O País das Montanhas Azuis

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dor. Mas a razão pela qual o chicari caminha penosamente abaixado, dobrado em dois, não é essa: trata-se de um hábito contraído pelo constrangimento de sua profissão. Quando um Saab sportsman ordena, basta ensinar-lhe ou dar-lhe algumas rúpias e o chicari se endireita instantaneamente e começa a regatear por qualquer coisa. Depois de concluir a transação voltará a se inclinar, deslizará nos bosques prudentemente, cobrindo o corpo e embrulhando os pés com ervas aromáticas para que as feras não o descubram com a finalidade de não farejarem o “espírito” do homem. O chicari permanece assim várias noites consecutivas, oculto como uma ave de rapina na espessa folhagem de uma árvore, no meio de “vampiros” menos sanguinários que ele. Sem atraiçoar sua presença pelo mínimo suspiro o caduco caçador se prepara para seguir com sangue frio a agonia de um infeliz cabrito ou um jovem búfalo amarrado por ele à árvore para atrair o tigre. Logo, abrindo os dentes até as orelhas à vista do carniceiro ouve, sem mover um só músculo, o lamentável balido e aspira com prazer o cheiro do sangue fresco misturado ao odor específico e forte do carrasco listrado dos bosques. Afastando os galhos com prudência e sem ruído, observa amplamente com olhar agudo o animal que se sacia e quando a fera se acerca pesadamente com suas sangrentas patas sob o solo seco, lambendo os beiços e bocejando, depois se virando conforme o hábito de todos os carniceiros listrados para olhar os restos da vítima o chicari faz fogo com o fuzil de pederneira e com segurança tomba a besta ao primeiro disparo. “A arma do chicari nunca falha quando atira sobre um tigre” é a antiga sentença que se tem convertido em axioma entre os caçadores. E se o Saab deseja divertir-se caçando ele mesmo o “bar saab” (grande senhor dos bosques) então o chicari, observando de sua árvore o lugar onde foi descansar o tigre, enquanto aparecem os primeiros fulgores da alva, salta de seu esconderijo, corre para o povoado, reúne uma multidão, prepara uma batida, afadiga-se todo o dia, debaixo das chamas tórridas e mortíferas do sol, de um grupo ao outro, berrando, gesticulando, organizando, dando ordens até o momento em que o Saab Nº 1, seguro no lombo de um elefante, tenha ferido o Saab Nº 2, momento em que o chicari deve interferir para rematar o animal com seu antigo fuzil... Só então, e no caso de não acontecer algo extraordinário, o chicari se dirige ao primeiro matagal que achar, e tudo a um tempo faz seu desjejum, almoça, lancha e janta comendo um punhado de péssimo arroz e um gole de água dos pântanos...


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