Poetica de aristoteles

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sente não causa compaixão nem temor. Restam-nos então aqueles que se situam entre uns e outros. Essas pessoas são tais que não se distinguem nem pela sua virtude nem pela justiça; tão-pouco caem no infortúnio ;devido à sua maldade ou perversidade, mas em conse­ quência de um qualquer erro, integrando-se no número daqueles que gozam de grande fama e prosperidade, como Edipo e Tiestes ou outros homens ilustres oriun­ dos de famílias com esse mesmo estatuto. E, pois, for­ çoso, que um enredo, para ser bem elaborado, seja sim­ ples, de preferência a duplo, como pretendem alguns; e que a mudança se verifique, não da infelicidade para a ventura, mas, pelo contrário, da prosperidade para a desgraça, e não por efeito da perversidade, mas de um erro grave, cometido por alguém dotado das caracterís­ ticas que defini, ou de outras melhores, de preferência a piores.

A palavra-chave do texto, que ocorre aqui duas vezes, é hamartia, traduzida por “erro”. O campo lexical a que pertence é o mesmo do verbo hamartano e do substantivo hamartema, que indica o resultado da acção, e de outras palavras ainda. Quanto ao verbo,,já está documentado na Ilíada, com o sentido de “errar o alvo”. Sobre a interpretação de hamartia, têm-se escrito artigos e mesmo livros inteiros, alguns dos quais historiam as acepções em que tem sido tomada desde os comentadores do séc. xvi (Bremer, 1969; Stinton, 1975; Saíd, 1978). Em breve estudo anterior sobre esta matéria,28 reunimos três exemplos de emprego do verbo cujos 28 2003. Estudos de História de Cultura Clássica, Vol. I. Cultura Grega. Lisboa: 398-403.

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