parece incoerente; dentre os professores das disciplinas que compõem as chamadas ciências exatas, o de Química é o grande privilegiado. Ele dispõe de, praticamente, todo o meio ambiente para ilustrar suas aulas, além de uma infinidade de situações do cotidiano, que podem ser inseridas em suas aulas, para ilustrar determinados conceitos. Ainda assim, em posse de todo esse arsenal, o ensino de Química é considerado pelos alunos como de difícil compreensão e/ou assimilação e, invariavelmente, dissociado da vivência do aluno naquele nível de aprendizado. Nesse contexto, podemos destacar, ainda, a constatação de que, infelizmente, a grande maioria dos professores dessa disciplina é muito dependente do livro-texto adotado pela instituição. Aparentemente, o livro-texto acaba atuando como o ditador da conduta do professor, limitando-o e, talvez, até inibindo a sua criatividade. Em outros casos, as chamadas apostilas, desenvolvidas pela própria instituição, acabam tomando este papel, determinando a natureza do conteúdo, tornando-o incontestável e inacessível a qualquer tipo de crítica, seja ela de qualquer natureza. Dessa maneira, o ensino de Química, na maior parte dos casos, acaba sendo um reflexo da natureza do livro-texto adotado. O grande problema, aqui, reside no tipo de abordagem que os livros acabam fazendo. Normalmente, os conteúdos são expostos de maneira técnica e

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dissociados de situações familiares aos alunos. Além disso, o ensino de química encontra, ainda, uma outra dificuldade: ter que contar com a capacidade de abstração do aluno; em outras palavras, o professor tem que saber contar com a capacidade de imaginação dos seus alunos. O grande impasse é que vários assuntos ainda são muito abstratos para os alunos naquele nível de aprendizado. Imaginemos, por exemplo, o ensino de estrutura atômica e ligação química, no Ensino Médio, tal como é proposto na maioria dos livros-texto. Espera-se que o aluno “imagine” camadas, níveis de energia, distribuição eletrônica, elétrons, eletrosfera etc., sem sequer saber se tudo isso realmente existe. Esta avalanche de informações acaba sendo passada ao aluno dissociada de qualquer contexto “imaginável” para ele naquele momento mas como essa é a abordagem apresentada no livro, infelizmente, a maioria dos professores acaba se limitando a repeti-la. Talvez fosse mais atraente ao aluno, e mais fácil para o professor, quando estivesse desenvolvendo esse assunto, utilizar abordagens alternativas, ilustrando as diferentes cores observadas na chama do gás de cozinha, provenientes da queima de diferentes sais, os quais são encontrados em qualquer farmácia, incluindo o tão familiar sal de cozinha, ou mesmo mostrar as queimas de fogos de artifício que são feitas em várias épocas do ano. Na verdade, esses são argumentos muito simples, principalmente, ao nível de imaginação do aluno, e que podem ser utilizados para explicar os modelos atômicos mais adequados para cada nível de ensino/aprendizagem. Fi nal men te, além de as abor da gens serem muito dissociadas do universo do aluno, naquele estágio de sua vida, o nível de aprofundamento no assunto também parece ser inadequado. No caso específico do Ensino Médio, o que se espera da formação do aluno é que ela facilite a interação dele com o seu meio e que isso possa, na medida do possível, melhorar, de alguma forma, a sua qualidade de vida. Em outras palavras, a escolha da “dose certa” no


Crônicas para o ensino de Química: a construção do conceito de densidade a partir de situações do cotidiano

detalhamento dos assuntos parece ser outra grande dificuldade encontrada por autores de livros e professores de Química. Resumidamente, podemos dizer que, considerando o perfil dos alunos do Ensino Médio, bem como o nível de exigência das escolas, para os professores da área está se tornando cada vez mais difícil executar a sua tarefa. Diante do exposto, fica claro que a situação do professor se torna cada vez mais difícil e que a busca por formas alternativas de abordagem dos conteúdos desenvolvidos, particularmente no Ensino Médio, torna-se cada vez mais necessária. Pensando assim é que nos propusemos a desenvolver abordagens alternativas para conteúdos básicos, importantes para qualquer nível de aprendizado de química e estudados em qualquer escola de nível médio.

Desenvolvimento do trabalho A idéia fundamental que norteou esta proposta é que, qualquer que seja a abordagem feita, o conteúdo programático deve ser facilmente imaginável ao aluno. Ele tem que ser capaz de imaginar tudo aquilo de que se está falando e, de preferência, que isso faça parte de seu dia-a-dia. Em outras palavras, se ele for capaz de vivenciar o seu aprendizado e de praticá-lo no seu cotidiano, mais efetivo este o será. A grande dúvida é se é possível fazer tudo isso. Em caso afirmativo, a pergunta óbvia é: como fazer? Pensamos que uma alternativa seria propor que todo o ensino fosse baseado em fatos reais, divulgados pelos meios de comunicação cujas explicações ou soluções fossem baseadas em algum princípio químico ou físico. Esses fatos poderiam ser casos policiais ou quaisquer ocorrências que despertassem a atenção da mídia e da população. Um exemplo disso seria o resgate de um helicóptero que afundou, no litoral carioca, em decorrência de um acidente. Todas as tentativas de resgatá-lo utilizando os equipamentos mais modernos e sofisticados, além de toda a tecnologia disponível foram infrutíferas. O seu resgate acabou sendo efetuado

utilizando velhos tambores que se encontravam nas imediações, aplicando apenas o conceito de densidade. Se fôssemos capazes de colecionar um número razoável de ocorrências dessa natureza, poderíamos desenvolver todo um conteúdo de Química baseado apenas em situações do cotidiano, o que despertaria a atenção dos alunos. Isso tornaria o ensino mais estimulante e atraente, ao mesmo tempo em que demonstraria, inequivocamente, a importância de determinado conteúdo. Essa idéia é, aparentemente, muito adequada; entretanto, ela acaba sendo limitada pela disponibilidade de ocorrências apropriadas para ilustrar o conceito ou o assunto que se deseja estudar. A alternativa que encontramos para contornar este inconveniente foi a de criar situações fictícias, adequando-as ou adaptando-as às necessidades do conteúdo que se deseja desenvolver junto aos alunos. A única condição que nos impusemos foi que, qualquer que fosse a proposta, esta teria que ser facilmente imaginável por todos os alunos, independente de sua origem ou do meio em que vive. Assim, este trabalho se baseia na confecção e utilização de crônicas para o ensino de química, enfatizando situações do dia-a-dia do aluno e construindo os conceitos a partir dessas situações e/ou ocorrências. A idéia é aproximar o cotidiano e suas ocorrências aos conceitos que lhe estão atrelados. O aprendizado acabaria sendo uma conseqüência da própria vivência do aluno, a partir do momento em que todas as situações lhe seriam familiares. Além disso, outras habilidades poderiam ser trabalhadas a partir da análise e interpretação dessas crônicas, ao mesmo tempo em que a tão almejada interdisciplinaridade estaria sendo contemplada. A crônica que apresentaremos enfatiza a construção do conceito de densidade a partir de situações muito simples. Qualquer aluno, independentemente de sua origem ou meio social, é capaz de imaginá-las e se questionar sobre as ocorrências descritas.

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Pedro Faria dos Santos Filho

Crônica: O que bóia e o que afunda? É a densidade que decide A nossa história começa na fazenda do Coronel Olegário, um lugar tranqüilo, onde ele desfruta de todas as facilidades que a natureza lhe proporciona, juntamente com sua família e com seus animais. Todos os dias, o Cel. Olegário acorda muito cedo e vai até o celeiro ordenhar sua vaca para o café da manhã. O leite extraído vai para a mesa ainda quente, branco, com espuma e uma camada de gordura boiando. Dona Leondina acorda em seguida e acompanha o marido na refeição matinal; porém, ela raspa a gordura que bóia sobre o leite, pois não gosta de tomá-la. Certo dia, Paulo, o filho mais novo do Cel. Olegário, foi buscar um copo de água na cozinha e viu sua avó, dona Tibúrcia, fazendo massa para pão. Resolveu ajudá-la. Depois de um tempo, notou um fato interessante: enquanto a farinha pura boiava na água, quando sua avó colocava a massa pronta em um copo com água, para saber quando a massa estaria pronta para assar, ela afundava. Diante disso, Paulo pensou: Será que afundar na água depende, unicamente, do tamanho das bolinhas de massa que a vovó prepara? Pegou então a massa de pão e fez três bolinhas; uma muito grande, uma média e uma muito pequena. Em seguida, jogou cada uma das três bolinhas em um copo com água e percebeu que todas afundaram. Observou assim que o ato de afundar não dependia, unicamente, da quantidade de massa de pão. De repente, ouviu-se um barulho incrível e todos que estavam no interior da casa saíram apressados para ver o que acontecera. Um caminhão havia tombado e toda a serragem que ele transportava caíra no rio, às margens da estrada. Todos ficaram perplexos e sem ação, olhando para o rio coberto com a serragem que boiava e seguia o movimento das águas. Paulo, rapidamente, pegou um balde e retirou uma amostra de água do rio. Adicionou mais serragem ao balde para aumentar a quantidade desta em relação à quantidade de água e percebeu um fato importante: a serragem continuava boiando. Com isso ele concluiu que a serragem con-

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tinuaria boiando no rio, independentemente de sua quantidade, da mesma maneira que a massa de pão sempre afundaria na água. Uma idéia muito importante esta va, então, começando a se formar na cabeça de Paulo, que passou a observar mais atentamente tudo o que acontecia ao seu redor. Em uma outra ocasião, quando o sol ainda nem havia aparecido, Paulo, ainda sonolento, levantou e foi até a cozinha; pegou dois copos e preencheu, completamente, um deles com areia e o outro com serragem. Em seguida, pegou duas jarras idênticas e colocou exatamente a mesma quantidade de água em ambas. Despejou a serragem em uma delas e a areia na outra. Pronto! Tudo havia ficado muito claro. A areia afundou e a serragem boiou, e isso não dependeu das quantidades de serragem e areia utilizadas. Um pouco mais tarde, o Cel. Olegário acordou e, como de costume, foi ordenhar uma de suas vacas. Tamanha foi sua surpresa quando, retornando à casa, encontrou seu filho adormecido, sentado em uma cadeira, com a cabeça sobre a mesa, segurando um jarro em cada mão. Ficou espantado por um instante, mas não fez nenhum alarde; colocou um copo de leite a sua frente e aguardou até que ele acordasse. Quando isso aconteceu, o menino viu o copo de leite com um pouco de gordura em sua superfície e imaginou: “puxa, parece com algo com o qual sonhei!” Intrigado com tudo, Paulo começou a se questionar mais e mais sobre a constatação de que, na água, algumas espécies, líquidas ou sólidas, bóiam, enquanto outras afundam. O que deveria governar aquelas observações? Apesar de todos os atrativos que a fazenda de seu pai pudesse lhe proporcionar, Paulo decidiu encontrar uma explicação para aquelas observações. Como não dispunha de livros em sua casa, ele decidiu telefonar para Gildôncio, um de seus amigos de infância, pois sabia que ele estava bem adiantado em seus estudos na capital.


Crônicas para o ensino de Química: a construção do conceito de densidade a partir de situações do cotidiano

Quando Paulo relatou aquelas observações a seu amigo, este lhe respondeu prontamente: “Meu caro Paulo, você ainda é muito novo para se preocupar com essas coisas. Em todo caso, apenas para satisfazer sua curiosidade, digo-lhe que existe uma propriedade de todas as substâncias chamada densidade. É ela que define o que bóia em quê. Se você tiver uma mistura de várias substâncias em que, pelo menos uma delas se encontre no estado líquido, tudo o que for mais denso que o líquido afundará nele, enquanto que tudo o que for menos denso deverá boiar ou flutuar. Em um primeiro momento, o curioso Paulo se deu por satisfeito e começou a tirar suas próprias conclusões: a gordura e a serragem devem ser menos densas que a água, ao passo que o mel e a massa de pão devem ser mais densos que ela e por isso afundam. Aparentemente, Paulo havia satisfeito a sua curiosidade e achou muito interessante praticar, no seu dia-a-dia, a nova informação adquirida, imaginando que isso seria um hábito muito salutar e que ajudaria a desenvolver o conhecimento adquirido. Naquele mesmo dia, o Cel. Olegário estava indo pescar e convidou o seu filho para acompanhá-lo. Mal sabia ele o quanto este curioso iria atrapalhar o seu lazer. Chegando à beira do rio, munidos de todo o equipamento, iniciaram a sua agradável pescaria. Cel. Olegário já de início jogou um pedaço de miolo de pão para atrair os peixes. Tão logo, o moleque viu o pão boiando exclamou: – Olha lá pai, o miolo é menos denso que a água! – Cala a boca, moleque, e pesca. Paulo ficou intrigado com aquilo pois, no dia anterior, havia constatado que a massa do pão era mais densa que a água. Contudo ficou quieto. Um pouco depois, a densidade lhe voltou à mente e ele disse a seu pai: – Pai, já pensou como seria fácil pescar se todos os peixes fossem menos densos que a água? – Cala a boca, moleque. E Paulo acabava se interessando cada vez menos pela pescaria e mais pela densidade.

Quando ele avistou um tronco de árvore boiando na água, não resistiu e exclamou: – Nossa! Aquele baita tronco pesado boiando na água! Quer dizer que, apesar de tão pesado, ele é menos denso que a água? – Ô cacete! Quer parar de espantar os peixes?! A situação foi se tornando cada vez mais complicada para o jovem observador, até que, em um dado instante, quando ele atirou uma pequena pedra na água e esta afundou, ele não se conteve: – Pai, o senhor sabe por que uma pedrinha tão pequena como esta pode afundar, enquanto que aquele baita tronco de árvore flutua na água? Antes mesmo que o senhor tente responder, já vou lhe dizendo que é porque a pedra é mais densa que a água e que o tronco. – Ô menino! Você já está enchendo o saco! Esta tal de densidade está espantando os peixes, pois até agora só ouvi falar dela e nada de peixe. E já que vocês espantaram os peixes, vá logo dizendo, o que é esta tal de densidade? De repente, um profundo silêncio se instalou naquele lugar. A cara de bravo do Cel. Olegário e a de tonto do Paulo chamavam atenção. – Vamos, desembucha, disse o Coronel furioso. – O que é essa tal de densidade? A cara de tonto de Paulo se intensificava cada vez mais, assim como o seu espanto. Na verdade, aquela situação estava ocorrendo porque ele sabia comparar a densidade das substâncias por meio da observação visual do que boiava em quê. Entretanto, ele também não sabia o que era densidade. Aproveitando-se dessa situação, o Coronel, que, antes de mais nada era bem sacana, acrescentou: – Quer dizer que tudo que bóia na água é menos denso que ela? Quer dizer que um navio é menos denso que a água? E por que então que de vez em quando tem uns que afundam? Quer dizer que em um certo momento ele é menos denso que a água e em um certo instante ele passa a ser mais denso e não volta mais a ser menos denso? Deixa de ser besta, moleque!

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Pedro Faria dos Santos Filho

– Mas é verdade! Tudo que é menos denso que a água bóia nela, enquanto que tudo que for mais denso que ela deve afundar. – E como você explica, então, os submarinos, que ora estão sobre a água e ora afundam nela? Como o mesmo objeto pode ser ora mais denso e ora menos denso que a água? Esse negócio de densidade é bobagem! Para que ficar preocupado com isso? – Não é preocupação, eu só estou tentando entender as coisas que acontecem ao meu redor. Talvez, este tipo de conhecimento possa me auxiliar algum dia. Olhe a sua própria vara de pescar, para que existe este chumbinho próximo ao anzol? Por que o senhor não colocou um pedaço de madeira ao invés do chumbo? – Deve ser porque a madeira é menos densa que a água e o chumbo é mais denso que ela. Hahaha. Depois dessa, nosso jovem curioso resolveu deixar prá lá e guardar sua curiosidade para si mesmo. Na verdade, a sua grande decepção, naquele momento, era com a sua própria ingenuidade. Ele não se conformava com o fato de nem sequer ter perguntado ao seu amigo o que vinha a ser a tal de densidade. Na primeira oportunidade que teve, Paulo telefonou para seu amigo Gildôncio e relatou tudo o que lhe ocorrera na pescaria com seu pai. Mas a sua maior surpresa ainda estava por vir. Quando Paulo comentou que havia ficado tão empolgado com a idéia de comparar densidades, que havia até esquecido de perguntar o que vinha a ser este parâmetro, Gildôncio lhe respondeu: – Eu tinha certeza que esta situação aconteceria! Eu percebi que você não havia perguntado o que era densidade, mas resolvi ficar quieto até que você percebesse, por si só, a necessidade de saber do que se trata esse parâmetro. – Puxa, você é mesmo sacana, né?! Sabia que eu ira passar por uma situação daquela e mesmo assim não disse nada! – É claro, meu amigo, você quer todas as informações assim, de graça, sem se esforçar para obtê-las e sem saber da sua real necessidade?

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Nada disso, você é que deve ir atrás da informação e não o contrário, sacou? – Bem, depois de todo esse discurso, queira fazer o favor de me dizer o que significa densidade, pois tenho uma série de curiosidades a satisfazer. – Claro, meu amigo, lá vai: “Densidade é um parâmetro que relaciona a quantidade de matéria e o volume ocupado por ela”. Em outras palavras, significa a porção do espaço efetivamente ocupada por uma certa quantidade de matéria. Entendeu? – Eu não, acho que você está me enrolando! – Olha só, respondeu Gildôncio. Alguém, algum dia, resolveu relacionar a quantidade de matéria, expressa em gramas, com o volume ocupado por ela. Isso significa que o mesmo volume de duas substâncias distintas não tem a mesma massa ou o mesmo peso. Por exemplo, um copo totalmente cheio de areia é bem mais pesado que um copo do mesmo tamanho totalmente cheio de serragem. Isso significa que, para o mesmo volume de areia e serragem, a areia é bem mais pesada que a serragem. – Não sei se já vi ou se já sonhei com isso, mas concordo com o que você está afirmando, disse Paulo. E Gildôncio continuou. – Por outro lado, esse mesmo copo completamente cheio de água, ou seja, o mesmo volume de água, pesa mais que o copo de serragem e menos que o copo de areia. Juntando-se, agora, essas três observações, podemos dizer que para o mesmo volume de água, serragem e areia, a água pesa mais que a serragem e menos que a areia. Assim, a água é mais densa que a serragem e menos densa que a areia. Como o nosso amigo Paulo é muito mais esperto do que imaginamos, ele logo exclamou: – Puxa, isso é legal mesmo! Será que não existe uma maneira de expressarmos tudo isso numericamente, sem ter que ficarmos repetindo tudo toda vez que tivermos que nos referir à densidade? – Claro que existe, respondeu Gildôncio. – Vamos, então me explique logo como é isso, disse Paulo.


Crônicas para o ensino de Química: a construção do conceito de densidade a partir de situações do cotidiano

– Pronto, lá vem você querendo tudo sem ter que se esforçar para obter as informações. Como imagina que podemos quantificar este conceito que estamos querendo formular? – Sei lá... eu perguntei primeiro! Agora é você que está querendo fugir da conversa. – Não é nada disso, eu só estou querendo que você me apresente uma sugestão! – Então, lá vai. Eu imagino que uma maneira muito simples de se relacionar a massa e o volume seria multiplicar um valor pelo outro e, assim, tería mos um número, cuja unidade seria grama vezes litro. – Muito bem, meu amigo, essa seria uma alternativa; mas, em todo caso, assim como você sugeriu a multiplicação entre os valores, por que você não pensou em dividi-los. Da mesma maneira, teríamos um número que expressaria a densidade, só que agora ela seria expressa em gramas por litro. – Xiiii... agora você me confundiu, disse Paulo. – Calma, meu amigo, não precisa se preocupar. Alguém, muito antes de nós, já teve essa mesma preocupação. Não sabemos exatamente por que, mas essas pessoas optaram por dividir a massa pelo volume ocupado por ela. Ao quociente, resultante da divisão da massa pelo volume, chamaram densidade do material e sua unidade é expressa em grama por mililitro. Não me pergunte por que optaram pelo quociente ao invés da multiplicação; a verdade é que isto é aceito até os dias de hoje. – Acho que agora estou entendendo o significado de densidade. Será que serei capaz de explicar tudo isso ao Coronel? Indagou Paulo. – Tenho certeza que sim, respondeu Gildôncio. E todo alegre, lá ia Paulo à procura de seu pai, para desfazer todo aquele mal-entendido que se estabeleceu durante a pescaria. Contudo, quando ele se aproximou de seu pai, este foi logo dizendo: – Não me venha mais com aquela história de densidade porque você já estragou a minha pescaria!

– Calma, respondeu Paulo. Só quero esclarecer aquelas dúvidas que apareceram durante nossa pescaria. A coisa é bem simples e acho que posso lhe explicar. – Explicar o quê? A tal de densidade? – Sim senhor. Todos os materiais apresentam um valor numérico de densidade. Esse valor representa o quociente entre a massa do material dividida pelo seu volume. Em outras palavras, esse valor expressa a porção do espaço efetivamente ocupada pelo material. – Como é essa história? – É isso mesmo. Significa que a mesma quantidade de materiais diferentes não ocupa o mesmo volume. Por exemplo, três gramas de gordura ocupam um volume maior do que três gramas de leite. Isto significa que a densidade da gordura é menor que a do leite. – E daí?! Replicou o Coronel. – A conseqüência disso o senhor já conhece, respondeu Paulo. É por isso que, quando o senhor tira o leite das vacas, forma-se aquela camada de gordura na superfície do leite. – Quer dizer então que jamais encontrarei um copo de leite que apresente gordura no fundo? – Claro que não, respondeu Paulo, pois não há como mudar a densidade nem do leite nem da gordura provenientes de nossas vacas. E se eu tampar muito bem o copo com leite e gordura e virá-lo ao contrário? A gordura não ficará no fundo? – Claro que não! A situação continuará exatamente a mesma. – Não sei não, essa história está muito esquisita, retrucou o Coronel. Quanto ao leite e à gordura eu posso até concordar; mas, então, me diga como pode o submarino ora estar em cima e ora em baixo da água? – Veja bem, não entendo nada de submarino. Mas tenho certeza de que o submarino sobre a água deve ser diferente do submarino embaixo dela. – Agora você aloprou de vez! Como o submarino pode mudar? – Sei lá, mas que muda, ah, isso muda mesmo! Senão ele não seria capaz de flutuar e submergir.

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Pedro Faria dos Santos Filho

– Não vou dizer mais nada, você está louco! É melhor você ir lavar meu ca valo Brejoso e esquecer dessa tal de densidade. Paulo ficou um tanto desapontado com aquela dúvida levantada pelo Coronel. A coisa estava indo tão bem, até que apareceu o tal do submarino. Diante disso, Paulo resolveu ir mesmo lavar o Brejoso e esfriar a cabeça dando um mergulho no rio, agora já sem serragem. E densidade pra lá, densidade pra cá, lá se foi mais um dia na fazenda. O sol se pôs, os animais dormiram e o silêncio tomou conta do lugar. No dia seguinte, apesar de uma boa noite de sono, Paulo despertou ainda pensando no submarino. Tomou café e foi logo tentar falar com seu amigo Gildôncio. – Alô, Gildôncio? – Sim. Quem está falando? – É o Paulo. Não agüento mais ficar sem saber como pode um submarino ora estar sobre a água e ora submergir nela. Isso significa que ele apresenta densidades diferentes nas duas situações? – Calma, meu amigo. A situação não é desesperadora assim! Como de costume, é claro que não vou dar-lhe uma resposta pronta, mas vou induzi-lo a pensar. Vamos fazer algumas experiências para ver ao que chegamos. – Lá vem você de novo com essas histórias. – É claro, você não quer aprender? Este é um bom caminho para tal. – Tudo bem, pode começar. E Gildôncio começou: – Pegue um copo cheio de água, introduza, até encostar no fundo dele, um canudinho, destes de tomar refrigerante, e sopre vagarosamente. – Pronto, já soprei. – O que você observou? – Percebi que, à medida que ia soprando, as bolhas de ar que se formavam no fundo do copo iam subindo até atingir a superfície. – E por que você acha que elas sobem? – Sei lá! Calma! Já sei. É porque o ar é menos denso que água.

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– Muito bem, meu amigo, é isso mesmo. Que tal fazermos um outro teste? – É pra já. Vamos lá, respondeu Paulo. – Pegue uma garrafa de vidro, feche bem a sua boca e coloque-a em um tanque contendo água. O que você observou? E Paulo respondeu: – A garrafa de vidro fica boiando na superfície da água. – Então, encha a mesma garrafa de vidro com água, feche bem a sua boca e a coloque novamente sobre a superfície da água do tanque. O que você observou? – Xiii... a garrafa afundou. – Muito bem, meu amigo, a dica está dada. Agora é só pensar. Clic. Gil dôn cio des li gou ime di a ta men te o telefone, deixando Paulo boquiaberto do outro lado da linha. – Cacete... isto é que é amigo!!!! Exclamou Paulo. Eu falo de submarino e o cara me vem com garrafa de vidro. Sem raciocinar, Paulo ficou tão surpreso com a resposta de Gildôncio, que resolveu comentá-la com o Coronel Olegário, uma vez que este era conhecido naquela região pela sua astúcia e esperteza. Ao aproximar-se dele, indagou-lhe: – Pai, posso conversar só mais uma vez sobre densidade? – O quê?! De novo a tal de densidade? Não quero nem saber. – E sobre submarino, podemos conversar? Na verdade, Paulo foi muito esperto ao fazer essa indagação ao Coronel, uma vez que ele pretendia falar sobre densidade, utilizando o submarino apenas como argumento. Garoto esperto, hein?! – De submarino podemos falar. Ainda ontem, assisti, na TV, a um filme em que aparecia um deles. Foi bem legal. – Pois bem, imagine só: uma garrafa de vidro contendo apenas ar em seu interior, com a boca muito bem fechada, bóia na superfície da água. Por outro lado, esta mesma garrafa, completamente cheia de água, com a sua boca


Crônicas para o ensino de Química: a construção do conceito de densidade a partir de situações do cotidiano

bem fechada, afunda na água. Isto quer dizer alguma coisa para o senhor? – Até onde percebi, a mesma garrafa pode tanto boiar, quanto afundar na água, dependendo do que existe em seu interior. Epa!!! Será que eu não posso fazer uma analogia entre o comportamento da garrafa de água e do submarino? Paulo ficou quieto, pensou por algum tempo e respondeu: – Claro que sim! Imagine que a garrafa representa a estrutura metálica do submarino. Se existe muito ar em seu interior, como o ar é menos denso que a água, o submarino bóia. Por outro lado, se, por algum mecanismo, você permitir que a água penetre em seu interior, dependendo da quantidade, ele poderá afundar, pois a sua estrutura é muito mais densa que a água. – Isso parece muito coerente e bem semelhante ao comportamento da garrafa de água, disse o Coronel. E o Cel. Olegário continuou: – Além disso, me lembro muito bem que, no filme a que assisti, para que o submarino emergisse, eles ligavam umas máquinas que expulsavam a água de um grande compartimento, na parte inferior do submarino, e isso fazia com que ele subisse. É claro, ele voltava à situação original! – Puxa, Coronel, era isso mesmo que eu esperava que o senhor respondesse. O senhor é mesmo bem esperto. Mal sabia o Coronel que, com sua astúcia, ele acabava de elucidar uma grande dúvida de seu filho que, embora bem jovem, já começava a encontrar explicações científicas para os fenômenos que aconteciam ao seu redor. Essa passagem, isoladamente, não representou nenhuma mudança significativa na vida pacata daquelas pessoas na fazenda. Contudo, esse conhecimento construído, associ ado a vários outros assimilados da mesma maneira, pôde ajudar a elucidar e entender uma série de trans for ma ções que acon te ci am ao re dor daquelas pessoas. Ao mesmo tempo, ele despertou o interesse pelo entendimento de muitas outras coisas, as quais acabaram por tornar ainda mais prazerosa a sua vida naquela fazenda.

Resumo e questões para reflexão Essa passagem fictícia ilustra um pouquinho da salutar vida em uma fazenda, com a sua rotina interrompida, momentaneamente, pela curiosidade de um de seus habitantes acerca do entendimento de alguns fatos observáveis. Na verdade, são características inerentes ao ser humano, observação dos acontecimentos e a necessidade de entendimento dessas observações. No fundo, isso representa os princípios básicos da investigação, seja ela científica ou caseira. O que norteia essas investigações é a curiosidade e a vontade de entender. Neste caso, a curiosidade foi despertada pelo fato de que em misturas de dois líquidos ou de um líquido e um sólido, uma das espécies acaba ficando sobre a superfície da outra. O que norteia a interpretação dessa observação é a densidade de cada uma das espécies envolvidas. A densidade pode ser atribuída tanto a uma espécie pura, como a água, como para uma mistura como o ar ou o leite. De qualquer forma, em uma mistura, sempre a espécie menos densa ficará sobre a espécie mais densa. Pelas considerações feitas ao longo da crônica, fica claro que deve-se ter um certo cuidado ao analisar-se cada uma dessas situações. Isso ficou claro na análise do comportamento de um submarino. Obviamente, o submarino não se trata de uma substância, para a qual podemos atribuir uma densidade definida. Entretanto, o comportamento do sistema constituído pelo submarino e tudo o que existe em seu interior pode ser interpretado em termos da maior ou menor densidade apresentada por este. O que se fez até este ponto foi desenvolver, conceitualmente, a idéia de densidade, sem a preocupação com a interpretação microscópica dessas observações. Dessa maneira, o próximo passo é tentar interpretar essas observações e responder a questões tais como:

• Por que o mesmo volume de dois líquidos distintos apresenta massas e, portanto, densidades diferentes?

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Pedro Faria dos Santos Filho

• Por que a mesma substância apresenta densidades diferentes dependendo do estado físico em que se encontra?

• Por que a água no estado líquido tem densidade diferente daquela no estado sólido?

• Por que um tronco de árvore, tão mais pesado que um pedregulho, bóia na água, ao passo que o pedregulho afunda nela?

• Por que a massa de pão afunda na água enquanto o miolo de pão bóia?

• A densidade de uma espécie depende da sua quantidade? Percebemos, assim, que existem alguns aspectos importantes sobre a densidade que ainda devem ser estudados. Contudo, isso é assunto para outras histórias.

Discussão O primeiro ponto a ser destacado nesta proposta é a possibilidade de se trabalhar a interdisciplinaridade. Neste caso específico, a nossa proposta é que, inicialmente, a crônica seja trabalhada pelo professor de Português, o qual desenvolveria no aluno a habilidade de extrair as informações do texto e articulá-las, mesmo que em alguns casos ele não saiba interpretá-las corretamente ou justificá-las. Terminado esse passo inicial, entraria em cena o pro fes sor de Qu í mi ca que abor da ria a interpretação de todos os diálogos e observações descritos ao longo da crônica, culminando com o perfeito entendimento do conceito de densidade. Nas si tu a ções em que abor da mos o conceito de densidade utilizando esta crônica, tanto com alunos de Ensino Médio, quanto com os de graduação, bem como junto a professores que atuam, exclusivamente, no Ensino Médio, os resultados foram muito positivos. Particularmente, junto aos alunos de graduação de

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outros cursos, que não de Química, o interesse e o estímulo pelo assunto foi muito diferente daquele observado em outras ocasiões, quando se empregavam as abordagens tradicionais de densidade. Apesar de requerer mais tempo, uma abordagem desse tipo se mostrou muito mais atraente e estimulante, tanto para alunos, quanto para professores, ao mesmo tempo em que sepultou, definitivamente, aquelas velhas questões referentes à necessidade de se estudar esse conteúdo. A utilização da crônica também permite que o professor insira a sua própria abordagem sobre o conceito de densidade, complementando o desenvolvimento do conceito na medida em que achar necessário e de acordo com o nível de abordagem pretendido. Além disso, é importante ressaltar que as questões, apresentadas ao final, também podem ser ampliadas, de maneira a checar a eficiência do aprendizado dos alunos, bem como se eles aprenderam a utilizar corretamente o conceito. Além das várias ilustrações da aplicação do conceito de densidade, a crônica apresenta ainda algumas características interessantes do ponto de vista da postura de quem esta ensinando. Como se pôde perceber, na medida em que um dos personagens tinha alguma dúvida e recorria a ajuda de seu amigo mais bem-informado, este tinha sempre uma postura bastante peculiar. Em todas as situações em que era requisitado, ele procurava sempre induzir seu amigo ao raciocínio, colocando-o na direção de encontrar as respostas, mas sem as dar diretamente. O objetivo de se criar essa situação é mostrar esse caminho ao professor, tentando fazer com que ele estimule os alunos a encontrar as respostas às suas próprias questões. Essa postura, em um primeiro momento, não é muito simpática aos alunos, mas, certamente, traz um resultado muito mais eficiente em termos de aprendizado. Ainda, alguns diálogos ou descrições de procedimentos podem também ser reproduzidos em sala de aula, por requererem materiais muito simples, baratos e de fácil aquisição. Esta


Crônicas para o ensino de Química: a construção do conceito de densidade a partir de situações do cotidiano

demonstração prática permite a constatação dos diálogos descritos na crônica, ao mesmo tempo em que representa um primeiro passo em direção ao desenvolvimento de procedimentos experimentais para ilustrar as aulas de Qu í mi ca. Pela sua sim pli ci da de, es sas demonstrações podem ser feitas em qualquer escola, independentemente de sua condição ou do espaço disponível. Para finalizar, podemos dizer que esta proposta de utilização de crônicas tenta contemplar os vários aspectos referentes ao ensino de Química, integrando o conceito ao dia-a-dia dos

alu nos, enfati zando a importância do seu entendimento para uma melhor compreensão do mundo em que vivemos e das situações mais simples que ocorrem ao nosso redor. No momento, estamos preparando um conjunto de crônicas, cujos enredos englobem todo o conjunto de assuntos desenvolvidos ao longo de um semestre de atividades no Ensino Médio. Esses enredos estão sendo preparados de maneira a permitir a integração da Química com outras áreas do conhecimento, enfatizando a interdisciplinaridade, ao mesmo tempo em que contemplem, exclusivamente, situações do cotidiano dos alunos.

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ÁCIDOS E BASES Ótom Anselmo de Oliveira*

Resumo É apresentada uma revisão dos principais conceitos de ácidos e bases e suas implicações na interpretação de reações químicas. Palavras-chave: ácidos e bases; reatividade química; conceitos.

Abstract Acids and bases: a revision A revision of the main acid-base concepts and its implications to the interpretation of chemical reactions are presented. Key-words: acids and bases; chemical reactivity; concepts.

Introdução Os ácidos e as bases são os tipos de substâncias mais presentes no cotidiano, seja nos laboratórios de química, nas indústrias (como componentes dos processos de fabricação ou integrando os produtos fabricados), na vida doméstica (como produtos de limpeza, por exemplo), nos alimentos (especialmente nas frutas), no interior das células (constituindo-se na base da vida) ou nos fluidos (suco gástrico, sangue, seiva) dos organismos vivos. Por esta presença tão marcante, há muito tempo, procura-se descrever os ácidos e as bases, o que resultou no surgimento de várias definições para essas substâncias. Para os ácidos, talvez, a forma mais simples de defini-los é se dizer que são substâncias de sabor azedo. Essa *

de fi ni ção vem da ação ca u sa da por tais substâncias sobre um dos sentidos humanos, o paladar. É certo que esta forma não é suficiente para descrevê-los, mas não deixa de ser usada sempre que alguma fruta cítrica é experimentada, especialmente se esta não estiver bem amadurecida. As bases, freqüentemente, são associadas à sensação saponácea que estas substâncias causam ao tato (outro dos sentidos humanos). Outra forma usada para classificar uma substância como ácida ou básica é verificar a ação desta sobre os indicadores. Sabe-se, por exemplo, que o papel de tornassol fica vermelho na presença de um ácido e azul na presença de uma base. Esse método de classificação, que depende de

Departamento de Química, UFRN. CP: 1662, CEP: 59078-970. E-mail: otom@ufrnet.br

33


Ótom Anselmo de Oliveira

outro dos sentidos, a visão, continua sendo útil, com resultados práticos importantes nos processos de titulação desenvolvidos para análises químicas. Porém, a definição dos ácidos e das bases com o uso de indicadores é limitada, aplicando-se, somente, a um grupo não muito numeroso de substâncias. No século XIX, alguns químicos observaram que, em algumas substâncias, o aumento do conteúdo de oxigênio fazia aumentar a acidez dessas substâncias. Entre estes químicos estava Lavoisier, que chegou a propor uma primeira definição, com alguma base científica, para os ácidos. Na época, os ácidos clorídrico, bromídrico e iodídrico já eram conhecidos, mas não se sabia quais as suas verdadeiras composições. Ao mesmo tempo, já se conhecia a composição de alguns ácidos que contêm oxigênio (oxiácidos, como HNO2, HNO3, H2SO3 e H2SO4, entre outros) e já se observava que a acidez crescia com o aumento do percentual do oxigênio nesses compostos. Analisando esse fato, Lavoisier associou a acidez à presença do oxigênio nas substâncias, considerando este elemento como o gerador dela. Isso, porém, nem sempre acontece, pois existem substâncias sem oxigênio – como o HCl - cuja acidez é superior à de outras que o contêm – como o HClO e o HClO2. Mesmo que essas idéias preliminares não tenham sido suficientes para descrever os ácidos e as bases, não se pode desprezá-las. Elas careciam de uma base científica segura, podendo ser incompletas e, por vezes, equivocadas. Mas, constituíram-se nos passos iniciais para a consolidação dos conhecimentos sobre os ácidos e as bases. A partir daí, muitos outros passos foram dados, surgindo várias definições que, hoje, enquadram quase todas as substâncias como ácidas ou básicas. Essas definições também mostram que uma mesma substância pode funcionar como ácido, sob determinadas condições, ou como base, sob outras condições, conforme está descrito adiante. Todas as chamadas teorias dos ácidos e das bases, apresentadas a seguir – que na verdade, são

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definições – continuam sendo utilizadas, pois, cada uma delas pode ser aplicada em sistemas apropriados com bastante proveito, dependendo, portanto, de cada situação particular. Além disso, pode ser visto que as definições mais restritas, mesmo aquelas emitidas preliminarmente, são sempre compatíveis com as mais abrangentes.

Definições dos ácidos e das bases Definição de Arrhenius A primeira definição, com um caráter científico consistente, para ácidos e bases foi proposta por Svante Arrhenius, em 1884, a partir de estudos feitos sobre reações destas substâncias em meio aquoso. Arrhenius definiu como ácidos, substâncias que possuem hidrogênio e reagem com a água liberando íons hidrogênio (H+) e, como bases, substâncias que reagem com a água liberando íons hidroxila (OH-), como acontece nas reações: HCl(g) + água(l) ® H NaOH(s) + água(l)

+ (aq)

® Na

-

+ Cl (aq); e

+ (aq)

-

+ OH (aq).

Vale ressaltar que a água é auto-ionisável, estabelecendo o equilíbrio: ® H3O+(aq) 2H2O + água(l) ¬

-

+ OH (aq),

Nesta equação (ou em soluções aquosas de um modo geral), o produto das concentra+ ções dos íons hidrônio (H3O , o próton coordenado a uma molécula de água) e hidroxila é igual a uma constante denominada produto iônico da água (Kw), isto é: +

-

Kw = [H 3O ][OH ] -14

O valor de Kw é sempre igual a 10 , a 298 + K. Porém, as concentrações dos íons H3O ou OH variam de acordo com as características e com as concentrações das substânci as que sejam adicionadas à água.


Ácidos e bases

Par tin do des se fato, a de fi ni ção de Arrhenius pode ser ampliada, incluindo como ácidas as substâncias que, quando adicionadas à água, formam soluções, fazendo aumentar a concen+ + tração do íon hidrônio (H3O ou H9O4 ). Como exemplos podem ser citadas as reações: + (aq)

-

HBr(g) + água(l) ® H3O

+ (aq)

CH3COOH(l) + água(l) ® H3O e + (aq)

+ Br (aq); -

+ CH3COO (aq) 3+ (aq)

FeCl3(s) + água(l) ® H3O

+ Fe

-

+ 3Cl (aq)

Da mesma forma, as bases podem ser definidas como substâncias que, adicionadas à água, formam soluções, fazendo aumentar a concentração de íons hidroxila (OH ). Nesse caso, podem ser citadas, como exemplos, as reações: + (aq)

KOH(s) + água(l) ® K NH3(g) + água(l)

+ NH4 (aq)

®

+

-

NaOH(s) + amônia(l) ® Na (am) + NH2 (am) + H2O Com essas observações, poderia se extrapolar a definição de Arrhenius e dizer que, nas reações anteriores, o HCl é um ácido por fazer aumentar a concentração do íon amônio e o NaOH é uma base por fazer aumentar a concentração do íon amideto. É de se convir, porém, que a definição dos ácidos e das bases, em função da variação nas concentrações de cada espécie de cátion ou de ânion formados na auto-ionização dos solventes, é pouco razoável. Isso exigiria um referencial iônico - ou uma definição de ácidos e de bases - para cada solvente usado como meio de reação. Era necessária, portanto, uma solução mais racional para definir essas classes de substâncias, como a que será apresentada a seguir.

-

+ OH (aq); -

+ OH (aq) e +

-

NaCN(s) + água(l) ® HCN(aq) + Na (aq) + OH (aq). É importante dizer que algumas reações em solventes diferentes da água, por vezes, mostram comportamento análogo ao que ocorre em soluções aquosas. Isso acontece quando o solvente se auto-ioniza de forma semelhante à que acontece com a água, como é o caso da amônia líquida, que estabelece o equilíbrio:

Definição fundamentada no sistema solvente Muitos compostos usados como solventes se auto-ionizam gerando cátions e ânions, em processos semelhantes ao que ocorre com a água, conforme pode ser visto nas equações: ® H3O+ + OH2H2O ¬ + Kw = [H3O ][OH ] ® NH4+ + NH22NH3 ¬ + Kam = [NH4 ][NH2 ] +

2NH3 + amônia(l)

® NH4+(am) + NH2-(am) ¬ Amônio

+

-

Kam = [NH4 ][NH2 ] = 10

-33

Amideto

(a -35 °C).

Nesse solvente, ao se adicionar o gás clorídrico, ocorre uma reação, aumentando a + concentração do íon NH4 (amônio): HCl(g) + amônia(l)

+ (am)

® NH4

-

+ Cl (am)

Já a adição de hidróxido de sódio à amônia faz aumentar a concentração do íon NH2 (amideto):

-

® H3SO4 + HSO4 2H2SO4 ¬ + Khsulf = [H3SO4 ][HSO4 ]

® C2H5OH2+ + C2H5O2C2H5OH ¬ + Khac = [C2H5OH2 ][C2H5O ] ® CH3COOH2+ + CH3COO2CH3COOH ¬ + Khac = [CH3COOH2 ][CH3COO ] À semelhança do que é feito para a água, o produto das concentrações dos íons produzidos pela auto-ionização, também, é chamado de produto iônico da substância. Na tabela 1, são apresentados alguns parâmetros relativos à auto-ionização destas substâncias.

35


Ótom Anselmo de Oliveira

Tabela 1. Parâmetros de auto-ionização de alguns solventes. Solvente

Produto iônico

H2SO4

10-4

0–4

2,0

CH3CCOH

10-13

0 – 13

6,5

H2 O

10-14

0 – 14

7,0

C2H5OH

10-20

0 – 20

10,0

NH3

10-29

0 – 29

14,5

Por analogia, pode-se ampliar a definição de Arrhenius para ácidos e bases em solução aquosa, estabelecendo-se que, em cada solvente desta natureza, ácidos são substâncias que fazem aumentar a concentração do cátion resultante da auto-ionização do solvente e bases são substâncias que fazem aumentar a concentração do ânion resultante da auto-ionização deste solvente. Assim, nas reações: ® NH4+(am) + Cl-(am) e NH4Cl + amônia(l) ¬ ® K+(am) + NH2-(am), KNH2 + amônia(l) ¬ o cloreto de amônio (NH4Cl) é um ácido, já que faz aumentar a concentração do cátion amônio + (NH4 ), originado pela auto-ionização do solvente (amônia), e o amideto de potássio (KNH2) é uma base porque faz aumentar a concentração do ânion amideto (NH 2 ), for mado na auto-ionização do mesmo solvente. Ao mes mo tem po, ana li san do-se a reação do cloreto de amônio com o amideto de potássio:

Ácido

Base

® KCl + 2NH3; Sal

Solvente

verifica-se ser esta uma típica reação ácido-base, pois o ácido (cloreto de amônio) neutraliza a base (amideto de potássio), formando um sal (KCl) e regenerando o solvente (amônia). Solventes não-protônicos, como o SO2 ou o POCl3, também podem se auto-ionizar geran-

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® SO2+ + SO32SO2 ¬

Faixa de pH* Ponto neutro

*Fa i xa de pH ape nas no caso da água. Nos de ma is corresponde ao parâmetro equivalente -log[Hsolvente+].

NH4Cl + KNH2

do cátions e âni ons, como se observa nas equações químicas seguintes:

® POCl2+ + POCl4POCl3 ¬ como es ses pro ces sos são se me lhan tes às auto-ionizações dos solventes protônicos ou progênicos discutidas anteriormente, pode-se dizer que as definições de ácidos e bases usadas para aquelas espécies químicas também se aplicam aos solventes não-protônicos.

Definição de Bronsted e Lowry A partir de observações feitas sobre reações realizadas em diferentes meios, Thomas Lowry, na Inglaterra, e Johannes Bronsted, na Dinamar ca, trabalhando ao mesmo tempo, porém, de forma independente, chegaram à conclusão de que uma forma mais conveniente para se classificar os ácidos e as bases seria em função da transferência de prótons entre as espécies reagentes, independendo do meio em que estas transferências aconteçam. Com esse entendimento, em 1923, eles publicaram suas conclusões, definindo ácidos como substâncias doadoras de prótons e bases como substâncias receptoras de prótons. A título de exemplos, podem ser citadas as reações: HBr(g) + água(l) Ácido

Base

Ácido

Base

+ (aq)

NH4

Base

-

+ OH (aq)

Ácido

HBr(g) + NH3(g) Base

-

+ Br (aq)

Ácido

NH3(g) + água(l) ® Base

+ (aq)

® H3O

Base

® NH4Br(s) Sal

A transferência de prótons entre um ácido e uma base é sempre um processo rápido, podendo acontecer nas duas direções. Assim, quando um ácido – como o HF – ou uma base – como NH3 – são adicionados à água, logo se estabelecem equilíbrios dinâmicos, que podem ser expressos pelas equações seguintes:


Ácidos e bases

® H3O+(aq) + F-(aq) HF(g) + água(l) ¬

Ácido

Base

Ácido

Base

® NH4+(aq) + OH-(aq) NH3(g) + água(l) ¬ Base

Ácido

Ácido

Base

Esses equilíbrios podem ser descritos de forma generalizada, usando-se a equação: ® Ácido2 + Base1. Ácido1 + Base2 ¬ Nessa equação, a espécie Base1 é denominada base conjugada do Ácido1. Da mesma forma, o Ácido2 é o ácido conjugado da Base2. Cada ácido com a respectiva base conjugada constituem os pares conjugados das reações ácido-base. A base conjugada de um ácido é a espécie gerada quando este perde um próton e o ácido conjugado de uma base é a espécie gerada quando esta recebe um próton. No primeiro equilíbrio anterior, pode-se dizer que:

• fluoreto (F-) é a base conjugada do ácido fluorídrico (HF);

• o hidrônio (H3O)+ é o ácido conjugado da base água (H2O). Já no segundo equilíbrio, diz-se que:

• a hidroxila (OH-) é a base conjugada do ácido água (H2O);

• o íon amônio (NH4+) é o ácido conjugado da base amônia (NH3). Esses exemplos mostram que as espécies constituintes de um par conjugado (ácido-base) diferem entre si apenas em um próton. Outra observação importante é que: os ácidos e as bases fortes, ao reagirem, produzem, respectivamente, bases e ácidos conjugados fracos. De forma recíproca, os ácidos e bases fracas, ao reagirem, produzem ácidos e bases conjugadas fortes. Por exemplo: ® H3O+(aq) + NO3-(aq) HNO3(g) + água(l) ¬

Ácido forte Base fraca

1.

Ácido forte

Base fraca

® NH4+(aq) + OH-(aq) NH3(g) + água(l) ¬

Base fraca Ácido fraco Ácido forte

Base forte

® NH4+(aq) + NO3-(aq) HNO3(aq) + NH3(aq) ¬

Ácido forte

Base fraca

Ácido forte

Base fraca

A água, que numa reação participa como base e na outra como ácido, é uma substância 1 classificada como anfótera ou anfiprótica . É conveniente se fazerem algumas considerações sobre reações ácido-base em meio aquoso usando a definição de Bromsted-Lowry, já que a maioria destas reações acontece neste meio. Em primeiro lugar, pode-se dizer que:

• Um ácido forte está completamente deprotonado em solução;

• Um ácido fraco está incompletamente deprotonado em solução;

• Uma base forte está completamente protonada em solução;

• Uma base fraca está incompletamente protonada em solução. A deprotonação corresponde à perda de um próton e a protonação corresponde ao seu recebimento. Nestes processos, a medida da intensidade com que um ácido se deprotona ou com que uma base se protona, num dado solvente, permite se parametrizar a força deste ácido ou desta base, o que é expresso pelas suas constantes de ionização ou pelas outras grandezas, discutidas num item mais adiante.

Definição de Lux e Flood Em contraste com a definição de Bronsted, que enfatiza o próton como a principal espécie nas reações ácido-base, a definição proposta por Lux (1939) e ampliada por Flood (1947), descreve o comportamento dos ácidos e das bases tendo = como referência a transferência do íon óxido (O ) entre as espécies.

Substâncias anfóteras ou anfipróticas são aquelas que podem funcionar como ácidas ou como básicas, dependendo do meio em que se encontram.

37


Ótom Anselmo de Oliveira

A reação do óxido de cálcio (que é um 2 anidrido básico) com o dióxido de carbono (que é um anidrido ácido), realizada em meio aquoso, pode ser descrita pelas seguintes equações: CaO(s) + H2O(l) ® Ca(OH)2 CaCO3(s) + 2H2O CO2(g) + H2O(l) ® H2CO3 Nessas reações, os produtos das hidratações são um ácido e uma base de Bronsted. Estes, por sua vez, reagem entre si formando um sal (o carbonato de cálcio) e regenerando a água. Conseqüentemente, pode-se dizer que a formação do CaCO3(s) ocorre por típicas reações ácido-base. Na reação direta entre os dois óxidos, sem produção de compostos intermediários, também se forma o carbonato de cálcio.

Esta definição é bastante útil quando se estudam reações que acontecem sem a presença de um solvente, como ocorre nas reações verificadas a altas temperaturas, como acontece na indústria cerâ mica ou em metalurgia, por exemplo. Um fato importante é que essas definições não contrastam com as demais; apenas usam um referencial diferente. As espécies classificadas como ácidos ou como bases, segundo Lux-Flood, são, tam bém, áci dos ou ba ses segundo as outras definições, como pode ser visto na reação seguinte: MgO + H2O ® Mg Base

2+

-

+ 2OH ,ou

Ácido =

(Mg + O ) + H2O ® Mg(OH)2 Base

Ácido

De fato, nessa reação, o óxido de magnésio funciona como base, segundo qualquer uma das definições já estudadas.

CaO(s) + CO2(g) ® CaCO3(s), ou Ca

2+

=

+ O + CO2 (g) ® Ca

2+

=

+ CO3 .

Conseqüentemente, é natural se encarar essa reação como, também, sendo uma reação ácido-base. A diferença, neste caso, é que a transferência que ocorre é do íon óxido e não do íon hidrogênio. Como ilustrações, outras reações, com transferência de oxigênio, podem ser citadas: CaO(s) + SiO2(s) ® CaSiO3(s) 3Na2O(s) + P2O5(s) ® 2NaPO4(s) Nessas reações, também, constata-se que os óxidos metálicos funcionam como doadores do íon óxido e os óxidos dos elementos ametálicos funcionam como receptores do íon óxido. Estudando reações como essas, Lux e Flood definiram bases como doadoras de íons óxido e ácidos como receptores de íon óxido. 2.

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Definição ionotrópica As quatro definições dos ácidos e das bases discutidas até agora têm como referencial a transferência de íons entre as espécies reagentes. Analisando esse fato, em 1954, Lindqvst e Gutmann propuseram critérios para definição dos ácidos e das bases, que se constituiu numa síntese dessas definições. Por esses critérios, cada ácido é constituído por uma base mais o seu cátion característico e cada base é constituída por um ácido mais o seu ânion característico. Isso fica bem caracterizado quando se analisam reações como as que são apresentadas a seguir: HCl + NaOH ® NaCl + H2O NH4Br + KNH2 Ácidos

® KBrl + 2NH3

Bases

Anidridos ácidos ou básicos são óxidos de não-metais ou de metais não submetidos à ação da água.


Ácidos e bases

Na primeira reação, pode-se dizer que o ácido HCl é formado pela base Cl e pelo cátion caracte+ rístico H , enquanto a base NaOH é formada pelo áci+ do Na e pelo ânion característico OH . Já na segunda reação, o ácido NH4Cl é formado pela base Cl e pelo + cátion característico NH4 e a base NaNH2 é formada + pelo ácido Na e pelo ânion característico NH2 . Observações como essas são verdadeiras para quaisquer das reações ácido-base já apresentadas e, como conclusão sobre tais observações, pode-se dizer que os ácidos são substâncias doadoras de cátions (ou receptoras de ânions), enquanto bases são substâncias doadoras de ânions (ou receptoras de cátions). Vale destacar que a definição ionotrópica tem sido bem pouco utilizada pelos químicos, devendo ser mais lembrada como forma de generalização para reações que se verificam com participação de espécies iônicas.

Definição de Lewis No mesmo ano em que Bromsted e Lowry lançaram a sua definição para ácidos e bases (1923), G. N. Lewis lançou outra definição para tais espécies, muito mais abrangente, mas que só veio a alcançar repercussão cerca de dez anos depois. A definição de Lewis não se contrapõe às outras definições apresentadas. Porém, usa, como novo referencial, a capacidade de recepção ou de doação de pares de elétrons pelas espécies químicas. Assim é que, para Lewis, os ácidos são definidos como receptores de pares de elétrons e as bases como doadoras de pares de elétrons. Dessa forma, pode-se dizer que, na reação com a água, para for+ mar o hidrônio (H3O ), ou com a amônia, para + + formar o íon amônio (NH4 ), o próton (H ) funciona como ácido, uma vez que recebe um par de elétrons da água ou da amônia. Simultaneamente, a água e a amônia funcionam como bases, pois doam um par de elétrons para o próton. H

+

Ácido

H

+

Ácido

+ : OH2 ® n[H:OH2]

+

Base

+ : NH3 ® [H:NH3] Base

Da mesma forma, pode ser dito que, na reação da amônia com BF3, este último recebe um par de elétrons do NH3 e, portanto, funciona como um ácido, enquanto a amônia, doadora do par de elétrons, funciona como uma base. F3B

+

:NH3

Base

®

Ácido

F3B:NH3 Aduto

Isso ocorre porque o BF3 é uma espécie deficiente de elétrons, tendo somente seis elétrons no seu nível de valência, dispondo de um orbital p vazio. Assim, na presença de um doador de pares de elétrons como o NH3, ele pode completar o seu octeto se ligando a este doador e dele recebendo um par de elétrons. A de fi ni ção de Le wis in clui gran de quantidade de novas espécies químicas (iônicas, atômicas ou moleculares) como ácidos ou bases. Muitas destas, ao regirem entre si, formam espécies químicas de composição mais complexa do que os sais formados entre os ácidos e bases de Arrhenius ou de Bronsted. Essas espécies químicas recebem a denominação genérica de compostos de coordenação, divididos em dois grandes grupos: os complexos e os adutos. Aplicando-se esta definição, pode-se ver que: a. Cátions metálicos podem receber pares de elétrons numa típica reação ácido-base de Lewis, formando os chamados compostos de coordenação. Como exemplos, podem ser citadas a hidratação e a aminação do íon cobalto(III). 3+

+ 6H2O

® [Co(H2O)6]

3+

+ 6NH3

® [Co(NH3)6]

Co Co

3+

3+

b. Espécies deficientes de elétrons no nível de valência, em geral, funcionam como ácidos de Lewis. Podem ser citados o B(CH3)3 e o AlCl3 em reações do tipo: (CH3)3B

+

:NH3

®

(CH3)3B:NH3

+

AlCl3 + Cl

-

® [AlCl4]

+

39


Ótom Anselmo de Oliveira

c. Mesmo moléculas ou íons com o octeto completos podem rearranjar os seus orbitais de valência e receber um par de elétrons adicional: -

-

SO3 + H2O

® H2SO4

CO2 + OH ® HCO3

d. Moléculas com átomos centrais grandes e íons volumosos podem receber pares de elétrons assumindo configuração superior a de octetos: SiF4 + 2F PF5 + F

-

-

® [SiF6] ® [PF6]

-

-

-

AsCl3 + 3Cl ® [AsCl6]

3-

e. Elementos metálicos no estado de oxidação zero, ou até com número de oxidação negativo, também, podem receber pares de elétrons em seu nível de valência, se comportando como ácidos de Lewis. Ni

+

4CO

Fe

+

5CO ® Fe(CO)5

-

Mn

+

6CO

HCl(aq) + F3B

® [Mn(CO)6]

NC

+

:NH3 ® F3B:NH3

WCl6 + -

CN C

NC

NH3(aq) ® NH4Cl(aq);

Fe(CO)5 + 2NO ® Fe(CO)2(NO)2 + 3CO e

® Ni(CO)4

f. Moléculas com os níveis de valência completos podem usar um de seus orbitais antiligantes para acomodar pares de elétrons. Um exemplo desse comportamento é a habilidade das moléculas de tetracianoetileno (TCNE) em * aceitar pares de elétrons nos seus orbitais p (pi antiligante) e, assim, agir como um ácido.

C

quais se tem, como referência, a transferência de pares de elétrons. Para isso, ele define ácidos como espécies químicas que reagem com bases, fornecendo cátions ou aceitando ânions ou elétrons. Já as bases são definidas como espécies químicas que reagem com ácidos, fornecendo ânions ou elétrons ou se combinando com cátions. Essa definição inclui todas as espécies químicas classificadas como ácidos ou como bases de Lewis e, ainda, as reações de oxi-redução, nas quais qualquer número de elétrons da camada de valência pode ser transferido. Exem plos de re a ções áci do-base de Usanovich podem ser citados por meio das equações químicas:

CN

WCl2 ® 2WCl4

A primeira destas equações corresponde a uma reação ácido-base, de acordo com quase todas as definições, exceto com as de Lux e com as de Flo od. A se gun da é uma re a ção ácido-base de Lewis e de Usanovich. Na terceira, o CO funciona como base de Lewis e o NO como base de Usanovich. A quarta é uma reação de oxi-redução, podendo ser classificada como reação ácido-base, apenas, pela definição de Usanovich. A definição de Usanovich também contempla quebra de insaturações que podem ocorrer em algumas reações ácido-base, como ocorre com dióxido de carbono reagindo com a hidroxila:

H

Definição de Usanovich Em 1939, M. Usanovich propôs um critério de definição que amplia ainda mais o conjunto de espécies químicas classificadas como ácidos ou como bases. Em sua proposta, Usanovich elimina a restrição contida nas definições de Lewis, nas

40

O

C

O

+

-

OH

®

O O

-

C O

As de fi ni ções de áci dos e ba ses de Usanovich raramente são apresentadas nos


Ácidos e bases

livros de química ou utilizadas por pesquisadores. Em parte, isso decorreu de dificuldades para sua divulgação, nos anos subseqüentes ao seu lançamento, como conseqüência da segunda guerra mundial e, posteriormente, da guerra fria, tolhendo possibilidades de intercâmbio entre os químicos das várias partes do mundo. Hoje, este já não é um fato relevante, mas, ao longo do tempo, as outras definições se consolidaram com muitos grupos de pesquisa utilizando-as em seus trabalhos. Além disso, muitos químicos criticam as definições de Usanovich por incluir praticamente todas as reações. Para estes críticos, aceitando-se esta definição, bastaria se usar o termo reação química, pois o uso da sentença reação ácido-base de Usanovich constituiria uma redundância. É fato, porém, que muitos químicos preferem usar várias definições de ácidos e bases pelo maior poder de sistematização que isto pode ensejar. Pode-se verificar, por exemplo, que, além das definições já discutidas, para muitas espécies químicas (inclusive compostos orgânicos normalmente não classificados como ácidos ou bases) torna-se mais fácil entender a natureza das suas reações quando se usam os princípios das interações dos ácidos e bases duros e moles, que serão discutidos mais adiante. Essa resistência ao uso de novas proposições acontece com freqüência. A defini ção baseada no sistema solvente também sofreu restrições. Os críticos desta consideravam que bastava identificar os novos ácidos e bases, definidos em função do sistema solvente, como ácidos análogos ou bases análogas (tendo a definição de Arrhenius como referência). A controvérsia que se estabelece para o uso da definição de Usanovich é semelhante e, talvez, o amplo alcance e popularidade que a definição de Lewis já alcançou, somado ao fato de a pri me i ra tam bém in clu ir re a ções de oxi-redução, tradicionalmente, estudadas no campo da eletroquímica, contribuam para isso. Po rém, exis tem exemplos nos qua is transferências de pares de elétrons ou de outras

quantidades de elétrons, em típicas reações de oxi-redução, não devem ser fatos suficientes para inviabilizar o uso da definição de Lewis e, por analogia, também não devem ser para se utilizar a definição de Usanovich. Isso ocorre, por exemplo, na reação de formação da piridina N-óxido (C5H5NO), mostrada a seguir: C5H5N: + O ® C5H5N:O Nessa reação, o nitrogênio transfere um par de elétrons para o oxigênio, o que a caracteriza como reação ácido-base de Lewis. Ao mesmo tempo, essa re ação é, sem dúvida, de oxi-redução, com o oxigênio (oxidante) sendo reduzido pelo nitrogênio (redutor). Já as reações: K Na

+

+

Cl ® KCl

NH3 ® NaNH2

+ ½H2

são típicos processos de oxi-redução e não são reações ácido-base de Lewis, uma vez que, em cada uma delas, ocorre transferência de apenas um elétron. Surge, então, uma pergunta: por que classificar uma reação com transferência de pares de elétrons como do tipo ácido-base e não fazê-lo para outra em que ocorra transferência de números ímpares de elétrons? Superada as causas desse questionamento, parece não haver razão para deixar de classificar as três últimas reações como do tipo ácido-base.

Definição ou conceito generalizado dos ácidos e das bases Analisando o conjunto de definições de ácidos e bases apresentados, pode-se verificar que, em todas elas, os ácidos sempre aparecem como doadores de cargas positivas ou recebedores de cargas negativas. Igualmente, verifica-se que, em todas as definições, as bases aparecem como doadoras de cargas negativas ou receptoras de cargas positivas.

41


Ótom Anselmo de Oliveira

As cargas positivas podem ser o próton + (H ) ou outros cátions, enquanto as cargas negativas podem ser elétrons ou ânions. Com essas observações, podem-se generalizar as definições de ácidos e bases, estabelecendo-se o conceito de que os ácidos são espécies químicas doadoras de cargas positivas ou receptoras de cargas negativas e bases são espécies químicas doadoras de cargas negativas ou receptoras de cargas positivas. Essa generalização, além de incorporar o conteúdo informativo de todas as definições de ácidos e bases, estabelece um princípio que correlaciona a força dos ácidos e das bases à densidade eletrônica e à estrutura atômica, molecular ou iônica das espécies químicas. Por fim, um fato a ser destacado é o caráter inovador das novas definições dos ácidos e das bases, que foram ampliando o conteúdo informativo das anteriores sem se contraporem a estas. Com isso as definições mais velhas foram se tornando casos particulares das mais novas, numa seqüência que pode ser ilustrada por um 3 organograma como o apresentado na figura 1 . Correlacionando-se o comportamento dos ácidos e das bases, sob o ponto de vista do conceito de genérico, com as suas características estruturais – especialmente em aspectos relacionados às suas densidades eletrônicas –, obtêm-se ele mentos que possi bilitam uma melhor compreensão dos mecanismos de reações além de permitirem que se façam previsões sobre a reatividade de espécies químicas,

mesmo em processos que ainda não tenham sido realizados. Isso se torna ainda mais viável quando se dispõem de dados relativos às forças dos ácidos e das bases, assunto que será analisado nos próximos itens.

Força dos ácidos de Bronsted Apesar de o caráter ácido ou básico de uma espécie química ser bastante modificado por interações com solventes, conveniências experimentais fazem com que reações entre espécies químicas dessa natureza, geralmente, sejam estudadas em solução, usando-se água ou outras substâncias como solventes. Assim, para se compreender os mecanismos de reações entre os ácidos e as bases, é importante que se pos sam es ti mar os efe i tos ca u sa dos pe los solventes ou, então, minimizá-los. Para isso, os químicos têm utilizado vários procedimentos, entre os quais destacam-se estudos termodinâmicos – que permitem quantificar os efeitos da solvatação – e o uso de solventes apolares (pouco coordenantes), nos quais estes efeitos são pequenos. Para explicar porque as espécies químicas podem funcionar como ácidos ou como bases, será discutido como essas propriedades variam em alguns grupos de substâncias semelhantes, sob determinadas condições, começando-se pela expressão das forças dos ácidos e das bases em meio aquoso.

Figura 1. Esquema representativo da evolução das definições dos ácidos das bases.

3.

42

O livro The Lewis Acid-base Concepts, de W. B. Jensen, apresenta um diagrama correlacionando as definições dos ácidos e das bases, no qual a definição de Lux-Flood aparece como caso particular da definição ionotrópica, sem superposição com as


Ácidos e bases

Força dos ácidos em meio aquoso Uma observação importante é que uma mesma substância pode funcionar ora como ácido, ora como base, dependendo da espécie química com a qual esteja interagindo. Já foi mostrado, por exemplo, que a água pode receber um próton de uma molécula ácida (como o ácido acético, CH3COOH), funcionando como uma base. Porém, também, pode doar um próton para uma base (como o CN ou o Na2O), funcionando como um ácido, sendo, portanto, uma substância anfiprótica. Substâncias dessa natureza podem transferir prótons, inclusive, entre suas próprias moléculas, conforme está expresso na reação de auto-ionização da água: ® H3O+(aq) + OH-(aq) 2H2O(l) ¬ A constante de equilíbrio desta reação é dada pela equação: +

-

K = [H3O ][OH ] / [H2O]

-

Kw = [H3O ][OH ] -14

-

+

pH = - log[H3O ]

e

-

pOH = - log[OH ]

Os valores do pH ou do pOH variam, apenas, entre 0 e 14, podendo constituir escalas muito mais simples do que seriam as escalas de + concentração de H3O ou de OH . Nas soluções dos ácidos ou das bases fortes, o pH ou o pOH tendem a ser iguais aos logaritmos negativos das concentrações do ácido ou da base. Porém, para ácidos ou bases fracos, isso não ocorre porque essas substâncias não se dissociam completamente, sendo estabelecidos equilíbrios que podem ser descritos pelas equações:

2

Como a concentração de água nas soluções aquosas ou em água pura é considerada constante ([H2O] = 55,55...mol/L), o seu valor ao quadrado, presente na equação anterior, multiplicado pela constante de equilíbrio da equação resulta numa outra constante denominada produto iônico da água (Kw) e a equação assume a forma: +

+

Como as concentrações de H3O e de OH podem variar em muitas ordens de grandeza -14 (de próximo a um até próximo de 10 M), torna-se conveniente expressá-las por meio de outros parâmetros menos complexos. O pH e o pOH, logaritmos negativos das concentrações destes íons, são os mais utilizados.

O valor de Kw é igual a 10 e, na água pura, as concentrações dos íons hidroxiônio e hidroxilo são iguais entre si, portanto iguais a -7 10 mol/L. Nas soluções aquosas, quando se adicio+ na um ácido, a concentração de H3O aumenta e quando se adiciona uma base, a concentração OH aumenta. Porém, nas duas situações, o produto das concentrações permanece constante e isso significa que quando a concentração de um dos íons aumenta, a concentração do outro + (H3O ou OH ) diminui na mesma proporção.

® H3O+ (aq) + A-(aq); A + Água ¬ + Ka = [H3O ][A ]/[A] ® B+(aq) + OH-(aq); B + Água ¬ + Kb = [B ][OH ]/[B] Nes sas equa ções, a con cen tra ção da água (55,55…M) fica implícita nos valores de Ka ou de Kb, que são, respectivamente, as constantes de acidez (do ácido A) e de basicidade (da + base B); A é a base conjugada do ácido A e B é o ácido conjugado da base B. Como exemplos, a Tabela 2 apresenta alguns ácidos fortes, fracos e muito fracos, juntamente, com as respectivas bases conjugadas. No caso específico do ácido acético, o próton é transferido deste para a água e as equações que expressam o equilíbrio químico estabelecido e a constante de acidez assumem as formas: ® H3O(aq)+ + CH3COO-(aq) CH3COOH(aq) ¬ +

-

Ka = [H3O ][CH3COO ]/[CH3COOH]

43


Ótom Anselmo de Oliveira

Tabela 2. Alguns ácidos e as respectivas bases conjugadas. Ácidos

Força ácida

Fórmula

Ácidos fortes 100% ionizados Ka ® a

Ácidos fracos 10-2 Ka 10-5

Ka 10-5

Nome

Fórmula ClO4 HSO4IBrClNO3-

hidrônio

H2 O

perclorato sulfato ácido iodeto brometo cloreto nitrato água

Cl3CCOOH HSO4H3PO4 HNO2 HF HCOOH

tricloroacético sulfato ácido fosfórico nitroso fluorídrico fórmico acético

Cl3CCOOSO4— H2PO4NO2FHCOOCH3COO

tricloroacetato sulfato bifosfato nitrito fluoreto metanoato acetato

carbônico sulfídrico íon amônio cianídrico sulfeto ácido água amônia hidrogênio

HCO3HSNH3 CNS— OHNH2HCH3-

hidrogenocarbonato sulfeto ácido amônia cianeto sulfito hidroxila amideto hidreto íon metídio

H2CO3 H2 S NH4+ HCN HSH2 O NH3 H2 CH4

metano o

® NH4+(aq) + OH-(aq) NH3(aq) ¬ + [NH4 ][OH ]/[NH3]

Coincidentemente, o valor do Kb da amô-5 o nia também é de 1,8 x 10 a 25 C, caracterizando-a como uma base fraca. De forma semelhante ao que é feito para + as concentrações dos íons H3O e OH , é conve-

44

Nome

perclórico sulfúrico iodídrico bromídrico clorídrico nítrico

A constante de acidez desse ácido a 25 C -5 é 1,8 x 10 , uma vez que apenas uma pequena quantidade do ácido acético se dissocia, liberando prótons para a solução, o que o caracteriza como um ácido fraco. Para a amônia, o próton é transferido da água para moléculas do NH3 e as equações que expressam o equilíbrio estabelecido e a constante de basicidade passam a ser:

Kb =

-

HClO4 H2SO4 HI HBr HCl HNO3 H3 O +

CH3COOH

Ácidos muito fracos

Base conjugada

niente expressar as constantes de acidez ou de basicidade por meio de valores menos complexos, o que, mais uma vez, faz-se usando os logaritmos negativos dessas constantes, os quais são definidos pelas equações: pKa = - logKa, para os ácidos, e pKb = - logKb, para as bases. Assim, quanto mais fracos os ácidos ou as bases, menores são os valores das constantes de acidez ou de basicidade e maiores são os valores dos pKa ou dos pKb. Na tabela 3, são apresentados valores de Ka, Kb, pKa e pKb de vários ácidos e bases e, nos subitens seguintes, serão discutidas a acidez ou a basicidade de alguns grupos de substâncias.


Ácidos e bases

Tabela 3. Constantes de acidez, de basicidade, pKa e pKb de alguns ácidos e bases. Ácido ou base

Ka

Kb

pKa

pKb

Ácido iodridrico, HI

1011

-

-11

-

Ácido perclórico, HClO4

1010

-

-10

-

Ácido tricloroacético, CCl3COOH

3,0 x 10-1

-

0,52

-

Ácido benzenosulfônico, C6H5SO3H

2,0 x

10-1

-

0,70

-

Ácido iódico, HIO3

1,7 x 10-1

-

0,77

-

1,5 x

10-2

-

1,81

-

1,0 x

10-2

-

2,00

-

7,6 x

10-3

-

2,12

-

1,4 x

10-3

-

2,85

-

4,3 x

10-4

-

3,37

-

Ácido fluorídrico, HF

3,5 x

10-4

-

3,45

-

Ácido fórmico, HCOOH

1,8 x 10-4

-

3,75

-

Ácido benzóico, C6H5COOH

6,5 x 10-5

-

4,19

-

Ácido acético, CH3COOH

1,8 x 10-5

-

4,75

-

Ácido carbônico, H2CO3

4,3 x 10-7

-

6,37

-

Ácido hipocloroso, HClO

1,8 x 10-5

-

7,53

-

Ácido hipobromoso, HBRO

2,0 x 10-9

-

8,69

-

Ácido bórico, B(OH)3

7,2 x 10-10

-

9,14

-

4,9 x

10-10

-

9,31

-

1,3 x

10-10

-

9,89

-

2,3 x

10-11

-

10,64

-

-

1,0 x 10-3

-

2,99

-

6,5 x 10-4

-

3,19

-

5,4 x

10-4

-

3,27

3,6 x

10-4

-

3,44

10-5

-

4,19

Ácido sulfuroso, H2SO3 Ácido cloroso, HClO2 Ácido fosfórico, H3PO4 Ácido cloroacético, CH2ClCOOH Ácido nitroso, HNO2

Ácido cianídrico, HCN Fenol, C6H5OH Ácido hipoiodoso Trietilamina, (C2H5)3N Etilamina, C2H5NH2 Dimetilamina, (CH3)2NH Metilamina, (CH3)NH2

-

Trimetilamina, (CH3)3N

-

6,5 x

Amônia, NH3

-

1,8 x 10-5

-

4,75

Hidrazina, NH2NH2

-

1,7 x 10-6

-

5,77

Morfina, C17H19O3N

-

1,6 x 10-6

-

5,79

Nicotina, C10H14N2

-

1,0 x 10-6

-

5,98

Hidroxilamina, NH2OH

-

1,1 x 10-6

-

7,97

Piridina, C5H5N

-

1,8 x 10-9

-

8,75

Anilina, C6H5NH2

-

4,3 x 10-10

-

9,37

-

10-14

-

13,90

Uréia, CO(NH2)2-

1,3 x

45


Ótom Anselmo de Oliveira

Compostos binários do hidrogênio

onde:

Entre os compostos binários do hidrogênio estão alguns ácidos e bases de uso muito comum pelos profissionais da química, como são os casos do HCl e do NH3. Sobre esses compostos, um parâmetro de grande importância para se compreender as suas propriedades químicas é a próton afinidade (PA), definida como a energia necessária para romper a ligação do próton com a sua base conjugada. Assim, a próton afinidade pode ser determinada a partir do estabelecimento da entalpia do processo: B(g) + H

+ (g)

+ (g);

® BH

DH = -PA

Essa reação é de difícil realização em laboratório, mas é possível determinar o valor da próton afinidade (PA) correspondente, usando o ciclo termodinâmico seguinte: -DHA(BH) B(g) + H(g) -

+e

BH(g) -

-DHI(H)

-e

DHI(BH)

DH = - PA B(g) + H

+ (g)

+ (g)

BH

DH = - DHI(H) - DHA(BH) + DHI(BH) PA = - DH

DH = entalpia de reação DHA(BH) = entalpia de atomização; DHI(H) = potencial de ionização do hidrogênio e DHI(BH) = potencial de ionização do BH. Usando-se técnicas adequadas a cada situação, é possível calcular as afinidades protônicas de muitas espécies, algumas das quais estão listadas na tabela 4. A próton afinidade é um parâmetro importante como indicador da tendência de uma espécie química receber ou perder um próton e, portanto, de funcionar como base ou como ácido. A afinidade protônica pode funcionar, ainda, como um bom indicador para se classificar um ácido ou uma base como forte ou fraco. Para ilustrar o uso desse parâmetro, serão discutidas, a seguir, as próton afinidades dos hidretos de halogênios (HF, HCl, HBr e HI) que estão entre os ácidos mais estudados em meio aquoso. Nesses compostos, as ligações H–X são covalentes polares, apresentando caráter iônico (H d+ - X d- ) crescente do iodo para o flúor. 4 Assim, dentro da série, o momento dipolar de cada molécula diminui do flúor para o iodo, conforme se pode ver na Tabela 5. Como conseqüência, poderia se pensar que o próton seria liberado mais facilmente do flúor do que dos

Tabela 4. Afinidade protônica e acidez relativa de hidretos de ametais. Afinidade protônica (kJ/mol) CH3-

NH21745

SiH3-

OH1689

PH2-

GeH3

1509

1635

1548 AsH2

F-

SH-

1554 -

-2

CH4 1554

Cl1474

SeH1500

Acidez relativa

^ SiF4

1395 Br-

1420

<

<

^ <

^ GeH4

NH3

PH3

AsH3

<

^ <

^ »

H2 O

H2 S

^ <

^ <

H2Se

HCl ^

<

1355 I-

HBr ^ HI

1315

4. m = d x d, em que d é o comprimento da ligação O-H e d é a carga do oxigênio ou do hidrogênio no ácido.

46

HF


Ácidos e bases

outros halogênios. Ou seja: que o HF seria o ácido mais forte da série. Tabela 5. Momento dipolar de algumas espécies. Espécie químicas

Diferença de eletronegatividade

Momento dipolar em Debye (D)

H–H

0,0

0,00

H–F

1,9

1,91

H–Cl

0,9

1,03

H–Br

0,7

0,79

H–I

0,4

0,38

Ocorre, porém, que os comprimentos das ligações entre o hidrogênio e os halogênios aumentam do flúor para o iodo, em virtude do aumento dos raios atômicos desses elementos. Isso provoca diminuição da energia de ligação e favorece a desprotonação das respectivas moléculas na mesma seqüência, o que explica a acidez dos haletos de hidrogênio crescer na ordem: HF < HCl < HBr < HI Ao mesmo tempo, verifica-se que, entre as bases conjugadas desses ácidos, o iodeto (I ) é a que apresenta menor afinidade protônica. Portanto, é a que deve ser desprotonada com mais facilidade. Pelos dados apresentados, na tabela 4, pode-se dizer que a basicidade dos haletos varia na forma: -

-

-

-

F > Cl > Br > I

indicando, mais uma vez, que a acidez dos haletos de hidrogênio cresce do flúor para o iodo. Mesmo em presença de solventes, esses efeitos ainda são significativos, e os experimentos mostram que, em solução aquosa, o HF se comporta como um ácido fraco, com uma cons-4 tante de dissociação igual a 3,5x10 , enquanto o HCl, o HBr e o HI têm constantes de dissociação tendendo para valor infinito, sendo, portanto, ácidos fortes.

Os dados da tabela 4 indicam, ainda, que a acidez dos hidretos dos ametais (em termos das posições na tabela periódica) cresce da esquerda para a direita. Isso acontece porque o número atômico aumenta, ao longo de cada período, e, como conseqüência, a carga nuclear efetiva e a eletronegatividade também aumentam no mesmo sentido. Uma explicação para o aumento da acidez em cada período pode ser obtida analisando-se a relação entre a carga do íon e o número de pares de elétrons isolados da respectiva base conjugada. Assim, o íon amideto (NH2 ) é uma base conjugada mais forte do que o íon hidroxila (OH ), em virtude de a relação entre a carga do íon e o número de pares isolados, no primeiro, ser igual a 1/2; enquanto, no segundo, ser igual a 1/3. Essa explicação pode ser mais bem compreendida imaginando-se que, no amideto, a carga do íon fica mais concentrada sobre os dois pares isolados do nível de valência do nitrogênio. Já, no íon hidroxila, carga semelhante se distribui sobre os três pares isolados do nível de valência do oxigênio, estando mais dispersa e, conseqüentemente, atraindo o próton com menos intensidade.

Acidez de íons metálicos em solução aquosa Nas soluções de sais de metais, em água, ocorrem interações de dimensões variadas entre os íons e as moléculas do solvente. Se a interação é fraca, diz-se que ocorre hidratação dos íons, isto é: cada íon fica, apenas, envolvido por uma certa quantidade de moléculas do solvente. Quando a interação é forte, além da hidratação, ocorre rompimento de ligação H–O em algumas moléculas de água e, nesse caso, diz-se que ocorre uma reação de hidrólise. Como exemplos para estas duas situações, podem ser descritas as dissoluções do cloreto de sódio (NaCl) e do cloreto férrico (FeCl3). No caso do cloreto de sódio, constituído + por um ácido conjugado fraco (Na ) e uma base

47


Ótom Anselmo de Oliveira

-

conjugada fraca (Cl ), ocorre apenas hidratação dos íons. Ou seja: + n(aq)

NaCl(s) + água ® Na(H2O)

-

+ Cl(H2O) m(aq)

Já no caso do cloreto férrico, verifica-se que a solução produzida apresenta caráter ácido. Isso acontece porque o íon ferro tem uma carga elevada (+3) e, como conseqüência, se liga fortemente ao oxigênio da água, criando condições para o rompimento de algumas das ligações H–O, formando espécies como: +3 +2 + (aq)+H2O®[Fe (H2O)5(OH)] (aq)+H3O (aq)

[Fe2(H2O)6]

+2 + + (aq)+H2O®[Fe (H2O)4(OH)2] (aq)+H3O (aq)

[Fe(H2O)5(OH)]

Essa é, portanto, uma reação de hidrólise 3+ e, nela, o íon Fe funciona como um ácido por qualquer das definições que se queira utilizar, exceto a de Lux e Flood. Com por ta men to se me lhan te ao do Fe(III), normalmente, é observado para cátions 2+ pequenos (como o Be ) ou com cargas elevadas +3 ou 4 (M ), que apresentam altos valores para o parâmetro eletrostático (x ). Esse parâmetro é definido pela equação: 2

x = z /r + d, em que z é a carga do íon metálico, r é o raio iônico e d é o diâmetro da molécula de água. Na tabela 6, são apresentados indicativos sobre a acidez dos metais em solução. Tabela 6. Indicativos de acidez de íons metálicos em água. Metais

Carga do íon

Acidez

Alcalinos

+1

Não apresentam

Alcalinos terrosos

+2

Não apresentam, exceto o Be

De transição d

+2

Muito moderada

De transição d

+3

Moderada

De transição d

+4 ou superior

Bastante pronunciada

48

Óxidos ácidos e óxidos básicos em meio aquoso Os óxidos binários, em presença da água, podem se comportar como ácidos ou como bases pelas razões que serão discutidas em seguida. Geralmente, verifica-se que os óxidos de não-metais, ao se dissolverem na água, formam soluções de ácidos do tipo XOn(OH)m, enquanto os óxidos de metais formam soluções de base com fórmula geral M(OH)m. Para os oxiá ci dos mo no nu cle a res (H2SO4, por exemplo), verifica-se que a acidez depende da eletronegatividade do átomo central e da quantidade de oxigênio ao redor deste átomo. Se o oxiá cido inclui outros grupos (HSO3F e HSO3I), a acidez depende do efeito indutivo causado por tais grupos. Isso acontece porque esses fatores estão diretamente relacionados com a polaridade da ligação H–O, que é o grupo ácido nessas substâncias. Tal polaridade, por sua vez, é um dos fatores determinantes da interação entre o oxiácido e a água. Por fim, esta interação é a responsável pela liberação do próton para o meio solvente, fazendo aumentar a concentração de + H3O na respectiva solução. Pode-se ver, por exemplo, que: • o HClO4 e o HNO3 estão entre os ácidos mais fortes que se conhece; • o HClO2 e o HNO2 são mais fracos do que o HClO4 e o HNO3, respectivamente; • o H2SO4 é, ligeiramente, mais fraco que o HClO4 e HNO3; • o H2SO3 é mais fraco do que o H2SO4; • o H2SeO4 é mais fraco do que o H2SO4; • o H3PO3 e o o H3PO4 têm comportamento anômalo e • o H2CO3 e o H3BO3 são muito mais fracos. Essas afirmações indicam que, em geral, os ácidos mais oxigenados são mais fortes do que os semelhantes menos oxigenados. Ao mesmo tempo, verifica-se que a acidez desses compostos aumenta com a eletronegatividade do átomo central, cujo posicionamento em termos deste parâmetro é:


Ácidos e bases

Cl » N > C » S > P > B

Cl

-1

Eletronegatividade cresce

Cl

Esses efeitos são bem demonstrados pelos dados contidos na tabela 7, onde são apresentados alguns parâmetros relativos a ácidos formados a partir de alguns oxiácidos. A principal razão para o aumento do número de oxigênios fazer aumentar a acidez das espécies é conseqüência do aumento da pola ri da de da li ga ção O–H ca u sa da pelo aumento da eletronegatividade do grupo ligado ao oxigênio de onde é liberado o próton. Da mesma forma, a introdução de outros átomos ou grupos substituintes que façam aumentar a eletronegatividade deste oxigênio tende a fazer aumentar a acidez da substância. Por exemplo: quando se substitui os hidrogênios metílicos do ácido acético por átomos de cloro, formando o ácido tricloroacético, por indução, a eletronegatividade do grupo ligado ao O–H aumenta, polariza + mais essa ligação e facilita a liberação do íon H , resultando num ácido muito mais forte.

H

O

C Cl

Ka = 3,0 x 10

C O

pKa = 0,52

H

Ácido tricloroacético A análise de fatos como estes levou Linus Pauling a propor duas regras importantes sobre o comportamento dos óxidos ácidos. A primeira regra estabelece que, nos poliácidos do tipo XOn(OH)m, os valores de pKa podem ser estimados pela expressão: pKa = 8 – 5n Isto significa que quanto maior o valor de n, maior será a constante de acidez e, portanto, mais forte será o ácido, como pode ser visto na tabela 8. A segunda regra diz que, nesses ácidos, as constantes de acidez sucessivas diminuem da ordem de 10.000 a 100.000 vezes ou, expressan do de ou tra for ma, os va lores de pK a, aumentam de cinco unidades de uma dissociação para a seguinte. Ou seja:

O -5

Ka = 1,8 x 10

H

C

® H3O+ + XOn + 1(OH)m – 1; XOn(OH)m + água ¬ Ka1, pKa1

C pKa = 4,75

H

O

H +

® H3O +XOn + 2(OH)m – 2; XOn + 1(OH)m - 1+água ¬ Ka2, pKa2

Ácido acético

Tabela 7. Alguns parâmetros relativos a oxiácidos. Influências da eletronegativade e do número de oxidação. Ácido

Estrutura

Eletronegatividade de X

Número de oxidação de X

pKa

Ácido hipoiodoso, HIO

I –O–H

2,7

+1

10,64

Ácido hipobromoso,HBrO

Br – O – H

3,0

+1

8,69

Ácido hipocloroso, HClO

Cl – O – H

3,2

+1

7,53

Ácido cloroso, HClO2

O | CL O – H

3,2

+3

2,00

Ácido clórico, HClO3

O | CL – O – H

3,2

+5

Forte

49


Ótom Anselmo de Oliveira

4

5

Ka1 / Ka2 » 10 a 10 , ou pKa1 + 5 » pKa2 Tabela 8. Relação entre oxigenação e força dos ácidos e das bases. N

Ka1

Força do ácido

3

Tende para 8

Muito grande

2

~ 102

Grande

1

10-2 a 10-3

Média

0

10-7,5

a

10-9,5

Fraca

Isso ocorre porque a carga gerada na formação do ânion pode ser mais extensivamente deslocalizada nas espécies com maior número de oxigênios. Assim, em espécies com muitos oxigênios e poucos prótons, como o HNO3 ou o HClO4, a carga negativa dos ânions (NO3 ou ClO4 ), resultantes da dissociação desses ácidos, fica espalhada sobre os três ou quatro átomos de oxigênio dos ânions, conferindo-lhes estabilidade, o que favorece a dissociação dos ácidos. Quanto à diminuição continuada das constantes de acidez sucessivas (Ka1, Ka2, Ka3), é natural esperar-se que isso ocorra, uma vez que o aumento da carga negativa dos ânions formados, certamente, dificulta a saída de mais um próton de uma espécie que já está com carência de carga positiva. Sobre os óxidos metálicos, como já foi dito antes, de um modo geral, eles reagem com a água produzindo hidróxidos ou formando soluções básicas, especialmente se estiverem em baixo estado de oxidação, em processos como: Na2O(s) + H2O(l) ® 2NaOH(aq); Na2O(s) + água

® 2Na

+ (aq)

-

+ 2OH (aq) ou

Fe2O3(s) + 3H2O(l) ® 2Fe(OH)3(s) A tendência dos óxidos metálicos em formar bases está diretamente relacionada ao parâmetro eletrostático da ligação M–O, verificando-se que, quanto mais iônica for a ligação,

50

maior é a possibilidade de o óxido funcionar como base. Por essa razão, num mesmo grupo da tabela periódica, para um mesmo estado de oxidação, a basicidade dos óxidos cresce de cima para baixo. Verifica-se, por exemplo, que, entre os óxidos dos alcalinos terrosos, o BeO é an fó te ro (como se pode ver no di a gra ma seguinte), enquanto os demais (MgO, CaO, SrO e o BaO) são básicos. Grupos

1

2

13

14

15

3

Al

4

Ga Ge

As

5

In

Sn

Sb

Pb

Bi

16

17

Períodos

Be

2

6

Figura 2. Acidez e basicidade de elementos representativos. Os óxidos metálicos anfóteros produzem reações ácidas ou básicas, dependendo do meio reacional em que estejam, como é visto nas reações dos óxidos de berílio ou alumínio. +

BeO(s) + 2H3O + H2O ® [Be(H2O)4] + (aq)

Al2O3(s) + 6H3O

2+ (aq) 3+ (aq)

+ 3H2O ® 2[Al(H2O)6]

-

-

Al2O3(s) + 2OH (aq) + 3H2O ® 2[Al(OH)4] (aq +

BeO(s) + 2OH + H2O ® [Be(OH)4]

2-

(aq)

Alguns elementos do bloco d, como mostra o diagrama seguinte, também apresentam este comportamento. O ZnO, por exemplo, + pode neutralizar o H3O ou o HO , formando compostos de coordenação, por meio de reações como: + (aq)

ZnO(s) + 2H3O -

2+

+ H2O(l) ® [Zn(H2O)4] , ou 2-

ZnO(s) + 2HO (aq) + H2O(l) ® [Zn(HO)4] .


Ácidos e bases

Número de Oxidação

Comportamento ácido/base em função do número de oxidação

Figura 3. Acidez ou basicidade de óxidos de elementos de transição.

carbono. Como o hidrogênio é menos eletronegativo do que o carbono, quando mais átomos de hidrogênio vão se ligando aos carbonos, estes vão recebendo mais elétrons e se tornando menos eletronegativos. Com isso, a polarização das ligações C–H diminui e, conseqüentemente, as possibilidades de rompimento dessas + ligações, liberando H , também diminui, do etino para o etano (C2H2 > C2H4 > C2H6). Pode-se raciocinar, ainda, da forma: O carbono menos saturado deve ter maior capacidade para receber elétrons, sendo, portanto, mais ácido do que os mais saturados.

Acidez dos hidrocarbonetos

Basicidade de alguns derivados da amônia

Estudos sobre hidrocarbonetos mostram que quanto maior a eletronegatividade dos átomos de carbono que funcionem como centros ácidos, maior é a sua acidez. Assim, na série de hidrocarbonetos etano (C2H6), eteno (C2H4) e etino (C2H2), a acidez cresce do primeiro para o último ou, pode-se dizer, também, cresce com o aumento do caráter s do orbital de valência do carbono, conforme pode ser visto na ilustração seguinte. Esse fato, talvez, torne-se mais compreensível raciocinando-se sobre o efeito causado pelo aumento do número de átomos de hidrogênio na eletronegatividade dos átomos de

Os principais derivados da amônia são as aminas e estas se caracterizam por apresentarem os átomos de hidrogênio substituídos por um (ami na pri má ria, RNH 2 ), dois (ami na secundária, R2NH) ou três (amina terciária, R3N) grupos alquilas ou arilas ( R ). Nesses compostos, a basicidade é bastante afetada pelos grupos substituintes, sendo aumentada ou diminuída em função da maior ou menor capacidade doadora ou receptora desses grupos. Se a substituição é feita por espécies receptoras de elétrons, como os halogênios, a

7 6 5 4 3 2 Elementos Sc Ti

V

Etino

Eteno

Etano

Cr Mn Fe Co Ni Cu Zn

Hidrocarboneto

Caráters

Orbitais híbridos

H – C ºC – H C C H H H / H H\ C=C C\ /C H H H H H H H| |H H–C–C–H H C| |C H H H

50,00 %

sp

33,33%

sp2

25,00%

sp3

H

H

H

51


Ótom Anselmo de Oliveira

basicidade diminui. Por outro lado, se a substituição for feita por grupos doadores, como o CH3, a basicidade aumenta, como pode ser verificado nos compostos: F3N

H3N

H

F F

N F

H

(CH3)3N

H 3C N

H

H 3C

N

H 3C

Basicidade cresce ­ Acidez cresce Nesses compostos, o flúor (elemento mais eletronegativo da tabela periódica) torna o nitrogênio menos doador de elétrons. Conseqüentemente, a trifluoroamina é menos básica do que a amônia. Já o H3C - grupo doador, em virtude de o carbono estar ligado a três átomos de hidrogênio, elemento de baixa eletronegatividade - torna a trimetilamina mais básica do que a amônia. Em meio aquoso, pode-se dizer que o pKb das aminas, de uma forma genérica, refere-se a equações químicas do tipo: -

® RmNHn+1 + OH RmNHn + H2O ¬

Nessas reações, conforme é indicado pelos valores de pKb, apresentados na tabela 9, a variação da basicidade não é uniforme para cada adição de um grupo substituinte. Para as alquilaminas, a adição do primeiro substituinte faz aumentar significativamente a basicidade do composto. A adição do segundo grupo aumenta numa intensidade menor, o que é compreensível pelo fato de o nitrogênio já haver satisfeito, em partes, sua necessidade de cargas negativas. Porém, a adição do terceiro grupo faz diminuir o pKb para um valor próximo (ou até maior) do que o apresentado pelas monoalquiaminas.

52

Tabela 9. Basicidade da amônia e de algumas aminas. Amina

Nome

pKb

NH3

Amônia

4,74

NH2OH

Hidroxialmina

7,97

NH2NH2

Hidrasina

5,77

MeNH2

Metilamina

3,36

Me2NH

Dimetilamina

3,29

Me3N

Trimetilamina

4,28

EtNH2

Etilamina

3,25

Et2NH

Dietilamina

2,90

Et3N

Trietilamina

3,25

i-PrNH2

Isopropilamina

3,28

i-Pr2NH

Diisopropilamina

2,95

i-BuNH2

Isobutilamina

3,51

i-Bu2NH

Diisobutilamina

3,32

i-Bu3N

Triisobutilamina

3,58

Isso poderia ser explicado pelo aparecimento de impedimentos estéricos, causados pelo maior volume ocupado pelos grupos R, o que dificultaria a entrada do próton na camada de valência do nitrogênio. Ocorre, porém, que o próton é muito pequeno e, conseqüentemente, não deve sofrer efeitos dessa natureza. Se existissem, estes efeitos seriam mais relevantes nas trialquilaminas, onde todos os hidrogênios foram substituídos por grupos maiores. Porém, dados relativos à próton afinidade das metilaminas mostram que, no estado gasoso, a basicidade relativa destes compostos aumenta na seqüência: NH3 < MeNH2 < Me2NH < Me3N, indicando que o fator estérico não é importante na interação dessas aminas com o próton. Portanto, a aparente anomalia, observada nos valores de pKb, deve ser causada por algum fator relativo à solvatação das aminas que, certamente, envolve vários outros fatores além da simples protonação do nitrogênio. Uma me lhor com pre en são so bre a não-uniformidade no comportamento das aminas, quando têm os seus hidrogênios substituí-


Ácidos e bases

dos por grupos alquila ou arila, pode ser alcançada analisando-se as equações químicas H O

H

H

H

® OH- + R RNH2 + 4H2O ¬

N

O +

H

H

H

H O H

H R

® OH- + R RNH2 + 4H2O ¬

Dos valores de pKb contidos nesta tabela, conclui-se que o efeito doador favorecido pela entrada do terceiro grupo R é suplantado pela diminuição na solvatação nas aminas terciárias em relação às aminas secundárias.

N

O +

H

Força dos ácidos e das bases de Lewis É de se esperar que quanto maior a capacidade de uma espécie química em receber pares ele trô ni cos, ma i or seja a sua aci dez. Similarmente, quanto maior a capacidade de uma espécie doar pares eletrônicos, maior deve ser a sua basicidade. Assim, pode-se dizer que a basicidade, segundo Lewis dos derivados trisubstituídos da amônia variam na ordem inversa da eletronegatividade dos substituintes, conforme é ilustrado na seqüência: (CH3)3N > H3N > F3N

H

H

Da mesma forma, a acidez dos boranos trisubstituídos de Lewis aumenta com o crescimento da eletronegatividade dos substituintes, ou seja:

H O H

(CH3)3B < H3B < F3B H R

® OH- + R R2N + 2H2O ¬

N

O +

H

H

R

seguintes: Como pode ser visto, na primeira amina (a menos substituída), pode se formar um maior número de ligações de hidrogênio, o que favorece o estabelecimento de uma solvatação mais intensa com possibilidade de uma maior basicidade. À medida que os hidrogênios vão sendo substituídos por grupos R, a intensidade da solvatação diminui, fazendo a basicidade, também, diminuir. Porém, não se deve esquecer o efeito doador dos grupos R, que tende a fazer aumentar a basicidade da amina. Como conseqüência, a competição entre esses dois fatores determina os efeitos observados nos dados apresentados na tabela 8.

Exis tem, po rém, ou tros fa to res que podem alterar essa correlação da acidez (ou basicidade) com a eletronegatividade. Tomando-se como exemplos os haletos de boro, poderia se pensar que acidez de Lewis ocorreria na ordem: BF3 > BCl3 > BBr3. No entanto, experimentalmente, o que se verifica é o oposto. Isto é: BF3 < BCl3 < BBr3 Isso acontece porque, como os haletos de boro tendem a ser planares, com o boro hibridi2 zado em sp , o orbital p vazio deste átomo estabe le ce li ga ções p com or bi ta is che i os dos haletos, tornando-se mais estável. Essas ligações são mais fortes entre o boro e o flúor, em virtude de os dois apresentarem dimensões aproximadas e, conseqüentemente, simetria adequada para fazer ligações p bem efetivas.

53


Ótom Anselmo de Oliveira

Quando o boro se liga a um quarto átomo, o grupo BX3Y formado assume a simetria piramidal, rompendo a ligação p(B–X). Como essa ligação é mais forte com o flúor (F), então o BF3 será o composto que resistirá mais a uma interação com uma base, seguido pelo BCl3. Pela mesma razão, os ésteres do tipo B(OR)3 são ácidos de Lewis extremamente fracos. No caso das aminas descritas anteriormente, era de se esperar que a basicidade de Lewis sempre aumentasse da amônia para as aminas terciárias. Porém, observa-se que isso não acontece, o que é fácil de ser entendido. Basta lembrar que, para a interação ácido-base ocorrer, é necessária a aproximação dos centros doadores e receptores de pares de elétrons, e que a entrada de um maior número de grupos alquil ou aril em torno destes centros ocupe um maior espaço em torno do átomo de nitrogênio, difi cultando a aproxima ção dos ácidos de Lewis que poderiam se coordenar ao centro básico (nitrogênio), especialmente se esse ácido também for volumoso. Como ilustração para isso, pode-se analisar o composto formado pela adição da tripropilamina (C3H7)3N ao trietilborano B(C2H5)3, que é o adu to tri pro pi la mi na tri e til bo ra no (C3H7)3N:B(C2H5)3, ou seja: H 3C CH 2 H 3C

CH 2

H 3C

H 2C

CH 2

CH 2 N

B

CH 3

CH 2 CH 2

H 2C CH 2

H 3C

H 3C

Durante a formação desse composto, é desenvolvida uma tensão frontal (F-Strain) em razão da aproximação dos grupos ligados ao N e ao B, nas mo lé cu las da tri pro pi la mi na (C3H7)3N, e ao trietilborano B(C2H5)3, dificultando a ligação entre o ácido e a base.

54

Outro fator que afeta a basicidade das aminas é o nitrogênio tender a assumir a hibri3 dização sp , ficando com estrutura tetraédrica. Quando a amônia se liga a um próton essa tendên cia é ple na men te sa tis fe i ta. Po rém, quando ocorre a substituição dos hidrogênios por grupos volumosos, o nitrogênio tende para 2 a hibridização sp , com estrutura planar, como pode ser visto nos modelos seguintes:

Nesses modelos, o volume dos grupos R aumenta de R1 para R3 (R1 < R2 < R3) e, nas espécies químicas correspondentes, a densidade eletrônica, nos espaços ocupados pelos substituintes, força a reorientação do orbital ligante que contém o par de elétrons isolados da base (nitrogênio), quebrando a simetria tetraédrica. Esse efeito é mais forte em aminas com substituintes mais volumosos, o que gera instabilidade (pela repulsão entre os grupos R dentro da própria base, B-strain), independendo do ácido ao qual ele venha a se ligar. Além disso, quando ocorre a coordenação, o grupo a se ligar à amina (o ácido) força os grupos R da amina na direção inversa, tendendo a fazê-la recuperar a simetria tetraédrica, o que não será fácil se os grupos R forem volumosos.


Ácidos e bases

Ácidos e bases duros e moles Há bastante tempo, os químicos observaram que um dado grupo de ácidos de Lewis (especialmente cátions metálicos) forma compostos (complexos ou adutos) mais estáveis quando interage com um grupo de bases. Esses dois grupos (de ácidos e de bases) constituem os ácidos e as bases do tipo a. Outro grupo de ácidos forma compostos mais estáveis quando interage com um grupo de bases diferentes das primeiras. Esses dois grupos constituem os ácidos e as bases do tipo b. Uma síntese dessas observações pode ser vista na Figura 4, onde são apresentadas as tendências de estabilidade dos compostos de coordenação formados entre os ácidos e as bases de cada tipo. Entre os ácidos do tipo a, são encontrados íons de metais alcalinos e alcalinos terrosos, outros íons metálicos leves com cargas elevadas e umas poucas espécies moleculares. Já os ácidos do tipo b, geralmente, são íons metálicos mais pesados, com número de oxidação baixo (podendo ser até negativos em carbonilas metálicas), e algumas espécies moleculares de elementos de maior número atômico. Analisando-se os dois tipos de ácidos e de bases, verifica-se que as espécies do tipo a, tanto os ácidos, quanto as bases, geralmente, são pequenas, eletronicamente mais densas e, como conseqüência, pouco polarizáveis. Por

Compostos de coordenação dos metais do tipo a

essas características, R. G. Pearson propôs a elas a denominação de ácido ou bases duros. Como exemplos, podem ser citadas as seguintes espécies catiônicas ou moleculares: +

+

2+

2+

3+

4+

4+

3+

Li , Na , Be , Ca , Sc , U , Ti , Cr , 3+ 3+ 4+ 3+ Fe , Co , Sn , BF3, BCl3, CO e N ; e, como bases duras, as espécies: -

2-

-

-

NH3, RNH2, N2H4, H2O, OH , O , F e Cl . Já as espécies iônicas, atômicas ou moleculares do tipo b (sejam os ácidos ou as bases), geralmente, são mais volumosas, eletronicamente menos densas e mais polarizáveis. Por isso, Pearson propôs a denominação de ácidos ou bases moles para tais espécies. Como exemplos de ácidos deste grupo, podem ser citadas as espécies: 2+

2+

+

+

+

2+

Pd , Pt , Cu , Ag , Au , Hg , + + + + Ti ,Tl , Br , I , O, Cl e N; e, como bases, os íons e moléculas: -

-

-

-

-

H , R , CN . CO, SCN , R3P, S2O3, R2S e I . Os termos duro e mole estão relacionados à polarizabilidade dos ácidos (geralmente metais) e das bases (geralmente não-metais que, na química de coordenação, são conheci-

Compostos de coordenação dos metais do tipo b

Bases (ou ligantes) R3 N

R2 O

F-

R3 P

R2 S

Br-

R3As

R2Se

Br-

R3Sb

R2Te

I-

Figura 4. Estabilidade dos compostos de coordenação em função dos ácidos e das bases.

55


Ótom Anselmo de Oliveira

dos como ligantes). A polarizabilidade, por sua vez, está associada a forças interativas entre os elétrons de valência e os núcleos de cada ácido ou de cada base. Para uma melhor compreensão, pode-se dizer que átomos pequenos (ionizados ou não) são menos polarizáveis do que átomos maiores com mesma configuração eletrônica no nível de valência, conforme pode ser visto nas ilustrações seguintes:

• os ácidos duros interagem mais fortemente com as bases duras e

• os ácidos moles interagem mais fortemente com as bases moles. Nas tabelas 10 e 11, estão relacionados vários ácidos e bases, classificados de acordo as respectivas dureza ou moleza. Tomando como referência essas classificações, é possível se equacionar um grande número de reações, sejam inéditas ou já realizadas em laboratório, com grandes possibilidades de acerto. Tabela 11. Algumas bases classificadas entre duras e moles. Bases Duras

Médias

Moles

NH3, RNH2, N2 H4

C6H5NH2, C5H5N, N3-, N2

H-

H2O, OH-, O2-, ROH, RO-, R2O

NO2-, SO3-,

R-, C2 H4 , C6 H6 , CN-, RCN, CO

CH3COO-,CO32-, NO3-, PO43-, SO42-, ClO4-

Br-

SCN-, R3P, (RO)3P, R3As

Observações sobre a formação dos compostos de coordenação levaram Pearson a estabelecer como princípios que, de forma genérica:

R2S, RSH, RS-, S2O32-

F- (Cl-)

Tabela 10. Alguns ácidos classificados entre duros e moles. Ácidos Duros

Médios

Moles

H+, Li+, Na+, K+ (Rb+, Cs+)

Fe2+, Co2+, Ni2+, Cu2+, Zn2+

CO(CN)52-, Pd2+, Pt2+, Pt4+

Be2+, Be(CH3)2, Mg2+, Ca2+, Sr2+ (Ba2+)

Rh3+, Ir3+, Ru3+, Os2+

Cu+, Ag+, Au+, Cd2+, Hg22+, Hg2+, CH3Hg+,

Sc+3, La+3, Ce4+, Gd3+, Lu3+, Th4+, U4+, UO22+, Pu4+

B(CH3)3, GaH3

BH3, Ga(CH3)3, GaCl3, GaBr3, GaI3, Tl+, Tl(CH3)3

Ti4+, Zr4+, Hf4+, VO2+, Cr3+, MO3+, Cr6+, MO3+, WO4+, Mn2+, Mn7+, Fe3+, Co3+

R3C+, C6H5+, Sn2+, Pb2+

CH2, carbenos

BF3, BCl3, Al3+, Al(CH3)3, AlCl3, AlH3, Ga3+, In3+

NO+, Sb3+, Bi3+

Aceptores p, nitrobenzeno, quinonas, tetracianoetileno

CO, RCO+, NC+, Si4+, Sn4+, CH3Sn3+, (CH3)2Sn2+

SO2

HO+, RO+, RS+, RSe+, Te4+, RTeO+

N3+, RPO2+, ROPO2+, As3+

Br2, Br+, I2, I+, ICN

SO3, RSO2+, ROSO2+

O, Cl, Br, I, N, RO•, RO2•

Cl3+, Cl7+, I5+, I7+

Átomos metálicos M0

HX

56


Ácidos e bases

Parâmetros termodinâmicos de ácidos e bases A estabilidade de uma espécie química é definida pelos seus parâmetros termodinâmicos (DH, DS e DG). Porém, nem sempre esses parâmetros podem ser determinados com facilidade. Procurando superar essa dificuldade, em 1965, R. R. Drago e B.B. Wailand propuseram uma forma para se calcular as entalpias de formação em reações envolvendo ácidos e bases de Lewis. Pelo método proposto, a entalpia de reação ácido-base, equacionada na forma: A + B ® AB;

DHr

12), são determinados, empiricamente, a partir das entalpias de formação de adutos resultantes de reações entre ácidos e bases em solventes “inertes” (apolares ou não-coordenantes) ou no estado gasoso. Para se determinar os valores de E e de C, inicialmente, atribuem-se valores arbitrários para estes e, a partir destes, calculam-se os valores finais usando-se entalpias de reações determinadas experimentalmente como referências. Com esses dados, é possível estimar as entalpias de reação em processos inéditos com -1 uma precisão menor do que ± 3kJ mol . Como exemplo, pode ser citada a reação da trimetilamina com o dióxido de enxofre. Para esta, pode-se escrever:

é dada por:- DHr = EA×EB + CA×CB. Nes sa equa ção, DH r é a ental pia de formação do aduto, EA e EB são parâmetros relacionados à suscetibilidade de o ácido e de a base formarem ligações iônicas e CA e CB são parâmetros relacionados à suscetibilidade de o ácido e de a base se ligarem por covalência. Esses parâmetros, também conhecidos como parâmetros de Drago-Wayland (Tabela

(CH3)3N(g) + SO2(g) ® (CH3)3NSO2(g) ; -1 DHr(exp) = - 40,2 kj mol - DHr(calc) = ESO2E(CH3)3N + CSO2C(CH3)3N - DHr(calc) = 0,56 x 1,21 + 1,52 x 5,61 - DHr(calc) = 9,2048 kcal mol

-1

-1

DHr(calc) = - 38,5 kJ mol Erro

-1

= - 1,7 kJ mol ;ou Erro = 4,22 %

Tabela 12. Parâmetros de Drago-Wayland para alguns ácidos e bases. Ácido

EA

CA

Base

EB

CB

I2

0,50

2,00

NH3

2,31

2,04

H2 O

1,54

0,13

MeNH2

2,16

3,12

H2 S

0,77

1,46

(Me)2NH

1,80

4,21

HF

2,03

0,30

(Me)3N

1,21

5,61

HCN

1,77

0,50

C5 H5 N

1,78

3,54

CH3OH

1,25

0,75

C5H5NO

2,29

2,33

C6H5OH

2,27

1,07

CH3CN

1,64

0,71

C2H5OH

1,34

0,29

CH3COCH3

1,74

1,26

AsF3

1,48

1,14

(C2H5)2O

1,80

1,63

SbCl5

3,61

2,51

(CH3)2SO

2,40

1,47

ICl

2,49

0,41

C6 H6

0,70

0,45

BF3

4,83

0,79

CH3OH

1,80

0,65

(Me)3B

3,01

0,83

C2H5OH

1,85

1,09

CHCl3

1,48

0,08

(CH3)2S

0,24

3,92

CHF3

1,32

0,91

(CH3)3P

1,46

3,44

57


Ótom Anselmo de Oliveira

Por esse método, já foi possível se determinar entalpias de formação de milhares de adu tos, e cen te nas des sas de ter mi na ções apresentam excelente concordância com dados experimentais obtidos em laboratório. O método de Drago-Wailand para determinação da entalpia de ligação entre ácidos e bases, em princípio, só pode ser aplicado para reações que se processem no estado gasoso ou em solventes não-coordenantes. Porém, qualitativamente, pode fornecer indicações sobre essas interações, sob outras condições. Além disso, o método pode ser associado aos conceitos duro e mole para possibilitar interpretações ainda mais consistentes sobre interações entre ácidos e bases.

Superácidos e a função acidez de Hammet Muitas soluções líquidas não-aquosas 10 apresentam acidez até cerca de 10 vezes mais ele va da do que so lu ções con cen tra das de ácidos, como o nítrico ou o sulfúrico, em meio aquoso, que estão entre os ácidos mais fortes que se conhece neste meio. Esses sistemas são conhecidos como superácidos e, muitos deles, são capazes de protonar praticamente todos os compostos orgânicos, apesar de vários, não serem bons receptores de prótons. O comportamento superácido não existe em soluções aquosas porque o ácido mais forte que se pode ter neste meio é o + H3O . Assim, um superácido, em meio aquoso, tende a ser consumido, protonando a água, podendo o meio ficar, apenas, com a acidez dos + íons hidrônio (H3O ). Logicamente, para se medir a acidez de um meio com essas características, não se poderia usar a escala de pH, uma vez que esta se limita a valores entre 0 e 14. Perto desses limites, as soluções começam a assumir comportamento diferente do que seria esperado em termos de acidez ou basicidade, tomando-se como base as suas concentrações.

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Para superar este problema, Hammet propôs um novo parâmetro - a função acidez, H0 que funciona como se fosse uma continuação da escala de pH, com valores abaixo de zero, definida pela equação: +

H0 = pKBH+ - log[BH ]/[B] +

em que B é uma base indicadora, BH é o ácido conjugado dessa base e pKBH+ é o pKa desse ácido. Como os valores destes dois últimos parâmetros são conhecidos para muitos indicadores, torna-se fácil definir os valores de H0. Os valores de H0 de uma solução podem ser obtidos por meio da espectrofotometria, + determinando-se as concentrações BH e B e resolvendo-se a equação anterior, uma vez que valores de pKBH+ são conhecidos para muitas bases indicadoras. Para uma solução de ácido sulfúrico a 60% em peso, por exem plo, usan do-se a 2,4-dinitroanilina como base in di ca do ra (pKBH+ = - 4,38), verifica-se que o valor da função acidez (H0) é - 4,32. Porém, em soluções mais con cen tra das de H 2 SO 4 , o va lor da função acidez pode chegar a -12 ou até –15, se for adi ci o na do SO 3 até for mar a so lu ção conhecida como oleum. Os meios superácidos mais aplicados pelos quími cos são obtidos dissol vendo-se AsF5 ou SbF5 em ácido fluorídrico ou ácido flurosulfônico (HSO3F). -

SbF5 + 2HF ® SbF6 + H2F SbF5 + HSO4F ® SbF5OSO2F

-

+

+

+ H2SO3

Como o SbF5 é um ácido de Lewis muito forte, os dois complexos de antimônio formados nas reações são muito estáveis. Por outro lado, os dois cátions formados, duplamente pro to na dos, con ver tem-se em áci dos de Bronsted muito fortes. Isto é: convertem-se em superácidos. Um dos meios superácidos mais conhecidos (por estar muito presente nas indústrias


Ácidos e bases

químicas) ocorre na produção do H2SO4, que resulta da reação do anidrido sulfúrico (SO3) com a água. SO3 + H2O ® H2SO4 ;

DH << 0

Po rém, essa re a ção é ex tre ma men te exotérmica, o que dificulta a remoção de uma grande quantidade de calor dos reatores usados na fabricação. Ocorre, contudo, que o SO3 é um ácido de Le wis for te (po den do re ce ber um par de elétrons sobre o enxofre) e uma base de Lewis fraca (não liberando facilmente pares de elétrons dos átomos de oxigênio). Isso possibilita que se conduza o processo de fabricação por uma rota em que as liberações de calor são menores, realizando-o em duas etapas. Inicialmente, dissolve-se o trióxido de enxofre em ácido sulfúrico já produzido, formando-se o superácido conhecido como óleum, já mencionado, ou seja:

SO3

+

H2SO4

Depois, o H2S2O7 é hidrolisado, convertendo-se em ácido sulfúrico, que é um processo muito menos exotérmico. H2S2O7 +

H2O

®

2H2SO4

Os superácidos não são utilizados com muita freqüência em laboratório, tendo em vista sua grande reatividade. Porém, sempre que se precise obter espécies catiônicas que seriam instáveis sob outras condições, esses meios tornam-se imprescindíveis, seja na realização de pesquisas ou em processos industriais.

Comentários finais As considera ções apresenta das neste texto mostram como são amplas e como podem ser úteis as definições, teorias e conceitos relativos aos ácidos e às bases. Em alguns momentos, tais considerações podem parecer tão abrangentes a ponto de se con fun dir com a quí mi ca como um todo. Porém, o uso adequado dos argumentos ora apresentados, certamente pode contribuir para que estudantes e profissionais da área possam interpretar, com mais segurança, determinados processos químicos. Tal interpretação pode se aplicar tanto a processos já realizados em laboratório, quanto àqueles que estejam sendo planejados para execução. De ve-se res sal tar, po rém, que a interpretação de um fenômeno químico pode ser feita por caminhos diferentes e, como conseqüência, sempre existe possibilidade para se

®

H2S2O7

criar novos modelos ou teorias para se explicar tais fenômenos. Mesmo assim, fica uma pergunta para reflexão das leitoras e dos leitores deste texto: Tendo como referência as definições que foram discutidas, que reações não seriam do tipo ácido-base? E, como resposta não-conclusiva: Talvez as reações entre espécies iguais (H + H, O + O ou CH3 + CH3). Ou será que essas também podem ser interpretadas mediante mecanismos reacionais do tipo ácido-base?

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JOGO EDUCATIVO SOBRE A TABELA PERIÓDICA APLICADO NO ENSINO DE QUÍMICA Rosana A. Giacomini*, Paulo Cesar M. L. Miranda, Alzira Suellen K. P. Silva e Carolina B. P. Ligiero

Resumo Neste artigo, apresenta-se um jogo sobre a Tabela Periódica, o qual foi desenvolvido com a finalidade de motivar a aprendizagem. Feito com materiais de fácil aquisição, os próprios alunos podem confeccioná-lo em aulas de Artes, estabelecendo, assim, a interdisciplinariedade. O jogo foi aplicado em escolas públicas e particulares da região norte do estado do Rio de Janeiro. Os resultados foram satisfatórios tanto em relação a aspectos educativos quanto a aspectos disciplinares. Palavras-chave: construtivismo; jogos didáticos; ensino de Química.

Abstract Teaching Chemistry with a periodic table board game In this work we developed a didactic game about the Periodic Table. The purpose of this resource material is improving motivation in learning. The game has been constructed with easy acquisition materials and, eventually, the students may, themselves, construct it in the Art classes establishing an interdisciplinary correlation among these disciplines. The game has been applied at public and particular schools of the Rio de Janeiros´ northern region. The results were satisfactory concerning to the educative and also disciplinary aspects. Key-words: constructivism; didactic games; Chemistry teaching.

Introdução Mesmo reconhecendo que o ato de ensinar deve ser tão antigo quanto à existência do próprio homem, observamos que ainda há uma preocupação constante dos educadores no desenvolvimento de procedimentos de ensino que possam disponibilizar o conhecimento da maneira mais clara e eficiente possível. Essa preocupação fundamenta-se, sobretudo, no fato de existirem áreas do conhecimento humano que, normalmente, são consideradas de difí*

cil compreensão pela maioria dos educandos. As dificuldades encontradas por estes, geralmente, estão relacionadas ao elevado grau de abstração exigido pelo racionalismo envolvido nestas áreas do conhecimento. Por essa razão, a complexidade das disciplinas que compõem a área das Ciências torna-se um grande desafio para os profissionais da educação que, diante das dificuldades enfrentadas no dia-a-dia da sala de aula, devem lutar contra a rotina da

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Laboratório de Ciências Químicas – Centro de Ciências e Tecnologia. Campos dos Goytacazes – Rio de Janeiro. E-mail: rosanag@uenf.br

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Rosana A. Giacomini, Paulo Cesar M. L. Miranda, Alzira Suellen K. P. Silva e Carolina B. P. Ligiero

repetição, a qual se limita apenas a medir a capacidade de memorização do educando. A cons trução de uma ponte entre o ensino de Ciências, no nível fundamental e médio, com o mundo cotidiano dos alunos se encontra entre estes desafios, pois requer do educador a sensatez de tornar a ciência mais “palpável”, associando-a aos avanços científicos e tecnológicos sem deixar, entretanto, de abordar com rigor o formalismo matemático exigido para a compreensão do fenômeno. Aqui, colocamos o termo “ponte” justamente por considerarmos que existe uma ruptura entre os conhecimentos cotidiano e científico, e consideramos que o ambiente escolar é o mais adequado para promover a diferenciação e a socialização entre os diversos saberes, de forma que o aluno saiba empregar, contextualmente, cada um deles. A ausência deste vínculo normalmente gera a apatia e o distanciamento entre os alunos e professores, repercutindo em uma baixa qualidade de ensino. Ao se restringirem a uma abordagem estritamente formal, alguns educadores acabam não aproveitando as várias possibilidades que existem para tornar a Ciência mais palpável e associá-la com os avanços científicos e tecnológicos atuais que afetam diretamente a nossa sociedade. Propormos, neste trabalho, a construção de um recurso material que poderá servir como um elemento facilitador no processo de ensino e aprendizagem e queremos, a seguir, abordar em uma breve revisão literária, alguns aspectos que nos levaram a esta proposta. 1 Pi let ti ao tratar sobre “Re cursos de Ensino”, faz referência a esse assunto com o seguinte texto: Um professor de Ciências falava a seus alunos sobre a fotossíntese. De repente, um problema: a luz do sol que entrava pela janela atrapalhava a visão de alguns alunos que, dessa maneira, não conseguiam ler o que o professor escrevia no quadro-negro. Alguém tentou fechar a cortina, mas um dos galhos da enorme

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folhagem que enfeitava a sala impediu que a cortina fosse totalmente fechada. Então, o professor, com a ajuda de alguns alunos, resolveu afastar o vaso que continha a folhagem para que a cortina pudesse ser fechada. Resolvido o problema, o professor continuou tranqüilamente falando sobre fotossíntese e escrevendo suas explicações no quadro-negro. Tão condicionado estava a dar aula utilizando apenas “saliva e giz” que nem lhe ocorreu chamar a atenção de seus alunos para o fato de que estavam diante do fenômeno da fotossíntese. O galho da folhagem crescera voltado para a janela em busca da luz, com pro van do o fe nô me no que es ta vam estudando.1

Considerando que a mensagem transmitida por esse texto de Piletti reflete boa parte das realidades encontradas nas salas de aula da atualidade, podemos concluir que, em vários casos, a apatia dos alunos por disciplinas que representam as áreas de Ciências, tais como Biologia, Física, Química e Matemática e suas dificuldades nelas, são geradas pela carência de profissionais bem preparados. Pesquisas sobre as influências do pensamento científico na formação de professores e sobre as idéias dos estudantes acerca de Ciências, têm contribuído para a discussão da necessidade de se desenvolverem noções sobre os processos de construção do conhecimento da cultura científica, em atividades de ensino de 2 Ciências , tendo em vista as demandas atuais da 3 educação básica descritas nos PCN e PCN+ . As dificuldades de entendimento dos fenômenos tratados nas salas de aula de Ciências, e mesmo a ausência de motivação para estudá-los podem ser atribuídas, em parte, ao desconhecimento das teorias sobre o funcionamento das Ciências, tanto por parte dos professores como dos estudantes. Como conseqüência imediata deste impedimento, está a tentativa da transferência, sem crítica, dos valores prezados pela cultura científica para os estudantes, como por exemplo conceitos, procedimentos, regras para validação de modelos, sem que lhes seja dada a oportuni-


Jogo educativo sobre a tabela periódica aplicado no ensino de Química

dade de vivenciar as formas de agir e pensar típi5 cas das ciências . Trabalhos que investigam a formação de professores para o ensino de ciências criticam o 6 mo de lo tra di ci o nal de for ma ção do cen te . Segundo esses modelos, para ensinar basta conhecer o conteúdo e utilizar algumas técnicas pedagógicas. Entretanto, a literatura revela que a ne ces si da de do cen te vai além do que, habitualmente, é contemplado nos cursos de 7 Licenciatura . Além do conhecimento e domínio do conteúdo a ser ensinado, o docente também necessita, com a finalidade de contextualizar o ensino de Ciência, de conhecimentos profissionais relacionados à história e filosofia das ciências, de orientações metodológicas empregadas na construção do conhecimento científico, de relações existentes entre ciência, tecnologia e sociedade e de perspectivas do desenvolvimento científico. No propósito de contribuir para uma melhor formação de docentes, vários trabalhos na área de didática das Ciências vêm incorporando a idéia do professor reflexivo e pesquisa8, 9 dor . Entre outras atividades, este profissional deve dominar, com profundidade, os conteúdos científicos a serem ensinados, incluindo os aspectos epistemológicos e históricos, e explorando suas relações com os contextos social, econômico e político. Deve, também, saber planejar, desenvolver e avaliar atividades de ensino que contemplem a (re) construção de idéias dos alunos, em vez de apenas seguir livros e outros materiais didáticos prontos. Com relação aos materiais didáticos dis10 poníveis comercialmente, Lopes apresentou, em uma pesquisa a má qualidade dos livros didáticos, apontando como estes materiais, em alguns casos, atuam negativamente no processo de formação do conhecimento servindo como “obstáculos epistemológicos” conforme 11 descrito por Bachelar . Segundo Lopes, nesses materiais didáticos não há problematização dos conceitos e tampouco o desenvolvimento do raciocínio do aluno, consolidando-se o senso

comum e transmitindo-se, apenas, a sombra da ciência, imprecisa e vaga. Associado a esse problema, a má preparação, como discutido anteriormente, leva estes profissionais a utilizarem os livros didáticos como fontes de autoridade absoluta, transmitindo, dessa forma, erros conceituais que impedem o desenvolvimento do espírito crítico dos alunos. Essa situação mostra a real necessidade de formação de pessoal qualificado para o ensino de ciências, capazes de questionar os materiais didáticos dis po ní ve is e de de sen vol ve rem os seus próprios recursos de ensino. Por último, entretanto não de menor importância, um outro aspecto bastante relevan te evi den ci a do por pes qui sa do res em educação se relaciona às idéias prévias dos alunos adquiridas no cotidiano. Segundo esses trabalhos, os quais seguem diversas vertentes dentro do Construtivismo, as idéias prévias dos alunos desempenham um papel muito impor12 tante na construção do conhecimento . Dentro do Construtivismo, considera-se que os estudantes possuem uma série de idéias alternativas aos diversos conceitos ensinados nas aulas de ciências, e estas idéias são pessoais, fixas e difíceis de serem mudadas, constituindo-se no senso comum ou conhecimento coti13 diano. Segundo Driver , na aprendizagem construtivista, o conhecimento não deve ser dire ta men te trans mi ti do, mas cons tru í do ativamente pelo aprendiz. As representações mentais do mundo a seu redor vão sendo construídas e usadas para interpretar novas situações e guiar a ação nessas situações. A partir dessa perspectiva, a aprendizagem, em sala de aula, é vista como algo que requer atividades práticas bem elaboradas que desafiem as concepções prévias do aluno, encorajando-o a reorganizar suas teorias pessoais. Assim, a aprendizagem é considerada um processo adaptativo, no qual os esquemas conceituais do educando são, progressivamente, reconstruídos de modo a atingirem um alcance cada vez maior em relação a idéias e experiên-

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Rosana A. Giacomini, Paulo Cesar M. L. Miranda, Alzira Suellen K. P. Silva e Carolina B. P. Ligiero

cias. Nesse caso, aprender ciências requer mais do que desafiar as idéias anteriores dos alunos mediantes eventos discrepantes. Aprender ciências envolve a introdução a uma forma diferente de pensar sobre o mundo natural e de 14 explicá-lo . Essa perspectiva construtivista vem se materializando, desde 1970, em propostas que têm a intenção de promover a substituição das idéias prévias dos estudantes por conceitos científicos de modo a promover uma mudança 15 con ce i tu al. Para que se es ta be le ça uma mudança conceitual, existe uma condição básica: deve ocorrer a insatisfação do estudante com as suas concepções anteriores e a nova concepção se mostrar inteligível, plausível e frutífera na solução de novas questões. Podemos observar que esta proposta construtivista se relaciona bem com a teoria da equili16 bração de Piaget , pois o processo é acionado quando o sistema cognitivo reconhece uma lacuna ou um conflito (insatisfação). Em resposta, esse sistema produz uma série de construções compensatórias (reequilibração) que conduz novamente ao equilíbrio. A contribuição mais importante da teoria de equilibração de Piaget é mostrar como se dá o aumento dos conhecimentos, ou seja, como o conhecimento humano passa de um estado insuficiente, mais pobre, para um estado reconhecido como suficiente e mais rico em compreensão e extensão. Uma característica importante da teoria da equilibração é o fato de se tratar de um processo conservador, no sentido que, durante a equilibração, o sistema cognitivo conserva o máximo possível do esquema de assimilação anterior. Podemos concluir, portanto, que a mudança conceitual não tem condições de ser revolucionária. O fato de o sistema cognitivo avançar por reequilibrações graduais, que, apesar de majorantes são conservadoras, aponta-nos para a direção de mudanças evolucionárias. A tendência conservadora do processo de equilibracão pode ser um indício importante para explicar o fato de as concepções alternativas dos estudantes serem fixas e resistentes a mudanças.

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Mortimer salienta, como alternativa a 10 esta questão, a noção do perfil conceitual. Este conceito baseia-se no perfil epistemológico de Bachelar, o qual permite determinar como um conceito científico se situa em relação a diferentes correntes filosóficas que constituem os cor11 tes do perfil. O perfil conceitual tem como propósito distinguir, além das características epistemológicas de cada zona do perfil, as características ontológicas a que cada conceito pertence, já que um dos maiores problemas relacionados à aprendizagem de conceitos científicos se dá, justamente, pela dificuldade que os alunos apresentam de mudar a categoria ontológica a que estes conceitos pertencem. A aplicação do perfil conceitual aos conceitos químicos contribui para se avaliar o alcance de cada conceito, assim como suas limitações face ao desenvolvimento da química. A percepção dessa evolução dos conceitos pode contribuir para que o aluno compreenda como se dá a produção do conhecimento, percebendo, inclusive, as rupturas que existem entre a química clássica e a química moderna e como as noções que eram simples na química clássica se tornaram complexas na química moderna. Segundo Bachelard, o perfil epistemológico favorece esta ruptura entre o conhecimento comum e o conhecimento científico, o que ele 11 caracteriza como “obstáculo epistemológico”. Ainda, segundo Bachelard, o conhecimento racional exige rigor matemático, ao contrário do realismo que se prende às imagens visando concretizar o abstrato. Essa crítica não implica na impossibilidade de utilização de metáforas e analogias nas ciências, pois, muitas vezes, elas são necessárias quando construímos modelos e nos expressamos em linguagem não-formal. Mas a sua utilização não pode ser imprecisa. O abuso e mal-emprego de analogias podem conduzir o aluno a interpretações incorretas, gerando os obstáculos epistemológicos. O ideal é que se desenvolvam metodologias pedagógicas nas quais o educando entenda a evolução do seu perfil conceitual. Os


Jogo educativo sobre a tabela periódica aplicado no ensino de Química

conceitos anteriores ligados ao seu cotidiano devem passar a conviver com os novos conceitos científicos e serem empregados no contexto conveniente. Queremos dizer com isso que, além de se construir o conhecimento, há necessidade de o aluno aprender a contextualizá-lo. Podemos exemplificar esse fato com o episódio de um aluno que aprendeu, em sala de aula, os processos de extração. A partir desse momento, o aluno não deve se dirigir a sua mãe com a expressão “me faça uma extração a quente dos frutos torrados e moídos do gênero coffea sp” ao invés de “me prepare um café”. A linguagem que transmite o conhecimento cotidiano não deve ser abandonada, como prevê o modelo da mudança conceitual, pois, nesse caso, corremos o risco de não sermos interpretados pela maior parte da população. Devemos, entretanto, estar conscientes de que, quando conveniente, a linguagem formal e o conhecimento científico devem ser empregados no contexto adequado. Embora os trabalhos apresentados até o momento demonstrem a real necessidade de ensinar conhecimentos químicos inseridos em um contexto social, político, econômico e cultural, o cenário que observamos não é satisfatório com relação a esse aspecto. O que vemos, com freqüência, é a seleção e a seqüenciação dos conteúdos orientados de forma dogmática, o que mantém o ensino descontextualiza do, distante das necessidades e dos anseios da comunidade escolar e alheio a elas. As aulas de química são desenvolvidas, na maioria das vezes, por meio de atividades nas quais há predominância de um verbalismo teórico e conceitual desvinculado das vivências dos alunos, contribuindo para a formação de idéias e conceitos que parecem não ter relações entre ambien17 te, ser humano e tecnologia. Como sabemos, boa parte desses problemas são originados pela falta de profissionais bem preparados para atuarem sob uma perspectiva construtivista. As disciplinas experimentais, como a Química, por exemplo, são favorecidas quanto à criação de instrumentos didáticos que auxi-

liam o processo de aquisição do conhecimento. O docente bem preparado tem condições de criar vários cenários com experimentos práticos e outras atividades, que podem atuar como elemen tos fa ci li ta do res de apren di za gem. Como outras atividades podemos citar aquelas que apresentam um caráter lúdico, como jogos e brincadeiras. Os jogos se destacam pela eficiência em despertar um grande interesse nos alunos, promover a integração social por meio do trabalho em grupo e, também, apresentar resultados positivos quanto ao aspecto 18 disciplinar. É do conhecimento dos professores de ciências que a introdução da experimentação e de atividades lúdicas despertam um forte interesse entre alunos em diversos níveis 19 de es co la ri za ção. Mes mo sa bendo que o aprendiz na fase adulta tem maior capacidade de abstrair do que a criança, é comum observar um aumento do interesse quando o procedimento de ensino adotado permite a correlação do que se aprende na escola com as experiências cotidianas. Metodologias que atuam sob esta perspectiva, ao despertar o interesse do educando pelo assunto abordado, favorecem a introdução do formalismo teórico e, geralmente, são bem sucedidas. A idéia de utilizar jogos didáticos como um elemento facilitador no processo de ensino e aprendizagem é bastante atraente e muito utilizada em outros países. Russell apresenta essa tendência na divulgação de uma lista com um grande número de jogos comercializados e 20 publicados na língua inglesa. Infelizmente, observamos que essa prática parece não ser bem explorada em nosso país. São pouquíssimos os exemplos encontrados na literatura brasileira do 18, 21, 22 uso deste recurso didático. Sobre os jogos que se encontram disponíveis comercialmente, vale ressaltar que alguns deles enfatizam a diversão enquanto o objetivo de se construir o conhecimento propriamente dito é menospreza23 do. Para citar um exemplo, o jogo Elemento que trata sobre o tema Tabela Periódica, não requer nenhum conhecimento prévio para que os joga-

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Rosana A. Giacomini, Paulo Cesar M. L. Miranda, Alzira Suellen K. P. Silva e Carolina B. P. Ligiero

dores participem da brincadeira, ou seja, não há necessidade de saber nada sobre ciências químicas para jogá-lo. Ao final, os participantes recebem informações que não passam de meras curiosidades, sem que haja qualquer preocupação com a construção de um conhecimento lógico, concreto e útil. Podemos concluir que jogos comerciais desse tipo são bastante negativos sob o ponto de vista educacional, pois, partindo da premissa de que o conhecimento não é questionado, os jogadores dependerão apenas do fator sorte para buscar a vitória. O que se pretende com a utilização de jogos como recurso didático é a conciliação entre o entretenimento e a aprendizagem. Nesse caso, o educando é motivado a buscar a vitória com o conhecimento adquirido. Quanto maior for o seu interesse em aprender, maior será a sua chance de ser vencedor. O que quase sempre se observa, na atuali da de, é uma for te ten dên cia pe los jo gos virtuais como proposta para o ensino de Quími24 ca, assim como para outras áreas das ciências. Infelizmente, a realidade de nossas escolas, principalmente as de ensino público, ainda não nos permite ter acesso a esse tipo de informação 25 de modo generalizado, pois são raras as escolas que possuem computadores aos quais os alunos têm acesso e, quando possuem, são em números insuficientes. Mesmo nos casos em que esta prática tem sido utilizada, os softwares ditos educativos, algumas vezes, apresentam pouca relevância pedagógica, como relatado 26 nos trabalhos de Eichler e colaboradores . Embora a proposta de utilizar a multimídia seja muito interessante e válida, o profissional da educação deve estar preparado para realidades diversificadas em que existe a necessidade de se criar recursos alternativos que possam auxiliar as aulas tradicionais. Nesses casos, os jogos didáticos parecem ser uma boa alternativa, pois podem ser confeccionados com materiais simples e de baixo custo, além de desenvolver diversas habilidades manuais, intelectuais e sociais. O objetivo deste trabalho, cujo tema é a Tabela Periódica, foi o de construir um jogo

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didático como um recurso material alternativo para o ensino de ciências. As principais diretrizes deste jogo foram: a) fixar os conhecimentos adquiridos sobre a Tabela Periódica; b) abordar aspectos cotidianos sobre o tema; c) promover a socialização entre os alunos; d) contextualizar o conhecimento; e) motivar a aprendizagem. Além dos conhecimentos de Química que serão trabalhados, o jogo possibilita a interdisciplinaridade, pois a sua construção requer o desenvolvimento de habilidades manuais e artísticas para a modelagem da massa de biscuit e para a confecção do tabuleiro, atividades estas que poderão ser desenvolvidas, também, nas aulas de Educação Artística.

Metodologia A metodologia adotada por nós para a elaboração deste trabalho foi dividida em três etapas: a) a construção do jogo sobre a Tabela Periódica. b) a aplicação do jogo; c) a avaliação do jogo. A etapa de construção do jogo envolveu atividades de pesquisa, para compor os conteúdos das fichas dos elementos químicos, e habilidades manuais, para a preparação da massa de biscuit, modelagem, corte, colagem etc. Essas atividades podem, eventualmente, ser realizadas pelos próprios alunos em aulas de Educação Artística estabelecendo a interdisciplinaridade. A etapa de avaliação foi subdividida em três fases: a) a avaliação diagnóstica; b) a avaliação formativa; c) a análise dos resultados. A avaliação diagnóstica foi elaborada contendo três questões que foram respondidas, individualmente, pelos alunos, antes do jogo, com um tempo pré-determinado de 10 minutos A avaliação formativa foi composta por três questões que foram aplicadas após o jogo. Nesse caso, as questões também foram respondidas individualmente e com tempo pré-determinado. A participação dos alunos neste jogo requer a introdução de alguns conceitos sobre o conteúdo da Tabela Periódica como pré-requisito. Dessa


Jogo educativo sobre a tabela periódica aplicado no ensino de Química

forma, o professor deve apresentar aos alunos um breve histórico da Tabela Periódica salientando as suas principais características, como períodos, famílias, legenda etc. Em seguida, o professor deve proporcionar aos alunos, com a elaboração e a utilização do jogo, situações em que estes terão a oportunidade de construir o conhecimento, fixar os conteúdos e socializar o conhecimento pela correlação com exemplos do cotidiano.

(Figura 3); dados; microcomputador e impressora (com tinta colorida e preta) para produzir as moedas (prótons) e as fichas com a representação dos elementos (Figura 4). Na falta do microcomputador, este material poderá ser produzido manualmente, utilizando lápis de cor, giz de cera, tintas guache etc.; cola, tesoura, moldes. As fichas dos elementos, caso queira, podem ser plastificadas para terem maior durabilidade.

Construção do jogo Recursos materiais Folhas de papelão nº 70 para a produção dos tabuleiros (Figura 1); folhas de papel sulfite colorido (azul, amarelo, rosa e verde e branca) para a produção de moedas denominadas de prótons (Figura 2); massa para biscuit (ver receita a seguir) para produzir os peões e as medalhas

Figura 2. Moedas feitas com papel sulfite colorido.

Figura 1. O tabuleiro do jogo da tabela periódica.

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Figura 3. Peões e medalhas feitas em biscuit.

Figura 4. Um exemplo de ficha dos elementos contendo as informações e perguntas (frente e verso, respectivamente). Receita da massa de biscuit Materiais: 2 xícaras (chá) de maizena; 2 xícaras (chá) de cola Cascorez Extra (Rótulo Azul); 2 colheres (sopa) de vaselina líquida; 1 colher (sopa) de suco de limão ou de vinagre branco (age como conservante); 1 colher (café) de ácido cítrico (reforço como conservante); 1 colher (sopa) de creme não gorduroso para as mãos (ex: Vasenol mãos e unhas); tigela de vidro (para microondas) ou panela com revestimento interno antiaderente (para fogão); colher de pau. No microondas: misture os ingredientes, menos o creme para mãos. Coloque, em média, 3 minutos de cozimento (mexer em cada minuto). Se necessário, acrescente 1 ou 2 minutos a mais (mexer a cada 30 segundos). Deixe ficar com a consistência semelhante à da massa de modelar ou chocolate aerado, ficando um resíduo de cola no fundo do pirex. Sovar a massa ainda quente ou morna. Enquanto esfria, coloque-a sobre um saco plástico aberto. Para que a massa não resseque, passe o creme em volta dela e deixe até que esfrie totalmente. Para que

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a massa fique bem seca, passe um pano limpo e seco em volta dela e coloque-a dentro de um saco de plástico também novo e limpo. Certifique-se de que o saco está bem fechado. Você também pode envolvê-la bem em um filme de cozinha. No fogão: misture todos os ingredientes numa panela antiaderente, menos o creme para mãos. Leve ao fogo brando, mexendo sempre até a massa formar uma bola que solte da panela. Cuidado para não pegar as sobras nas bordas que endureceram.O restante do processo é o mesmo do cozimento em microondas. Para tingir a massa, basta misturar tinta de tecido ou tinta óleo da cor desejada na massa já pronta. Características do jogo A Tabela Periódica foi montada em formato espiral e em ordem crescente de número atômico; cada tabuleiro possui um dado; cada casa representa um elemento da Tabela; cada jogo é composto por 6 peões (cores diferentes) e 6 conjuntos de medalhas (50 medalhas em cada cor) que servem como marcadores das casas adquiridas nas mesmas cores dos peões. As medalhas e os peões foram modelados com massa de biscuit e podem ser guardados em potes vazios de filmes fotográficos; as moedas têm diferentes valores denominados PRÓTONS: 1 próton (verde); 5 prótons (rosa); 10 prótons (amarelo); 50 prótons (azul); 100 prótons(branco); cada jogo apresenta um total de 4500 prótons (3000 para o banco e 1500 divididos em cotas de 250 para cada jogador, o qual, ao receber 250 prótons, possui: 3 notas de 50; 6 notas de 10; 6 notas de 5 e 10 notas de 1, totalizando 250 prótons; cada banco, ao receber 3000 prótons, possui: 10 notas de 100; 30 notas de 50; 40 notas de 10; 20 notas de 5; cada elemento possui uma ficha com assuntos relacionados ao conhecimento científico e cotidiano (Veja, no Anexo, o texto de cada ficha), como por exemplo: principais compostos formados, algumas aplicações comuns e uma pergunta relacionada ao elemento; como o jogo é para ser aplicado em sala


Jogo educativo sobre a tabela periódica aplicado no ensino de Química

de aula, o professor deve fixar um tempo máximo, que deverá ser o tempo da aula menos um tempo para explicar as regras do jogo e um tempo para a contagem dos pontos no final do jogo; cada tabuleiro deve possuir uma ficha com as regras do jogo e uma ficha com as respostas sobre as perguntas relacionadas aos elementos químicos; em cada tabuleiro, poderá participar, no mínimo, dois e, no máximo, seis jogadores. Regras do Jogo Define-se a ordem dos jogadores, esta poderá ser determinada por par-ou-ímpar, jogando o dado etc.; lança-se o dado, o número que sair é a quantidade de casas que o jogador deve avançar a partir do ponto de partida; ao cair em determinada casa, o jogador deverá ler a fi cha cor res pon den te àque le ele men to e deverá responder corretamente à pergunta que consta nesta ficha para que se torne o proprietário da casa e ganhe uma taxa de 50 prótons do banco; quando o peão cair na casa dos elementos que correspondem aos gases nobres, o aluno se tornará o proprietário da casa e ganhará 100 prótons do banco, se responder corretamente à pergunta que consta na respectiva ficha; se o peão cair em elemento alheio, o jogador terá que saber uma aplicação do elemento (para isso, o aluno deverá ficar atento às leituras das fichas quando os colegas adquirem as casas. Se acertar a resposta, recebe do banco uma taxa de 50 prótons, caso contrário, terá que pagar ao dono da casa a mesma taxa; quando o jogador formar um composto com elementos adquiridos por ele, ganha uma taxa de 100 prótons do banco; aquele que perder todos os prótons é eliminado; o jogo terminará quando algumas das seguintes condições forem satisfeitas: esgotar o tempo (predeterminado pelo professor); os jogadores forem eliminados; acabar o fundo do banco; todos os elementos forem adquiridos; O vencedor será aquele participante que adquiriu, no decorrer do jogo, o maior número de prótons. Este requisito implica, de acordo com as regras que foram pré-determinadas para a aquisição de prótons, que o jogador vito-

rioso seja aquele que obteve o maior número de acertos. Dessa forma, o jogo visa valorizar a aquisição do conhecimento e não apenas o fator sorte.

Resultados e discussão Para avaliarmos o desempenho do jogo, aplicamos um teste contendo três questões, tanto antes (avaliação diagnóstica), quanto depois do jogo (avaliação formativa). A avaliação diagnóstica é utilizada para verificar o grau de conhecimento que os alunos possuem, previamente, em relação a um determinado assunto. A avaliação formativa tem uma função controladora, objetiva informar o professor e o aluno sobre o rendimento da aprendizagem e localizar as deficiências do 1 ensino. As questões foram respondidas individualmente e os alunos tiveram um tempo pré-determinado de 10 minutos. Os resultados fo ram ana li sa dos da se guinte ma ne i ra: i) positivo para respostas corretas e ii) negativo para respostas erradas ou para ausência do conhecimento questionado. A seguir, apresentamos um exemplo das questões que podem ser aplicadas. O nível das questões podem ser modificados para se adequar ao nível de ensino. Dessa forma, o jogo pode ser utilizado no ensino fundamental e médio. Questões da avaliação diagnóstica: i) A qual família pertence o elemento Sódio? ii) Quantos prótons o elemento Carbono tem? iii) Quantos elétrons o elemento Ouro possui? Questões da avaliação formativa: i) Quantos nêutrons o elemento Oxigênio possui? ii) Qual a massa do elemento Cálcio? iii) Quantos elétrons existem na última camada do Cloro? O jogo foi aplicado e avaliado em sete turmas de níveis fundamental e médio, em algumas escolas públicas e particulares, situadas nas cidades de São Fidélis e Campos dos Goytacazes, no Estado do Rio de Janeiro, como descrito a seguir:

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Turma A - 8ª série do Ensino Fundamental (13 alunos – escola particular) Turma B - 2ª série do Ensino Médio (15 alunos – escola particular) Turma C - 1ª série do Ensino Médio (38 alunos – escola pública) Turma D - 1ª série do Ensino Médio (42 alunos) – escola pública) Turma E - 1ª série do Ensino Médio (35 alunos – escola pública) Turma F – 1ª série do Ensino Médio (29 alunos – escola pública) Turma G – Curso pré-vestibular (17 alunos – UENF) Tabela 1. Resultados das avaliações diagnóstica e formativa (Turmas A-G). Turma A

B

C

D

E

F

G

70

Respostas positivas 0 1 2 3 0 1 2 3 0 1 2 3 0 1 2 3 0 1 2 3 0 1 2 3 0 1 2 3

Avaliação diagnóstica 0 2 8 3 0 3 10 2 8 16 10 4 5 18 7 12 8 21 6 0 0 9 4 16 1 3 8 5

Avaliação formativa 0 0 3 10 0 1 6 8 2 8 13 15 0 2 19 21 5 2 19 9 0 2 5 22 0 2 6 9

Observando os dados descritos anteriormente, na Tabela 1, podemos verificar que, em todos os casos, a avaliação formativa apresentou melhores resultados do que os observados na avaliação diagnóstica. Se considerarmos os 189 alunos que foram avaliados nas sete turmas (A-G), inicialmente, apenas 42, do total, conseguiram ter todas as respostas positivas (22%). Ao final da atividade lúdica, este número passou a ser 94, correspondendo a 50% de alunos que conseguiram ter 100% de respostas positivas. Estatisticamente, ainda podemos afirmar que dos 147 alunos que apresentaram respostas negativas, na primeira fase, em média, até 125 alunos (79%) puderam ter seus resultados melhorados (Tabela 2). Na turma D, verificamos que, em termos de probabilidade, os 30 alunos que apresentaram respostas negativas podem ter melhorado o seu desempenho correspondendo a 100% de otimização no processo da aprendizagem. Mesmo na turma de pré-vestibular (Turma G), em que os alunos, normalmente, apresentam grande interesse na aprendizagem, podemos observar uma melhora nos resultados de 41% após a aplicação do jogo. Observamos, também, que além de o número de respostas positivas ter aumentado, os alunos tiveram menos dificuldades para responder às questões, precisando de um menor tempo. Tabela 2. Análise probabilística da otimização dos resultados das turmas A-G. N° de alunos Respostas Total de que podem negativas na alunos da (estatisticamente) avaliação turma ter melhorado os diagnóstica seus resultados

%

A - 13

10

9

90

B - 15

13

8

62

C - 38

34

30

88

D - 42

30

30

100

E - 35

35

30

86

F - 29

13

11

85

G - 17

12

7

41


Jogo educativo sobre a tabela periódica aplicado no ensino de Química

Além de o jogo ter facilitado o processo de aprendizagem e fixação do conteúdo, ele também serviu como um excelente instrumento disciplinar, motivador da aprendizagem (Veja Figura 5), como pode ser constatado pelos seguintes relatos dos alunos: “O jogo é muito interessante. Ele nos transmite conhecimentos de uma forma muito divertida. Parabéns!!!” “Aprendemos muito mais. É muito interessante e é bom pra tirar as dúvidas!” “Bom. O Jogo é interessante e nos faz adquirir conhecimentos.” “Muito bom. Uma distração juntamente com um ótimo aprendizado.” “O jogo facilita o aprendizado. A Tabela é difícil de decorar. Entendendo, fica mais fácil” “O jogo foi bem educativo.” “Muito interessante. Acabamos com a ‘decoreba’ e passamos a entender”.

permite uma certa flexibilidade, pois as fichas sobre as questões podem ser adequadas para outros níveis de dificuldades. Nesse caso, utilizamos questões do conteúdo básico sobre o tema Tabela Periódica.

Referências 1. PILETTI, C. Didática Geral. 23. ed. São Paulo: Ática, 2002. 2. BORGES, R.M.R. Em debate: cientificidade e educação em Ciências. Porto Alegre: CECIRS, 1996. 3. BRASIL, Parâmetros curriculares nacionais de Ensino Médio. Parte III: Ciências da natureza, Matemática e suas tecnologias. Ministério da Educação – MEC, Secretaria de educação média e tecnológica – Semtec. Brasília: MEC/Semtec, 2000. 4. BRASIL. PCN + Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros curriculares nacionais. Ciências da natureza, Matemática e suas tecnologias. Ministério da Educação – MEC, Secretaria de educação média e tecnológica – Semtec. Brasília: MEC/Semtec, 2002.

Figura 5. Um grupo de 4 alunos da primeira série do ensino médio participando do jogo da Tabela Periódica.

Conclusão O jogo didático sobre a Tabela Periódica mostrou ser uma excelente alternativa para atuar como um elemento facilitador da aprendizagem. Com ele, o educador poderá desenvolver a multidisciplinaridade, promover a socialização, atuar sobre problemas disciplinares, além de obter melhores resultados no processo de ensino-aprendizagem. O jogo também

5. GIORDAN, M.; KOSMINSKY, L. Química Nova na Escola, 15, 11, 2002. 6. SCHNETZLER, R.P. Química Nova, 25, 14, 2002. 7. MALDANER, O. A.; SCHNETZLER, R.P. In: CHASSOT A.; OLIVEIRA, R.J. (Orgs.). Ciência, ética e cultura na educação. São Leopoldo: UNISINOS, 1998, cap. 8. 8. CARVALHO, A.M.P.; GIL-PÉREZ, D. Formação de Professores de Ciências: tendências e inovações. São Paulo: Cortez, 1995. 9. CHASSOT, A. Para que(m) é útil o ensino? 2. ed. Canoas: Ulbra, 2004. 10. LOPES, A.R.C. Química Nova, 15, 254, 1992.

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11. BACHELARD, G. A Filosofia do Não. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1984. 12. MORTIMER, E. F. Química Nova, 15, 242, 1992. 13. DRIVER, R. International Journal of Science Education, 11, 481, 1989. 14. DRIVER, R.; ASOKO, H.; LEACH, J.; MORTIMER, E.; SCOTT, P. Química Nova na Escola, 9, 31.11, 1999. 15. MORTIMER, E. F.Revista Eletrônica do Instituto de Física da UFRGS, 1, n.1, 1996. 16. PIAGET, J. A epistemologia genética. Petrópolis: Vozes, 1972. 17. SILVA, R.M.G. Química Nova na Escola, 18, 26, 2003. 18. CUNHA, M. B. Jogos didáticos de química. Santa Maria: Edição do autor, 2000. 19. GIORDAN, M. Química Nova na Escola, 10, 43, 1999. 20. RUSSELL, J. V. J. Chem. Educ., 76, 481, 1999.

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21. SOARES, M. H. F. B.; OKUMURA, F.; CAVALHEIRO, E.T. G. Química Nova na Escola, 18, 13, 2003. 22. SOARES, M. H. F. B.; OLIVEIRA, A. S. Química Nova na Escola, 21, 18, 2005. 23.SAN-DEB-BAR-NAN-RIC-WAY Production. Elemento, Corp. Wilmington, de 19810, Play & Learn, 1993. 24. LOLLINI, P. Didática & Computador: Quando e como a informática na Escola. 3. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2003. 25. FREITAS, M.; RAPKIEWICZ, C.E. Projeto de Inclusão digital de licenciandos e professores de Ciências de Campos através da temática do Meio Ambiente. Proex- Pró-Reitoria de Extensão – UENF, Campos dos Goytacazes, 2004. 26. EICHLER, M.L.; DEL PINO, J.C. IV Congresso Ibero-Americano de Informática na Educação, Brasília, Brasil, 1998. 27. EICHLER, M.L.; DEL PINO, J.C. Química Nova na Escola, 16, 24, 2002.


Jogo educativo sobre a tabela periódica aplicado no ensino de Química

Anexo Sugestões dos conteúdos que podem ser colocados nas fichas dos elementos químicos: Descrevemos algumas sugestões dos conteúdos que podem estar contidos nas fichas dos elementos químicos. Os conteúdos podem ser adequados para diversos graus de dificuldade 1 1

H (Hidrogênio) – Combustível para foguetes; preenchimento de balões; cátion dos ácidos. H2O; HCl; H2SO4. Qual é o nº atômico do H? 4 2

He (Hélio) – Balão dirigível; gás engarrafado para mergulho; meio para refrigerar reatores atômicos; atmosfera inerte. Qual é a família do He? 7 3

Li (Lítio) – Combustível para foguetes; bateria para marca-passo, celular; vidro; remédios. LiOH; Li2O, Li2CO3. Qual é o período do Li? 9 4

Be (Berílio) – Janela para tubos de raio X; mola para relógios; ferramentas antifaiscantes. BeCl2; BeF2; Be(OH)2. Qual é a massa do Be? 11 5

B (Boro) – Raquete de tênis; vidro refratário; desinfetante para olhos; aditivos de detergentes. BF3; B2H6, B2O3. Qual é o número de nêutrons do B?

20 10

Ne (Neônio) – Iluminação para propaganda; lâmpada para neblina; tubo de TV; laser; líquido para refrigeração. Qual é a massa do Ne? 23 11

Na (Sódio) – Iluminação para estradas; refrigeração para reator atômico; vidro; sal de cozinha; fabricação de sabões. NaCl; NaOH; NaNO 3 . Qual é o nú me ro atômico do Na? 24 12

Mg (Magnésio) – Veículos leves; avião; tijolo refratário; fogos de sinalização; flash; rodas de liga-leve. MgO; Mg(OH)2; MgCl2. Quantos elétrons há na última camada do Mg? 27 13

12 6

C (Carbono) – Aço; aço para pneus; diamante; grafite para lápis; gás natural, gasolina, óleo. CO2; CO; CH4. Qual o número atômico do C?

Al (Alumínio) – Janelas; portas, panelas; iluminação, fogos de artifício; cimento; obturação de dentes. Al2O3; Al(OH)3; AlF3. Quantos elétrons há na última camada do Al?

14 7

28 14

N (Nitrogênio) – Líquido para conservação de sêmen (meio refrigerante); combustível para foguetes; adubos; explosivos. N2; NO2, NH3. Qual é a família e o período do N? 16 8

O (Oxigênio) – Processo de queima; digestão; purificação da água; presente na areia, água, cimento, etc. H2O; O2; O3. Qual é o número de nêutrons do O? 19 9

F (Flúor) – Meio de refrigeração para geladeira; gravação de vidro; aditivo de pasta de dente; propelente para aerossol. HF; CaF2; PF3. Quantos elétrons há na última camada do F?

Si (Silício) – Chips eletrônicos; célula solar; ferramentas; óleos e borrachas de silicone; areia; vidro; quartzo. SiF4; SiO2; SiCl4. Qual é o período do Si? 31 15

P (Fósforo) – Fogos de artifícios; fósforo; pasta de dente; artigos bélicos; cerâmica; adubo químico. H3PO4; PCl5; PF3. Qual é o número de prótons do P? 32 16

S (Enxofre) – Líquido para fazer permanentes; conservantes; fogos de artifício; chuva ácida. H2S; H2SO4; SO3. Qual o número de prótons do S? 35 17

Cl (Cloro) – Desinfetante de água; branqueador; plástico PVC; removedor de manchas; arti-

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gos bélicos. NaCl; HCl; Cl2. Qual é a família do Cl? 40 18

Ar (Argônio) – Gás para lâmpadas; lâmpadas fluorescentes; gás inerte para solda; laser. Qual é o nome da família do Ar? 39 19

K (Potássio) – Vidro; lentes; fósforo; pólvora; sal dietético; adubo químico. KOH; KCl; KNO3. Quantos elétrons há na última camada do K? 40 20

Ca (Cálcio) – Preparação de metais; gesso; cimento; concreto; adubo químico. CaO; CaCl 2 ; CaCO 3 . Qual é o nú me ro de nêutrons do Ca? 45 21

Sc (Escândio) – Detector para vazamentos; circuito elétrico; germinação de sementes. Sc(OH)3; ScCl3; Sc2O3. Quantos prótons têm o Sc? 48 22

Ti (Titânio) – Motor de Avião; pino para fraturas; próteses; pigmento; tinta; papel. TiCl2; TiO. Qual é o período do Ti? 51 23

V (Vanádio) – Material para construção; ferramentas; motor a jato; catalisador na produção de ácido sulfúrico. V2O3; VF3; VCl3. Qual é a família e o período do V? 52 24

Cr (Cromo) – Proteção de superfícies metálicas; aço; ferramentas; faca; tinta para camuflagem; laser; fita cassete e VHS. CrO; Cr2O3; CrF2. Qual é o número de nêutrons do Cr? 55 25

Mn (Manganês) – Aço; trilhos; cofre; arado; vidro; pigmento preto; ferramentas; eixo de roda. MnO, MnF4, MnO2. Qual é o número de prótons do Mn?

64 29

Cu (Cobre) – Arame; cabo elétrico; medalhas; panelas; tubos; hélice para navio. Cu2O; CuO; CuCl. Qual é o período do Cu? 65 30

Zn (Zinco) – Proteção para metais, calha; peças para automóveis; torneira para água e gás. ZnO, Zn(OH)2, ZnS. Qual é a família do Zn? 70 31

Ga (Gálio) – Memória para computador; circuitos integrados; tela de televisão; detector de tumores. Ga2O3; GaF3; GaCl3. Qual é a família do Ga? 73 32

Ge (Germânio) – Refletor de projetor; lentes de fotografia; odontologia. GeO; GeCl4; GeF4. Qual é o número de nêutrons do Ge? 75 33

As (Arsênio) – Chumbo para caça; metal para espelho; diodo emissor de luz; remédio; vidro, laser. AsF5, AsH3, As4O10 Qual é o período do As? 79 34

Se (Selênio) – Copiadoras; célula solar; corante para vidro vermelho; xampu anticaspa; H2Se, SeO2, Se2Cl2 Qual é o número atômico do Se? 80 35

Br (Bromo) – Purificador d’água; gás lacrimogênio; desinfetante; papel fotográfico, filmes; BrF3, BrO2, KBr. Qual é o nome da família do Br? 84 36

Kr (Criptônio) – Tubo de luz; lâmpadas fluorescentes; gás para testes de vazamento; raio laser ultravioleta; Qual é o nome da família do Kr? 85 37

Rb (Rubídio) – Exame dos músculos do coração; receptor de gás em tubo de vácuo; Rb2O, RbF, RbCl. Qual é o período do Rb? 88 38

Fe(CO)5; FeO, FeS2. Qual é a família do Fe?

Sr (Estrôncio) – Bateria nuclear; bóia luminosa; estação de tempo; tinta fluorescente; fogos de artifício; SrO, Sr(OH)2, SrF2. Quantos elétrons há na última camada do Sr?

59 27

89 39

56 26

Fe (Ferro) – Veículos; pontes; estruturas; aço; máquinas; ímãs; latas; parafusos.

Co (Cobalto) – Lâminas de aço; ímã permanente; catalisador de gases de escape; pigmentos. CoO, Co3O4; Co(OH)2. Qual é a massa do Co? 59 28

Ni (Níquel) – Moedas; latão para leite; talheres; ouro branco; bateria carregável. NiO; Ni(OH)2, NiCl2. Qual é o número de prótons do Ni?

74

Y (Ítrio) – TV em cores; filtro para laser, radar; lente para câmera fotográfica; pedra refratária; Y2O3, Y(OH)3, YF3. Qual é o número de prótons do Y? 91 40

Zr (Zircônio) – Espoleta de detonação de munição; revestimento de fornos; medidor de oxigênio; ZrO2, ZrCl3, ZrBr3. Qual é o número de massa do Zr?


Jogo educativo sobre a tabela periódica aplicado no ensino de Química

93 41

Nb (Nióbio) – Ferramenta de corte; eletrodo de solda elétrica; medalhas; superímã; NbO, NbCl5. Qual é o período do Nb? 96 42

Mo (Mo li bi dê nio) – Aquecedor elétrico; lubrificante; motor para foguete, turbina; MoO2, MoCl3, MoF5. Qual é a família e o período do Mo? 99 43

Tc (Tecnécio) – Fonte de radiação para exames médicos; Tc2(CO)10, TcF6, TcO2. Você recebeu uma forte radiação, avance 4 casas. 101 44

Ru (Rutênio) – Radiação para tratamento dos olhos; medidor de espessura; contato e resistência elétrica; Você levou um choque! Fique uma rodada sem jogar. 103 45

Rh (Ródio) – Refletor de faróis; vela para motores de avião; RhO, RhF6, Rh2O3. Qual é a família do Rh? 106 46

Pd (Paládio) – Odontologia: coroa dentária; balancim do relógio; PdO, PdCl2, PdF2. Qual o número de prótons do Pd? 108 47

Ag (Prata) – Espelho; bateria; talheres; jóias; papel fotográfico; filme; vidro; corante; AgCl, Ag2O, AgF. Qual é a família da Ag? 112 48

Cd (Cádmio) – Bateria recarregável; proteção anticorrosiva: porcas, parafusos; pigmento vermelho-amarelo. CdS, CdO, Cd(OH)2. Qual é o período do Cd? 115 49

In (Índio) – Célula solar; solda para vidro; exames: sangue, pulmões; InCl3, In2O3, In(OH)3. Quantos elétrons há na última camada do In? 119 50

Sn (Estanho) – Latas, soldas, moedas; artigos de de co ra ção; tu bos para ór gãos; tin ta anti-adesiva; vidro fosco, esmaltado. SnO2, SnF4, SnO. Quantos elétrons há na última camada do Sn? 122 51

Sb(Antimônio) – Sombra para olhos (maquiagem); remédios contra tosse; maçaneta; SbH3, Sb4O6, SbCl5. Quantos elétrons há na última camada do Sb?

127 52

Te (Telúrio) – Fio de resistência elétrica; espoleta; vulcanização de borrachas; TeO, TeCl2, H2TeO3. Quantos elétrons há na última camada doTe? 127 53

I (Iodo) – Tintura de iodo; Radiação; lâmpada de iodo; sal iodado; HI, KI, HIO3. Quantos elétrons há na última camada do I? 132 54

Xe (Xenônio) – Luz para bronzeamento (lâmpada ultravioleta); laser ultravioleta; Qual é o nome da família do Xe? 133 55

Cs (Césio) – Lâmpada infravermelha; combustível; relógio atômico; CsOH, CsF,Cs2O. Quantas camadas eletrônicas possui o Cs? 137 56

Ba (Bário) – Velas para reatores; pigmento para papel; fogos de artifício; chapas do estômago; lâmpadas fluorescentes; BaO, Ba(OH)2, BaCl2. Quantas camadas eletrônicas possui o Ba? La - Lu (Lantaníneos) – Parabéns! Você acabou de adquirir um grupo de 15 elementos.Qualquer um que pisar neste território deverá lhe pagar 60 prótons. 57 - 71

178 72

Hf (Háfnio) – Submarino atômico; receptor de gás em tubo de vácuo; HfCl4, HfO2, HfI4. Quantas camadas eletrônicas possui o Hf? 181 73

Ta (Tântalo) – Pesos de balança; ferramentas de corte; lentes para câmeras fotográficas; TaF3, Ta2O3, TaCl3. Qual é a família e o período do Ta? 184 74

W (Tungstênio) – Resistência incandescente para lâmpada, TV; tanque de guerra, granada, bala; ferramenta de corte e perfuração; WO2, WBr4, WF4. Qual é a família do W? 186 75

Re (Rênio) – Utilizado na preparação da gasolina azul; camada de proteção para jóias; ReF2, ReO2, ReCl4. Quantos nêutrons possui o Re? 190 76

Os (Ósmio) – Agulha de bússola; bijuteria; ponta de pena de caneta tinteiro; OsI4, OsCl4, OsO2. Quantos prótons têm o Os?

75


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192 77

Ir (Irídio) – Radiação contra câncer; agulhas para injeções; vela para helicópteros; IrCl2, IrO2, IrF6. Qual é o número de prótons do Ir?

Fr (Frâncio) – Para adquirir este elemento, basta responder: Quantas camadas eletrônicas o Fr possui e quantos elétrons há em sua última camada?

195 78

226 88

Pt (Platina) – Odontologia: coroas; jóias; tratamento de tumores; PtO, PtCl4, PtO2. Qual é a família da Pt? 197 79

Au (Ouro) – Jóias; medalhas; aplicações financeiras; odontologia: coroa; tratamento de reumatismo; Au2O3, AuF5, Au2S. Quantas camadas eletrônicas têm o Au?

223 87

Ra (Rádio) - RaO, Ra(OH)2. Para adquirir este elemento, basta responder: Quantas camadas eletrônicas o Ra possui e quantos elétrons existem em sua última camada? Ac - Lr (Actinídeos) - Parabéns! Você acabou de adquirir um grupo de 15 elementos, do qual a maioria é artificial. Se alguém pisar neste território, deverá lhe pagar 95 prótons. 89-103

200 80

Hg (Mercúrio) - Metal líquido: barômetro, termômetro; iluminação; desinfetante; luz terapêutica; baterias; HgCl2, HgO, HgS. Quantos nêutrons têm o Hg?

Rf (Rutherfórdio) – Pena!!! Ainda não existem informações precisas sobre suas utilidades. Porém, você pode responder: Qual é o período do Rf?

204 81

262 105

126 104

Tl (Tálio) – Exame de músculos de coração; enchimento para termômetros; vermífugos; TlOH, Tl2CO3, TlCl3. Quantos elétrons há na última camada do Tl?

Db (Dúbnio) – Pena!!! Ainda não existem informações precisas sobre suas utilidades. Porém, você pode responder: Qual é o número de prótons do Db?

207 82

263 106

Pb (Chumbo) – Gasolina com alta octanagem; proteção contra radiação; zarcão, secante para tintas; PbO, PbF2, PbBr4. Quantos elétrons há na última camada do Pb? 210 83

Bi (Bismuto) – Ataduras contra queimaduras; vidro; cerâmicas; BiH3, Bi(OH)3, BiF3. Quantos elétrons há na última camada do Bi? 210 84

Po (Polônio) – Bateria nuclear; fotografia; H2Po, PoCl2, PoO2. Você saiu bem na foto! Avance duas casas. 210 85

At (Astato) – Elemento sintetizado artificialmente; HAtO3, At2, HAtO. Qual o nome da família do At? 222 86

Rn (Radônio) – Fonte medicinal; sismógrafo; Quantos elétrons há na última camada Rn?

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Sg (Seabórgio) – Pena!!! Ainda não existem informações precisas sobre suas utilidades. Porém, você pode responder: Qual é a massa do Sg? 262 107

Bh (Bohrio) – Pena!!! Ainda não existem informações precisas sobre suas utilidades. Porém, você pode responder: Quantas camadas eletrônicas possui o Bh? 265 108

Hs (Hássio) – Pena!!! Ainda não existem informações precisas sobre suas utilidades. Porém, você pode responder: Qual é a família do Hs? 266 109

Mt (Meitinério) – Pena!!! Ainda não existem informações precisas sobre suas utilidades. Porém, você pode responder: Qual é o nº de nêutrons do Mt?


QUÍMICA ANALÍTICA QUANTITATIVA EXPERIEMENTAL I: UMA OPORTUNIDADE PARA A INICIAÇÃO CIENTÍFICA NA UFPI Luis Carlos Duarte Cavalcante* e Rosa Lina Gomes do Nascimento Pereira da Silva

Resumo A iniciação científica é extremamente importante para a formação do futuro pesquisador. A disciplina Química Analítica Quantitativa Experimental, ministrada no curso de Química da Universidade Federal do Piauí, permite essa experiência além de incentivar muito os alunos a seguirem, após o término da graduação, a área de pesquisas. O desenvolvimento do projeto de iniciação científica é parte da avaliação da disciplina, a qual possui 90 horas. Palavras-chave: iniciação científica; Química Analítica Quantitativa Experimental; análises quantitativas.

Abstract Experimental quantitative Analytical Chemistry: a chance for the scientific initiation in the UFPI The scientific initiation is very important for the academic student´s future. The UFPI Chemistry Department´s couse of Experimental Quantitative Analytical Chemistry allows the scientific initiation and it has motivated many students. The scientific initiation project development is part of the ninety hours course´s evaluation. Key-words: scientific initiation, Experimental Quantitative Analytical Chemistry, quantitative analysis.

Introdução O curso prático de Química Analítica Quantitativa Experimental I (carga horária de 90 h, 6 cré di tos) tem sido mi nis tra do aos alunos do quinto período do curso de Química, nas mo da li da des Ba cha re la do com Atribuições Tecnológicas e Licenciatura Plena, do Departamento de Química – Centro de *

Ciên ci as da Na tu re za – da Uni ver si da de Federal do Piauí (http://www.ufpi.br), tendo como pré-requisitos as disciplinas Química Analítica Quantitativa I (curso teórico de 45 h, 3 créditos) e Estatística Aplicada à Química (curso teórico de 30 horas, 2 créditos). É disponibilizado, para os alunos da disciplina, um roteiro que contém experimentos

e-mail: cavalcanteufpi@yahoo.com.br

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Luis Carlos Duarte Cavalcante e Rosa Lina Gomes do Nascimento Pereira da Silva

que são selecionados visando fornecer-lhes a oportunidade de entender os aspectos experimentais básicos que fundamentam a Química Analítica Quantitativa. As atividades de laboratório envolvem análise quantitativa enfocando os aspectos clássicos de análise, quais sejam gravimétrico e volumétrico, além de métodos simples e úteis para caracterização e análise das amostras, envolvendo conceitos básicos de química, bem como proporcionando um amadurecimento nos princípios do equilíbrio químico e suas aplicações a equilíbrios iônicos em soluções aquosas. Relatos recentes de inovações no ensino de 1-14 Química, por cientistas que debatem o importante papel da Química e de seus profissionais na busca de alternativas e tecnologias para o desenvolvimento sustentável, têm aliado a missão de difundir o conhecimento científico com a diversidade e biodiversidade brasileiras. Os temas das pesquisas são os mais diversos e vão desde o uso racional dos reagentes químicos à análise das atuais políticas de ciência e tecnologia. Temas ligados à saúde, à qualidade de vida e ao meio ambiente são igualmente privilegiados. A Química carece de muitos avanços nas áreas que compõem seu espectro multiforme. Notadamente, na educação, acontecem situações que acabam, em um momento ou outro, tirando alunos da graduação e canalizando para o nível de pós-graduação apenas aqueles que conseguem concluir o ensino superior com elevado destaque. Uma análise minuciosa faz perceber que essa situação gera a fuga de cérebros locais que, desiludidos com a falta de estímulo e com a pouca valorização da pesquisa, vão buscar longe oportunidades para o desenvolvimento de todo o seu potencial. E a isso nem todos podem assistir passivamente. Motivado por esse ideal, foi, então, acrescentado ao curso de Química Analítica Quantitativa Experimental I a exigência do desenvolvimento de um projeto de pesquisa, no qual, obrigatoriamente, um dos métodos clássicos de análise (gravimetria e volumetria), que são trabalhados no transcorrer das aulas práticas, seja utilizado. Isso é

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uma maneira de pôr em prática algumas das habilidades laboratoriais adquiridas durante o curso e um modo de oportunizar ao aluno de graduação em Química a possibilidade de trabalhar com amostras reais do seu cotidiano. O processo tem início no primeiro dia de aula, quando é lançado ao aluno o desafio de elaborar o projeto de pesquisa que deve ser concluído antes do término do período letivo. Todo o material didático da disciplina é disponibilizado na página do Departamento de Química (http://www2.ufpi.br/ quimica/disciplinas/QAQEI.htm.), o que tem levado o aluno a adquirir intimidade com os recursos computacionais, indispensáveis, hoje, aos estudantes de quími ca. No La bo ra tó rio de Com pu ta ção do Departamento de Química, o aluno pode digitar trabalhos e relatórios; ter acesso a Internet para pesquisas de interesse das disciplinas; visitar os sites das principais organizações de química e, ainda, manusear programas específicos da área (Origin 5.0, ChemSketch 5.12, ChemWindow3 3.0.2, PC Spartan Plus 1.5 etc.), praticamente indispensáveis a um químico. Para chegar a essa motivação, foi salutar 15 16 beber na mesma fonte de Vygotsky e Piaget , uma vez que esses teóricos defendem a necessidade de levar em conta o conhecimento anterior do aprendiz e, a partir daí, incentivá-lo, fornecendo elementos que possibilitem evoluir. Sabendo-se que a Química é uma ciência eminentemente experimental, todas as aulas práticas são precedidas por uma rápida e necessária revisão do conteúdo teórico relacionado com a experiência. O processamento dos dados permite o exercício da estatística, essencial para a Química Analítica Quantitativa. Em relação ao projeto, há todas as exigências usuais para um aluno de iniciação científica ligado a uma agência de fomento. O aluno deve escrever o projeto (no formato sugerido pelo CNPq), desenvolvê-lo e redigir o relatório final. Por fim, ele faz a apresentação oral do seu trabalho. Para isso, tem 10 minutos, acrescidos de mais 5 minutos para argüição. Os recursos utilizados na apresentação oral do trabalho ficam a critério do


Química Analítica Quantitativa Experiemental I: uma oportunidade para a iniciação científica na UFPI

aluno. Contudo, dada a motivação que os projetos têm despertado, verifica-se que, praticamente, 100% desses estudantes optam pela exposição em datashow, tendo em vista a elevada qualidade. A defesa dos trabalhos tem despertado o interesse de assistir às apresentações tanto naqueles alunos que já fizeram a disciplina, em semestres anteriores, como também nos que não passaram por etapa semelhante. Os temas dos projetos ficam, também, a critério dos alunos, conquanto que contemplem as habilidades adquiridas no curso de Química Analítica Quantitativa Experimental I. Todas as etapas do trabalho, inclusive a confecção do projeto, são orientadas pela ministrante da disciplina. Alguns dos temas que vêm sendo trabalhados pelos alunos na disciplina são:

• Determinação de Ferro em leite em pó; • Dosagem de Peróxido de Hidrogênio em água oxigenada comercial;

• Determinação da acidez total de vinhos; • Dosagem do Cloreto de Sódio em soda cáustica;

• Determinação de Cloreto em água de coco engarrafada no comércio local;

• Determinação de Ácido Acetilsalicílico em medicamento;

• Determinação do teor de Vitamina C

avaliação inovadora, quer reunir os jovens, promissores talentos, mostrando-lhes que algo viável e motivador pode surgir no cenário acadêmico: a INICIAÇÃO CIENTÍFICA, voltada para estudantes de graduação (nas modalidades Bacharelado e Licenciatura Plena), sob orientação de um professor, que queiram desenvolver projetos de pesquisa e, conseqüentemente, contribuir para o progresso da Química.

Conclusão O esquema de trabalho exposto vem sendo aplicado e aperfeiçoado há, pelo menos, seis semestres letivos da Disciplina Química Ana lí ti ca Qu an ti ta ti va Expe ri men tal I, do Departamento de Química da Universidade Federal do Piauí (UFPI), e os resultados têm sido, visivelmente, satisfatórios. Muitos dos projetos desenvolvidos pelos alunos são aproveitados para compor o roteiro das aulas experi menta is da re fe ri da dis ci pli na, o qual é alterado constantemente com novos experimentos. Os trabalhos mais relevantes são apresentados no Seminário de Iniciação Científica da UFPI, onde os alunos podem enriquecer seu currículo, além de demonstrarem motivação para aplicação das técnicas nas escolas de Ensino Fundamental e Médio, onde alguns deles já atuam como professores.

em sucos artificiais;

• Determinação do teor de Cloreto na urina;

• Determinação do teor de matéria ativa em detergente;

• Determinação de Cobre em cachaça; • De ter mi na ção de Ní quel em aço inoxidável por Gravimetria;

• Determinação de Hidróxido de Alumínio em medicamento;

• Determinação de Cálcio em leite em pó. A disciplina Química Analítica Quantitativa Experimental I, com essa modalidade de

Referências 1. DA COSTA, C. L. S.; CHAVES, M. H.; Química Nova, 28, 149, 2005. 2. CAVALCANTE, L. C. D.; SILVA, R. L. G. N. P.; Resumos do XXVI Congresso Latino-americano de Qu í mi ca/27 a Re u nião Anu al da So ci e da de Brasileira de Química, Salvador, Brasil, 2004. 3. SILVA, S. M.; EICHLER, M. L.; DELPINO, J. C.; Química Nova, 26, 585, 2003. 4. ABREU, D. G.; IAMAMOTO, Y. Química Nova, 26, 582, 2003.

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Luis Carlos Duarte Cavalcante e Rosa Lina Gomes do Nascimento Pereira da Silva

5. CARVALHO, I.; TUPO, M. T.; BORGES, A. D. L.; BERNARDES, L. S. C. Química Nova , 26, 428, 2003. 6. CUNHA, S.; LIÃO, L. M.; BONFIM, R. R.; BASTOS, R. M. B.; MONTEIRO, A. P. M.; alencar, K. S.; Química Nova, 26, 425, 2003. 7. MENESES, H. C.; FARIA, A. G. Química Nova, 26, 287, 2003. 8. BAPTISTELLA, L. H. B.; GIACOMINI, R. A.; IAMAMURA, P. M.; Química Nova, 26, 284, 2003.

11. SIMONI, D. A.; ANDRADE, J. C.; FAIGLE, J. F. G.; SIMONI, J. A. Quim. Nova , 25, 1034, 2002. 12. NASCENTES, C. C.; ARRUDA, M. A. Z.; MANIASSO, N. Química. Nova, 25, 483, 2002. 13. FERREIRA, V. F. Química Nova, 21, 780, 1998. 14. CAVALCANTE, L. C. D. Disponível em: C&T Jovem, profissão cientista, química (http:// ctjovem.mct.gov.br/index.php?action=/content/ view&cod_objeto=9516. Acesso em: ago., 2005.

9. FARIAS, R. F. Química Nova, 26, 139, 2003.

15. ANTUNES, C. Vygotsky, quem diria?! Em minha sala de aula. Petrópolis: Vozes, 2002, fascículo 12.

10. LE NAR DÃO, E. J.; FRE I TAG, R. A.; DAB DOUB, M. J.; BA TIS TA, A. C. F.; SILVEIRA, C. C.; Química Nova, 26, 123, 2003.

16. GOULART, I. B. Piaget: experiências básicas para utilização pelo professor. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.

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A CONTRIBUIÇÃO DO PROFESSOR ERNESTO SILVA PARA O ENSINO DE QUÍMICA Cristiane K. de Oliveira, Gilberto F. de Sá, Ricardo Ferreira e Severino Alves-Jr*

Resumo Entre 1930 e 1960, o professor Ernesto Silva, do Recife, usou, em suas aulas, ferramentas educacionais bastante modernas para a época. Na verdade, ele adaptou, para suas aulas, técnicas de Spot Test (Análise de Toque) e utilizou modernos métodos para auxiliar na compreensão da importância da mecânica quântica para a Química. Palavras-chave: Ernesto Silva; aulas; ferramentas educacionais.

Abstract The contribution of professor Ernesto Silva to the Chemistry teaching Between 1930-1960, Professor Ernesto Silva from Recife used up-to-date educational tools at his High School classes. Especially, he adapted spot test techniques to his pratical classes and used modern methods in order to increase the understanding and the importance of the Quantum Mechanics (chemical bonding theory) to the Chemistry. Key-words: Ernesto Silva; high school; educational tools.

Introdução No processo da educação, motivar é fundamental, pois além de auxiliar o trabalho do professor, facilita a aprendizagem do aluno. Essa motivação pode ser conseguida pelo uso de instrumentos os mais diversos possíveis, tais como computador (internet, softwares), TV, vídeo, kits para experimentos em pequena escala, jogos, artigos e visitas a laboratórios. Mas, apesar de terem em mãos essa gama de instrumentos, muitos professores não estão despertando o devido interesse nos estudantes, seja por puro descompromisso, seja por falta de recursos na escola, ou até mesmo por não estarem familiarizados com o funcionamento de tais recursos. *

Ensinar e aprender não são tarefas fáceis, mesmo com as facilidades dos novos recursos disponíveis. Por exemplo, com o auxílio do computador, a informação chega a qualquer lugar de forma muito mais rápida, prática e precisa, seja por e-mail ou em tempo real por teleconferência, o que não exige a presença física do professor em sala de aula. Contamos ainda com as homepages que são utilizadas como fontes de consulta e estudo (http://150.161.189.230/es ca ni nho/5nov 10216352.htm e http://150.161.189.230/escani1-2 nho/7nov102163711.htm). Dispomos, também, de programas de TV voltados para educação como Telecurso 2000, Globo Ciência, Afiando a Língua, entre outros e,

Departamento de Química Fundamental, Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: salvesjr@ufpe.br

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Cristiane K. de Oliveira, Gilberto F. de Sá, Ricardo Ferreira e Severino Alves-Jr

mesmo assim, é bastante comum ouvir professores queixando-se da falta de recursos. Mas será que faltam mesmo? Como se ensinava Química há 60, 80 anos atrás, numa época em que não se dispunha de computadores com softwares educativos e programas sofisticados? Apesar de não ter em mãos os recursos tecnológicos, hoje, disponíveis, um professor, em Pernambuco, Ernesto Silva, foi capaz de desenvolver instrumentos educacionais de forma extraordinária e, talvez nunca antes vista, os quais motivaram seus alunos e facilitaram a cons tru ção do co nhe ci men to. Ele ven ceu adversidades e com seus próprios métodos vislumbrou aquilo que seria, atualmente, tão solicitado nas aulas de Química. Fazendo uso de seus conhecimentos de médico e farmacêutico, juntamente com os adquiridos trabalhando no Laboratório de Produção Mineral, no Rio de Janeiro, ao lado de Fritz Feigl, com análise de toque, criou um pequeno laboratório portátil para que a falta de instalações adequadas não fosse empecilho para realização de aulas experimentais, uma vez que, para muitos professores, um laboratório é condição necessária para 3 realização de aulas práticas. O professor Ernesto Silva desenvolveu modelos atômicos para o ensino de Química, provavelmente, nunca antes utili zados no Brasil, além de um quadro para representar a seqüencial de energias dos orbitais atômicos (conhecido como “Dia grama de Pauling”), tudo isso com o único objetivo de facilitar a aprendizagem, pois, segundo ele, “cuspe e quadro-negro” não eram suficientes para se 4 ensinar Química. Infelizmente, Ernesto Silva faz parte de um grupo de pessoas que desenvolveram grandes trabalhos e foram esquecidas. Daí, a importância e a necessidade de resgatar o seu legado, pois as grandes construções não foram feitas apenas por poucos arquitetos e sim por muitos trabalhadores anônimos. Então, cabe a nós lembrarmos das contribuições dos que permanecem anônimos, e, em especial, do Professor Ernesto Silva, que tanto colaborou com o ensino

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de Química, apesar de não ter formação pedagógica especializada, situação que fornece ao professor a melhor maneira de conduzir a construção do conhecimento (http://150.161.189. 1, 5 230/escaninho/7nov102163711.htm).

Biografia Ernesto Silva nasceu em Recife, aos 07 de novembro de 1900. Filho de uma ex-escrava, foi cri a do como fi lho ado ti vo pelo Pro fes sor Oswaldo Machado, do Colégio Estadual de Pernambuco, dono da casa na qual sua mãe tra4 balhava. Formou-se em Farmácia, em 1919, e em medicina em 1924. No ano de 1919, começou a lecionar (Figura 1) e introduziu, em 1924, o ensino experimental em seu curso particular, por meio de um laboratório importado diretamente da França. Desde essa época, aliou o ensino teórico ao experimental em suas aulas de Química.

Figura 1. Placa de formatura da turma de farmacêuticos de 1944 (esquerda). Detalhe na imagem do Professor Ernesto Silva (direita). Por meio de um concurso, foi nomeado Químico Analista do Laboratório de Análise da Alfândega do Recife em 1927. Ingressou, em 1928, como Professor de Química Analítica da Faculdade de Farmácia do Recife e, em 1935, na escola Normal do Estado de Pernambuco, na cadeira de Química, onde, pela primeira vez, instalou uma sa la-ambiente para o en si no experimental da disciplina. Em 1942, permutou para o Colégio Estadual de Pernambuco, onde


A contribuição do professor Ernesto Silva para o ensino de Química

pôde desenvolver, de forma ampla, o seu plano de ensino teórico-experimental com os alunos do curso científico, hoje denominado Ensino Médio . Ernesto Silva também lecionou em cursos pré-vestibulares, mas não teve muito sucesso. O motivo não foi incompetência e sim questões financeiras, pois, assim como é exigido nos dias de hoje, um professor de cursinho não pode estar preocupado com o aprendizado do aluno e sim 4 com o conteúdo a ser ministrado . Junto com o Professor Ricardo Ferreira, publicou, em 1952, o livro Introdução da Química Geral e Inorgânica, o qual recebeu a seguinte referência do Professor Heinrich Rheinboldt, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo: “julgo o pequeno livro excelente e o melhor que conheço no País, justamente devido à sua rigorosa restrição ao mais importante e ao valor preponderante atribuído aos fenômenos experimentais”. Nesse mesmo livro, também é encontrada uma citação de Linus Pauling que diz: 4,6

Não é possível obter um seguro conhecimento de Química simplesmente estudando a teoria química. A química é uma ciência essencialmente descritiva, que só pode ser aprendida através do conhecimento de fatos experimentais. Assim você deve aprender o máximo de Química da sua própria experiência no laboratório e das suas próprias observações sobre as substâncias e as reações químicas, que você encontra a cada passo.7

Em colaboração com Hermínio Bulhões, em 1952, publicou o trabalho intitulado: Química Orgânica Simplificada, que continha vários experimentos químicos ilus trados sobre os temas abordados nos cursos teóricos. Esse trabalho foi publicado em um número especial da Revista Cultus, do IBCC de São Paulo. No Rio de Ja ne i ro, de 1953 a 1955, estagiou com o famoso químico Fritz Feigl, inventor do Spot Test (Análise de Toque), no Laboratório de Produção Mineral e acabou colaborando com ele em seu livro Spot Test in Organic Chemistry e em outros trabalhos.

Quando voltou ao Recife, instalou um laboratório de Análise de Toque, onde adaptou as técnicas aprendidas com Feigl ao ensino de Química, utilizando material muito simples e de fácil aquisição, substituindo inicialmente, os reagentes orgânicos pelos inorgânicos, como está descrito em seu livro Aprendizado Experimental de Química - Nova Orientação de Acordo com as Técnicas da Análise de Toque. Integrou, em 1962, a Delegação Brasileira designada pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) para o FEIGL ANNIVERSARY SYMPOSIUM, em Birmingham, Inglaterra, onde apresentou um trabalho de sua autoria, desenvolvido em seu Laboratório de Análise de Toque, em Recife, o qual figura no livro Analytical Chemistry (1962) da Elsevier Publishing Company. Na sua volta, com o auxílio do Conselho Nacional de Pesquisas, viajou por todo país para divulgar seus trabalhos experimentais, os quais eram novidade no ensino de Química, tanto no Brasil, como no exterior, tendo em vista o material simplificado e a técnica empregada. Além dos livros escritos em colaboração com Ricardo Ferreira e Hermínio Bulhões respectivamente, foi autor de várias publicações privadas, dentre as quais destacamos as seguintes: 1922: Elementos de Química; 1928: Guia Prático de Química; 1949: Construção Atômica Simplificada e Assuntos Correlatos; 1950: Química Inorgânica Simplificada e Química Orgânica Simplificada; 1951: Identificação de ânions e cátions; 1962: Guia para Aprendizagem Experimental de Química com Laboratório Simplificado – Portátil (Colégio Estadual de Pernambuco); 1965: Guia para Aprendizagem de Química: Aprendizagem Teórica e Prática de Acordo com os Modelos. 1970: Aprendizado Experimental de Química – Nova Orientação de Acordo com as Técnicas da Análise de Toque (publicado em comemoração ao cinqüentenário de seu ensino).

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Cristiane K. de Oliveira, Gilberto F. de Sá, Ricardo Ferreira e Severino Alves-Jr

Aposentou-se em 1963 e dedicou-se a escrever trabalhos voltados ao ensino experimental de Química, sempre fazendo uso de sua experiência e de tudo o que aprendeu com Fritz Feigl. Voltou para o Rio de Janeiro, onde morreu em outubro de 1970, um ano antes de 4,6 seu sábio mestre, Feigl .

Algumas considerações sobre spot test (análise de toque)8,9 A grande inovação no ensino de Ernesto Silva foi o uso da análise de toque como instrumento para a aprendizagem de práticas de Química. Seria interessante, assim, resumir os pontos principais dessa técnica. Há mais de 150 anos, químicos analíticos têm utilizado testes simples de química, resumidos a gotas de solução em papel de filtro ou em superfícies impermeáveis. Um exemplo familiar é o uso do papel indicador para detectar rapidamente um excesso de íons hidrogênio ou hidroxila em uma gota de solução. Da mesma forma, o ponto final de reações usadas em análise titrimétrica ou o término de deposições eletrolíticas podem ser estabelecidos pelo uso de uma gota da solução-teste em contato com um reagente adequado, em papel de filtro, em um vidro de relógio ou em uma placa de porcelana. Não se sabe quem primeiro fez uso das reações de mancha para propósitos analíticos. Mas, o primeiro exemplo publicado foi o de F. Runge que, em 1834, usou papel de amido-iodeto para detectar a liberação do cloro. No ano de1859, Schiff usou papel de filtro impregnado com carbonato de prata para revelar ácido úrico na urina. Uma gota da amostra produzia uma mancha marrom da liberação da prata. Esta parece ser a primeira descrição precisa de um teste da mancha, na qual a sensibilidade foi determinada da mesma forma como é feita hoje: pela experimentação de uma série de soluções diluídas de ácido úrico. O esforço principal para transformar o teste da mancha, na qual o papel de filtro funciona como veículo de reação, foi

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um estudo de Schöenbein. Ele mostrou que, quando soluções aquosas se elevam pelas tiras do papel de filtro, a água antecede o material dissolvido e a altura relativa da elevação do soluto pode diferenciar o suficiente para tornar possível detectar os co-solutos em zonas separadas. Essas observações deram o ímpeto para es tu dos clás si cos (1861-1907) de Fri e drich Goppelsroeder, os quais foram compilados em seu Kapillaranalyse, publicado, em Dresden, em 1910. Ele fez um estudo bastante extenso sobre a ascensão capilar de soluções e sobre a propagação capilar de gotas de soluções em papel de filtro, e investigou o uso analítico desses efeitos, particularmente no exame de líquidos orgânicos, misturas e corantes. Suas publicações contêm ainda referências sobre a propagação capilar de sais inorgânicos, efeitos que, mais tarde, foram estudados por outros químicos, especialmente por Krulla e por Skraup e seus colaboradores. Os achados deram indícios para averiguação da viabilidade de se realizar reações inorgânicas de cor, na forma de testes da mancha, nas várias zonas do papel, para detectar os materiais que haviam sido separados pela diferença de capilaridade. Investigações nessa linha, que requerem, antes de tudo, a determinação das quantidades mínimas de substâncias que podiam ser detectadas pelas reações da mancha no papel, foram conduzidas (1917-21) por Feigl e Stern com soluções de sais dos metais e usadas na análise qualitativa. Esses estudos produziram observações que determinaram o curso para o fomento de estudos das reações da mancha. Muitos testes, bem conhecidos por seu uso e aceitos nos procedimentos clássicos de análise inorgânica qualitativa, foram executados em tubos de ensaio e mostraram uma sensibilidade inesperada quando experimentados como reações da mancha em papel de filtro. Desde então, sob essas condições tardias, o registro de uma reação pode ser inteiramente diferente do que o visto em um tubo de ensaio.


A contribuição do professor Ernesto Silva para o ensino de Química

Análise de toque no ensino elementar de Química Ernesto Silva tendo-se tornado colaborador de Fritz Feigl, um especialista em análise de to que, per ce beu que, pela ver sa ti li da de e economia de reagentes, uso de equipamento simples e improvizável, esta técnica poderia desempenhar importante papel no ensino básico de Química. Com este objetivo, Ernesto criou um laboratório simplificado e portátil, de baixo cus to, já que não ne ces si ta va de ma te ri al dispendioso, além de que não requeria muito 6 tempo para a realização das experiências . Foram utilizados: frascos de penicilina, bastões de vidro, tampas de polietileno, microtubos de ensaio e papel de filtro (figura 2).

Figura 2. Frasco gota pendente, frasco com tampa de polietileno e frasco com papel de filtro.

Quadro para aprendizagem da notação química e noções de valência O estudo da notação química, com o aprendizado das fórmulas moleculares dos compostos, é realizado com o auxílio da Tabela Periódica, pois desse modo, em um espaço de tempo menor, os alunos aprendem a escrever as fórmulas das substâncias examinando a posição dos elementos na Tabela. Com o intuito de facilitar essa aprendizagem, tornando-a mais atraente, Ernesto Silva, em 1939, idealizou um quadro composto por partes deslocáveis, formado por paralepípedos de mesma seção e de diferentes comprimentos (Figura 3), dispostos em sete filas horizontais: Os da 1ª fila têm comprimento igual ao lado da seção (cubo) e os da 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e 7ª filas têm comprimentos duplo, triplo, e, assim, sucessivamente. Na 1ª fila, estão representados os elementos e radicais monovalentes, os positivos em cinza e os negativos em preto, e, nas filas se guin tes, en con tram-se os di va len tes, trivalentes etc. (ver Figura 3).

Figura 3. Quadro de notação científica.

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Cristiane K. de Oliveira, Gilberto F. de Sá, Ricardo Ferreira e Severino Alves-Jr

Diagrama de energia dos orbitais Por volta de 1950, Ernesto Silva reconheceu que as idéias recentes sobre a natureza das ligações químicas, baseadas nos conceitos da Física Atômica, tinham que ser ensinadas ao nível colegial. Um dos constituintes básicos da quantização da Química era a questão das energias dos orbitais atômicos. Para melhor entendimento da sucessão de energias dos orbitais atômicos nos elementos, como exposto no livro de Pauling, The Nature of the Chemical Bond (Cornell University Press, Ithaca, N.Y. 1938), é necessário que se tenha um conhecimento prévio dos níveis e subníveis energéticos, bem como dos números quânticos e das regras que regem a distribuição eletrônica nos átomos isolados. Em particular, Ernesto Silva introduzia três princípios em nível de postulados:

• Princípio de construção (Aufbau): os

isopor, o que resultaria em um instrumento menos volumoso, porém prático.

Figura 4. Quadro do Diagrama de Pauling elaborado pelo Professor Ernesto Silva.

elétrons devem ser distribuídos nos orbitais em ordem crescente de energia;

• Princípio de exclusão, de Pauli: em um mesmo orbital, não é permitido mais de 2 elétrons com o mesmo número quântico de spin (um orbital é definido como um conjunto, para cada átomo, com o mesmo n, l, e ml);

• Regra de Hund: para um mesmo orbital (subnível com os mesmos valores de n, l, e ml) por exemplo, os 3 orbitais 2p (2px, 2py, 2pz), os elétrons tendem a fi car de sem pa re lha dos e com os mesmos spins. Re cor da dos es ses con ce i tos, Ernes to Silva desenvolveu um quadro (Figura 4), feito de madeira, contendo várias depressões que representavam os orbitais nos quais só era possível colocar duas bolas de gude, as quais representavam os elétrons. Esse quadro vem descrito com detalhes no livro do Professor 10 Sérvulo Domingues de São Carlos . O quadro de madeira poderia, ainda, ser substituído por um quadro de isopor ou cartolina e as bolas de gude por rolimãs (as menores) ou bolas de

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Montagem dos Modelos Atômicos Ernesto Silva foi um dos primeiros, se não o primeiro, no Brasil, a fazer uso de modelos atômicos no ensino de química orgânica e inorgânica. Os primeiros modelos usados eram de madeira (Figura 5) e tinham um custo elevado. Depois, utilizou material equivalente ao isopor para representar os elementos químicos e arame para representar as ligações químicas. Nessa perspectiva, usou esse mesmo material para representar: raios atômicos, estrutura molecular, arranjo cristalino, dentre outros. 10 Utilizando, sempre, material de baixo custo . Uma outra maneira para representar moléculas orgânicas seria utilizar jujubas e palitos de dente, representando os átomos e as ligações respectivamente. É sabido que hoje se dispõe de vários kits de modelos atômicos os mais variados possíveis. Mas, é digno de nota o pioneirismo do Professor Ernesto Silva, levando em consideração a sua visão do que é o ensino de Química.


A contribuição do professor Ernesto Silva para o ensino de Química

Referências 1. DE FARIAS, R. F. Química, Ensino e Cidadania. 2. ed. São Paulo: Ieditora, 2005. 2. LEÃO, M.B.C.; BAR TO LO MÉ, A.R., Multiambiente de Aprendizagem: a integração da sala de aula com os laboratórios experimentais e multimeios (Submetido à Revista de Tecnologia Educacional). 3. MAL DA NER, O.A. A for ma ção ini ci al e continuada de professores de química: professor pesquisador. Ijuí: Editora Unijuí, 2000. 4. ENTREVISTA com o Prof. Dr. Ricardo de Carvalho Ferreira. 5. CHASSOT, A. Química Nova Na Escola, 5, 21, 1997. 6. SILVA, E. Nova orientação para aprendizagem experimental de química de acordo com as técnicas da aná li se de to que, Uni ver si da de Fe de ral de Pernambuco. Recife, 1970. 7. SILVA, E.; FERREIRA, R. C. Introdução ao estudo da química geral e inorgânica. 2. ed. Recife: Imprensa Universitária, 1958. 8. FEIGL, F. Spot test in inorganic analysis. Fifth English edition. Amsterdam: Elsevier Publishing Company, 1958. Figura 5. Modelo de molécula orgânica, com os “átomos” feitos de madeira pintada a cores. As ligações são pequenas molas metálicas. Na fotografia, Professor Ricardo Ferreira (1955).

9. FEIGL, F. Spot test in organic analysis. Fourth English edition. Amsterdam: Elsevier Publishing Company, 1956. 10. DOMINGUES, S. F. ORBITAIS estruturas de átomos, moléculas e cristais. São Paulo: Edart livraria editora, 1967.

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SOBRE O SURGIMENTO DA QUÍMICA TEÓRICA NO BRASIL Myriam M. Segre de Giambiagi*

Resumo Este artigo, em forma de um relato bastante pessoal, mostra todo o percurso do desenvolvimento da Química teórica no Brasil: as principais pesquisas realizadas no CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas); a evolução e modernização, pouco a pouco, dos instrumentos utilizados para a realização dos cálculos; as pessoas que mais se envolveram e se destacaram; e outros fatos interessantes. Palavras-chave: Química Teórica; Brasil; história da Química.

Abstract About the beginning of theoretical Chemistry in Brazil This article shows, with a very personal speech, all the Brazilian Theoretical Chemistry development: the main researches done in the CBPF (Brazilian Center of Physical Research); the progressive evolution and modernization of the instruments used to do the calculations; the people who most got envolved and have showed up; and other interesting facts. Key-words: Theoretical Chemistry, Brazil, Chemistry history.

Introdução Peço desculpas pelo tom muito pessoal deste escrito, mas são experiências pessoais que ficaram ligadas a uma época muito especial de nossas vidas, coincidindo com uma época muito especial da física brasileira e do próprio Brasil. Sou ferrenha adversária da visão epistemológica reducionista de muitos físicos, que acreditam sinceramente que a química se explica através da física, a biologia através da química, portanto também da física, e assim por diante. Devo a meu mestre Mario Bunge, com quem tive o privilégio de fazer um belíssimo curso de *

mecânica quântica, ter esclarecido essa idéia. Ele dizia que a física não se ocupa de problemas que preocupam os químicos. Quando minha vida de física cruzou com a vida de químico de Mario, também nossas disciplinas cruzaram. Para o trabalho em comum que fizemos, durante mais de 40 anos, nossas respectivas formações foram determinantes e conseguimos que dialogassem. Esse diálogo, por sua vez, foi, ao mesmo tempo, causa e conseqüência dos que conseguimos estabelecer com colegas que vinham da engenharia, da biologia, da matemática, e, claro, de outras especialidades da física e da química.

Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Rio de Janeiro. E-mail: rio@cbpf.br

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Myriam M. Segre de Giambiagi

O Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, que nos acolheu em 1961, era multidisciplinar no espírito, refletindo o clima que determinava a identidade da SBPC e a vitalidade da Academia de Ciências. O Brasil, também, passava por um período muito especial. Jânio Quadros acabava de assumir a presidência. Eu não entendia que o vice-presidente João Goulart podia ter sido eleito independentemente e por um outro partido. A arte e a ciência brasileiras formavam parte harmônica da cultura popular. As revistas que falavam do casamento “com véu e grinalda” de Marta Rocha continham também furiosas polêmicas científicas. Espantou-me ler nelas, nos primeiros dias de nossa chegada, uma discussão muito acalorada sobre o K’, partícula que “pertencia” a Jayme Tiomno e era discutida por Cesar Lattes.

Antes do Brasil Entrei à Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Buenos Aires em 1954. Sempre digo que não foi por vocação que estudei física, mas por exclusão, minhas intenções tendo percorrido quase todas as carreiras possíveis fora da economia. Naquele ano, vivia-se, ainda, na Argentina, a primeira era peronista. Segundo a tradição latino-americana, os estudantes estavam na primeira linha da oposição. A Faculdade onde estudamos foi, até 1962, o prédio histórico de onde se jogou azeite fervendo nos invasores ingleses em 1805. Havia um belíssimo pátio, em torno do qual estavam quase todas as salas de aula, onde se faziam as assembléias da resistência, sempre na presença de policiais à paisana, como no musical Evita. A primeira paixão de minha vida foi por esse prédio. O pá tio de nos sas lem bran ças foi destruído pela ditadura militar de 76, que tinha, entre outros, horror aos estudantes, ódios deles. Perón havia eliminado a prova para se entrar à Universidade; restabelecemo-la, em fins de 1956, quando todos participamos de um mutirão para arregimentar estudantes com vocação.

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Eu me inscrevi para estudar física, nesse verão, li um livro que quase me fez trocá-la pela biologia. Só no terceiro ano, tive certeza que gostava mais da física do que da matemática, quando vi que os teoremas de existência me impacientavam. Mario havia se formado logo antes de eu entrar; na época peronista foi impossível de ele continuar o doutorado conhecemo-nos vários anos mais tarde. Pensávamos que, nessa faculdade, passaram-se os anos mais felizes de nossa vida e que, se tivéssemos feito uma outra das carreiras ali, a nossa felicidade teria sido a mesma. Estudamos a poucos metros do núcleo histórico de Buenos Aires. No primeiro ano, eu marquei aulas para sábado à tarde; após o laboratório de física, geralmente, íamos em grupo ao cinema ou ao teatro; no intervalo das aulas, percorríamos os sebos de livros e comprávamos maravilhas por tostões. As manifestações dos estudantes percorriam a Praça de Maio ou Florida. Depois da queda de Perón, em 1955, quando os militares cederam aos estudantes a Uni ver si da de, como re co nhe ci men to pela resistência, na austera “Aula Magna”, que também foi destruída após 1976, ouvimos Linus Pauling e Debye; os estudantes do segundo ano lotavam o curso de quarto ano do matemático espanhol Julio Rey Pastor, pois não desejávamos perder a oportunidade de vê-lo e ouvir as esplêndidas aulas que ministrava, mesmo que não conseguíssemos acompanhar. A Argentina recebeu muitos intelectuais republicanos como ele; todos nós crescemos cantando as belas canções da guerra, e as cantamos, também, para os nossos filhos. Há bem pouco tempo, falando com jovens cientistas espanhóis, soube, com espanto, que, para eles, a guerra da Espanha é tão distante quanto a Idade Média. Em 1956, incorporaram-se ao departamento de física vários jovens professores, alguns deles vindos de fora, como o irmão de Mario, JJ, que estava trabalhando no CBPF e voltou para Argentina, como professor do primeiro curso renovador que fiz na faculdade. Mario deu aulas particulares à minha irmã, mas eu só fui conhecê-lo mais tarde, em 1958, quando JJ foi passar


Sobre o surgimento da Química Teórica no Brasil

um ano na Califórnia junto com Gellman e Feyman. Quando Mario ia em minha casa dar essas aulas, eu estava na faculdade. A atividade política universitária sempre foi parte fundamental em nossas vidas, tanto quanto o estudo e o trabalho. Mario começou, naquele ano, a tese de doutorado com Simon Altmann (quem, após fazer com que a Universidade de Buenos Aires comprasse o computador Mercury, como o que ele usava em Oxford, no grupo de Coulson, não conseguiu se readaptar ao subdesenvolvimento e voltou para Inglaterra) e acabou, em 1960, com Norah V. Cohan, que também vinha de Oxford, mas que ficou. Mario fez a tese sem computador, o qual chegou bem mais tarde. Nosso namoro iniciou quando completei 21 anos e comecei a trabalhar em Mecânica Estatística com nosso mestre Félix Cernuschi. Ajudei Mario com as contas da tese, passávamos fins de semana na Faculdade. Usávamos tabelas de funções exponenciais e de coeficientes de interpolação. Curiosa, li alguns dos artigos que ele me indicou e aprendi um pouquinho de teoria de grupos, fundamental para os químicos e desconhecida para nós físicos. Aprendi a calcular raízes quadradas cortando a série de Taylor e repetindo até obter a precisão desejada. O trabalho a dois ficava mais divertido. Após um certo treinamento, as raízes quadradas com oito casas decimais levavam apenas de 2 a 4 minutos. Quando Mario acabou a tese, foi trabalhar comigo e Cernuschi. Fazendo contas para um trabalho em teoria de soluções, apareceu uma integral elíptica. Consultando com os excelentes matemáticos de Buenos Aires, foi nos sugerido entrar em contato com os primeiros colegas que tinham ingressado na a IBM. Foi ali que aprendemos a programar em Fortran para uma IBM 650.

Desbravando caminhos No entanto, JJ fez uma viagem para Rio e falou com Jacques Danon a respeito da tese em química teórica. Jacques pediu a tese, achou-a interessante e convidou Mario para passar um tempo no CBPF. Ricardo Ferreira, proveniente

do Caltech, onde teve a felicidade de conviver com Li nus Pa u ling, ha via sido no me a do professor. Mario aceitou. Disse que ia se casar comigo, falou que eu era física, mas que não se preocupassem com isso. Jacques mandou parabéns e, em 24 de abril de 1961, chegamos de navio ao Rio. Dois dias depois, completei 24 anos e me tornei “penetra” no CBPF, onde o diretor era Leite Lopes. Ninguém me tratou como tal e me senti logo totalmente à vontade. Mario recebia parte do salário pelo CBPF e parte pela CAPES. Eu trabalhava de graça com o maior entusiasmo. Jacques Danon nos levou à CAPES para co nhe ce mos Almir de Cas tro, di re tor da CAPES. Recebeu ali um cheque de pagamento adiantado, sem assinar nada. Jacques disse que pro cu rás se mos, sem pres sa, apar ta men to. Mario e eu compramos cadernos e jornais e acabamos alugando em Toneleros 186, por acaso, ao lado de Danon. Como nos disseram todos, do outro lado foi o atentado a Lacerda que levou ao suicídio de Getúlio. Muitas vezes, voltávamos andando do CBPF, subindo a ladeira do Túnel Novo e descendo na Praça Cardeal Arcoverde. Cruzávamos com mulheres da favela com a lata de água na cabeça e o porte de rainhas que a carga lhes dava. Nessas procuras de apartamento, visitamos 120 em Copacabana, que portanto conhecemos a fundo. Quando dizíamos que trabalhávamos no CBPF, não era infreqüente o comentário “Ah, é onde trabalha César Lattes”, referência mais importante que um fiador. O fato de sermos cientistas era prestigioso! Não conseguíamos imaginar um comentário equivalente em Buenos Aires. O apartamento não tinha telefone, em troca dava para as árvores do morro. Toneleros era uma rua tranqüila: podíamos dormir com a janela aberta, olhando para as árvores, com absoluta privacidade. Claro que íamos muito à praia. De vez em quando, voltávamos na hora do almoço, comíamos um abacaxi na areia e íamos trabalhar outra vez. Nesse apartamento de Toneleros, um quarto e sala, não havia quarto de empregada,

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mas constava um pequeno banheiro para ela. Só tinha vaso e chuveiro, o que achamos escandaloso; logo acrescentamos um lavabo. Veio instalá-lo, indicado pelo porteiro, um senhor negro, esguio e elegante. Era bombeiro de algum círculo militar, discutia política com os militares e havia lido Petróleo y Política, livro de Arturo Frondizi, presidente argentino. Isso também era impensável em Buenos Aires, onde, apesar da tão falada politização geral, um bombeiro jamais era informado, a esse ponto, sobre a situação de outro país da América Latina; podia, sim, saber bastante sobre Europa. Em um dos carnavais em que assistimos às escolas de samba, passando a noite inteira nas ar qui ban ca das da Pre si den te Var gas, Portinari tinha a ver com um dos enredos. Devo confessar, como carioca adotiva que eu sou, que minha primeira impressão do Rio foi de decepção (Mario já conhecia porque havia visitado o irmão). Não tinha a menor idéia de como era e devia esperar, sei lá, uma praia de coqueiros que Rio não tinha. Antes de vir, tinha lido Gabriela, em português, sem muita dificuldade; chegando, descobri que, para me entender com as pessoas, precisava aprender, com urgência, um vocabulário básico e comprei um pequeno manual de conversação inglês-português (que está em casa até agora) porque foi o único que achei na livraria do Copacabana Palace. Minha ignorância do Português, somada à indiscutível complexidade desse idioma, era tão intensa que nunca notei as formas “senhor” e “senhora”. Achava que “você” como you, no inglês, serviria para tratar qualquer pessoa e por ser também tratada dessa forma, chamava Guido Beck de “você”. O pior é que ninguém me chamou a atenção sobre isso. Ricardo havia proposto uma parametrização para os elementos diagonais da Hamiltoniana molecular. Nós bolamos uma outra, que achamos consistente, para os elementos não-diagonais. No prédio velho do CBPF, onde, hoje, estão o IBICT e o CLAF (Centro Latino americano de Física), o grupo de pessoas que ali trabalhavam era pequeno, todos discutiam com todos; os

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seminários eram muito vivos e cheios de perguntas; chegados do ambiente extremamente acadêmico de Buenos Aires, onde “não ficava bem” admitir não dominar um argumento, ficamos apaixonados pela liberdade do ambiente. Havia bem pouco tempo que eu tinha me formado, no entanto era tratada de igual para igual por todos esses cientistas que haviam trabalhado com os grandes nomes da física. Eu sou a única pessoa em Buenos Aires a ter se formado em Física Teórica. Como não tinha a preocupação do título, fiz algumas matérias de doutorado antes de completar o bacharelado e, também, a última prova, (sempre detestei provas, mesmo como professora) dois dias antes de casar e viajar, para não pensar mais nisso. Mal tinha começado a trabalhar, enquanto estava no Rio, e meu primeiro trabalho, desenvolvido junto com Cernuschi, o único que fiz sem Mario, foi publicado no J. Chem. Phys.. Anos mais tarde, Darci Ribeiro me fazia repetir que a nossa experiência, no CBPF, foi muitíssimo mais formativa que a opção de fazer o primeiro trabalho na Europa ou nos Estados Unidos. Outra coisa que nos maravilhou foi ver a freqüência com que os brasileiros trabalhavam com as revistas. Eu peguei uma revista científica, pela primeira vez, quando fui trabalhar com Cernuschi. Em Buenos Aires, usáva mos mu i to os li vros, fi cá va mos ho ras estudando na biblioteca da faculdade e tomando notas, mas as revistas estavam num outro planeta para os estudantes. Os brasileiros liam um artigo alheio à especialidade deles e percebiam, rapidamente, se era ou não relevante. Além disso, podiam exprimir, em poucas palavras, sobre o que falavam tais artigos. Danon, particularmente, tinha uma inteligência especial para isso. Uma discussão com ele era sempre utilíssima. Ninguém sabia o que era a burocracia. Até um ponto muito significativo. Tivemos que ir ao consulado argentino renovar alguma coisa. Como casamos e viemos logo para cá, os do cu men tos ar gen ti nos, ti ra dos uns dias antes, eram documentos de solteiros. Mario


Sobre o surgimento da Química Teórica no Brasil

não teve problemas, mas eu, para as leis argentinas, não era mais eu porque tinha mudado de nome (o sobrenome de casada nos documentos argenti nos, com o possessi vo machista “de”, deixou de ser obrigatório há bem pouco tempo). Mostramos logo a carteira de casamento, que é o que davam solenemente na hora de casar com o espaço para se inscrever os muitos filhos esperados como resultado do ritual. O cônsul nos disse que isso não era um documento. Perguntamos perplexos para que é que davam então, a resposta foi: “para que as senhoras fiquem contentes” (sem comentários). Bem, em resumo, tivemos que mandar pedir, em Buenos Aires, uma certidão de casamento, autenticá-la, carimbá-la e...esperar bastante. No intervalo, eu tinha deixado de existir, a sen sa ção foi de sa gra dá vel. Vol tan do ao CBPF, ninguém entendia. Marlene, a secretária mais eficiente que já passou por lá (comentário de Henrique Lins de Barros, “se a gente explicasse, ela poderia escrever os nossos trabalhos diretamente em inglês, sem precisar corrigi-los”), disse logo “aqui que deve se acrescentar ‘de Giambiagi’? Eu faço.”; tive que tirar, apavorada, meu passaporte da mão dela, que não entendeu meu espanto, pois falava sério. Houve uma outra história. Mario precisou de uma fotocópia do diploma, que, por sua vez, era uma dessas antigas, em branco e preto. Fomos a uma loja e perguntamos se iam conseguir ti rar, res pon de ram-nos que ve ri am. Quando Mario foi buscá-la, a moça disse “fiz o melhor possível”. Olhando em casa, com mais cuidado, vimos que ela tinha decalcado a fotocópia e depois fotocopiado esse trabalho, o que deve ter levado um bocado de tempo. Cobrou como uma fotocópia comum. Era um trabalho primoroso, só o carimbo da Universidade de Buenos Aires estava melhor do que devia. Guardo ainda esse documento histórico. Decidimos testar os parâmetros por meio de um cálculo para a piridina (então o teste usual), claro que p. Ricardo já tinha usado as 1 cargas nucleares efetivas de Kohlrausch , bem pouco conhecidas, para calcular o momento

dipolar das ligações s através do método de 2 igualização das eletronegatividades . Guido Beck, com quem co men ta mos que ía mos usá-las, disse-nos que Kohlrausch havia sido 3 professor dele. As fórmulas de Roothaan para as integrais de recobrimento levavam a resultados bem maiores que os usuais com as cargas 4 de Slater ; fomos, então, obrigados a considerar todos eles, complicando bastante o trabalho. Com um livro de cálcu lo numérico, fizemos inversão, autovalores e autovetores de matrizes. Verificávamos todas as contas, discutía mos com Ri car do to dos os re sul ta dos obtidos. Era crucial aproveitar a simetria da molécula para simplificar a tarefa. Os sistemas de 6 equações e 6 incógnitas para a piridina se reduziam a um de 4 e um outro de 2, mudava tudo. Pas sa ram-se ape nas 40 anos des sa pré-história. Usávamos máquinas de calcular que faziam muito barulho. Nem a USP possuía ainda um computador. Quando soubemos que ali existia um modelo de máquina Friden com uma tecla para raiz quadrada, fomos roídos pela inveja de tanto avanço. Em algumas semanas, tínhamos os resultados preliminares para a piridina, os quais nos estimularam. Na aproximação p, a noção de sistema 5 alternante era muito importante. Contamos para os físicos teóricos, em discussões tipicamente interdisciplinares, que estávamos lidando com um sistema alternante. Samuel MacDowell (com quem, mais tarde, fizemos um trabalho em Buenos Aires) gostou da noção. Incomodava-nos que as ordens de ligação fossem negativas para átomos vizinhos; então, Samuel sugeriu-nos uma forma, a qual achamos muito brasileira, de driblar o problema, trocando nas funções de onda o sinal das funções de base de um dos conjuntos, assegurando-nos que era, totalmente, legítimo. Vários anos depois, conseguimos enten6 der porque acontecia isso , estando relacionado com uma inversão na ordem obtida para os níveis de energia. Embora usualmente a função de onda p correspondente ao nível de energia mais baixo não apresentasse nós, e a ordem de baixo para

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cima fosse de nenhum nó para 1, 2, ..., nossos resultados eram exatamente opostos. Roald Hoffmann havia mencionado essa possibilidade no 7 primeiro trabalho de seu método EH . Não me lembro em qual ano, mas antes de 1966, Cotton estava em Buenos Aires e fomos discutir com ele essa dúvida. Após pensar um pouco, ele disse-nos que a ordem crescente dos nós para as funções de onda baseava-se no modelo do elétron numa caixa, portanto ele não via nenhuma objeção fundamental à nossa inversão. A ciência não estava ainda globalizada. Contudo, a ciência brasileira tinha identidade, como tinham a ciência inglesa, a francesa, a italia na, cada uma de estilo perfeitamente distinguível. Nossos horários argentinos eram mais noturnos, reclamamos, no CBPF, que a biblioteca (onde, por sinal, os funcionários eram de uma competência inacreditável) fechava cedo demais. Acabaram nos dando uma chave para poder usá-la à noite ou nos fins de semana, à vontade. A palavra “xerox” não existia; existiam as fotocópias, muitas delas em branco e preto. Quando tomávamos breves notas do que nos interessava num artigo, não tínhamos noção de como era ecológica nossa atitude, pois, o papel não fazia pilhas e pilhas a reciclar, no máximo, virava papel para rascunho - e como fazíamos rascunho em nossos cálculos manuais! Veio a renúncia de Jânio. Foi ali que nos integramos, definitivamente, com a comunidade do CBPF. Ficávamos com os colegas acompanhando pelo rádio os pronunciamentos de Brizola, os deslocamentos do exército (título da época no Correio da Manhã, o jornal que mais líamos: “O primeiro exército está marchando sobre o segundo; felizmente ainda não se encontraram”). Fomos convidados às reuniões na casa de Gabriel Fialho, onde encontramos, pela primeira vez, o nosso grandíssimo amigo Haity Moussatché. Haroldo Oest, Chefe da Divisão de Material no CBPF, falava-nos dos irmãos generais; uns anos mais tarde, conhecemos o general Henrique no exílio em Montevidéu. Para nós argentinos, acostumados às nossas forças arma-

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das de mentalidade nazista, como infelizmente a história nos confirmou, era absolu tamente incompreensível que existissem generais que se declaravam comunistas (e o partido comunista estava fora da lei!). Muito depois, soubemos que o Gabriel foi para o sul incorporar-se ao movimento legalista. Pouco tempo antes, havíamos conhecido Portinari e, na inauguração de sua exposição, na Galeria Bonino, Niemeyer e Prestes, que estava com Anita. Mais ou menos nessa época, fiquei grávida, passei muito mal e não pude trabalhar por uns dois meses. Quando voltei para o CBPF, o comentário sobre minha gravidez era um sincero e caloroso “que beleza!”. Todos entenderam que era nossa homenagem ao Brasil. O nos so pro gra ma de tra ba lho com Ricardo era muito ambicioso: queríamos calcular todas as azinas monocíclicas, isto é 10 problemas de 6 elé trons p cada. Pior, na nos sa desvairada ambição, queríamos chegar a cálculos com até 14 elétrons. Alfredo Marques, físico nuclear, con tou-nos que o IBGE tinha um computador poderosíssimo e que o CBPF tinha acesso a ele. Era um UNIVAC 1105, muito mais que o IBM 650 para o qual havíamos programado em Buenos Aires; a linguagem dele, o UNICODE, não era muito diferente do Fortran que conhecíamos. Usava fitas perfuradas no lugar dos cartões, mas alguém faria esse trabalho para nós. Logo apren de mos que, para mu dar alguma instrução no programa, era bom deixar pedaços de fita sem perfurar para poder cortar e emendar com durex. Em pouco tempo, levávamos para casa rolos de fitas coloridas, muito alegres, parecendo serpentinas. Havia um inconveniente, na verdade, mais de um. O monstro não trazia, na bagagem, nenhuma sub-rotina além de funções trigonométricas, potenciação e pouco mais. Também não havia a quem perguntar as muitas dúvidas. A ajuda de Alfredo foi inestimável. Erasmo Ferreira nos passou um algoritmo de determinante. Ficamos perplexos quando uma integral de recobrimento, para a qual o nosso resultado


Sobre o surgimento da Química Teórica no Brasil

era 0,49, no computador deu 0,51, sendo uma fórmula simples. O engenheiro eletrônico americano que se ocupava das válvulas do computador disse-nos que a exponencial dele tinha 10 casas decimais e nós tínhamos feito as contas com 8 casas. Desconfiados, refizemos com 10 casas decimais e não é que apareceu o 0,51? Aprendemos muitíssimo fazendo as contas e nossos programas! O cálculo preliminar foi utilíssimo para verificar o programa. Ninguém nos explicou direito para que o IBGE havia comprado esse computador e, às vezes, tínhamos a suspeita de que ninguém sabia muito bem o que fazer com ele. Para o censo, o IBGE já possuía outro, mais adequado. O 1105 parecia mesmo feito para computação científica, mas qual? Com certeza não a do CBPF. Corria um boato de que valia um milhão de dólares (era muito, muito dinheiro em 1961), mas o Brasil tinha pagado três milhões. Chegamos a ver esse computador ser alugado para tirar as notas médias de uma escola, que pagou tal trabalho ao IBGE. Sem comentários. Quando o resultado do programa foi igual àquele que havíamos obtido na máquina de calcular, fizemos uma festa no IBGE. Pensamos que o trabalho tinha acabado, mas Alfredo esclareceu que estávamos apenas em condições de começá-lo, porque existiam muitas moléculas à nossa espera para serem desvendadas. Nosso estardalhaço em torno das moléculas fez com que nos cedessem uma hora de com pu ta dor to dos os dias, de se gun da à sexta-feira. Toda, to di nha uma hora para nossos sistemas: das 18 às 19 horas, um horário até bem camarada. Íamos poder calcular todos os sistemas em pouquíssimo tempo! Escrevemos, depois, que um problema de 6 elétrons teria requerido 45 horas de nosso trabalho a dois na máquina de calcular, supondo que não se cometessem erros. No computador, levava 22 minutos. Parece fantás tico? Não era. O monstro calculava em 30 segundos, o resto do tempo era para a impressão dos resultados, não porque essa impressão fosse de um volume absurdo, mas porque absurda era a saída im-

pressa, ou melhor, escrita em uma máquina de escrever comum. Em abril de 1962, no Boletim o do Processamento de Dados do IBGE, ano 1, N 3, publicamos, em espanhol, possivelmente o primeiro trabalho em química computacional feito no Brasil. O Boletim era impresso em um papel amarelado, de uma pobreza franciscana. Vol te mos à nos sa hora diá ria de devaneio computacional. Às 18 horas, o computador, que devia estar com vontade de ir jantar, costumava recusar-se a funcionar sem ar-condicionado, que, por sua vez, respeitava bastante o horário de expediente. De nenhuma maneira era intencional, simplesmente, era a realidade. Às vezes, ele (era inevitável estabelecer uma relação pessoal com o computador, apesar de seu aspecto imponente) esquecia-se do horário e adiantávamos muito. Quando ficávamos trabalhando no horário de almoço, gostávamos de comer alguma coisa no bar da Produção Mineral, um cantinho simpático contra a pedra do morro. Um dia, levamos um susto, ao aparecer uma cobra Logo, alguém berrou: “coitado do bichinho! Não o mate”. O “bichinho” nos pareceu de tamanho respeitável, e a presença dele inoportuna, mas eu saí de fininho, sem reclamar, pois já estava aprendendo regras elementares de convivência à brasileira. O computador ficou, certa vez, parado, vários dias, à espera de válvulas que deveriam ser importadas e que estavam demorando. Nossa fonte de boatos contou, depois que o problema foi contornado, que, segundo a alfândega, as válvulas já tinham passado: alguma personagem influente havia “importado” um aparelho de som declarado como sendo as tais válvulas que o IBGE esperava em vão. O UNIVAC era, também, sensível aos sucessos que convulsionavam o Brasil. Não estou falando na renúncia de Jânio, mas, desta vez, no mundial de futebol que, claro, emocionava até o computador. No jogo em que o Brasil começou perdendo da Espanha, ele voltou a funcionar, aliviado, só após a pátria ser salva. Estava para ser fundada a Universidade de Brasília. Veio ao CBPF, por poucos dias,

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Harrison Shull. Ricardo iria mais tarde trabalhar na Universidade de Indiana, convidado por ele, que, por sua vez, não tinha fundado ainda o banco de programas QCPE (Quantum Chemistry Program Exchange). Toda a comunida de in ter na ci o nal de po si ta va nes se os programas de química quântica; editava-se um boletim e, em troca de um pagamento muito baixo, (chegamos a pagar de nosso bolso, de volta em Buenos Aires, os programas que precisávamos) para que o sistema fosse sustentado, fazia-se a distribuição. Recebiam-se pelo correio as caixas com os cartões perfurados, junto com um manual muito claro contendo instruções, exemplos, advertências sobre limitações (tamanho das moléculas e natureza dos átomos parametrizados) e aplicabilidade. Em geral, eram bastante testados antes de serem submetidos ao uso alheio. O indecente sistema comercial atual é muito recente, o boletim do QCPE publicou veementes protestos no início. Em um seminário, no CBPF, Shull falava com orgulho no IBM 730 que ia ganhar breve. Alguém lhe ofereceu, sem dar muita importância, mostrar o computador a que nós tínhamos acesso. Fomos com ele, que ficou de queixo caído: “mas...esse é muito mais poderoso que meu futuro computador”. Decidimos poupá-lo da outra parte da história, para deixá-lo com a impressão da superioridade brasileira. Além de utilizar todos os recobrimentos, tivemos a curiosidade de calcular todas as ordens de ligação, mesmo para os átomos não-adjacentes. Ainda agora é pouquíssimo usual fazê-lo para os índices adequados, em cálculos que ultrapassaram, há muito tempo, a aproximação p. Um 8 trabalho de Coulson , contendo uma abordagem extremamente original do problema em bases não-ortogonais (isto é, com recobrimento), foi para nós fonte de inspiração de muitos outros trabalhos ao longo dos anos. Sempre nos surpreendeu que a importância dele não seja reconhecida. Usava conceitos do cálculo tensorial sem a notação adequada. Muitos jovens não sabem que Coulson era matemático; seu livro Valence requer uma bagagem matemática mínima, sublinhando

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a profundidade conceitual do autor. A revisão Mc Weeny fez dele originou um livro diferente e não uma atualização; McWeeny incorporou, mu9 ito justamente, seu nome . Nesse trabalho, menciona-se que, se as matrizes da Hamiltoniana H e dos recobrimentos S comutam, então os cálculos com e sem recobrimento devem levar ao mesmo resultado para den si da des ele trô ni cas e or dens de ligação. No trabalho sobre a piridina, calculamos o comutador [H, S] e especulamos sobre ele. Após voltar para Buenos Aires, Samuel MacDowell passou um tempo na nossa faculdade e fizemos juntos um trabalho sobre esse 10 tema, o qual publicamos no Nuovo Cimento . Ninguém nos cobrava o resultado do trabalho, redigido sem pressa e com muita alegria. Ricardo voltou para Recife e nós para Buenos Aires, deixando-o pronto, mas, também, sem ur gên cia para pu bli car. Con cor da mos em fazê-lo no Journal de Chimie Physique (revista que publicou muitos dos trabalhos fundamentais da química teórica), em francês. Tivemos a triste honra de publicar o último trabalho em francês de THEOCHEM. Por mu itos anos, publicamos, de vez em quando, em francês, como forma de protesto contra a ditadura do inglês como única língua para a ciência. Em 1962, foi fundado o Centro Latino-americano de Física. Leite Lopes era diretor do CBPF, Gabriel Fialho foi ser diretor do CLAF. O salário de Mario tinha sido corroído pela inflação, estava para nascer nosso filho e me tornei a primeira bolsista do CLAF. Por isso, brinco, dizendo que, na verdade nosso filho Fabio foi o primeiro bolsista do CLAF. Na volta, escrevemos para Gabriel Fialho, agradecendo por tudo e comentando a importância de um computador para o nosso trabalho; foi por nossa sugestão que o CBPF acabou ganhando um IBM 1620, comprado em 1964, que chegou em 1966. Estávamos para voltar para Buenos Aires, logo após o nascimento de Fabio, quando, um dia, Mario voltou do CBPF dizendo: “Myriam, Gabriel diz que como vamos voltar para essa terra dos gorilas (tinha havido o golpe con-


Sobre o surgimento da Química Teórica no Brasil

tra Frondizi, o dia dos três presidentes não é novidade na Argentina), que fiquemos”. Demorei um minuto para decidir que claro que eu queria ficar em Rio e no CBPF. A burocracia foi assim: Fialho disse a Nelson Lins de Barros: (irmão de João Alberto, que foi ministro de Getúlio; Nelson era compositor de sambas, parceiro de Carli nhos Lyra, e nos le va va ao ter re i ro de Mangueira, por isso nós somos todos mangueirenses; um outro irmão, British, pai de Henrique, foi um dos fundadores do CBPF, mas essa é uma outra história) “Nelson! Mario e Myriam ficam”. Fomos um mês de férias para Buenos Aires, para mostrar o filhote à família, e voltamos, muito felizes, para Rio. Sempre de navio, que era muito mais barato que o avião. Sem nenhum papel nem assinatura no meio. Em inícios de 1963, levamos de volta para Buenos Aires uma pilha grande de resultados de computador, material que exploramos em vários trabalhos nos anos seguintes (o ritmo era muito diferente do atual). Publicamos ainda no J. Chim. Phys. (1967) um trabalho sobre as outras azinas monocíclicas, e em Theoret. Chim. Acta (1967) um com as polarizabilidades de Chirgwin e Coulson. No entanto, os nossos países sofriam com os golpes, de 64 no Brasil, e de 66, na Argentina, quando ficamos desempregados. Ainda tínhamos passado um mês no Rio em fevereiro de 1964. O navio partiu nos dias anteriores ao comício na Central do Brasil; não acreditávamos que pudesse ter golpe e muito menos que fosse para ficar. Chegando, fomos para um apar ta men to mu i to sim pá ti co e agradável que o CLAF tinha na rua Domingos Ferreira, no “Edifício Master”. Porém, faltava água e acabamos indo para a casa de Nelson, que ele nos emprestou enquanto viajava. Fomos conhecer Berta e Darcy Ribeiro, em Montevidéu, no exílio. Brincávamos que a gente tinha um mês de exílio mais do que eles. Fomos com freqüência visitá-los, trazendo, às vezes correspondência, para fazer chegar ao Brasil. Na casa deles, conhecemos todos os exilados de Montevidéu. Em uma dessas visitas, falou-se que Lacerda tinha brigado com os che-

fes do golpe que ele ajudou a dar e ia se exilar no Uruguai. Berta falou a frase mais dura que já ouvi dela: “se ele vier, vamos fazer um gelo em torno dele”. Em 1968, quando, em um outro exílio, após o golpe de Ongania na Argentina, tivemos que ir para Itália, Berta foi nos ver no porto em Montevidéu. Em Roma, recebemos dela uma carta muito alegre: “vocês estão exilados, porém nós não. Esta mos vol tan do para o Brasil!”. Voltamos da Itália em novembro, sempre de navio. Na escala no Rio, fomos para a casa de Leite, onde ele e Maria Laura nos receberam junto com Haity e sua esposa Cadem. Falamos pelo telefone com Darcy e Berta. Darcy nos disse “é só vocês descerem a bagagem do navio e ficarem”. Um mês após a nossa chegada, o AI5 (Ato Institucional n.º5) se abateu em cima de nossos amigos. Nelson já tinha morrido em 1966. Gabriel não estava no Brasil. Com o AI5, apagamos o Brasil no nosso coração (nesses anos, foi oferecido a Mario um trabalho pela Unesco, o qual recusamos). Ficávamos sempre a par do que acontecia nestas terras e em contato com os muitos amigos brasileiros dentro e fora do Brasil. Para fins de 1974, a situação argentina não estava melhor que a brasileira. Decidimos passar, no início de 1975, as férias escolares dos nossos filhos, no Brasil. Ricardo, generosamente, convidou-nos generosamente para irmos para Recife, que não conhecíamos. Antes, tínhamos consultado os amigos exilados para ver se concordavam e eles insistiram muito calorosamente para que aceitássemos. Almino Affonso estava exilado em Buenos Aires e discutimos isso com ele. Um ano e meio mais tarde, quando fomos cassados, tivemos que nos exilar de vez. Fomos, outra vez, para Recife, após falar novamente com Ricardo. Transcorreram apenas 30 dias entre a decisão de sair e nossa viagem. Apesar de tudo, a burocracia brasileira não tinha ainda piorado tanto. Outros tiveram que sair muito mais depressa. Outros não fizeram em tempo. Em março de 1977, voltamos para o CBPF, para nossa casa. Nesse ínterim, a química teórica tinha se desenvolvido, tendo grupos em várias univer-

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Myriam M. Segre de Giambiagi

sidades brasileiras. Em 1980, realizou-se no CBPF o primeiro Simpósio Brasileiro de Química Teórica, organizado por Marco Antônio Chaer Nas ci men to e Di a na Gu enz bur ger. Haviam convidado o nosso velho conhecido Mas simo Simo netta. Em 1988, também no CBPF, organizamos com colegas brasileiros uma Esco la La ti no-americana de Qu í mi ca Teórica, a única feita no Brasil.

Um estilo, uma época Nos anos 60, a literatura científica tinha um outro estilo. Nem preciso acrescentar que muito mais prazeroso de ler. Na verdade, o estilo literário já não existe. Recomendo, calorosamen te, aos jo vens que le i am al guns de trabalhos clássicos do ponto de vista literário. A obrigatoriedade do inglês, língua pouco familiar à maioria dos autores científicos, tem piorado demais a qualidade dos textos técnicos. Os trabalhos de Coulson e o livro Valence são muito bem escritos. Veja-se The physical Nature fo the 11 Chemical Bond, de Ruedenberg ; um texto primoroso de 50 páginas, com uma reflexão muito especial sobre a natureza da energia de troca, sobre a qual preferiria manter o suspense para estimular a sua leitura. Roald Hoffmann, que além de ser cientista, publica também poesias, pôde se dar ao luxo, por ser Prêmio Nobel, de escrever de maneira diferente, mas um belo 12 trabalho, em estilo pouco usual para 1978 . O estilo de Dewar é, também, pessoal. Vou dar só um exemplo do estilo brasileiro de fazer ciência, por um trabalho que 13 Ricardo publicou, em 1968 com o título Is One Electron Less Than Half What An Electron Pair Is?. O trabalho, muito conceitual, é uma Letter de uma página. Apesar disso, nem passou pela cabeça do referee pedir que tirasse o comentário final, o qual vou reproduzir. Bertrand Russell says of S. Webb that before his marriage he was much less than half of what the Webb couple afterwards became. From a molecular standpoint, it is equally correct to say that one electron is less than half what an electron pair is.

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Foi nos entendendo nesses termos, que fizemos com Ricardo, quando voltamos para o Brasil, em 1976, um trabalho, divertindo-nos em passar pedacinhos de pares de elétrons de 14 um nível para outro, explorando a idéia de Dewar quando propôs tratar os problemas de ca ma das abertas como sen do de ca ma das 15 fechadas, tendo dois meio-elétrons. Idéia fora de moda? Nem tanto, está incorporada ao programa MOPAC. Em um trabalho que fizemos com o colega Paulo Pitanga, que, em geral, trata de um outro tipo de problema, muito mais matemático, eu que ria es crever, no título, que era um “pseudo-problema”, ex pres são que Ma rio vetou. Na hora da redação, as discussões profissionais pegavam fogo, transformando-se em conjugais, afinal, nossos estilos literários eram muitíssimo diferentes. Acabou sendo para mim o insosso Remarks about the definition of a bond index, um paper que pouquíssimas pessoas esta16 vam em condições de apreciar . Consegui, com muita dificuldade, que Mario me permitisse acabar com a frase Perhaps we could say that there has been “much ado about nothing”. O referee gostou, o comentário foi I agree with the authors’ final comment, please publish! Foi uma das poucas vezes que recebemos um comentário personalizado. O nefando critério numerológico para “medir” a “produtividade” científica tem levado à uma queda dramática na qualidade de redação (falar em literatura para estes textos é até irônico) do que as revistas publicam. Os próprios editores desistiram de pedir um inglês aceitável na maioria deles. Já perceberam como é ruim o inglês dos autores japoneses, inclusive o de boa parte dos russos, apesar do evidente esforço cultural de respeito à língua? A palavra “produtividade” não faz o menor sentido em ciência, posto que não pode existir um padrão de medida; trabalhamos em um sistema sem métrica, desejo lembrar que a métrica, no espaço de Hilbert, das funções de onda é a matriz de recobrimento. Seria interessante fazer um trabalho sobre a escolha do sistema de funções de base adequadas para uma medida da ciência.


Sobre o surgimento da Química Teórica no Brasil

A revista Nature tem publicado, nos últimos volumes, uma série de cartas sobre este problema, cada vez mais urgente. Para “fazer número”, publica-se de forma cada vez mais fragmentada, o que torna, freqüentemente, ilegível um artigo. A forma pode lembrar uma paródia, que um colega, uma vez, em Recife, mostrou-me e que não voltei a ver, sobre como tornar menos trivial 1+1=2, com trigonometria, exponenciais e tais. Em uma dessas cartas recentes, acena-se uma possibilidade de solução. A difusão dos trabalhos na Internet poderia permitir que se destinasse à difusão em papel uma forma mais abrangente, pensada a longo prazo. Acredito que a ecologia obrigará decisões nesse sentido. O nosso papel, como intelectuais e cientistas, deve ser pensar o futuro. Com seriedade e alegria.

5. PAUNCZ, R. Alternant Molecular orbital Method. New York: W.B. Saunders, 1967.

Referências

13. FERREIRA, R. J. Chem. Phys., 49, 2456, 1968.

1. KOHLRAUSCH, K.W.F. Acta Phys. Austriaca, 3, 452, 1949.

14.DE GIAMBIAGI, M.S.; GIAMBIAGI, M.; FERREIRA, R., Chem. Phys. Lett., 52, 80, 1977.

2. FERREIRA, R.C. J. Phys. Chem., 63, 745, 1959.

15. DE WAR, M.J.S.; HARS HMALL, J.A.; VENIER, C.G., J. Am. Chem. Soc., 90, 1953, 1968.

3. ROOTHAAN, C.C.J. J. Chem. Phys., 19, 1448, 1951. 4. SLATER, J.C. Phys. Rev., 36, 57, 1930.

6 . C A R B Ó , R . ; D E G I A M BI A G I, M . S . ; GIAMBIAGI, M. Nvo. Cim. Serie X, 59B, 204, 1969. 7. HOFFMANN, R. J. Chem. Phys., 39, 1397, 1963 8. CHIRGWIN, B. H.; COULSON, C. A. Proc. Roy. Soc., A201, 196, 1950. 9. MCWEENY, R. Coulson’s Valence. 3rd. ed. Oxford: University Press, 1979. 10. MACDOWELL, S.; DE GIAMBIAGI, M.S.; GIAMBIAGI, M. Nvo. Cim., 35, 410, 1965. 11. RUEDENBERG, K. Rev. Mod. Phys., 34, 326, 1962. 12. MEH RO TRA, P.K.; HOFF MANN, R., Theoret. Chim. Acta, 48, 301, 1978.

16. DE GIAMBIAGI, M.S.; GIAMBIAGI, M.; PITANGA, P. Chem. Phys. Lett., 129, 367, 1986.

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MEMÓRIA FOTOGRÁFICA DA QUÍMICA NO BRASIL

A

seção “Memória fotográfica da química no Brasil” publicará fotos que registrem momentos, locais e personagens da história da química em nosso país. Todas as contribuições serão bem-vindas e publicadas de acordo com a ordem de envio e com a disponibilidade de espaço na revista. Cópias escaneadas das fotos a serem publicadas podem ser enviadas em formato .jpg para o e-mail da revista: rebeq@atomoealinea.com.br. Cada foto deverá ser acompanhada de uma legenda explicativa. A pessoa que enviar o material fotográfico terá seu nome divulgado. Robson Fernandes de Farias Coordenação Editorial

Em 14/10/1947, uma terça-feira, na Alameda Glette. Da esquerda para a direita: Haim Jurist, (professor do Colégio Estadual de Santa Rita do Passa Quatro), Ricardo Ferreira, Katsunori Wakisaka (1º secretário do embaixador do Japão no Brasil, depois da II Guerra; primeiro diretor da Casa do Japão no campus da USP-SP) e Wolfgang Walther (professor de Química do ITA). Essa era a “turma dos atrasados” porque enquanto todos os alunos estavam no Laboratório de Analítica, para as aulas do Prof. Reinrich Rheinboldt (ao que consta, magníficas), desde às 8 horas da manhã, eles

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Memória fotográfica da Química no Brasil

Em 13/10/1947, no Instituto de Química da USP (Alameda Glette). No canto esquerdo, sentado, Ricardo Ferreira; atrás dele Remolo Ciolla. Ao centro, com o chapéu na mão, o Prof. Reinch Rheinboldt, tendo à sua esquerda Tetsuo Yamane. Na foto; aparecem todos os alunos de Química da época.

Em 1950, Ricardo Ferreira, dosando o dioxigênio contido na água em que sapos estavam crescendo. Com isso, media-se o trabalho osmótico que os rins dos sapos gas ta va quan do es tes es ta vam em ambientes menos salgados do que o normal. Foto tirada em um laboratório de Fisiologia Comparada da USP. O trabalho era para uma Tese de livre-docência de Dr. Bento Magalhães, da Faculdade de Medicina do Recife.

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GESTÃO DE QUALIDADE EM LABORATÓRIOS

OLIVARES, I. Gestão de Qualidade em Laboratórios. Campinas: Editora Átomo, 2006.

D

e autoria do químico Igor Olivares, o livro Gestão de Qualidade em Laboratórios enfoca, de forma clara e objetiva, os aspectos envolvidos no estabelecimento de parâmetros e sistemas de qualidade para laboratórios em geral, tanto na indústria quanto nas universidades. O que é a chamada ISSO 9000? Quais são os procedimentos para validar-se uma determinada metodologia utilizada em laboratório? Quais são as exigências do IBAMA e do INMETRO para credenciarem um laboratório? Essas e outras questões de natureza prática são abordadas neste livro, que preenche uma lacuna na bibliografia nacional, e que é, agora, muito oportunamente lançado pela Editora Átomo em sua linha de obras técnicas e científicas. Robson Fernandes de Farias

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BUSCA E ESTÍMULO AOS TALENTOS PARA A QUÍMICA Sérgio Maia Melo*

O que é o talento? Para responder essa questão, tomemos, por exemplo, um grupo de jovens que se matriculou em uma escola de música. Certamente, a maioria deles, após algum tempo de estudo, adquirirá habilidades para lidar com os instrumentos musicais, porém pouquíssimos serão capazes de compor músicas. Nesse aspecto, reside a diferença fundamental entre o talento e a competência. O talento de Mozart se manifestou aos quatro anos de idade e, com o passar do tempo, mostrou sua genialidade (o patamar mais elevado do talento). Não é comum encontrar pessoas com essa característica; um em cada cem indivíduos demonstra, muito cedo, o talento que possue, seja ele para a música ou para a ciência. Os que apresentam essa característica devem ser muito incentivados o quanto antes a desenvolvê-lo, devem ser desafiados a solucionar questões complexas e excitantes. Já a competência pode ser adquirida com o caminhar do tempo; ela pode acontecer de forma rápida ou lenta, dependendo do esforço de cada um na conquista da sabedoria. Esta, a manifestação máxima da competência, é adquirida ao vivenciar problemas do dia-a-dia e com o aprendizado das lições da vida. Portanto, a idade é fundamental na consolidação da competência e da sabedoria. Também é necessário existir a vontade interior de ir além, a disciplina no estudo, o amor aos livros, a aguçada curiosi-

*

dade, o atirar-se no desconhecido e a investigação questões que reclamam respostas, e ter, sobretudo, a persistência. O talento pode estar latente e se manifestar após muitos anos quando, na ocasião propícia, abrem-se-lhe as portas para a notoriedade. Abrahan Lincoln, Winston Churchill, Franklin Roosevelt, Thomas Edison e Albert Einstein são exemplos de que o talento, associado à persistência, à determinação e à oportunidade resultou no aparecimento de expoentes. Sabe-se que Einstein tinha tão pouca expressividade na escola a tal ponto que seu pai, preocupado, perguntou ao diretor qual profissão era a mais adequada para seu filho. Este lhe disse que isso era pouco importante porque ele nunca teria sucesso em qualquer atividade que escolhesse. Sua persistência suplantou as adversidades e ele veio a ser o mais importante físico do século passado. A persistência conduz à excelência. O que dizer de Abrahan Lincoln? Faliu no comércio aos 31 anos de idade; perdeu para Deputado Estadual aos 32; faliu, novamente, no comércio aos 34. Aos 35, sua esposa faleceu; teve colapso nervoso aos 36, perdeu para Prefeito aos 38; perdeu para Deputado Federal aos 43; perdeu para Estadual aos 46; perdeu para Federal aos 48; perdeu para Senador aos 55; perdeu para Vice-Presidente aos 56; perdeu para Senador aos 58. Foi eleito Presidente dos EUA, aos 60 anos, tornando-se um dos maiores líderes da história americana. Em comum a todos eles, o talento.

Coordenador Nacional das Olimpíadas Brasileiras de Química. E-mail: melo@ufc.br

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Sérgio Maia Melo

Como identificar e lidar com talentos? Não há instrumentos capazes de mensurar, com perfeição, a capacidade criativa de cada indivíduo; as baterias de testes e programas de computador não são suficientes para medir este potencial. O talento aflora na medida em que é desafiado ou provocado por estímulos. A escola é o ambiente adequado para garimpar e lapidar essas mentes. Aqueles que demonstram habilidade científica devem ser direcionados para aprofundar seus conhecimentos nas atividades e cursos de ciências oferecidos pela escola. A escola deve oferecer mecanismos de estímulo ao estudo, liberdade para questionar e profissionais aptos para acompanhá-los e, ainda, incentivá-los a pensar criticamente. Os professores exercem importante papel nesse trabalho, afinal, são as pilastras da es tra té gia de pro mo ver for mas interessantes de estímulo ao estudo e de manter os jovens talentosos cada vez mais interessados no aprofundamento de seus estudos. Eles devem ministrar ensino de alta qualidade mantendo-se, também, motivados com o crescimento do seu aluno. Fundamentados nos princípios do esporte, criam um ambiente saudável e muito estimulante ao aprendizado. Nesse contexto, as olimpíadas científicas exibem muita força e têm papel fundamental no processo de aprendizagem. A primeira etapa desse processo é a identificação do talento científico. Isso deve acontecer o quanto antes, recrutando os estudantes nas mais tenras idades, preferencialmente, no momento em que estão recebendo a iniciação às ciências nas séries do ensino fundamental.

Olimpíadas científicas Trazidas do campo esportivo para o educacional, as olimpíadas tornaram-se um recurso pedagógico bastante eficiente no estímulo ao estudo. Premiar é um de seus aspectos, mas não o mais importante. O mais relevante é despertar no jovem o interesse pelo estudo das ciências,

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descobrir os talentos vocacionados para essas áreas e, sobretudo, melhorar a qualidade do ensino básico ministrado nas escolas. A olimpíada conduz a uma forma saudável de aprendi za gem, ide a li za da para ocor rer em um ambiente lúdico em que os competidores buscam se superar e vencer desafios com elevado espírito de cordialidade. Freqüentemente, comenta-se sobre a qualidade do ensino e o baixo desempenho dos estudantes nas escolas públicas brasileiras. Os resultados das avaliações feitas por organismos internacionais (testes do PISA) atestam isso. Na outra ponta, vemos os resultados dos estudantes brasileiros nas Olimpíadas Internacionais de Ciências e Matemática, que reúnem, a cada ano, mais de 70 países, em sua maioria do primeiro mundo. Nessas avaliações, nossos estudantes alcançam lugares de destaque, alinhando-se junto às nações de elevado padrão educacional. Além de talentosos, esses estu dan tes re ce bem aten ção es pe ci al, são lapidados por mestres competentes em escolas motivadas para esse mister. Esse é o padrão do campo olímpico educacional. No Brasil, a excelência da qualidade das olimpíadas científicas está associada à importante contribuição do CNPq na difusão dessa prática. Nos últimos quatro anos, as olimpíadas científicas cresceram substancialmente, resultado do estímulo provocado pelo CNPq, ao abrir editais direcionados para essa área. O foco lançado pelo CNPq despertou o interesse das sociedades científicas e de grupos educacionais instalados nas instituições de ensino superior para a realização de olimpíadas direcionadas aos estudantes do ensino médio. Como resultado, expandiu-se rapidamente, a demanda, a qual não foi acompanhada pela disponibilidade de recursos. Em 2001, quando foi lançado o primeiro edital, oito propostas de olimpíadas científicas, de abrangência nacional, foram apoiadas pelo CNPq, selecionadas a partir de uma demanda de 12 projetos. Quatro anos


Busca e estímulo aos talentos para a Química

depois, 28 projetos concorreram ao Edital (33/2005) do CNPq; destes, seis foram selecionados. A expressiva demanda, explicitada nesse edital, não representa a realidade. Existem, no Brasil, bem mais que as 28 olimpíadas regionais que se apresentaram na busca por financiamento. Somente a SBM apoiou financeiramente, em 2004, 20 olimpíadas regionais de matemática, enquanto a ABQ deu apoio logístico a 27 olimpíadas regionais de química, realizadas no decorrer de 2005. A própria química mostrou seu potencial a partir do segundo edital do CNPq direcionado para olimpíadas, quando esta ciência passou a ter competições olímpicas organizadas por duas de suas sociedades científicas (ABQ e SBQ).

bojo quatro projetos educacionais: Cursos de Aprofundamento Discente, Cursos de Capacitação Docente, Provisão de material de laboratório e o Projeto Olimpíadas de Química, este, de maior visibilidade, que compreende a Olimpíada Brasileira de Química, a Olimpíada Norte/Nordeste de Química, as Olimpíadas estaduais e as Olimpíadas de Ciências. Dentre todas as olimpíadas do conhecimento, a olimpíada de química destaca-se por seu largo tempo de atividade, superada apenas pela Olimpíada Brasileira de Matemática que, em 2005, alcançou 27 anos de vida. No Estado do Ceará, está em curso a mais antiga olimpíada estadual de química em atividade continuada: a Olimpíada Cearense de Química que a atingiu, em 2005, sua 15 edição.

O Programa Nacional Olimpíadas de Química

O caso do Ceará

A Olimpíada Brasileira de Química deu seus primeiros passos, em 1986, por iniciativa da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo coordenada pelo Instituto de Química da USP. A partir de 1994, passou a ser orga ni za da pela Uni ver si da de Fe de ral do Ceará por intermédio de sua Pró-reitoria de Extensão que im pri miu vi gor e deu nova dimensão ao projeto com a criação da Olimpíada Norte/Nordeste de Química e de várias olimpíadas estaduais. No ano seguinte, já com dimensão de um Programa, a Universidade Estadual do Ceará, a Universidade Federal do Piauí e a FUNCAP passaram a dar apoio permanente às suas atividades. Atualmente, alcança todos os estados brasileiros, difundida por suas coordenadorias estaduais e pelo apoio de dezoito universidades federais, uma universidade estadual, uma universidade privada, dois colégios militares e quatro CEFETs. A Associação Brasileira de Química criou uma diretoria específica para cuidar do Programa Nacional Olimpíadas de Química, o qual reúne em seu

Piauí e Ceará são os estados brasileiros que mais se sobressaem nas Olimpíadas de Química. Excetuando a primeira participação do Brasil em olimpíadas internacionais, ocorrida em 1995, em todas as demais sempre houve, pelo menos, um estudante cearense compondo a equipe oficial. Esse fato também é observado noutras olimpíadas científicas. Nas delegações oficiais das olimpíadas de matemática e na de física, há sempre a presença de um estudante cearense. A razão deste destaque reside na grande popularidade do evento neste estado, decorrente do entusiasmo dos professores, do apoio das escolas e, principalmente, do envolvimento da família, ingredientes fundamentais desse sucesso. Estatísticas mostram o excelente desempenho desses estudantes do Ceará também quando se analisam os resultados dos exames para ingresso aos cursos superiores de grande concorrência (Tabela 1). Mesma performance aparece na quantidade de medalhas conquistadas nas olimpíadas internacionais de química (Tabela 2).

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Sérgio Maia Melo

Tabela 1. Vestibular para ingresso no ITA. 2003 2004 2005 Regiões Inscri- Apro- Inscri- Apro- Inscri- Aprotos vados tos vados tos vados Região Sul

1101

7

973

13

759

8

São Paulo

1651

17

1826

18

1398

26

Fortaleza

338

31

357

31

381

22

Total

9081

156

7998

157

7118

155

Fonte: www.ita.br/vestibular/dados_estatisticos.htm

Tabela 2. Medalhas em Olimpíadas Internacionais de Química. Estado

BA

RJ

PI

CE

Quantidade

1

6

9

24

Fonte: www.obq.ufc.br

Os números mostram, inequivocamente, um destaque para estudantes cearenses em vista dos de outras regiões brasileiras. Além do ambiente propício, construído com os ingredientes supramencionados, deve ser considerado o resultado do trabalho de aproximação da academia com o ensino médio que vem sendo conduzido há décadas, e o permanente envolvimento dos professores universitários que se empenham em difundir o conhecimento científico no público mais jovem. Essa aproximação teve início no Departamento de Matemática da UFC, que mantém, há mais de 40 anos, estreitos laços com as escolas de ensino médio e fundamental e com sua população estudantil, iniciada com os “cursos mirins” de ensino da matemática aos alunos do Ensino Médio na cidade de Fortaleza. Esses relacionamentos se aprofundaram com a olimpíada cearense de matemática, agora em sua a 26 . edi ção. Re no ma dos pro fes so res des se Departamento participaram, em regime de dedicação exclusiva, no ensino da matemática nos cursos mirins, entusiasmo que se transferiu

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para as outras ciências. Na química, encontrou-se campo fértil capaz de chamar para si a organização da Olimpíada Brasileira de Química, única cujo centro operacional está fora do eixo Sul/Sudeste. O Governo Estadual, por intermédio de sua Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior - SECITECE, e a Prefeitura Municipal de Fortaleza, representada pela Secretaria de Educação e Assistência Social - SEDAS, compreenderam a importância desses instrumentos pe da gó gi cos e pro mo ve ram, em 2004, olimpíadas nas áreas de matemática, português e ciências direcionadas para os estudantes de suas es co las pú bli cas. Tan to a olim pía da estadual quanto a promovida pela Prefeitura reuniram quantidades expressivas de participantes. A primeira, ultrapassou 110.000 estudantes, e na municipal, participaram mais de 70 mil alunos do ensino fundamental. Também, mobilizou uma significativa quantidade de professores e diretores de escolas, estimulados e altamente motivados pelas perspectivas de bons resultados de seus alunos. Ainda é cedo para avaliar os resultados dessa iniciativa; os efeitos de uma ação educacional se evidenciam após alguns anos de continuado trabalho, entretanto, já é possível vislumbrar alguns ganhos. Na lista dos aprovados da Olimpíada Cearense de Química do ano subseqüente à realização das olimpíadas, promovidas pela SECITECE e SEDAS, pela primeira vez foi possível ver os nomes dos alunos das escolas públicas em posições de destaque na Olimpíada Cearense de Química. Invariavelmente, eles ocupavam as últimas colocações dessa lista. Influenci ado por essas inicia tivas, o Governo Federal lançou, neste ano, a 1ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas - OBMEP - que superou a marca de 10 milhões de estudantes inscritos. Um projeto de grande capilaridade, bem mais abrangente e ambicioso, que, de certo, resultará em benefícios permanentes para o ensino da matemática no Brasil.


Busca e estímulo aos talentos para a Química

Acompanhamento pós-olimpíada O Projeto Olimpíadas de Química busca atrair jovens talentosos para as fileiras dos cursos de química de nossas universidades. Desse modo, após cada edição do evento, deseja-se conhecer a destinação dos participantes. O objetivo é manter um estreito contato com esses estudantes, apoiando-os e incorporando-os às atividades do projeto. Vários deles estão contribuindo para o fortalecimento do projeto, atuam como professores de química, nas escolas de ensino médio, são absorvidos como monitores, nos cursos de aprofundamento destinados a novos participantes da olimpíada, ou como bolsistas de iniciação científica nos cursos de química. Ainda nos ressentimos pela fal ta de informações exatas sobre a destinação dos jovens que passaram por programas de olimpíadas do conhecimento. Os sites, na Internet, dessas olimpíadas não disponibilizam essa informação, nem mostramtrabalhos abalizados a esse respeito. Por outro lado, constata-se o crescimento do número de comunidades digitais que reúnem ex-participantes de olimpíadas científicas, cujos membros ainda demonstram

acentuado espírito olímpico. Na química, são conhecidos casos de estudantes que alcançaram grande destaque após participarem das olimpíadas, muitos deles, após a competição, graduaram-se em cursos universitários de química, permaneceram envolvidos com as olimpíadas, apoiando os mais jovens na qualidade de docentes de escolas do ensino médio; outros prosseguiram os estudos em diferentes universidades do Brasil e algumas no exterior, ou concluíram cursos de pós-graduação em química. As bases estão lançadas, aguarda-se o esforço conjunto do Governo e da sociedade no sentido de garantir o bom desempenho desses projetos e sua longevidade. O CNPq tem feito sua parte, vem oferecendo substancial contribuição ao estimular a realização de olimpíadas do conhecimento no Brasil. Há, ainda, muito espaço para que outras instituições complementem essa ação go ver na men tal de modo a atender as reais necessidades de cada projeto. Não podemos permitir que jovens estudantes com potencial para a área de química abandonem essa ciência por falta de apoio e estímulo para continuar seus estudos nos cursos universitários dessa área.

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NORMAS EDITORIAIS

Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo que aceita colaborações em forma de artigos, resenhas, relatos de experiência, notícias e memória fotográfica da Química no Brasil. Os textos poderão ser publicados em português e espanhol. Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião ou pensamento da coordenação e conselho editoriais. Os originais submetidos para análise do Comitê Científico serão encaminhados a, no mínimo, dois conselheiros do seu corpo editorial, os quais os avaliarão de forma específica e decidirão sobre a pertinência dos textos para a linha editorial da revista. Em caso de necessidade de revisões de conteúdo ou adequações às normas editoriais, o autor receberá os pareceres dos conselheiros, ficando, assim, responsável pela reapresentação do trabalho reformulado no prazo de 45 dias, contados a partir da data de recebimento da comunicação. O anonimato entre autores e conselheiros, durante o processo de arbitragem dos textos, é garantido por este Comitê. O prazo médio estipulado para a apresentação do resultado final é de até 60 dias, a contar da data de recebimento do texto. Os trabalhos não aprovados pelos conselheiros, ou não devolvidos no prazo estipulado para reformulação, serão arquivados após informação aos autores.

Sobre a apresentação de originais para avaliação Ao encaminhar os trabalhos para análise do Comitê Científico, os autores deverão observar as seguintes orientações: 1. Originalidade e ineditismo dos textos: o autor deve enviar, junto com o trabalho, uma declaração na qual se compromete a não apresentá-lo, simultaneamente, em outro periódico, durante o prazo estipulado para avaliação, e autoriza a sua publicação nesta revista. 2. As colaborações devem ser redigidas em português ou espanhol. Em casos excepciona is, cuja perti nên cia será ana li sa da pelo Comitê, serão aceitos textos em inglês e francês, que deverão serão traduzidos para a língua portuguesa. 3. Em folha à parte, devem ser informados os dados de autoria: título do trabalho, nome com ple to, vin cu la ção ins ti tu ci o nal, formação acadêmica e endereço residencial ou institucional do autor (incluindo telefone e e-mail) para o encaminhamento de correspondência pela Secretaria de Redação. 4. No caso de artigos, os originais não poderão exceder o limite máximo de 40.000 caracteres (com espaço), incluindo todos os elementos gráficos disponíveis no arquivo. Para resenhas, notas críticas e outros, observar o limite de 10.000 caracteres (com espaço).

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Normas Editoriais

5. Quanto à estrutura do texto, devem ser observadas as seguintes orientações: na primeira página, apresentar o título e subtítulo do trabalho, o resumo e as palavras-chave (até 05, evitando-se combinações extensas que não correspondam ao conteúdo do texto). Todos esses elementos devem ser apresentados em português ou espanhol e inglês. 6. Os textos devem ser digitados no programa Word for Windows, em fonte Times New Roman, tamanho 12, com espaço duplo, e enviados por correio eletrônico para o seguinte endereço: rebeq@atomoealinea.com.br

Sobre referências bibliográficas e notas O autor do trabalho é responsável pela exatidão, organização e utilização correta das referências e citações constantes no texto, bem como na listagem bibliográfica a ser apresentada no final dos artigos. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT – www.abnt.org.br) fornece, por meio da nbr 6023 (agosto/2002), as orientações necessárias para a organização das referências bibliográficas. No caso de Notas, esse recurso tem seu uso limitado ao caráter explicativo-informativo, neste periódico, evitando-se a utilização de notas bibliográficas. As notas, quando utilizadas, devem aparecer em seqüência representada por asterisco(*,**,***) no rodapé da

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página a que se refere. As Citações autorais deverão ser feitas em seqüência numérica e apresentadas ao final do artigo

Sobre a utilização de imagens As tabelas, quadros e figuras (ilustrações, fotografias, gráficos, entre outros) devem ser apresentados com o máximo de resolução (300dpis em diante), em preto e branco, em arquivo à parte e, de preferência, finalizados para sua inserção direta no texto. Para a produção das tabelas, recomenda-se seguir as orientações do ibge (www.ibge.gov.br) publicadas em suas Normas de apresentação tabular. Todos esses elementos gráficos devem estar indicados e numerados, consecutivamente, ao longo do texto, de acordo com a ordem em que aparecem.

Sobre a natureza da colaboração e recebimento de exemplares Fica aqui expresso que a participação dos autores neste periódico é de caráter espontâneo, portanto não-remunerado. O autor principal receberá, gratuitamente, três (03) exemplares da edição em que seu artigo foi publicado, mais uma (01) separata deste; os co-autores receberão um (01) exemplar e uma (01) separata do texto. No caso de resenhas, cada autor terá direito a um (01) exemplar e uma (01) separata.


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