Artes & Leiloes 33 _ SET 2011

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ESTA REVISTA É PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO DO SEMANÁRIO SOL DE 16 DE SETEMBRO DE 2011 E NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

ARTES PLÁSTICAS / MÚSICA / TEATRO / DANÇA / CINEMA / LIVROS / MODA

N.33 SETEMBRO 2011

BESPHOTO 2011 CHEGA AO BRASIL

CHAPITÔ 15 ANOS A RIR

PAULA REGO "GOSTAVA DE ME VER LIVRE DO MEDO..."


111 LISBOA

111 PORTO

MARTINHO COSTA

JOÃO LEONARDO

O Diário de Robert Stern

One Hundred and Six Columns, Four Heads and One Table

15 de setembro - 29 de outubro

17 de setembro - 29 de outubro

Martinho Costa, Urso , óleo sobre MDF, 17,5x20,5 cm, 2001

LISBOA Campo Grande, 113 . 1700-089 Lisboa, Portugal T +351 21 797 74 18 F +351 21 797 84 88 Rua Dr. João Soa res, 5B . 1600-060 Lisboa, Portugal T +351 21 781 99 07 PORTO Rua D. Manuel II, 246 . 4050-343 Porto, Portugal T +351 22 609 32 79 WEB

info@111.pt www.111.pt

João Leonardo, Untitled (Head), 2010


Artes Plásticas, Miguelangelo Veiga - Pág.6

ÍNd icE

ARTES & LEILÕES N.33 setembro 2011 05 06 08 10 12 14 16 18 20 22

Leilões, Modigliani- Pág.40

28 32 34 36 38 40 42

Crónica: "Leo Cabeludo" por Ana Marques Gastão Artes Plásticas Design: EXD’11 Lisboa por Alexandre Lopes Moda por Maria José Sacchetti Cinema por Aisha Rahim Música por Alexandra Ho Teatro e Dança por Rita Silva Freire Livros Art Mix: Cy Twombly por Jorge dos Reis Capa: Entrevista com Paula Rego Prémio: BESphoto 2011 em São Paulo Novos Artistas: Priscila Fernandes vence Prémio Edp Técnicas: A Obra Gráfica Aniversário: Chapitô celebra 15 anos Agenda: Exposições e Destaque Leilões: Top 5 Sotheby's 2010-2011 Opinião: O cinema Português II por Pedro Portugal

Teatro, As Lágrimas Amargas - Pág.16

Cinema, Mari do Mar - Pág.12

Música, Bjork - Pág.14

Capa, Paula Rego com o fotografo . convidado Kenton Thatcher - Pág.22 .

Novos Artistas, Priscila Fernandes Pág.32

Moda, Gaultier- Pág.10


edito rial

ARTES & LEILÕES Número 33 – setembro 2011 Director José Pedro Paço d’Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com Editor de Arte Contemporânea Miguel Matos migueldematos@gmail.com

São os prémios genuinamente pertinentes no circuito artístico? Setembro é o mês em que a arte volta à vida, tal como um organismo liofilizado tocado pelo poder revitalizante da água. Nesta rentrée fala-se de prémios como o BESphoto e o EDP Novos Artistas. Um deles que se internacionaliza, o outro que acaba de ser atribuído. Os prémios de arte contemporânea são eventos e marcos importantes para os artistas, mas também para a manutenção do próprio sistema da arte. Senão, vejamos: em cada prémio que é atribuído activa-se todo um sistema de validação do mesmo prémio e premiado. Assim, temos um grupo de "entendidos" – sejam eles curadores ou jurados – que se vêem na obrigação de, nos anos seguintes, provar que fizeram uma boa escolha. Logo, o artista vencedor vê garantida a sua participação nos subsequentes festivais, exposições, bienais internacionais e demais acontecimentos cruciais organizados pelas mesmas pessoas que decidiram o seu prémio. É como se tivessem que construir os alicerces para a casa que ajudaram a edificar. Por outro lado, os galeristas que acolhem apressadamente qualquer artista por ser premiado apressam-se também a vendê-lo antes de se esgotar a fama. Fazem-se apresentações, conversas, catálogos, exposições individuais e promove-se a sua internacionalização antes do próximo prémio que vai ser entregue a novo isco para reiniciar a roda. É claro que nada disto compromete necessariamente o mérito da obra e do artista. Aliás, uma coisa é independente da outra. Quanto ao comportamento dos coleccionadores, especialmente em contexto de crise, é imprevisível e estes podem ou não morder o anzol. Serão provavelmente os últimos a entrar no jogo, depois de observarem a presença repetida destes nomes na imprensa que os serve. E o publico alegremente se diverte a analisar a pertinência de cada prémio, sendo ele muito provavelmente o verdadeiro juiz deste ciclo. Conclusão: são os prémios genuinamente pertinentes no circuito artístico? A resposta é sim! Miguel Matos.....

Colaboradores Aisha Rahim Alexandra Ho Ana Marques Gastão Elsa Garcia Jorge dos Reis Maria José Sacchetti Pedro Portugal Rita Silva Freire Produção Editorial Maria Correia mariacorreia@arteseleiloes.com Director de Arte Pedro Mascarenhas atelier@pedromascarenhasdesign.com Revisão de Conteúdos Raquel Dionísio info@arteseleiloes.com

Comunicação, Marketing e Publicidade Alexandre Lopes alexandrelopes@arteseleiloes.com Tel 217 225 040 - Fax 217 225 049

Assinaturas JMToscano Rua Rodrigues Sampaio, 5 2795-175 Linda-a-Velha Tel.: 214 142 909 – Fax: 214 142 951 assinaturas@jmtoscano.com Administração José Pedro Paço d’Arcos Diogo Madre Deus Propriedade José Pedro Correia da Silva Sede Rua Artilharia 1, nº 67 – 1º dto. 1250-038 Lisboa Tel.: 217 225 040 – Fax: 217 225 049 Impressão e Acabamento Sogapal Estrada das Palmeiras - Queluz de Baixo 2745-578 Barcarena Periodicidade Mensal Tiragem 35.000 exemplares Registada com o Nº ISSN 1646-8139 É proibida a reprodução da revista, em qualquer língua, no todo ou em parte, sem a prévia autorização escrita de Artes& Leilões. Todas as opiniões expressas são da inteira responsabilidade do autor. Website www.arteseleiloes.com Desenvolvido com o apoio de Mediacode


Da série Winter Was Hard, Leo Cabeludo, 2010, tinta-da-china e acrílico sobre papel esquisso, 150 x 100 cm.

cRón ica

fotos cedidas pelos editores

/ ana marques gastão

“Leo cabeludo” de Adriana Molder Adriana Molder elabora, em Leo Cabeludo, uma química da metamorfose. O rosto é mudo, mas tem voz de vento. Logo, a imagem ouve-se. Ao captar o infinitamente estranho, a artista transformou o retrato numa imagem icónica.

O rosto é mudo, mas tem voz de vento. Vento sim, não se trata de uma metáfora. Se conquistarmos, por instantes, três gramas de silêncio, podem escutar-se sons produzidos pelas cordas vocais do homem, que vibram sob o efeito de uma excitação nervosa

uma concha a areia, conduzem pelo nada de existir a fosforescência. Conhecer é extrair do ser a sua oposição, captando-lhe o infinitamente estranho, aquilo que unindo separa e desoculta uma intimidade, a experiência do inaudito. Só a passagem ao acto produz a energia da invenção: rítmica. Logo, a imagem ouve-se. Veja-se a caverna da boca e o sopro que criar é desencarnar a consciência. se cruza com a saliva retida pelos lábios achagados. Há um dentro e um Desejo transportar-me para dentro da imagem, mas receio aproximarfora. No exterior, o labirinto de cabelos-sulco, ou de árvore rasgada, dir- me. O homem tem um olhar fixo, profundo, moroso. Assusta, exige. -se-ia uma espinhosa medula em forma de caminho ou via, ascendente e Lembro-me do “duplo rosto da natureza” a que aludiam os pré-socrátidescendente; no interior o que foi tornou-se discurso poético. Olho ou- cos e repouso nisso. Há sempre em tudo algo dúplice ou intransmissível. tra vez, mas o modo de visão dá e tira. Concentro-me no entretecer dos Adriana fala do histerismo de Leo, ser ou gota de fogo gélido retirado do fios que mascaram esta face tão dócil quanto ameaçadora, desterrada de esquecimento, de uma suspensão do entendimento. Histeria advém da um alcance imediato, só que a pulsão de observação não palavra grega hustera (matriz, útero) e, aqui, a beleza surge sem um véu de interdição. A arte é isso: desejo e Adriana, criança, cortante é nudez de um rosto, aparência teatral da anmedo, aceleração lenta, abismo em fuga. Medo de ver e tinha medo de gústia ou de uma sua afinidade com um caos original, quadros antigos, mas devorador e protector. Ele veio do Outro que nele se não ver. Pergunto o nome da figura a Adriana Molder (n. 1975), a memória consiste manifesta e por isso existe em verdade. autora deste retrato sobre papel esquisso que suporta num nó desatado pela O homem parece arder em liberdade. Agora é cabeça, mal a água, incha, manipula-se, resiste ao toque. Diz- experiência visual, tão severa como compassiva, que se volta para mim e me que se chama Leo Cabeludo e está integrado na série que se cumpre por se torna coisa iluminada e misericordiosa, ausência do Winter Was Hard (2010). Conta-me, por escrito, a his- meio de um terceiro mundo. Mal ouso entrar por dentro do papel, logo o vejo tória de quando, aos oito anos, a mãe lhe mostrou, num encontrado em nós como um deus a tinta-da-china, cavado na pedra. As feidicionário de pintura, um auto-retrato que a assustou. ções descontínuas e os olhos esféricos e cristalinos apaEra Dürer, não o seu Anjo. Embora tivesse morrido há muito, parecia/ gam o corpo, mas não a sua intenção. Emmanuel Levinas escreveu que estava vivo, a exemplo de São Jorge quando venceu o dragão, na pintura nunca quis lutar com um deus sem rosto (Totalidade e Infinito, Edições de Carpaccio, ou de São Jerónimo, de Fra Filippo Lippi, que, benigna- 70, 1988). Pretendeu, sim, responder à sua expressão, a uma revelação. mente, se sentou perto do leão, quase contrariando a ideia de que a me- Eu também já não luto. Procuro as imagens sem-imagem, como esta em tafísica é intocável. que a técnica se torna metáfora da poética e posso deixar de combater Adriana, criança, tinha medo de quadros antigos, mas a memória consis- com o invisível. Os artistas são, de algum modo, experimentadores, mete num nó desatado pela experiência visual, que se cumpre por meio de diadores. Nesse sentido, a escrita pode ser comparada à pintura. Adriaum terceiro encontrado em nós e, talvez por isso, quando quis retratar na Molder resiste à tendência entrópica da visão comum e elabora uma Leonardo diCaprio, tenha sido aquela face, a de um outro Dürer, ago- química da metamorfose. Leo era outro e já não é o mesmo porque foi ra Leo, a emergir das suas mãos. É o que os artistas fazem, escavam de transformado numa imagem icónica. Tornou-se universal. ¶


artes plás ticas

Imagem de fundo: pormenor de Alfabeto Modulable

/ miguel matos Vik Muniz, Disaster, sem data

Miguelangelo Veiga, in_progress, sem data

Vik Muniz em retrospectiva Geleia, caramelo, manteiga de amendoim, xarope de chocolate… Não se trata de uma receita, mas dos ingredientes que fazem de Vik Muniz um artista internacionalmente famoso com as suas referências à história de arte. O artista, radicado em Nova Iorque, vê a sua primeira grande exposição retrospectiva ser realizada no Museu Berardo, com data de inauguração marcada para o dia 21 de Setembro. A exposição “Vik” reúne mais de uma centena de trabalhos, desde o início da sua As arquitecturas abstractas carreira, no final dos anos 80, até de Miguelangelo Veiga aos nossos dias e resulta de uma co- “(A SUIVRE) #2 – Après le début produção entre o Museu Colecção la fin, après la fin le début” – é este o longo título da nova exposição de Berardo e o Estúdio Vik Muniz.

Imagem do Convite Border City

Miguelangelo Veiga, um autor que tem dedicado o seu trabalho à pesquisa de formas arquitectónicas através do desenho. Explica ele que: “Cada peça representa assim uma estrutura contaminada por uma ideia de arquitectura, que evolui a partir de uma imagem fotográfica de determinada ruína, através de um processo de depuração e racionalização, tornando-se mais importante que a imagem original, o que acaba por ditar o fim da sua memória.” Na Galeria Sopro, em Lisboa, até 9 de Outubro.

a curadoria de Harry Liivrand e que conta com a participação de 16 artistas portugueses e 16 artistas estónios. Do lado português, estarão Rui Chafes, Miguel Branco, Cristina Filipe, Inês Nunes, Catarina Dias, Paula Crespo e Tereza Seabra, entre outros. Na Tallinn Art Hall Gallery and Tallinn City Gallery.

Sara Maia em dose dupla Estar vivo é, na obra de Sara Maia, assumir a realidade com tudo o que tem de bom e de mau, de belo e de grotesco. Isso reflecte-se nos seus

Arte portuguesa na Estónia Começou no final de Agosto e dura até 28 de Setembro a exposição “Border City – Arrival Departure” que mostra um conjunto de projectos de artistas contemporâneos portugueses na cidade de Tallinn, na Estónia. Como capital europeia da cultura, Tallinn recebe este colectivo de criadores organizado em conjunto entre o Instituto Camões, a PIN – Associação Portuguesa de Joalharia Contemporânea e a Galeria Reverso. Uma exposição com

Sara Maia, Sorte Macaca, 2010


quadros, tão atraentes quanto repulsivos. O título desta exposição que a artista apresenta agora em França inspira-se no célebre êxito da música disco Born to Be Alive e simboliza esta busca de vitalidade e de verdade. Born to Be Alive divide-se em dois locais, Paris e Marselha, nos dois espaços da 3E Rue Galerie, e termina no dia 29 de Outubro.

Novas obras de Fernando Lanhas

fotos cedidas pelos editores

Fernando Lanhas apresenta na Galeria Quadrado Azul, em Lisboa, um conjunto variado de obras, entre desenhos e pinturas, recentes e antigas. Uma oportunidade pouco frequente para observar as suas obras, sempre no registo abstracto e geométrico entre o enigma e a contemplação. A inauguração é em 22 de Setembro.

Alfabeto Modulable de António Quadros Ferreira

.Alfabeto de António Quadros Ferreira António Quadros Ferreira expõe, entre 17 de Setembro e 5 de Novembro, na Casa da Galeria, em Santo Tirso, novas obras sob o título “Alfabeto Modulable”. As relações entre a pintura e o lado tridimensional da escultura e da arquitectura são aqui exploradas numa vertente plástica que alude ainda à op art. É, no fundo, um questionamento sobre a própria pintura. São 26 quadros, um para cada uma das 26 letras do alfabeto, poetizados pelo escritor e amigo José Emílio-Nelson. Até ao final da exposição, o autor fará o lançamento do seu último livro Fazer Falar a Pintura, com apresentação e sessão de autógrafos; além da projecção de um filme sobre o autor com debate/conferência no final, em datas a anunciar oportunamente.

José Escada, Pensando em Chartres, 1971

CAMB de volta Após um interregno, o Centro de Arte Manuel de Brito volta a exibir as jóias da coroa da colecção que lhe dá o nome, associado ao longo historial da Galeria 111. Assim, o centro divide-se em dois para receber, por um lado, uma exposição antológica de José Escada e, por outro, uma selecção de obras de artistas de topo, ligados à colecção, como Paula Rego, Júlio Pomar, Ana Vidigal, entre outros. Até 2 de Outubro.

Museus em Português O Museu do Oriente será o palco de apresentação do VI Encontro de Museus de Países e Comunidades de Língua Portuguesa, a decorrer nos dias 26 e 27 de Setembro. O evento reúne especialistas em museologia de todo o mundo da lusofonia. O encontro pretende incentivar e aprofundar as relações e trocas de experiências entre profissionais e museus com vista a uma maior divulgação do património e acervos dos vários países envolvidos. O desenvolvimento, a sustentabilidade, a cooperação e a formação profissional no contexto do museu serão alguns dos temas abordados.

Celeste Maia pinta o tempo A pintora Celeste Maia foi convidada pela empresa produtora de relógios Colomer & Sons para intervir nos seus modelos e assim criar micropinturas. Os mostradores

cionaram-se 20 imagens que foram depois inseridas nos mostradores. Cada um destes relógios de pulso está assinado e as imagens exprimem, no fundo, pensamentos científicos, experiências históricas, assim como o próprio tempo.

João Penalva no CAMJAP

Celeste Maia, Tempo Lunar, sem data

dos relógios foram intervencionados naquilo a que se chamou o projecto “Arte no Pulso”. Maia levou meses a investigar diversos temas e desenhou mais de 200 ideias em papel. De todos estes temas, selecJoão Penalva, Violette Avery, sem data

Uma das melhores exposições do momento é a mostra antológica que o CAMJAP realiza com o trabalho de João Penalva. “Trabalhos com Texto e Imagem” é o mote encontrado para a selecção de obras. Com curadoria de Isabel Carlos, parte da mostra que termina no dia 9 de Outubro será exposta na Kunsthallen Brandts, na Dinamarca, no próximo ano. ¶


/ alexandre lopes

MARCEL WANDERS 29 Set, 16h00 Cinema S. Jorge, Av. da Liberdade Reconhecido designer de interiores e de produto, responsável pela ascensão internacional do design holandês. Com projectos de interiores em Bona, Miami ou Bahrein, clientes como a Flos, Alessi ou B&B Itália e obras nas colecções do MoMA de Nova Iorque ou do Stedelijk Museum de Amesterdão. O colectivo Sulki & Min (Seul) e Fernando Brízio (Portugal) sobem ao palco no dia 30 e Michael Rock (Nova Iorque) e Marcelo Rosenbaum (São Paulo) no dia 1.

OPEN TALKS

EXD’11 LISBOA A NOSSA BIENAL INTERNACIONAL DE DESIGN.

“Useless”, sem uso, inútil, é o tema da sexta edição desta bienal. Um olhar crítico sobre a ideia de utilidade dos projectos e objectos que invadiram a nossa vida. Útil, desde logo, é a

utilização de espaços desocupados de instituições inesperadas para locais dos 25 eventos nucleares da bienal e a circunscrição do programa à Baixa-Chiado que permite a circulação a pé numa zona emblemática da cidade. Com cerca de 164 convidados (68 portugueses) de 18 países, a EXD’11 LISBOA reforça a sua importância como plataforma internacional de discussão do design. Não perca as conferências, debates e estreias na semana inaugural. As exposições, as intervenções urbanas e os projectos especiais mantêm-se até 27 de Novembro.

entre 29 Set e 2 Out Para um público mais especializado, estes debates vão proporcionar aos participantes o diálogo com pensadores, críticos e curadores sobre temas emergentes da prática do design. “Fluxos de Informação” dia 29 Set, 11h00 Antigo Tribunal da Boa Hora, Chiado. Zoe Ryan, curadora de design do Art Institute of Chicago, modera a primeira sessão sobre a forma como as EXD_Useless, Carolina Cantante tecnologias digitais estão a esbater as distinções entre real e virtual CONFERÊNCIAS DE LISBOA “Arquitectura use-less” de 28 Set a 1 Out dia 30 Set O Cinema S. Jorge, na Avenida da Antigo Tribunal da Boa Hora, Chiado. Liberdade, acolhe estes momentos O arquitecto e curador Pedro Gadade aprendizagem e reflexão, dirigi- nho questiona a utilidade da cultura dos ao grande público e protagonizados por influentes profissionais Bárbara Coutinho, de várias gerações e contextos geocuradora da exposição gráficos. Morte ao Design! Viva o Design! D. Manuel Clemente dia 28 Set, 18h00 Cinema S. Jorge, Av. da Liberdade O Bispo do Porto, prémio Pessoa 2009, abre o ciclo. HEATHER SHAW 29 Set, 15h00 Cinema S. Jorge, Av. da Liberdade Designer de ambientes e de veículos e directora da Vita Motus, um estúdio de design multidisciplinar em Los Angeles, desenhou o palco do espectáculo ISAM do músico experimental Amon Tobin, um videowall que utiliza avançada tecnologia para criar inesperados efeitos 3D, apelidado já de “concerto do futuro, hoje”.

arquitectónica na palestra “Arquitectura use-less”. DESIGN DO-IT-YOURSELF dia 1 Out, 11h00 Antigo Tribunal da Boa Hora, Chiado. Hans Ulrich Obrist, co-director da Serpentine Gallery em Londres e curador de mais de 250 exposições e bienais, vem falar sobre a tendência emergente do design aberto e do DIY. Para apresentar as soluções engenhosas, subversivas e espontâneas dessa atitude pragmática e utópica, estarão presentes duas gerações de designers – Enzo Mari, Itália, 1932 e Thomas Lommée, Bélgica, 1979. “Ex-muros” dia 2 Out Antigo Tribunal da Boa Hora, Chiado. O programa encerra no dia 2 com “Ex-muros”, um debate sobre a relação entre estúdios, empresas, museus e escolas na prática do design contemporâneo.

EXPOSIÇÕES FERNANDO BRÍZIO: DESENHO HABITADO inauguração 28 Set, 19h00 Antigo Convento da Trindade, Rua Nova da Trindade, 16 Primeira edição da série “Don’t Look Back”, um conjunto de retrospectivas, com o objectivo de celebrar e dar a conhecer o trabalho dos mais importantes designers contemporâneos.

fotos cedidas pelos editores

design

Caixa de costura, Arquivo Moda Lisboa


Morte ao Design! Viva o Design!, MUDE

Redundância, Óbidos, 2005, R2

SIDELINES inauguração 29 Set, 21h30 vários locais Emily King, curadora e historiadora de design sediada em Londres, questiona, através de um itinerário por instituições e colecções singulares de Lisboa, o valor e utilidade do acto de coleccionar. Museus Geológico, da Farmácia, de São Roque, Arqueológico, do Carmo, do Teatro Romano, das Artes Decorativas Portuguesas e Biblioteca Camões. UTILITAS INTERRUPTA inauguração 30 Set, 22h00 Fundação Arpad Szènes-Vieira da Silva, Jardim das Amoreiras e Mãe d’Água. As ambições e os sonhos do ser humano, materializados em grandes projectos de infra-estruturas que, por diversas razões, ficaram por cumprir. USELESS? inauguração 1 Out, 22h00 MUDE, Rua Augusta, 24 Duas abordagens curatoriais distintas que questionam a utilidade dos milhares de objectos produzidos ao longo de décadas para responder à evolução das nossas necessidades. Uma desafia o visitante a reflectir sobre a sua definição de “sem uso”, a outra centra-se numa crítica à economia de mercado.

Elefantes, 2011, Fernando Brízio

INTERVENÇÕES URBANAS LOUNGING SPACE inauguração 28 Set, 22h30 Antigo Tribunal da Boa Hora, Chiado. Lançamento do livro USELESS – THE EXD’11 READER, editado pelos críticos de design Frederico Duarte e Max Bruinsma, uma visão caleidoscópica do tema da bienal. O espaço será também o coração da bienal, com a programação, bilheteiras, livraria especializada, centro de informação e bar/esplanada, num edifício de grande interesse histórico e arquitectónico. REDUNDÂNCIA inauguração 29 Set, 18h00 Praça da Figueira Intervenções site-specific, subordinadas ao tema “Useless”. Um diálogo com a cidade de Lisboa interpretado por cinco estúdios de design gráfico da Holanda, Correia do Sul, França e Reino Unido.

MORTE AO DESIGN! VIVA O DESIGN! inauguração 1 de Out, 22h00 MUDE, Rua Augusta, 24 O objecto em reflexão, uma selecção do período pós-modernista do acervo do MUDE, quando a função se dissociou da forma. Curadoria de PROJECTOS ESPECIAIS Bárbara Coutinho. RETRO-FUTURE ACTION FOR AGE inauguração 28 Set, 23h00 inicio 1 Out, 18h30 Antigo Tribunal da Boa Hora, Chiado. Fundação Calouste Gulbenkian Um percurso pelo património gráfi- Uma conferência e uma exposição co de 20 anos da Moda Lisboa, com para apresentar projectos que ajucuradoria de Eduarda Abbondanza dem a melhorar a qualidade de vida e Francisco Rocha. dos idosos.

Paralelamente Vai decorrer em vários pontos da cidade uma série de eventos – Tangenciais, projectos independentes nas áreas da moda, joalharia, arquitectura, design, artes visuais e fotografia. ¶


moda / maria josé sacchetti

Jean Paul Gaultier the fashion world “The Fashion World of Jean Paul Gaultier: From the Sidewalk to the Catwalk”. O Montreal Museum of Fine Arts apresenta a primeira grande exposição internacional sobre um dos mais versáteis criadores de moda franceses dos nossos dias: Jean Paul Gaultier. Gaultier lançou a sua primeira colecção de prêt-à-porter em 1976 e a primeira de alta-costura em 1997, mantendo as suas apresentações até hoje, segundo o calendário de moda francês. Os seus designs vanguardistas espelham uma reflexão sobre os problemas e preocupações inerentes às actuais sociedades multicuturais que habitam nas principais capitais do mundo. As peças, impregnadas invariavelmente de grande humor, deixam transparecer uma crítica séria, focada nos códigos destas sociedades e nos factores estéticos, próprios do vestuário, que as identificam. A exposição está concebida como uma instalação contemporânea de 140 coordenados, datados entre 1976 e 2010, provenientes na sua maioria das colecções de alta-costura, numa mise-en-scéne teatral

com manequins cujas faces foram animadas através de um trabalho multimedia da empresa francesa UBU. Encontram-se ainda patentes inúmeros documentos e peças dos figurinos criados para filmes (Pedro Almodóvar, Luc Besson, entre outros), para dança contemporânea (Régine Chopinot, Maurice Béjart e Angelin Preljocaj) e para concertos de música (Madonna e Kylie Minogue), assim como o trabalho de vários fotógrafos de renome que colaboraram com Gaultier. Esta exposição, que pretende igualmente marcar os 35 anos da marca Jean Paul Gaultier, foi realizada com a colaboração da casa francesa, que concedeu ao museu livre acesso aos seus arquivos. Posteriormente, será exibida noutros museus internacionais como o Fine Arts Museums of San Francisco, a Fundación Mapfre em Madrid e o Kunsthal em Roterdão, entre outros. ¶ “The Fashion World of Jean Paul Gaultier: From the Sidewalk to the Catwalk” Até 2 de Outubro de 2011 Montreal Museum of Fine Arts Montreal, Québec, Canada www.mmfa.qcc.ca

fotos cedidas pelos editores

Jean Paul Gaultier


Dressed to Play Sportswear 1870-1900 Durante os finais do século XIX, o público americano interessouse por desportos de lazer. A comunidade médica da altura promovia estilos de vida saudáveis e os jornais e revistas da época contribuíam largamente para disseminar os benefícios das novas actividades desportivas. Esta exposição foca-se precisamente nas várias formas como a sociedade americana desses dias se vestia para a prática desportiva. Estas peças, que eram na altura vestidas unicamente nessas ocasiões, assemelham-se hoje aos estilos usados no nosso diaa-dia e são, sem sombra de dúvida, as fundações do estilo vulgarmente conhecido, na indústria da moda, por active sportswear. Alice Austen foi não só uma das primeiras e mais prolíferas fotógrafas da altura, mas também uma ávida praticante de desportos como ténis, vela, equitação e alpinismo. Sempre munida da sua máquina fotográfica, capturou de uma forma magnífica estes estilos vividos na época e são essas imagens que constituem o ponto fulcral da exposição. Artigos de jornais e revistas de moda destes tempos acompanham as fotografias, assim como alguns manequins. “Dressed to Play: Sportswear 1870-1900” Até 24 de Outubro de 2011 Alice Austen House Museum Nova Iorque www.aliceausten.org

.Sporting Life Exhibition A exposição “Sporting Life” explora as relações existentes entre o estilo active sportswear e a moda, desde os meados do século XIX até aos nossos dias. O vestuário desenhado para actividades desportivas sempre exerceu influência sobre a moda e vice-versa. É um facto que os produtores de marcas de sportswear têm sido responsáveis por muitas inovações na performance e qualidade tecnológica de certos têxteis e peças, ao mesmo tempo que dão crédito à moda inerente a muitas das peças. Presentemente, a maioria do vestuário denominado active sportswear é considerado tanto funcional como vestuário de moda. A exposição mostra cerca de 100 peças, acessórios e têxteis, que são representativos do vestuário usado na prática de 16 desportos diferentes. Adicionalmente, “Sporting Life” ilustra a história do activewear nos últimos 150 anos, examinando as mudanças que se operaram na silhueta, construção das peças e tecnologia usada, que tem ao longo dos anos vindo a melhorar a performance e a aparência estética deste tipo de sportswear. Como é comum os designers de moda inspirarem-se em vestuário usado por atletas, a exposição justapõe peças de prêt-à-porter com as peças de desporto que lhes serviram de inspiração. “Sporting Life Exhibition” Até 5 de Novembro de 2011 The Musuem of Fashion Institute of Technology Nova Iorque www.fitnyc.edu


cinema / aisha rahim

O paralelismo é irónico: no rescaldo do cancelamento da exposição do artista João Pedro Vale no Espaço Arte Tranquilidade devido à temática homossexual, a 15.ª edição do Festival de Cinema Queer Lisboa (16-24 Setembro) abre com Uivo – filme experimental de Rob Epstein, com James Franco, sobre o emblemático poema de Allen Ginsberg julgado por obscenidade na década de 50. Com uma programação que habitualmente incentiva o pensamento teórico à volta das temáticas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e trangéneros), a organizadora Associação Cultural Janela Indiscreta (ACJI) promete este ano andar à volta do conceito de transgressão. A avaliação da secção de Curta-metragem fica a cargo do público, mas as secções Longa-metragem e Documentário contam no painel dos júris com os actores Albano Jerónimo e Beatriz Batarda, Sam Ashby (o designer e editor da revista londrina Little Joe), Miguel Gonçalves Men-

des (José e Pilar), Franck FinanceMadureira (jornalista e director da Queer Palm do Festival de Cannes) e Claudia Mauti (directora e programadora do Festival de Cinema Mix Milano). Além destas secções competitivas, o certame promete outras relacionadas com clássicos do cinema queer e actividades de artes performativas, gráficas e instalação.

Cinecoa Vinho, gravuras e sétima arte À semelhança do Douro Film Harvest (cuja 3.ª edição terminou no passado 11 de Setembro), o estreante Cinecoa - Festival Internacional de Cinema de Foz Côa leva a sétima arte para fora do circuito urbano, apostando na envolvência dos patrimónios do vinho e das gravuras rupestres do Douro. A decorrer de 29 de Setembro a 2 de Outubro, promovida pela autarquia e dirigida pelo realizador João Trabulo, a primeira edição conta com uma mostra de mais de vinte filmes, metade deles filmados na região dos Trás-

Apichatpong

os-Montes. De Manoel de Oliveira, cineasta de origens durienses e o grande homenageado do certame, estará em exibição a curta Douro, Faina Fluvial (1931) e as longas-metragens Vale Abraão (1993), Viagem ao Princípio do Mundo (1996) e O Estranho Caso de Angélica (2010). As sessões filmes-concerto estão

reservadas às obras dos irmãos Lumière e Chaplin – interpretados ao vivo pelo grupo RED trio e por Tó Trips – e ao filme mudo português Maria do Mar (1930), de Leitão de Barros, que será acompanhado pelo pianista Bernardo Sassetti e pela cantora Filipa Pais. Foz Côa é o tema central da secção de documentários, que inclui Viagem ao Coração do Douro, a Terra onde Nasci (2002), de João Botelho, e Côa, o Rio das Mil Gravuras (2007), de Jean-Luc Bouvret.

Cinemateca Apichatpong, Pedro Hestnes e Anouk Aimée

Rentrée : Sangue do Meu Sangue, de João Canijo

Na rentrée da Cinemateca Portuguesa destacam-se o realizador tailandês Apichatpong Weerasethakul e o actor português Pedro Hestnes. O primeiro é o autor de uma das mais notáveis estreias comerciais em Portugal deste ano (e a única do cineasta em terras lusas): O Tio Boonmee que se lembra das suas vidas anteriores, Palma de Ouro em 2010 no Festival de Cannes. A Cinemateca repete-a e faz-nos chegar o resto da obra de Apichatpong, que inclui mais cinco longas-metragens e uma vintena de curtas. Já a homenagem a Pedro Hestnes acompanha o percurso do actor falecido em Junho, intérprete de O Sangue, de Pedro Costa e de Xavier, de Manuel Mozos. É um pretexto para ver al-

fotos cedidas pelos editores

Queer Lisboa Transgressão é o mote


guns dos mais relevantes filmes portugueses dos anos 80 e 90. Ainda em Setembro, Jean-Pierre Rehm apresenta seis sessões de filmes que programou em edições recentes do conceituado FID (Festival Internacional do Documentário de Marselha), do qual é director. A atenção vai ainda para o novo ciclo “Histórias do Cinema”, que junta historiadores, críticos e realizadores na tertúlia de cinco sessões, ao longo de uma semana. Em Outubro, o n.º 32 da Barata Salgueiro veste-se de azul, branco e vermelho: a actriz Anouk Aimée (Um Homem e Uma Mulher) apresentará, no âmbito da Festa do Cinema Francês, uma retros-

europeia, desta vez a francesa: Meia-Noite em Paris. Com Owen Wilson, Rachel McAdams, Marion Cotillard e uma curiosa aparição de Carla Bruni-Sarkozy, o filme abriu com risos e palmas a última edição do Festival de Cannes. Na semana a seguir, a 22 de Setembro, estreia Cave of Forgotten Dreams, documentário sobre as grutas de Chauvet através do qual o alemão Werner Herzog experimenta o 3D. Em Outubro destacam-se dois nomes portugueses: João Canijo com Sangue do Meu Sangue, um melodrama suburbano cujo argumento foi escrito em colaboração com o elenco, encabeçado por Rita Blanco; Edgar

Galeria Valbom

Festival Queer Lisboa Uivo, com James Franco.

ROBERTO SANTANDREU Exposição de fotografia

pectiva em sua homenagem; e Pêra com Barão, inspirado num haverá ciclos dos realizadores conto homónimo de BranquiJean Rouch e Raúl Ruiz. nho da Fonseca. No mesmo mês chegam também as últimas duas Circuito comercial longas-metragens do iraniano A rentrée Jafar Pahani, Offside e This is not Na segunda quinzena de Setem- a Film, a segunda das quais um bro, Woody Allen regressa às documentário filmado durante a grandes salas do país com mais sua prisão domiciliária enquanuma carta de amor a uma capital to retrato das privações do cinema contemporâneo no Irão. A última semana de Outubro traznos a dupla Steven Spielberg e Peter Jackson, o primeiro como realizador e o segundo como produtor, com a adaptação em 3D do mais famoso herói da BD belga para cinema: As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne. ¶

DA BELEZA

“Homenagem a Edward Weston” De 15 de Setembro a 26 de Outubro

Galeria Valbom

Cinecoa : Maria do Mar, de Leitão de Barros

Av. Conde Valbom, 89-A - 1050-067 Lisboa Tel.: 21 780 11 10 geral@galeriavalbom.com www.galeriavalbom.com Segunda a Sábado das 13h00 às 19h30


mÚsica / Alexandra Ho

Setembro Nas edições nacionais, além de Sérgio Godinho – que lançou, no dia 12, Mútuo Consentimento –, regressa aos discos a dupla Dead Combo, formação de Tó Trips e Pedro Gonçalves. O novo trabalho, intitulado Lisboa Mulata, chega no dia 26, e desde há um mês para cá há um teaser de apresentação do disco no seu site oficial (www.deadcombo.net). E já há concertos agendados: depois de ter actuado na Festa do Avante no início do mês, a dupla dará um concerto no dia 15 de Outubro no festival Sintra Misty e, em 24 de Novembro, apresentar-se-á no Teatro do Campo Alegre, no Porto. Neste mês, há ainda novidades internacionais bem apetecíveis, como o novo disco de Björk, Biophilia, agendado para o dia 26. O que a artista propõe com este trabalho – inspirado na teoria do biólogo Edward O. Wilson de que existe uma profunda afinidade entre os seres humanos e a natureza – é uma experiência auditiva e sensorial. Para isso, desenvolveu, com a parceria de programadores, dez aplicações para iPad (correspondentes a cada Tom Waits, Bad As Me um dos temas do disco), que permitem criar múltiplas dimensões para cada canção, através de jogos interactivos e animações multimedia. No que respeita a compilações, os Pink Floyd vão lançar uma série de reedições, em 26 de Setembro, num conjunto intitulado Além de toda a sua discografia remasterizada, a banda britânica vai lançar ainda duas edições especiais cheias de extras de Dark Side Of The Moon e The Wall. Dentro dos consagrados, Setembro vai ainda receber, no dia 26, a estreia da superbanda Superheavy, que reúne Mick Jagger, dos Rolling Stones, Dave Stewart, ex-Eurythmics, Joss Stone, Damian Marley, filho de Bob Marley, e o compositor de Bollywood A. R. Rahman, responsável pela banda sonora do filme Quem Quer Ser Bilionário?. É uma excentricidade que ninguém sabe ao certo ao que soará. No mundo dos independentes, os Wilco desvendam o novo registo também em 26. The Whole Love é o oitavo álbum da banda de Chicago e promete manter o rock alternativo e Cold play, Mylo Xyloto experimental que os caracteriza. O lançamento mais ambicioso é a reedição do consagrado álbum dos Nirvana, Nevermind. Vinte anos depois da sua criação, a banda de Seattle que colocou a música independente no patamar dos grandes tem direito a uma homenagem merecida e gigante, com o lançamento de diferentes versões de Nevermind. A mais modesta tem como bónus os lados B que ficaram de fora no original, bem como as primeiras demos antes de Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl entrarem em estúdio. A Super Deluxe Edition, uma edição de coleccionador só com dez mil exemplares, inclui as 12 faixas originais remasterizadas, demos, lados B e ensaios. Além disso, há ainda um CD com as gravações ao vivo das sessões da BBC e

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Bjork, Crystalline

Rentrée na música Depois de um Verão frio no que se refere a novas edições de música, a rentrée já aí está e com ela chegam alguns dos mais aguardados discos do ano. Há consagrados, reedições de luxo e estreantes a não perder. Tanto ao nível nacional como internacional.


o concerto no Teatro Paramount, em Seattle, o único dos Nirvana que foi filmado. O pacote fica completo com um livro de 90 páginas encadernadas de fotos raras.

Outubro É o mês, até ao final do ano, com mais lança-

mentos previstos (excluindo a época natalícia, cujas tradicionais compilações ainda nem são conhecidas) e, ainda por cima, reúne grandes nomes. Em universos bem distantes, Tom Waits e Coldplay são os dois artistas que mais expectativas geram. Depois de sete anos sem gravar, o novo trabalho de Tom Waits chega no dia 24 em duas edições: uma com 13 temas e outra especial com três faixas bónus e um livro de 40 páginas. Segundo o site oficial do músico, Bad As Me aposta numa nova direcção musical, mas com a já habitual colaboração da mulher de Tom Waits, Kathleen Brennan, que assina algumas canções. Já os britânicos Cold-play apresentam o quinto álbum, Mylo Xyloto, a 24 de Outubro. O single de apresentação, Every Teardrop Is a Waterfall, foi criticado por ser muito parecido com a canção Ritmo de la Noche, dos Mystic, e a banda acabou mesmo por ser acusada de plágio. Nada que, na realidade, possa afectar o sucesso do disco, ou não fossem os Coldplay a banda mais famosa da actualidade, a seguir aos U2. O décimo mês de 2011 também vai testemunhar o regresso aos discos dos Beach Boys, Lou Reed e Metallica. No caso dos primeiros, vão desvendar, 45 anos depois, The Smile Sessions, o disco gravado em 1966, mas que nunca foi editado. Já Lou Reed e os Metallica partilham a aventura Lulu, álbum conjunto que sai no último dia do mês. Em 3 de Outubro, em formato digital, há ainda espaço para Damon Albarn, vocalista dos Blur, se apresentar a solo com o projecto Kinshasa One Two. O trabalho foi gravado na capital da República Democrática do Congo e marca o regresso de Albarn a África depois de, em 2002, ter gravado um disco no Mali com o tocador de kora Toumani Diabaté, e, no ano seguinte, ter estado em Marrocos com os Blur, durante a concretização de Think Tank. No universo independente, Feist, Ryan Adams e James Blake são outros dos nomes a ter em atenção. Metals, de Feist, chega no dia 3; Ashes & Fire, de Ryan Adams, é apresentado a 10, no mesmo dia em que James Blake revela o EP Enough Thunder. Por fim, a grande novidade discográfica é o lançamento do novo disco dos Buraka Som Sistema, no dia 31. De Komba já se conhece o primeiro avanço, Hangover (BaBaBa), tema que mantém o kuduro progressivo que caracteriza a banda.

Novembro Ainda só há dois lançamentos confir-

mados: o regresso de Florence and the Machine e a estreia do realizador David Lynch na música. A formação da britânica apresenta, no dia 7, o novo trabalho, ainda sem título definitivo. No início de Setembro, conheceu-se o primeiro tema, What the Water Gave Me, uma amostra promissora do que aí vem. Já David Lynch parece mesmo querer abandonar o cinema e dedicar-se à arte da música. Crazy Clown Time é descrito pelo próprio como “blues moderno” e contará com 14 canções originais, escritas, produzidas e interpretadas pelo realizador, de 65 anos. Além disso, o trabalho terá ainda a participação da cantora Karen O, dos Yeah Yeah Yeahs. ¶


tæatro dança / rita silva freire

não é excepção e a dificuldade está na escolha. De textos que marcam o imaginário cinematográfico (que vão desde Shaffer a Fassbinder) aos que ficaram imortalizados pela literatura (António Lobo Antunes), passando pela nova dramaturgia portuguesa (André Murraças e Tiago Rodrigues), os próximos meses prometem.

Teatro O Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, apresenta, na Sala Garrett (até 6 de Novembro), Amadeus, uma das mais reconhecidas peças do dramaturgo inglês Peter Shaffer, numa encenação de Tim Carroll. O texto versa sobre a vida dos compositores Wolfgang Amadeus Mozart e Antonio Salieri mas, acima

Que Cavalos São Aquele que Fazem Sombra no Mar? de Maria de Medeiros Teatro São Luiz, dia 16

de tudo, sobre a vingança de Salieri (interpretado por Diogo Infante), compositor da corte austríaca do século XVIII, em relação a Mozart (interpretado por Ivo Canelas). Distinguido com o Tony Award para melhor peça de teatro em 1981, o texto foi adaptado ao cinema por Milos Forman em 1984, tendo ganho oito Óscares (entre os quais o de Melhor Filme), quatro BAFTA e quatro Globos de Ouro. A Diogo Infante e Ivo Canelas, juntam-se em palco Carla Chambel, João Lagarto e Rogério Vieira, entre outros. No mesmo teatro, mas na Sala-Estúdio, António Ferreira leva ao palco, 40 anos depois da sua estreia, outra peça também adaptada ao cinema, de um dos mais destacados cineastas do século XX, o alemão Rainer Werner Fassbinder: As Lágrimas Amargas de Petra von Kant (até 6 de Novembro). A partir da vida da estilista alemã Petra von Kant e da sua relação lésbica com Karin, pensa-se o papel do homem na sociedade e na burguesia ocidental dos anos 70, ao mesmo tempo que se olha para uma Alemanha ainda no pós-guerra. Com figurinos de José António Tenente, a peça conta com interpretações das actrizes Custódia Gallego, Inês CastelBranco e Isabel Ruth, entre outras. O Teatro São Luiz, por seu lado, abre a temporada com um ciclo dedicado a um dos melhores escritores portugueses vivos: António Lobo Antunes. Deste Viver Aqui Neste Palco Escrito é um programa de três dias com cinema, teatro e palavra.

Violet de Meg Stuart Teatro Maria Matos até 17 de Setembro

As Lágrimas Amargas de Petra von Kant Teatro Nacional D. Maria II até 6 de Novembro

Destaca-se Que Cavalos São Aquele que Fazem Sombra no Mar?, um espectáculo de Maria de Medeiros a partir do romance homónimo do escritor (no dia 16), sobre uma decadente família ribatejana onde há de tudo um pouco: mortos, moribundos, homossexuais, drogados, uma velha criada (com Maria de Medeiros e Gonçalo Távora Correia). No mesmo programa, José Neves irá ler as famosas Cartas de Guerra do mesmo autor (dias 16 e 17), é possível assistir à antestreia do filme A Morte de Carlos Gardel, de Solveig Norlund (dia 17) e a uma mesa-redonda na qual a conversa irá girar em torno do escritor e da sua obra (dia 17, com João Lobo Antunes, Maria Alzira Seixo e Eduardo Lourenço). Também no São Luiz, a 22 de Setembro, estreia-se Saturday Night, da recém-criada Companhia Teatral Europeia, num projecto interpretado por duas actrizes portuguesas, uma escocesa e dois actores belgas e encenado por um inglês que trabalha em Glasgow. Uma verdadeira casa comum europeia. Os Artistas Unidos (AU) – que têm finalmente uma casa, no Teatro da Politécnica – estreiam Não Se Brinca com o Amor, peça de Alfred Mus-

set, escrita em 1834, onde se narra o amor trágico entre Camille, que abandona o convento, e Perdican, seu primo, estudante universitário. Os dois brincam com o amor e o desenlace dramático avizinha-se. A interpretação está a cargo de Catarina Wallenstein, Elmano Sancho e Vânia Rodrigues e a encenação é de Jorge Silva Melo. A peça estreia em 16 de Setembro, no Teatro Viriato, em Viseu, antes de vir para Lisboa, onde vai inaugurar o novo palco dos AU. O Teatro Aberto inaugura a sua temporada com a peça de André Murraças, Cândida – Uma História Portuguesa (até 2 de Outubro). O dramaturgo debruça-se sobre a vida de Cândida Branca Flor, num texto em que não só aborda a sua vida e obra, mas aproveita para reflectir sobre o fenómeno da idolatria, o valor do legado artístico, o desejo de fama e o seu preço. Tudo a partir de um dos pontos altos da carreira da cantora: a sua participação no Festival da Canção de 1982. Num texto por vezes trágico, por vezes humorístico, o dramaturgo propõese tentar perceber quem foi esta cantora que, conhecida por todos, acabou por suicidar-se, provavelmente devido à solidão em que se encontrava: não tinha público, não

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Rentrée nos palcos Depois de um Verão calmo e tranquilo, o regresso aos palcos faz-se em força. Setembro e Outubro são, por excelência, meses em que vale a pena ir ver o que de melhor se faz nas artes cénicas no país. Este ano


LUIS GERALDES tinha amor. Com Sílvia Filipe. Já a Culturgest, em Lisboa, dedica o seu palco à novíssima dramaturgia portuguesa, levando à cena Tristeza e Alegria na Vida das Girafas, peça de Tiago Rodrigues (24, 25 e 26 de Novembro) inspirada na história verídica de uma rapariga de nove anos que decide resolver os problemas económicos da sua família (os pais não conseguiam pagar o empréstimo pedido para comprar a sua casa) e que desaparece durante um dia inteiro enquanto atravessa Lisboa completamente sozinha. Com Carla Galvão e Isabel Abreu, entre outros.

o coreógrafo Boris Charmatz, que traz a Portugal o seu mais recente trabalho, Enfant, estreado no passado dia 7 de Julho, em Avignon, com nove bailarinos e um grupo de crianças (21 e 22 de Setembro). Também na Culturgest estará em cena Romance-s, pela Compagnie 7273. A coreografia, concepção e interpretação são dos franceses Laurence Yadi e Nicolas Cantillon, cuja proposta passa por dar a ver um trajecto que circula através dos territórios do casal e da dança. Em Outubro, é a vez de Olga Roriz estrear Pets no Teatro Camões (dia 7). De acordo com

Amadeus encenação de Tim Carroll Teatro Nacional D. Maria II até 6 de Novembro

SHADOWS OF ETERNITY, 2009 Óleo sobre tela, 152x122cm

Último Leilão Christie's, Londres

Abril 2011 Valor atingido: €10,500

Violet de Meg Stuart Teatro Maria Matos até 17 de Setembro

Dança No Teatro Maria Matos, em Lisboa, é possível assistir a Violet, de Meg Stuart (até 17 de Setembro). A coreógrafa tece aqui uma peça abstracta, na qual o movimento serve para pensar a condição humana e a sua urgência física. Tudo ao som da música electrónica e da percussão de Brendan Dougherty. O palco da Culturgest recebe

a coreógrafa, este é um espectáculo que quer observar o inatingível, “o privado e o público. O quotidiano, a rotina e os hábitos. O silêncio e a solidão. Os lugares apertados. O espaço sem espaço. A acumulação dos detritos. A reciclagem dos afectos, dos objectos dos sentidos”. Com Catarina Câmara, Maria Cerveira, Maria Lobato Faria, Bruno Alexandre e Pedro Santiago Cal. ¶

AN ANGEL OUT THERE, 2003 Óleo sobre tela, 152x122cm

AUSTRÁLIA +61 411 401 738 835, JUMBUK ROAD YINNAR SOUTH VIC 3869, AUSTRÁLIA

PORTUGAL +351 914 543 842 RUA DOS FAISÕES, 3, 5 ESQ BELAS CLUBE DE CAMPO 2605-200 BELAS

lgeraldes@gmail.com www.geraldes.com


livros

A Verdadeira Imagem

Entre nós e aquilo que nos transcende há uma mediação feita através da imagem. O alemão Hans Belting, um dos mais famosos pensadores das artes visuais na actualidade, é conhecido pela sua reflexão histórica e teórica sobre a produção visual na Idade Média e sobre a arte da Europa Setentrional. Belting propõe neste livro uma reflexão que coloca questões e fornece algumas possíveis respostas acerca da relação entre a religião e a imagem, numa perspectiva que já se afasta da história de arte para se assumir mais como a história da própria imagem. Diz ele que a imagem autêntica é uma contradição em si, porque está em lugar de algo que temos por real. Viajando por caminhos que tocam na antropologia, na sociologia, na psicologia e na história da religião, este livro da editora Dafne fornece-nos uma densa edição, ilustrada e recheada de teoria. O autor parte do tabu da imagem de Cristo para estabelecer uma antropologia da imagem, confrontando fontes relevantes com episódios históricos. Dá como exemplos, para além da face de Cristo, a Verónica e o retrato de Lutero e explora as consequências destas imagens na arte e no pensamento estético da contemporaneidade. ¶ MM

↓Sem título, 2010 da série "a minha casa é onde estás"

A Minha Casa é Onde Estás Filipe Casaca Edição de autor 39 páginas 25 euros Um livro pode ser uma declaração de amor e cada folha de papel pode conter uma emoção diferente. Nesta edição de autor, o fotógrafo Filipe Casaca pretendeu criar imagens de intimidade e emoções à volta de um ser humano. Há quem lhe chame “musa”. É a mulher que se ama. Nestas imagens tendencialmente cruas, não há lugar para proezas tecnológicas. Não se usa flash e a fotografia é revelada em película. Demora tempo e envolve dedicação, como os sentimentos. O resultado é um conjunto de obras agora reunidas em livro, mas que antes passaram pela Kgaleria e pela Galeria Pente10. Estão agora encerradas no objecto íntimo e táctil que é um livro. O artista diz que é um livro sobre uma pessoa. Mas sendo a sua visão sentida dessa pessoa, será antes um livro a dois. O que se deixa ver entre a penumbra de um espaço resguardado é um corpo – objecto de obsessão, de afeição. “Já me perguntaram se todas as imagens são da mesma pessoa", diz Filipe Casaca. "Para mim, é muito importante que se veja nitidamente que é a mesma mulher, senão não faria sentido e seria uma coisa completamente diferente. O título fecha logo as outras possibilidades: é uma pessoa, num espaço. E tem uma dedicatória.” ¶ Miguel Matos

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↓ Sem título, 2008 da série "a minha casa é onde estás"

Hans Belting Dafne 312 páginas 32 euros


O Mestre Ana Hatherly Ulisseia 176 páginas 16 euros Há obras que desconcertam quem as descobre, mesmo que já tenham em cima de si décadas de existência. Editada pela primeira vez em 1963, a novela O Mestre, de Ana Hatherly, é tudo isto e ainda mais. A editora Ulisseia, chancela da Babel, lançou recentemente a quinta edição desta obra. Com um design de “tipografia higiénica” de Henrique Cayatte, a capa inócua não deixa adivinhar as explosões de provocação e ironia, as cáusticas críticas sociais, as carnalidades e as maravilhas poéticas que se escondem lá dentro. Ana Hatherly é uma escritora conhecida pela sua produção plástica e poesia experimental. Em O Mestre, lê-se uma narrativa fragmentada sobre uma discípula que busca respostas para as suas inquietações. A tensão gerada por resistências e jogos mentais que se aliam a uma estrutura social rígida, leva a um desfecho incerto. Mas o que interessa é o caminho percorrido. Este livro, que pede segundas e terceiras leituras, sempre entregando ao leitor algo inusitado, contém trechos que ficam gravados na memória. Eis um exemplo: “Saberei tocar com as minhas mãos a mais irreal de todas as formas, o corpo, esse breve condensado de linfa multicor estremecendo ao som da minha voz, da tua voz, correndo, rindo, dormindo, erguendo os olhos, estendendo a mão para acariciar, empunhando a lâmina fina com que há-de finalmente destruir-se até ficar uma lira pendurada num ramo de uma árvore.” . ¶ MM

O Humor e a Lógica dos Objectos de Duchamp José Gil e Ana Godinho Relógio d’Água 160 páginas 17 euros Há mais de cem anos que as provocações deixadas por Marcel Duchamp fascinam artistas, filósofos e historiadores. Com períodos de apagamento pelo meio, estamos numa fase de revivalismo duchampiano. É a moda dos pequenos “duchampinhos” que aparecem todos os dias com uma nova forma de dizer o mesmo que um urinol assinado “R. Mutt”. Eis, portanto, a altura certa para se editar livros que explorem alguma coisa que ainda não tenha sido suficientemente dita acerca do artista. José Gil e Ana Godinho são os autores dos textos editados neste volume. Pegando nos desenhos questionavelmente chamados de “humorísticos”, José Gil parte, reparte, analisa, disseca e discorre sobre o assunto. Consegue pôr a nu o mecanismo segundo o qual estas obras funcionavam, e com isso oferece ao leitor um texto que, embora útil para os fanáticos de Duchamp, afasta os que não veneram o artista. O texto de Ana Godinho é mais abrangente e acessível, no entanto, chega a atingir o mesmo efeito de análise “clínica” da obra. Numa terceira parte, apresenta-se o registo de uma conversa entre os dois autores, divagando sobre os mesmos assuntos das partes anteriores. Tudo isto regado com imagens e ilustrações que facilitam a visualização e subsequente compreensão dos problemas abordados. A ler por aficionados de Marcel Duchamp. ¶ MM


ARt miX

Cy Twombly Garatujas de giz em quadro de ardósia numa escola primária abandonada da beira serra. Cy Twombly nasceu em 1928 em Lexington, Virginia. Frequentou a escola do Museum of Fine Arts de Boston, a Washington and Lee University em Lexington e a Art Students League em Nova Iorque, onde conheceu Robert Rauschenberg. Frequentou ainda o Black Mountain College na Carolina do Norte, tendo aí estabelecido contacto com Robert Motherwell e Franz Kline. Em 1951, Twombly expõe pela primeira vez na Kootz Gallery de Nova Iorque, sendo o seu trabalho no início influenciado pelo traço primitivo e infantil de Klee. No princípio dos anos 60, Twombly fixa residência em Roma. Em Itália, Twombly afasta-se do seu período expressionista abstracto, começando a trabalhar com telas de grande formato e produzindo uma concepção mais

literal da escrita, encontrando inspiração na mitologia e na história. Em 1995, nasce em Houston a Cy Twombly Gallery onde podem ver-se obras do artista datadas desde 1954. Twombly insere-se no expressionismo abstracto do início dos anos 40 nos Estados Unidos da América. Com ele, autores como Jackson Pollock, Willem de Kooning, Ad Reinhardt ou Arshile Gorky produziram também garatujas diversas na superfície plana da tela. No início da sua abordagem, Twombly preenchia a totalidade do espaço com letras e fragmentos de

traços de grande ilegibilidade, materializados numa superfície plana onde se encontram traços, letras, palavras e diagramas feitos com materiais riscadores finos que permitem rasgar a superfície cromática para uma mais detalhada descrição das formas. Twombly transformou os traços em looping de Pollock em violentos sulcos escavados pela ponta afiada dos lápis ou de outros instrumentos no pigmento que cobria a tela. A arma de Twombly contra a marca autobiográfica do expressionismo abstracto não era uma estratégia para transformar o traço espontâneo num dispositivo, mas ao registar a marca em si própria, enquanto forma de graffiti, evidenciava o traço anónimo de um certo tipo de violação cri-

minal da superfície da tela. Twombly imita um estilo de registo próximo do informalismo dos quadros de ardósia das instituições de ensino – de uma escola primária onde se aprendem as formas das letras – onde uma catadupa de registos escritos se vão sobrepondo ao longo da aula. Roland Barthes fala de um campo de escrita alusivo na obra de Twombly que se desenvolve como uma forma de nos colocar perante um nível mais primário de comunicação direccionada pelos movimentos do corpo em vez de elaborar códigos culturais. Mas as palavras de Twombly podem ser lidas e as suas letras isoladas e descodificadas, facto que corrobora as afirmações de Barthes: “Devemos considerar como surpresas todas as intervenções de escrita no campo da tela: de cada vez que Twombly produz um grafismo, há um tremor, uma desordem na naturalidade da pintura. Essas intervenções são de três tipos (para simplificar). Primeiro, há as marcas de escalonamento, os números, os pequenos algarismos, tudo o que produz uma contradição entre a inutilidade soberana da pintura e os signos utilitários do cálculo. Segundo, há as telas em que o único acontecimento é uma palavra manuscrita. Por fim, há, nos dois tipos de intervenção, a constante ‘inabilidade’ da mão. A letra, em Twombly, é exactamente o contrário de uma iluminura ou de um tipograma; ela parece ser desenhada sem cuidado e, contudo, não é verdadeiramente infantil, porque a criança aplica-se, faz força sobre o papel, arredonda os cantos, põe a língua para fora num gesto de esforço. Ela trabalha arduamente para atingir o código dos adultos, e Twombly afasta-se dele, aumenta, [...] a palavra parece ter sido escrita com a ponta dos dedos, não por repulsa ou tédio, mas por uma espécie de fantasia Apollo, 1975

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/ jorge dos reis


Virgil, 1973

que decepciona o que se espera gesto, rapidez e emoção. É feito da ‘bela mão’ de um pintor: essa de rasuras, traços e garatujas, tal expressão era usada, no século como Apollo, realizado dois anos XVII, para designar o copista, depois. Nesta obra, desenha de que tinha uma letra bonita. E forma intensiva e repetitiva. A quem poderia escrever melhor palavra “Apollo” é o frontão da do que um pintor?” peça em letras de grande porte, A obra de Twombly, a partir do por onde se vão distribuindo momento em que vai viver para outras figuras mitológicas. ConRoma, assenta num plano de es- tudo, o ritual do quadro de arcrituralismo onde os registos da dósia está omnipresente, nesta escrita lapidar romana estão por explosão dos traços. toda a parte. As telas organizam A obra produzida por Twombly blocos de ruínas onde podemos neste período de Itália revela encontrar restos de arquitectu- a multiplicação do traço consra e inúmeros blocos textuais. trutivo de cada letra ou, noutra Assim sendo, o seu trabalho perspectiva, a sobreposição transforma-se num imenso ca- constante da mesma letra. Parderno de uma criança que vai tindo da finura do rasgo e do retirando apontamentos ainda sulco na camada pictórica da rudimentares na sua forma ar- tela, é a sua repetição, de tracaica de escrever e desenhar ço fino, que lhe dá espessura e as letras. Descoconsistência. A brem-se narrapalavra “Apollo” “Devemos tivas que ligam é exemplo paratexto, grafismo, considerar como digmático desta esquema, ilustra- surpresas todas estratégia. Este as intervenções ção e vinhetas. tratamento perTwombly evoca de escrita no mite criar uma também os subli- campo da tela: hierarquia na tela nhados e as notas à de cada vez que tendo em conta margem, aponta- Twombly produz que noutras simentos em restos um grafismo, há tuações a escrita de papel, rubricas um tremor, uma é realizada com abandonadas e desordem na um traço fino. automatizadas em Como resultado, naturalidade da temos palavras pintura" R.Barthes. finas e poderosas, jogando com diversos pesos na superfície do suporte. A obra de Twombly revela o informalismo na criação contemporânea. O artista, ao produzir o seu expressionismo, obedece aos padrões funcionais Cy Twombly da comunicação, mas subverte e contraria constantemente o papel normalizado onde pode- desenho da escrita normalizamos verdadeiramente ler – des- do ao criar formas, no limite da codificar a escrita do pintor – e legibilidade, que não procuram seguir o seu pensamento. produzir uma comunicação erEm Itália, Twombly deixa-se gonómica com o observador. invadir pela cultura de Roma, Pelo contrário, a linguagem de introduzindo nomes de figuras Twombly gera um desenho de mitológicas e assim ligando-se a escrita de alguém que quer peruma tradição que incorpora no manecer incógnito, alguém que seu trabalho. Virgil, à semelhan- deixou garatujas de giz num ça de outras obras deste tempo quadro de ardósia numa escola italiano, incorpora apenas um primária abandonada da beira nome, onde cada letra evidencia serra. ¶


Paula Rego “Gostava de me ver livre do MEDO...”

Aos 76 anos, Paula Rego apresenta novos caminhos dentro do seu percurso. Exposta actualmente na sua Casa das Histórias, em Cascais, Oratório é uma peça recente que cruza as linguagens da escultura com as da pintura. Juntar bonecos e desenhos foi a solução que Paula Rego encontrou para uma exposição sobre o abandono de bebés e a salvação dos mesmos. Inicialmente exposta

no Foundling Museum, em Londres, esta obra mostra a crueldade e a caridade de mãos dadas. A morte a dançar com a vida em narrativas contadas pela artista. Aliás, contar histórias é

o que Paula Rego sempre faz, como na outra exposição simultânea, paredes meias, intitulada “O corpo tem mais cotovelos”, em que se analisa a representação do corpo humano no contexto da sua carreira. Segue-se uma pequena conversa em passeio pelas salas e corredores habitados por amores, lendas e medos. O que é o Foundling Museum e de que forma o trabalho que apresenta agora se insere no contexto da actividade dessa instituição? Na Europa, havia uma roda nas igrejas, onde eram entregues as crianças que as pessoas não queriam, que não eram precisas. De um lado,

fotografia © kenton thatcher

cApA



punha-se o bebé recém-nascido e do outro lado havia alguém que tomava conta dele. Na Inglaterra, não havia a roda e a Igreja não se interessava por isso. No tempo do pintor William Hogarth, as crianças eram deitadas ao poço, eram mortas e as ruas de Londres estavam cheias de crianças mortas. O senhor Thomas Coram ficou muito impressionado com essa porcaria e resolveu arranjar dinheiro para construir uma escola para educar, tratar e tomar conta dessas crianças. Os bebés eram apanhados nas ruas e eram levados para o campo, para famílias que tinham outras crianças. Os bebés viviam aí os seus quatro primeiros anos como parte da família. Era talvez a melhor altura das suas vidas. Depois, vinham dessas casas para a escola onde tinham dormitório e aprendiam coisas. Quando acabavam a escola, as raparigas eram treinadas para serem empregadas domésticas e os rapazes para irem para os barcos. A escola era severa e tinha um aspecto de jardim zoológico.

nhas, mas nunca iam lá buscar as crianças, coitadinhas. Era a identidade de cada bebé... Sim, é muito bonito. E já se tinha lembrado de fazer um oratório ou esta peça surgiu depois do convite do Foundling Museum? Eu já andava a pensar em fazer uma coisa no formato de oratório, mas quando surgiu esta oportunidade, achei que calhava bem. Ficou ao cimo de umas escadas. Era um sítio escuro, mas ficava bem ali. No entanto, aqui fica muito melhor porque vê-se tudo. É uma história contada em capítulos com uma cena central... Foi a primeira vez que realizou uma obra que reúne escultura, instalação, desenho e pintura. É uma novidade no seu percurso. Foi um desafio? Foi horrível. Primeiro, eu não pensei em pôr desenhos. Eram só figuras. Depois, não sabia como havia de pôr os bonecos. Uns para cima, outros para baixo, até que decidi que precisava de um armário. Foi então que consegui e levou meses porque aquela mistura de coisas estava uma porcaria. Há uma figura entre todas que é diferente... A pretinha? Sim, é a única figura perfeita entre todas as esculturas. Ao contrário das outras que são grotescas, esta é bonita. Porquê? Porque não fui eu que a fiz. É mais boazinha do que as outras? Se calhar... É mais obediente. Pode explicar em que consiste cada uma das partes deste oratório? Começa com uma violação, não é? Sim, começa com uma violação. Depois, há uma mulher a dar à luz ao luar. Há uma cena que diz respeito a uma coisa que faziam lá, que era cortar os cabelos às meninas assim que chegavam. Depois, ali está uma mulher a dançar com a morte. No entanto, ela parece estar com uma expressão apaziguada... Sim, claro. A morte às vezes é consolo, não é? Depois, mais ali ao lado, está uma imagem com um bebé pendurado que é como aquela famosa fotografia do Michael Jackson... Ali, estão a deitar os meninos para dentro de um poço. Aqui no meio, estão as figuras. Ao centro, é a minha filha Carolina, à direita, é a minha prima Manuela. Aqui, é um puto que está a mamar. Não era permitido que os meninos tocassem uns nos outros. À noite, eles choravam nas camas e esta menina deixava-os chupar na maminha para lhes dar conforto. E esta criança, que parece estar morta? É uma avó! É uma velha. Parece uma pietà... Exactly.

"Há pouco tempo, uma pessoa disse-me assim: 'Eu gosto muito de si. Até gosto mais de si do que do seu trabalho!' Fantástico, não é?" [risos] Por exemplo, as crianças estavam a comer e os habitantes de Londres faziam excursões para irem ver os meninos a comer como se fossem uns bichos estranhos. E como é que essa instituição passou a ter um museu? Eles tinham uma casa muito bonita e Coram conseguiu arranjar dinheiro para continuar. Nessa altura, havia muitos artistas ingleses e ainda não existia a Royal Academy para expor. Assim, Hogarth fez um retrato maravilhoso do senhor Coram e expô-lo na casa. Outros artistas começaram a pensar em expor ali para ver se conseguiam vender alguma coisa. Assim foi, e o espaço começou a transformar-se numa espécie de galeria. O compositor Händel foi até viver para lá e compôs obras musicais. O Foundling Museum nunca teve ajuda do Estado nem da Igreja nem nada, apenas dos artistas. A coisa mais comovente é o facto de as mães, quando iam lá entregar as crianças, deixarem sempre lá qualquer coisinha da criança. Fosse uma pulseira, ou um brinco, um bonequinho... E esses objectos estão expostos. Quando fossem buscar as crianças, podiam levar as coisi-

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Orat贸rio, 2010


É a figura com o ar mais bondoso que tem a velha a morrer nos braços. Às vezes, esquecem-se também os velhos, não são só as crianças... Pois. É triste. É a mesma coisa, os velhos a morrer na rua. Deixam-nos abandonados em casa. E há lares que são de uma crueldade espantosa. O tormento que fazem aos velhos em alguns lares em Londres é horrível. É maldade. Neste oratório, fala de duas fases de fragilidade na vida em que a crueldade acontece. Absolutamente. É simples, mas levou meses a fazer isto. Ainda pensei em fazer uma estrutura de confessionário... O que não deixava de ser interessante, explorar e espreitar o local onde os pecados são despejados... Tinham de ver-se os pecados! E através da rede, veríamos o padre rodeado de demónios. E de meninas, o que era bem bom! Ou de meninos, sobretudo, que eles gostam muito. Mas, voltando ao Oratório, que é a peça que está à nossa frente, há aqui uma presença repetida da figura de uma senhora desfigurada que é a morte... É um dos seus medos? Eu tenho muito medo. Gostava muito de me ver livre do medo, mas não consigo. Desde pequenina, é uma coisa que me veio desde os tempos da Mocidade Portuguesa, onde só me contavam histórias horríveis. Eu ia para casa e ouvia a morte a descer pelo corredor abaixo. O que eu aprendi na Mocidade Portuguesa foi o medo. O medo que faz a pessoa ficar fria, esconder-se e fazer tudo para ver-se livre dele sem conseguir. Até o meu querido amigo poeta Alberto Lacerda disse uma vez num jornal que eu dava cara ao medo. Mas com a idade esse medo não se dissipa? Há épocas em que melhora, mas depois volta outra vez. É uma desinquietação horrível. Mas esta obra não é acerca do meu medo. Em volta do Oratório, há várias obras onde se representam cenas de violação, de masturbação, mulheres que deitam bebés a um poço. A personagem que deita os bebés ao poço é oriunda de uma lenda da tradição portuguesa, não é? Sim, é a Maria do Gancho, que está no fundo do poço e puxa as crianças para baixo. É preciso ter cuidado com ela, era o que as mães diziam aos filhos para eles não se aproximarem dos poços. Para desenhar estas obras, fiz um poço lá em casa e trabalhei com modelos e bonecos feitos por mim. A mitologia rural portuguesa não é muito explorada visualmente, pois não? Será por medo? É porque se essas coisas se dão a ver ficam vivas, não é? A outra parte do programa expositivo intitula-se “O Corpo tem Mais Cotovelos” e tem que ver com os ângulos e as esquinas que dificultam a representação do corpo humano. Como é que desenvolve a sensibilidade e a técnica para desenhar a figura humana? É olhar e copiar. Ao princípio não é fácil, mas vai com o tempo. Ainda não consegui aperfeiçoar isto na totalidade, mas continuo a aprender.

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"Os bebés eram apanhados nas ruas e eram levados para o campo, para famílias que tinham outras crianças.


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fotografia © kenton thatcher

A mostra inicia-se com um conjunto de esboços e estudos. Ainda os executa antes de realizar uma obra? Sim, mas já não preciso de medir as proporções. Já aprendi a fazer à vista. Porque é que nas suas obras as mulheres vestem sempre roupas de outra época, trajes vitorianos? Muitas coisas são do século XIX porque são fatos da minha avó. Alguns também compro. Tem medo das personagens que pinta? Não. São todas a Lila [modelo com que a artista trabalha há muitos anos], não tenho medo dela. Quando era criança, alguma vez lhe contaram uma história que a tenha perturbado realmente? Então, na Mocidade Portuguesa, como lhe disse. Uma das histórias era assim: nós tínhamos uma lareira e diziam-nos que se começássemos a olhar para as chamas víamos a cabeça do diabo. E depois, quando íamos para a cama, diziam que era melhor deixar a porta fechada ou aberta. Nunca se devia deixar a porta entreaberta. Eu fui para a cama e pouco depois oiço passos no corredor. Passos, passos, passos, passos... A porta do meu quarto abre-se e entra a morte. Era um esque-

leto vestido de morte. Eu levanto-me da cama, saio a correr e vou para o quarto dos meus pais que era mesmo ao lado. Meti-me na cama com eles, encostei-me à minha mãe e a morte entrou atrás de mim e deitou-se na cama connosco. Ainda hoje essa história me causa pavor. Nunca mais me esqueci. Sempre que faz uma visita a uma exposição sua, mesmo que seja uma apresentação à imprensa, acontece um momento de misticismo. A Paula vai à frente e a seguir há como que uma procissão de pessoas que a seguem como se fosse uma papisa, que se assombram e fascinam com tudo o que diz, que ficam em silêncio como numa igreja e comentam baixinho umas com as outras as suas frases. Já se apercebeu disto? Há pouco tempo, na inauguração da exposição do Porto, uma pessoa disse-me assim: “Eu gosto muito de si. Até gosto mais de si do que do seu trabalho!” Fantástico, não é? [risos] A Paula continua a trabalhar muito. Não se cansa? Canso-me muito e trabalho muito. Como é que eu ganho a vida sem trabalhar? E estou sempre à espera de fazer coisas melhores, de ficar melhor naquilo que faço, mas não consigo! É uma pena. Com a idade, não fiquei melhor, fiquei diferente. ¶ Miguel Matos


prémio

em são paulo

São Paulo: cidade de miscigenação cultural e centro económico do Brasil. Uma megalopolis multifacetada com uma oferta cultural gigante e de qualidade acolhe a primeira fase de internacionalização do prémio BESphoto, tendo inaugurado a 20 de Agosto e com termo de apresentação a 23 de Outubro. O Banco Espírito Santo, o Museu Berardo e a Pinacoteca do Estado de São Paulo juntam-se com o intuito de promover a criatividade e integração dos artistas plásticos contemporâneos de língua portuguesa no panorama internacional e com a ambição de construir aquele que será o maior prémio de arte contemporânea do Atlântico Sul. As galerias da Estação Pinacoteca foram o palco de apresentação dos finalistas desta edição do prémio, a saber: Carlos Lobo, Kiluanji Kia Henda, Manuela Marques, Mário Macilau e Mauro Restiffe. Em 2011, o prémio BESphoto abriu o seu espectro. Afirmando-se como o principal prémio de arte contemporânea em Portugal, adquire estatuto internacional na sua sétima edição, alargando o âmbito de selecção dos artistas que, a partir desta edição, poderão ser de nacionalidade portuguesa, brasileira ou dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Assim, nesta nova lógica de funcionamento, além de dois artistas portugueses, concorrem nesta edição o angolano Kiluanji Kia Henda, o moçambicano Mário Macilau e o brasileiro paulista Mauro Restiffe. Foi a cidade de Restiffe que acolheu o trabalho de todos os

finalistas numa exposição nova e diferente daquela anteriormente apresentada no Museu Colecção Berardo. Na verdade, devido às limitações de espaço (a Estação Pinacoteca é um edifício muito menor), as obras expostas foram submetidas a uma selecção e edição. Mas não se julgue que a mostra perdeu com isso. Pelo contrário. Numa exposição posterior à decisão do prémio, seria normal uma reformulação de espaços e destaques. Por isso mesmo, Manuela Marques teve direito a um espaço privilegiado em que devolveu a São Paulo as imagens que dela tinha tirado. Trata-se de um trabalho sobre a cidade em fotografia e vídeo. Instantes de atenção, imagens quase em zoom. Um trabalho de pormenor, só possível de realizar por alguém que conheça bem o local. De facto, Manuela Marques é representada em São Paulo pela Galeria Vermelho e são frequentes as suas visitas à cidade. Só assim, no meio de tanta azáfama, cimento e confusão frenética, conseguiria a fotógrafa captar momentos de silêncio e intimidade através de imagens de contemplação e vivências pessoais. Estas pausas numa cidade gigantesca permitem uma visão que o mero visitante já não reconhece. Na opinião do júri, a escolha de Manuela Marques para vencedora da sétima edição “resulta da forma como a artista concilia tempo e sequência – dois ingredientes-chave da arte fotográfica – usados com uma habilidade inovadora, uma técnica detalhada e uma subtileza e criatividade notáveis. As fotografias e o vídeo apresentados conferem uma expressão integrada no envolvimento do aspecto performativo do tempo e da sua dinâmica oscilante entre nostalgia e projecção do futuro”. Quanto aos restantes artistas, cada projecto teve de ser submetido a uma adaptação ao espaço disponível, tendo sido

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besphoto 2011



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prĂŠmio


retiradas algumas das obras que estiveram expostas no Museu Colecção Berardo. Na pinacoteca, cada participante tem direito a uma sala e em alguns casos essa limitação de espaço resulta de forma bastante positiva, como é o caso mais evidente de Mauro Restiffe. As suas fotografias, a preto-e-branco e de pequena dimensão, ganham em relevância e proximidade num espaço mais confinado. É importante referir o historial da Pinacoteca do Estado de São Paulo em relação à arte contemporânea portuguesa. De facto, neste espaço, nos últimos anos, tem havido uma relação regular entre os dois países. Desde a realização de exposições colectivas até individuais de nomes como Joana Vasconcelos, Júlio Pomar, Jorge Martins e Julião Sarmento, entre outros. Este facto torna ainda mais natural a vinda da exposição do BESphoto de Lisboa para a Pinacoteca de São Paulo, cidade rica em eventos artísticos onde simultaneamente decorre, no Instituto Tomie Othake, uma mostra de fotografia da Colecção Telefónica com nomes portugueses como Helena Almeida e Jorge Molder. Está prevista a continuação da expansão do Besphoto no Brasil nos anos vindouros, no que representa um passo que poderá ser decisivo para a divulgação internacional não só da colecção de arte do Banco Espírito Santo como da arte portuguesa em geral. ¶ Miguel Matos


Atribuído de dois em dois anos, o Prémio EDP Novos Artistas distinguiu nesta edição de 2011 a artista Priscila Fernandes como vencedora. O júri

decidiu também entregar uma menção honrosa a André Trindade. Dizem os elementos do júri, em comunicado final, que o prémio atribuído a Priscila Fernandes deve-se ao facto de a sua obra apresentar “uma grande densidade e complexidadedelinguagens”. Uma obra que “se desvenda de um modo claro e que se abre a uma multiplicidade de leituras e caminhos de desenvolvimento”. Numa edição do prémio particularmente homogénea e de curadoria pensada e reflectida, nenhum dos nove finalistas, seleccionados por João Pinharanda, Delfim Sardo e Nuno Crespo, se distinguia por ser especialmente bom ou especialmente mau. O júri de premiação desta edição foi composto pelo curador e crítico de arte Alexandre Melo, o artista José Pedro Croft, o curador da 29.ª Bienal de São Paulo Moacir dos Anjos, Lynne Cooke – subdirectora e curadora chefe do Museu Rainha Sofia e José Manuel dos Santos, em representação da Fundação EDP. Entre a fotografia, a pintura, o vídeo, a escultura, a sonoplastia e a instalação, os seleccionados para o prémio realizaram projectos específicos para a exposição. Entre os criadores, nomes como

Carla Filipe, Catarina Botelho, Catarina Dias e André Trindade eram já minimamente familiares para quem acompanha de perto a actividade artística e o movimento nas galerias. A série fotográfica de Catarina Botelho é um exemplo interessante de obra discreta e pouco inovadora, mas tecnicamente irrepreensível e com coerência dentro do percurso da criadora. Carla Filipe, também igual a si própria, era a presença mais exuberante do conjunto, com as suas habituais bandeiras e uma instalação de barreiras ferroviárias. Não esquecendo os outros seleccionados, é de referir que a Menção Honrosa atribuída a André Trindade distingue “uma obra que evoca um tempo e um lugar familiares e que ao mesmo tempo nos coloca numa situação de estranheza”, nas palavras do júri. A sua obra é uma instalação que cruza elementos expectáveis com outros absurdos dentro de um ficcional estabelecimento comercial alimentar (um café?). Voltando a Priscila Fernandes, a artista ganhou assim 10.500 euros, que deverá aplicar no desenvolvimento da sua formação e produção artística. A vencedora nasceu em Coimbra, em 1981 e vive em Roterdão. Licenciou-se em Pintura no National College of Art and Design, em Dublin, República da Irlan-

da. Fez o Mestrado em BelasArtes no Piet Zwart Institute, Willem de Kooning Academy da Universidade de Roterdão, Holanda. O seu trabalho apresenta propostas no campo da instalação, pintura e vídeo. Os dois vídeos que Priscila apresenta neste contexto, dentro de convenientes molduras brancas, fazem alusão à pintura modernista, às suas formas e cores. O contexto é doméstico e faz referência à arquitectura, ao abstraccionismo e ao género de pintura de natureza morta. O aspecto lúdico e infantil marca presença em obras de simples produção e fruição. Não era, no entanto, uma candidata óbvia ao pódio. Uma surpresa, portanto. Em edições anteriores, o Prémio EDP Novos Artistas foi atribuído a Joana Vasconcelos, Leonor Antunes, Vasco Araújo, Carlos Bunga, Pedro Paiva/João Maria Gusmão, João Leonardo, André Romão e Gabriel Abrantes. A exposição está patente no Museu da Electricidade, em Lisboa, e encerra a 18 de Setembro, o que significa que deverá aproveitar os seus últimos dias se ainda quiser ficar a par dos novos valores da arte contemporânea portuguesa... Na opinião deste júri, claro! ¶ Miguel Matos

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Novos ARtIstAs


o Prémio EDP Novos Artistas 2011 é de...

Priscila Fernandes


técnicas

Miguel Chevalier, Sem título, 2011 Serigrafia, edição Centro Português de Serigrafia

A Obra Gráfica e o seu contexto em portugal

Ana Fonseca, Elmo, 2011 Gravura, edição Centro Português de Serigrafia

A desconfiança do público e dos coleccio- contrando sempre um leque de interessados, a nadores em relação à obra gráfica é ainda obra gráfica tem o seu nicho de coleccionadores notória, em contraste com outros países como Espanha ou Alemanha. Na verdade, não temos a tradição histórica de um grande gravador como Goya, Picasso ou Dürer, mas um olhar mais atento permite descobrir um campo fervilhante de produção artística. A gravura foi inventada na China e durante a Antiguidade esteve presente também no Egipto. A Europa manteve-se resistente à sua aplicação até ao século XV, quando da abertura de ateliers em Itália e na Alemanha. A alfabetização tardia no nosso país é um factor importante quando se pensa no fraco desenvolvimento das técnicas de gravura. O problema é antigo, como explica Joanna Latka, artista polaca residente em Portugal e que aposta o seu tempo na paixão pela gravura e numa tese que se encontra a desenvolver sobre a história da mesma. “Quando a corte portuguesa foi para o Brasil, levou consigo os mestres gravadores e por isso a gravura brasileira tem maior tradição e é, hoje em dia, mais explorada do que a portuguesa. Além disso, à excepção do rei e da aristocracia, poucas pessoas sabiam ler. Portanto, a gravura, que era utilizada essencialmente para produzir livros, estava pouco desenvolvida. Só no século XIX, quando se incrementa a educação e se dá a proliferação da imprensa, é que a técnica conhece uma maior aplicação.” No entanto, Portugal esteve adormecido para a aplicação desta técnica nas práticas artísticas até aos anos 50 do século XX, quando o movimento neo-realista resolveu democratizar a arte, começando praticamente do zero. Para esta explosão, muito contribuiu a criação, em 1956, da Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses “Gravura”. O conceito de obra múltipla reduz o seu custo e permite o acesso a um maior número de coleccionadores. Nos anos 70, com a maior divulgação da serigrafia, a gravura entrou em desuso. A serigrafia tornou-se a técnica gráfica mais procurada, permitindo uma maior tiragem a um preço mais baixo. Nunca morrendo e en-

e praticantes. Em Lisboa, continuam em actividade oficinas como a Contraprova, a Cooperativa Gravura, a Associação Água Forte, a Oficina do Cego e o Centro Português de Serigrafia que comemora neste momento 25 anos de vida. No Porto, continuam activas a Cooperativa Árvore e a Associação de Gravura Matriz. É verdade que a serigrafia pode ser usada como mero meio de reprodução de obras de arte, mas nem sempre é o caso. A técnica vale por si e resulta em peças com uma expressão plástica muito própria e diferenciada de uma pintura. A gravura e a litografia são casos diferentes que não têm nada que ver com reproduções de pinturas. Para isso, há que entender os processos de criação e produção. Se a serigrafia pode ser realizada a partir de uma pintura original, também pode ser uma obra autónoma, concebida para se adaptar às possibilidades técnicas que permitem obter cores extremamente fortes e vibrantes. Já no caso da gravura, o artista escava e risca um desenho directamente sobre uma placa que normalmente é de madeira, de metal ou de linóleo. Esse desenho constitui a matriz: uma espécie de negativo que vai ser tintado e prensado contra uma folha de papel. Ou seja, a matriz não é ainda a obra feita, é apenas parte do processo. O resultado final é mesmo a imagem que fica no papel, com todas as texturas e relevos que só uma gravura pode ter. Não se pode então falar de simples reprodução, pois não existe nada antes que lhe sirva de modelo. A gravura existe por si e tem a sua individualidade, mesmo depois de repetida em tiragem limitada e assinada pelo artista. Mas nem mesmo essas repetições são cem por cento iguais, pois é impossível tintar e prensar de forma a evitar pequenas variações. A litografia tem a mesma dose de independência, pois o desenho original faz-se manualmente sobre uma pedra que é depois prensada no papel. Em Portugal, há vários artistas que se têm dedicado abundantemente à obra gráfica, como é o caso de José Pedro Croft, Julião Sarmento,

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Por mais ancestrais que sejam as técnicas gráficas, em Portugal parece subsistir ainda uma resistência em aceitar a gravura, a litografia e a serigrafia como técnicas artísticas com valor e expressão própria.


Litografia A litografia é, de todos os processos de impressão, o que mais se assemelha à pintura e ao desenho. As imagens desenham-se directamente sobre uma pedra calcária especial. O desenho realiza-se com um meio gorduroso (tinta ou lápis) que, após tratamento, retém facilmente a tinta de impressão, também ela gordurosa. As partes da pedra que devem ficar brancas são ensopadas com água e, como consequência, rejeitam a tinta que não adere à pedra. Esta técnica foi inventada pelo alemão Aloys Senefelder, em 1798. Desde a sua descoberta, o método tem sido continuamente aplicado, tendo sofrido poucas alterações. A litografia na sua forma mais elementar – a simples utilização da mão – permite ao artista uma grande liberdade de expressão. Daí que sejam bastante conhecidas as litografias de artistas como Ingres, Manet, Degas, Renoir, Toulouse-Lautrec, Matisse, Braque, Chagall, Miró, Picasso, Tàpies, entre muitos outros.

Gravura Resumidamente, a gravura pode ser impressa de duas formas: em relevo (xilogravura, linóleo) ou em profundidade (água-forte, água-tinta, ponta seca), estando esta última associada à gravação das placas de metal (normalmente cobre ou zinco). A impressão em profundidade abarca uma série de técnicas, as quais incluem a incisão de um motivo sobre uma placa de metal, que logo é tintada para transferir a imagem ao papel. Se as primeiras impressões datam do século XV, o acto de gravar já era praticado pelo homem pré-histórico para decorar pedras e ossos; e os Etruscos começaram a gravar metais 400 anos antes de Cristo. Graças a algumas personalidades artísticas, esta técnica demarcou-se como meio válido de expressão. São referência as gravuras sobre metal de Dürer, Rembrandt, Goya, William Blake ou Picasso.

David de Almeida, José de Guimarães, Júlio Pomar ou Nadir Afonso. No passado, Bartolomeu Cid dos Santos foi um dos maiores mestres da gravura na Slade School of Fine Art, em Londres. Vieira da Silva trabalhou a fundo todas as técnicas gráficas. Paula Rego considera a gravura e a litografia como as suas técnicas mais expressivas e nas quais se sente mais à vontade para trabalhar, dada a relação de proximidade com a linguagem do desenho. No caso desta artista, é importante referir a série de gravuras dedicada ao problema do aborto em Portugal, que a artista resolveu concretizar em múltiplos exactamente para difundir a mensagem de propaganda contra a penalização desta prática e as consequências nefastas para a sociedade. Ou seja, a multiplicação das imagens tem uma função política e social. Internacionalmente, é de salientar a importância da gravura e da litografia no expressionismo alemão e da serigrafia na arte pop. Juan Carrete Parrondo salienta esta importância da arte gráfica num catálogo do Museo del Grabado Español Contemporáneo, em La Coruña. Diz ele que “para o artista, a arte gráfica não é uma mera reprodução, nem uma repetição mais ou menos simplificada da obra pictórica ou escultórica,

Serigrafia A serigrafia tem por antepassados directos os procedimentos de multiplicação dos motivos em pochoir, utilizados no Extremo Oriente, e sobretudo no Japão, muito antes do princípio da nossa era, para imprimir tecidos. O emprego da serigrafia no campo da criação artística é relativamente recente, mas as vantagens que apresenta permitiram atrair um número considerável de artistas, cativados por resultados diferentes dos obtidos pelas técnicas clássicas. Nos anos 30, adquiriu popularidade entre os artistas americanos. No entanto, foi nos anos 50 que os artistas aceitaram plenamente este meio como uma forma válida de comunicação. A arte pop, interessada nas imagens da cultura urbana, encontrou na serigrafia um meio muito adequado para a recriação dos seus temas. A prova serigráfica caracteriza-se por um depósito de tinta em ligeiro relevo uniforme, sem pressão, na superfície do papel. A serigrafia é a técnica ideal para as composições de carácter plano, sem detalhes demasiado finos e de formato considerável, produzindo uma impressão densa, subtil e sedosa.

Velickovic, Karton, 2009 Serigrafia, digital print e colagem, edição Centro Português de Serigrafia

mas algo com características significativas próprias – não apenas técnicas – nas quais o fazer se configura como parcela autónoma, embora não independente, no conjunto da sua criação. É complemento de outras actividades artísticas, nunca suplemento”. No entanto, apesar do reconhecimento institucional da obra gráfica (o Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão possui uma enorme colecção), não existe em Portugal um museu dedicado a este tipo de arte, ao contrário do que se passa em Espanha. A obra gráfica, por ser de natureza múltipla, perde o factor aurático de que falava o filósofo alemão Walter Benjamin em A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica. Aquela aura da superioridade do objecto, do momento único, do aqui e agora que experimentamos ao observar uma pintura única e irrepetível. A obra ganha, no entanto, em valor expositivo, ou seja, na capacidade de mostrar-se em vários lugares ao mesmo tempo, ampliando a sua difusão e recepção pelo público. Talvez por valorizar-se ainda demasiado o carácter único da obra de arte, a gravura, a litografia e a serigrafia continuem a ser mal-amadas e mal-entendidas. Trata-se, sem dúvida, da persistência de um equívoco. Como refere António Canau no catálogo da exposição “1/150 Gravar e Multiplicar” que a Casa da Cerca realizou em 2009, “o factor ‘múltiplo’, a obtenção indirecta da imagem com a respectiva componente oficinal e processos técnicos envolvidos, a utilização desses processos durante séculos de forma subsidiária em relação principalmente à pintura têm contribuído para que seja esquecida, mesmo marginalizada – podendo até falar-se de discriminação – em relação a outras formas de expressão”. ¶ Miguel Matos


aniver sário

Riso :) Provocar o riso é uma das principais funções da mítica e carismática Companhia do Chapitô, que celebra este mês 15 anos. Uma adolescência dedicada às artes do teatro, que valoriza a comédia pelo seu poder de questionamento da realidade física e social, tornando-se assim um antídoto para os dias de hoje.

Desde a sua criação em 1996 que a companhia do Chapitô desenvolve espectáculos multidisciplinares assentes no trabalho corporal do actor e que

convidam à imaginação do público. Como forma de realçar a interacção entre companhia e espectador, neste aniversário surgiu a ideia de convidar o público a escolher entre três peças às quais assistir. Este só saberá que espectáculo vai ver dependendo do número de bilhetes vendidos. Em seguida, a montagem do cenário será partilhada entre o público e a Companhia. Entre as peças seleccionadas estão Drakula (2008), Cão que Morre não Ladra (2010) e Cemitério dos Prazeres (2011). Assim, de 19 a 23 de Setembro, serão criados três cenários para os espectáculos que culminam com uma festa, no dia 24. Também as estações do Metropolitano de Lisboa

Cão que morre não ladra, 2010 Comédia negra que fala de uma família com um problema bastante sério. Uma família que tem uma forma própria e especial de lidar com a perda de um ser amado. Uma família despedaçada e partida ao meio pela tragédia, mas finalmente reunida numa história em que o humor é desenvolvido em torno da temática da morte. No meio de uma infinidade de peripécias tudo se transforma num espectáculo de humor negro com recurso a elementos macabros, absurdos ou violentos que se associam ao cómico. Encenação – John Mowat Interpretação – Jorge Cruz, Marta Cerqueira, Tiago Viegas

de Marquês de Pombal, Entrecampos e São Sebastião vão integrar as comemorações, exibindo, entre 8 de Setembro e 8 de Outubro, fotografias de cena das três criações em reposição. O Chapitô representa uma espécie de grande chapéu cultural que no seu interior alberga diversos sectores, incluindo uma escola de circo, bar e restaurante, sendo a companhia de teatro uma peça nuclear deste puzzle. A ideia da sua criação surgiu em 1994 pelas mãos do já falecido João Sena, na altura um dos directores do Chapitô, e José Garcia, actual director da companhia. José entrou no Chapitô em 1991, estudando e trabalhando na Escola de Artes e Ofícios do Espectáculo. Segundo ele, “começámos a falar sobre a questão de querermos fazer

uma companhia de teatro que representasse o Chapitô a nível internacional. Eu olhava para as outras companhias que existiam e não me identificava com a estética de nenhuma delas. Pretendíamos algo de novo, que não existisse em Portugal e que passasse a ser o espelho do Chapitô”. À dupla fundadora junta-se posteriormente John Mowat, que ficou com o cargo de encenador da companhia. A partir daí criaram uma ligação muito forte e uma linguagem inovadora. A companhia é visivelmente influenciada pela commedia dell’arte, uma forma de teatro popular improvisado que começou no séc. XVI em Itália e que se desenvolveu posteriormente em França.

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O Espectáculo do


Drakula, 2008 Dr. Jonathan Harker, um célebre dentista inglês, é chamado de urgência à Transilvânia. Ao chegar ao castelo do seu cliente, depara-se com um vasto espólio de doenças e estranhos hábitos de dieta e higiene oral: queda de dentes, gengivite, mau hálito e uma acentuada ausência de vitamina D. No regresso a Londres, sucedem-se incidentes ainda mais perturbantes: o conde não consegue abandonar os seus hábitos perversos, nem a sua particular preferência por certos grupos de sangue. Nada parece detê-lo. Sem alternativa, Dr. Harker pede auxílio ao seu colega e amigo Prof. Van Helsing, um grande vampirologista. Entre A positivo e RH negativo, o romance, o suspense e o drama nas ruas sombrias de Londres. Encenação – John Mowat Interpretação – José Carlos Garcia, Jorge Cruz, Tiago Viegas

Baseia-se na improvisação e no uso de máscaras e personagens estereotipadas. No entanto, a commedia dell’arte, na sua técnica, é muito rígida e no Chapitô decidiram aproveitar o conceito criando uma linguagem própria: “Limpámos tudo o que era formal, desde as máscaras aos figurinos, e criámos uma filosofia mais orgânica, sem maquilhagem, sem narizes, sem artifícios e é essa a nossa grande característica. Primamos pela simplicidade das coisas e jogamos com o público”, refere José Garcia. A Companhia faz também uso das técnicas de clown em que os elementos vocais e instrumentais,rítmicos e plásticos estão ao mesmo nível do texto, e por sua vez ao serviço da comunicação. Gera-se assim uma atmosfera única

perante a qual se torna impossível a passividade do espectador. Este entra no jogo, ri-se e liberta-se, sentindo-se parte integrante da peça devido a toda a envolvência criada, e experiencia os seus 15 minutos de fama. De acordo com John Mowat: “No meu trabalho, não pretendo passar mensagens, quero sim que as pessoas riam, sou um entertainer, quero entreter […] Dar forma é sempre uma descoberta e no nosso dia-a-dia as coisas passam-se assim, fazemos descobertas constantes”. No Chapitô, acredita-se na interacção entre o cérebro e o corpo, como se este constituísse uma espécie de corpo-ferramenta,sendooprocesso criativo o principal motor de todos os espectáculos. Actores, músicos, bailarinos, designers e produtores

vão interagindo em prol da peça perfeita, sendo o corpo do actor o ponto de partida de todo o processo. Trata-se de um jogo cénico em que se vão conjugar sons, expressões corporais e movimentos que desafiam a mente do espectador através da infinita procura pela cumplicidade. O objectivo é fazer uma abordagem actual dos autores clássicos e contemporâneos, questionandoos e fazendo uma reflexão sobre as temáticas por eles usadas. Segundo José Garcia, “é um teatro muito físico, tem diálogos, mas o texto não é o mote, está ao mesmo nível do movimento, do gesto, é como se este também falasse, num nível certo para contar a história. É por isso que fazemos as peças em três línguas, português, espanhol e inglês”. A máxima da companhia é a de que um gesto vale mais do que mil palavras, quebrando barreiras linguísticas e afirmando a sua vocação universal. Até hoje, já produziram 29 criações originais, apresentadas em Portugal e um pouco por todo o mundo: Brasil, Cabo Verde, Co-

lômbia, Irão, entre outros países. Entre elas estão Leonardo (2000), Romeu e Julieta (2001), Talvez Camões (2004), Agora Eu Era (2007) e História de Quem Perde a Sombra (2009). A cultura funde-se com o entretenimento, resultando em espectáculos que procuram fazer uma reflexão sobre o quotidiano e a experiência humana através de um registo cómico que não pode deixar de traduzir-se em sorrisos. ¶ Elsa Garcia Espectáculos: De 19 a 23 de Setembro, de Segunda a Sexta-feira às 22h Preço: 12 euros Costa do Castelo, n.º 1 / 7 1149-079 Lisboa Tel. (+351) 21 885 55 50 companhiadochapito@gmail.com

Cemitério dos Prazeres, 2011 Num ambiente cómico, horripilante, estranho e macabro, personagens grotescas e sinistras deambulam numa paisagem sem alma em busca do cheiro do prazer. Reunidas pelo destino num submundo cruel e intemporal, estas criaturas executam a sua perpétua rotina, enquanto se contorcem em formas de êxtase e tormento. Mas, mesmo neste sítio bizarro e inquietante, há sempre um sentido da realidade que consegue emergir, desvendando, assim, a comédia e a tragédia da condição humana neste Cemitério dos Prazeres. Encenação – John Mowat Interpretação – Jorge Cruz, Tiago Viegas


eXPosições agenda setembro

Abrantes Galeria Municipal de Arte de Abrantes Helena Lapas: “Trabalhos Recentes” De 3 de Setembro a 7 de Outubro Praça Raimundo Soares Tel.: 241 372 581 3ª a Sábado das 10h às 12h30 e das 14h às 18h30 Helena Lapas propõe, através de novos materiais e técnicas, um caminho sempre inovador. Elabora um espaço racional onde constrói uma poética criada entre um mundo orgânico de materiais e outro inorgânico. As suas tapeçarias ou colagens são como naturezas mortas, construídas com a paciência de quem decifrou muitos segredos da técnica na utilização dos materiais.

O rochedo, quando uma ténue neblina lhe dá o curioso aspecto de uma ilha imaginada Lisboa Carlos Carvalho Arte Contemporânea Susana Gaudêncio: “Chamber of execution” De 15 de Setembro a 29 de Outubro Rua Joly Braga Santos, Lote F R/C Tel.: 217 261 831 2ª a 6ª das 10h às 19h30, Sábado das 12h às 19h30 Na obra de Susana Gaudêncio, o acto de desenhar é envolvido numa sucessão de movimentos performativos de configuração, destruição e reconstrução. O suporte e o gesto têm uma relação com a memória dos espaços pela metaforização dos fluxos sociais históricos que estes lugares acolhem.

Homenagem a Edward Weston, 2011

Sem Título, 2010 Cortesia Galeria Distrito 4, Madrid

Lisboa Galeria Valbom Roberto Santandreu: “Da Beleza” De 16 de Setembro a 26 de Outubro Av. Conde Valbom, 89-A Tel.: 217 801 110/12 2ª a Sábado das 13h às 19h30 Cerca de uma dezena de fotografias a preto-e-branco mostram ao espectador um, dois ou três pimentos. O trabalho de Roberto Santandreu revela-se na sua capacidade de intervir sobre este objecto específico, transformando-o, interpelando-o obsessivamente, abstractizando-o na valorização semântica das suas linhas de contorno.

Porto Culturgest José Loureiro : “Dois remos por remador” De 3 de Setembro a 12 de Novembro Edifício Caixa Geral de Depósitos Avenida dos Aliados, 104 Tel.: 222 098 116 2ª a Sábado das 10h às 18h Quatro grandes pinturas, inscritas com precisão cirúrgica na arquitectura do espaço expositivo, dão conta, de modo parcimonioso mas incisivo, dos mais recentes desenvolvimentos da pintura de José Loureiro. Estas pinturas de ecrãs brancos, dinamizados por “molduras” de intensa vibração, vão surpreender o espectador.

Petit Plaisance (do céu vem o auxílio), 2011

José Pedro Croft Sem Título, 1994/98

Une Affaire de Creux et de Bosses, 2011

Sputenik the window, da série Mutações

Lisboa Baginsky Galeria / / Projectos Ana Vidigal: “Estilo Queen Anne” De 22 de Setembro a 5 de Novembro Rua Capitão Leitão, 51-53 Tel.: 213 970 719. 3ª a Sábado das 14h às 19h O sentido de humor, presente nos títulos e nos jogos de linguagem, transmite o sentido da obra e coloca o espectador perante as mais diversas leituras. O mesmo acontece com o uso da cor, como elemento estruturante, e com a introdução de uma ambiguidade entre o kitsch e a cultura erudita.

Lisboa Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva Colectiva: “Transitions: Honrar o passado, seguir em frente” De 11 Setembro a 13 de Novembro 2011 Praça das Amoreiras, 56 Tel.: 213 880 044/53 2ª a Domingo das 10h às 18h Exposição que convoca uma reflexão sobre as transformações que a nossa forma de vida tem incorporado desde o fatídico dia 11 de Setembro de 2001. A escolha das obras incidiu sobre pequenos núcleos da produção de quatro autores portugueses, Joaquim Bravo, Fernando Calhau, José Pedro Croft e Álvaro Lapa, e do norte-americano Joel Shapiro.

Lisboa Kunsthalle Lissabon Mariana Silva: “A organização das formas” De 17 de Setembro a 5 de Novembro Avenida da Liberdade, 211 - 1º Tel.: 912 045 650 5ª a Sábado das 15h às 19h Em Uma composição para dois, a dois momentos diferentes (2011), peça central da exposição, dois canais de vídeo são sobrepostos no mesmo ecrã. O gesto de sobreposição conflui assim em duas instâncias de movimento coreografado: as paradas públicas desenvolvidas pelo pintor da Revolução Francesa, JacquesLouis David, e a coreografia Trio A de Yvonne Rainer (bailarina, coreógrafa e cineasta).

Porto Galeria Porto Oriental Rui Sousa De 15 de Julho a 30 de Outubro Rua Barros Lima, 851 Tel.: 225 102 456 3ª a Sábado das 15h às 19h Rui Sousa é um jovem artista com intervenções variadas nos domínios do desenho e da ilustração. Apresenta nesta mostra uma síntese do trabalho que realizou até agora, agrupando as obras por séries, entre elas, Adaptação Humana, Mutações, Linha Frágil e Comportamentos Humanos. É exibido diariamente um vídeo sobre um livro de artista, igualmente exposto.

Safari, 2011 Porto Galeria Presença Pedro Valdez Cardoso: “Les Dresseurs (Os Domadores)” De 18 de Setembro a 29 de Outubro Rua Miguel Bombarda, 570 Tel.: 226 060 188 2ª a 6ª das 10h às 12h30 e das 15h às 19h30, Sábados das 15h às 19h30 Pedro Valdez Cardoso apropriase das artes decorativas e de alguns dos seus estilos mais relevantes, nomeadamente dos períodos entre os séculos XVII a XIX, entre eles o barroco, rococó e vitoriano. O artista criou uma série de objectos (vasos, potes, fruteira, pratos, máscaras) que ligam os estilos já mencionados com uma iconografia que tem por referente as artes primeiras e o folk de culturas não-ocidentais e indígenas.

Announcement, 2011 Porto Hard Club João Noutel: “Backstage” De 1 a 30 de Setembro Mercado Ferreira Borges Tel.: 969 884 545 2ª a Domingo das 10h às 24h Neste conjunto de trabalhos, levantam-se questões sobre a condição da importância versus superficialidade de conceitos e preconceitos. A presença de elementos transversais a várias séries na obra do artista reitera a procura constante de harmonia, ainda que aparentemente desordenada, entre o desenho e a imagem.

fotos © gentilmente cedidas pelas galerias, museus e fundações - todas as imagens desta página monstram apenas um pormenor da obra

Projecto III Máscara, 2011


destaque

Emília Nadal, “Tudo o Que Acontece” Emília Nadal é um nome discreto na arte portuguesa, de quem pouco se ouve falar, mas que se mantém em actividade há 50 anos, sendo actualmente também presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes. No Centro Cultural de Cascais, Emília Nadal, sob a curadoria de João Pinharanda, expõe de maneira bipolar. O título da exposição é “Tudo o Que Acontece” e é bipolar porque se divide em duas. Duas épocas e duas temáticas em duas salas do piso térreo. De um lado, uma faceta satírica, de registo pop: uma recolha de obras da década de 1970, talvez a fase mais marcante e mais original do seu trabalho. De outro lado, um registo intimista, um diário dos dias passados a olhar para a natureza, em contemplação. Paisagens que por vezes são absurdas e até mesmo surrealizantes lado a lado com simples desenhos de motivos vegetais, feitos de forma descomprometida, mas ainda assim de grande rigor técnico, mesmo académico. É por esta primeira sala que se entra na exposição, onde Emília Nadal deixa ver um pouco das suas emoções. Acompanhando a representação do envelhecimento das plantas e daquilo que a rodeia, Nadal chega mesmo a representar o seu próprio envelhecimento e a projectar-se no futuro com mais idade, num auto-retrato ao longo do tempo. Nesta recolha desigual de obras,

há peças conceptuais com jogos de espelhos que brincam com a imagem, com a palavra e com géneros da pintura. A palavra “paisagem” em formato de página horizontal (“landscape”, em inglês) e a palavra “retrato” numa placa de espelho vertical (em inglês, “portrait”). Trocadilhos de objectos com palavras que deixam adivinhar a ironia que reina na segunda sala, a sala da sua arte pop. A pop de antes e de agora, pois além das obras com mais de 30 anos, há também actualizações recentes dos medicamentos, detergentes e outros produtos com funções ideológicas. São desenhos, litografias e objectos com rótulos como os do medicamento Mistycil (reforçador místico – político, religioso, social e sexual) ou o Ideol (extracto de ideologia em ampolas, gotas ou drageias). As ideias e políticas que nos vendem e que compramos, liofilizadas, embaladas e pré-digeridas, que comíamos antes e continuamos a comer agora. Por isso, Emília Nadal criou as latas de slogans e na inauguração deu aos visitantes slogans para comerem, em forma de bolachas. O humor corrosivo refresca as obras mais antigas e renasce em obras mais recentes como o Pro-Corruptyl, produto que se destina a promover a corrupção em empresas e instituições públicas, além de outras substâncias com diferentes usos e fins.¶ Miguel Matos

Emília Nadal, “Tudo o Que Acontece” Até 23 Outubro Centro Cultural de Cascais Av. Rei Humberto II de Itália, Cascais Tel.: 214 848 900 3ª a Domingo das 10h às 18h


leilões Top5 Sotheby's 2010-2011

Arte Contemporânea

$ 35.362.500

Andy Warhol Coca-Cola [4] [Large Coca-Cola], 1962 Nova Iorque, 9 Novembro 2010

$ 22.482.500

Mark Rothko Sem título, 1955 Nova Iorque, 9 Novembro 2010

$ 20.242.500 Andy Warhol Sixteen Jackies, 1964 Nova Iorque, 10 Maio 2011

$ 16.882.500 Jeff Koons Pink Panther, 1988 Nova Iorque, 10 Maio 2011

$ 14.082.500

Roy Lichtenstein Ice Cream Soda, 1962 Nova Iorque, 9 Novembro 2010


Impressionistas

$ 68.962.500

fotos cedidas pelos editores

Amedeo Modigliani Nu Assis Sur un Divan (La Belle Romaine), 1917 Nova Iorque, 2 Novembro 2010

$ 40.711.612

Pablo Picasso La Lecture, 1932 Londres, 8 Fevereiro 2011

$ 40.099.627

Egon Schiele Houses with Laundry (Suburb II), 1914 Londres, 22 Junho 2011

$ 24.722.500

Claude Monet Le Bassin aux NymphĂŠas, 1917-1919 Nova Iorque, 2 Novembro 2010

$ 21.362.500

Pablo Picasso Femmes Lisant (Deux Personnages), 1934 Nova Iorque, 3 Maio 2011


opInIÃo / pedro portugal

O cinema português (II)

Cinerama (2009) de Inês Oliveira

O tempo na pintura é diferente do tempo no cinema. A imagem numa pintura está parada há 500, 5.000 ou 30.000 anos. (Deleuze refere este aspecto a respeito da pintura.) Na realidade, a pintura só parou de mexer quando surgiu o cinema. Até à reprodução mecânica da representação, as pinturas sempre se mexeram no pensamento dos espectadores. Ver uma pintura era ir a um sítio longínquo, correspondia a uma viagem, a uma nova emoção, a um capricho irrepetível ou a um despotismo. Precisamente até ao fim do século XIX, a pintura foi a forma mais aperfeiçoada de representar o mundo, os sonhos e de demonstrar poder. O cinema substituiu a pintura porque as imagens começaram a mexer-se efectivamente, embora o cinema sempre tenha ficado com a nostalgia, a partir daqui inatingível, da imagem parada. A pintura e o desenho são aquilo que as palavras não dizem. Mas o “cinema português” diz uma coisa que as palavras não dizem e que a pintura já não pode dizer. A virtualidade mágica do “cinema português” foi ter conseguido aproximar-se do efeito que a pintura produzia antes do aparecimento do cinema – mais nenhuma cinematografia do mundo o conseguiu. O “cinema português” provoca a indução inobjectiva de uma inércia ôntica (1) no espectador, transportando-o numa “viagem no tempo do olhar” para este poder ver um filme como se olhava para uma pintura há 500 anos. Como pôde o que se chama “cinema português” produzir esta singularidade? Se dermos atenção, há uma curiosa afinidade entre o que aconteceu aos portugueses que foram trabalhar para as obras em França e os intelectuais que se exilaram em Paris na mesma altura. Estávamos nos gloriosos anos 60 do século XX e a França ainda se considerava o farol da vanguarda teórica e artística – e uma porta sempre aberta para trabalho não-qualificado. Se o primeiro grupo de portugueses regressou para os saudosos ósculos hirsutos das mães e para o amplexo das berças, onde construíram com amor, nos mais miseráveis lugares, casas de sonho com aquecimento central, telhados com ângulos por vezes superiores a 60 graus e outras tecnologias aprendidas no Norte, o segundo grupo (muito mais pequeno) bebeu de penálti todas as novas teorias, foi cortado ao meio pela admirável nouvelle vague e voltou para Lisboa com uma ambição de escala desproporcionada ao país. Os que voltaram para as aldeias e os que ficaram em França, tornaram-se no tema para a nouvelle vague do “cinema português”: partida, saudade, regresso, opressão, revolução, fraternidade, liberdade. Como dizia uma rainha francesa: misturar o nosso sangue com o do povo é pôr estrume na linhagem. Os portugueses foram para a França, misturaram-se, voltaram e em antropomorfização fizeram o cinema como os franceses estavam a deixar de fazer: longos planos de deslumbramento com o opróbio, nudez (de notar que mesmo despida uma francesa nunca está nua), natureza etnificada, crueza, cintos elásticos, calças brancas, gajas malucas, inserts de ideologia partout, amor de mãe, joelhos

de adolescentes, cor deslavada (azulados e magentas), sexo (por vezes frenético), personagens que desaparecem misteriosamente, música despropositada, intensidade civilizacional, inconsequência sociológica, geomelancolia, etc. A grande fêmea da cultura mundial pôde perpetuar-se assim em Portugal com o “cinema português”. É, aliás, a única razão do amor devotado a uma maneira de fazer cinema que a França abandonou há muito tempo – na realidade, o cinema Francês só quer é ser Americano. Este maneirismo de fazer cinema aproxima-se muito mais da pintura e da fabricação de uma tradição que a arte portuguesa nunca teve (porque foi e é inexoravelmente formalista). O “fazer cinema português” deve continuar a ser financiado e defendido como património intelectual. Sobretudo hoje, quando está a acontecer uma espécie de render da guarda dos velhos realizadores e técnicos, que mantiveram heroicamente o cânone original do “cinema português”, e a surgir uma nova geração de realizadores cujos filmes são igualmente vexados e empalados por público e crítica. Zénites visuais de “cinema português” puro como Cinerama (2009) de Inês Oliveira ou A Espada e a Rosa (2010) de João Nicolau, serão venerados como filmes de culto dentro de décadas. Os que hoje troçam destas realizações pertencem à entropia negativa que troçou dos Toiros de Mary Foster (1972) de Henrique Campos ou do experimentalismo de Artur Semedo em O Querido Lilás (1987). É graças a todos estes bravos cinéfilos que aquilo que ficou a ser a maneira de fazer “cinema português” se cristalizou num extraordinário oxímoro de equívocos múltiplos e se secularizou no meme (2) mais potente produzido pela cultura portuguesa do século XX. ¶ (1) Desaceleração de Ser (2) Vírus cultural (Dennett; Dawkins) NB: Numa análise da narrativa do que se convenciona como “cinema português”, e que deriva desta característica, observamos um certo número de “papéis semânticos” constantes. Há personagens principais, acções e instrumentos. As personagens são: o Realizador (Herói), o Filme (Vítima), o Estado/Produtor (Vilão) e os Actores e Equipas Técnicas (Ajudantes). O Realizador é intrinsecamente bom. O Estado/Produtor é intrinsecamente mau. As principais acções passam-se nesta ordem: uma Vilania é praticada pelo Estado/Produtor sobre o Filme; o Realizador tem de enfrentar Dificuldades; há uma Batalha entre o Realizador e o Estado/Produtor; o Realizador vence o Estado/Produtor; o Filme é salvo pelo Realizador; o Estado/Produtor é Castigado; o Realizador é Recompensado. Vitória, Salvamento, Castigo e Recompensa restauram o balanço moral. Há uma variante em que o Realizador é também o Filme. É uma narrativa de Autofilme: o Realizador salva-se a si próprio. E ainda outra variante em que o Realizador é o Vilão. Tenta ser bom mas não gosta. Torna-se secretamente um Supervilão. Por fim, o realizador é considerado um Herói... Citação livre adaptada: The Political Mind, George Lakoff

fotos cedidas pelos editores

O cinema português é um oxímoro “Não há filmes para além da morte. Não há morte que não seja cinematográfica.” Apócrifo do século XX. “ Se o cinema português valesse alguma coisa eu ia mas é para actor!” Mário Viegas no filme Kilas, O Mau da Fita (1980) de José Fonseca e Costa.




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