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Henrique Marcos

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Jorge Fontoura

Jorge Fontoura

HENRIQUE MARCOS Pesquisador e Doutorando em Direito por Maastricht Univ. & Univ. de São Paulo.

Caso Mox Plant: Pluralismo ou Fragmentação do Direito Internacional?

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O Relatório de 2006 da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas (CDI) finalizado por Martti Koskenniemi menciona expressamente o “Caso Mox Plant”.[1] O caso é relativo à uma disputa entre a Irlanda e o Reino Unido a respeito do despejo de material radioativo poluente no Mar da Irlanda. A CDI pontua que o litígio seria uma significante ilustração do cenário de fragmentação do Direito Internacional.

Chama a atenção o fato que o mesmo litígio deu vazão a três diferentes procedimentos jurisdicionais. Um processamento perante o Tribunal Internacional de Direito do Mar (ITLOS) à luz da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) que deu ensejo a um processo perante um tribunal arbitral. Um segundo caso perante outro tribunal arbitral através da Corte Permanente de Arbitragem (PCA) no âmbito da Convenção sobre a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste (Convenção Oslo-Paris). E um terceiro caso perante a Corte Europeia de Justiça (ECJ) ajuizado pela Comissão Europeia contra a Irlanda.[2]

Os três casos dizem respeito aos mesmos fatos subjacentes: a legalidade ou ilegalidade das ações do Reino Unido em desfavor da Irlanda. Esta sobreposição de regras é pretexto para ansiedades jurídicas. Afinal, há um potencial conflito entre as regras da UNCLOS, o Direito Comunitário Europeu e a Convenção Oslo-Paris. A complicação aumenta ainda mais ao se observar que tanto a Irlanda quanto o Reino Unido são partes do Tratado de Roma que em seus Artigos 292 e 300 estabelece que litígios entre os Estados-membros da União Europeia que envolvem Direito Comunitário devem ser apreciados exclusivamente pela ECJ. A interpretação da CDI (embora muitas vezes possa parecer confusa) caminha no sentido de reconhecer que o “Caso Mox Plant” é indicativo da fragmentação do Direito Internacional. A Comissão se vê envolta diante do aparente conflito

de jurisdições e embaralhamento de ordens jurídicas. A hierarquia das regras comunitárias impera sobre as demais? A especialidade do Direito Internacional do Mar prevalece sobre regras gerais? Quais regras são determinantes?

Felizmente, uma interpretação menos emocionada sugere que nem tudo está perdido. Neste sentido, a atuação do ITLOS e de seus tribunais arbitrais merece destaque. Os Artigos 287 e 288 da UNCLOS preveem a possibilidade de que a mesma disputa seja submetida a vários fóruns de solução de conflitos. Assim, juridicamente, não há impedimento para a submissão simultânea dos três casos perante três esferas judicantes. Não obstante, em razão da falta de acordo para definição do fórum de resolução de conflitos, a disputa foi submetida à arbitragem na conformidade do Artigo 287(5) da UNCLOS.[3] Instituído, o tribunal arbitral confirmou a competência prima facie, mas considerou necessário determinar a respeito da competência definitiva. As partes eram integrantes da União Europeia. Sendo assim, o tribunal arbitral suspendeu o processo aguardando a determinação da competência exclusiva da ECJ. Tal postura, por si só, aponta à conclusão de que as entidades judiciais de Direito Internacional sabem que não operam no vácuo; reconhecem que são integrantes de uma comunidade plural de tribunais internacionais.[4]

No campo da União Europeia, conforme apontado, a Comissão, apoiada pelo Reino Unido, institui processo contra a Irlanda perante a ECJ. A ECJ reconheceu que a UNCLOS por ter sido ratificada pela União Europeia faz parte integrante da ordem jurídica que compõe o Direito Comunitário. Outrossim, a UNCLOS não poderia afetar a autonomia da União Europeia e nem atingir a competência exclusiva da ECJ. Vencida, a Irlanda foi impedida de submeter o caso ao tribunal arbitral da UNCLOS.[5]

Pode parecer que o Direito do Mar foi “afastado” para dar vez ao Direito Comunitário. No entanto, tal interpretação binária não incorpora o verdadeiro valor das decisões acima. Muito mais que um jogo de soma zero, o diálogo institucional aponta a existência de reconhecimentos mútuos. O ITLOS e seu tribunal arbitral perceberam que ali havia um conjunto de regras que poderia ter preferência sobre o Direito do Mar. A ECJ, por sua vez, reconheceu a primazia da jurisdição europeia, mas frisou que as regras da UNCLOS integram o ordenamento jurídico comunitário. O “Caso Mox Plant” é relevante por destacar os potenciais problemas associados ao pluralismo institucional no Direito Internacional contemporâneo. No entanto, a complexidade do tabuleiro internacional não deve dar causa a interpretações precipitadas. O Direito é uma construção progressiva dependente da prática interpretativa de seus agentes. O fato que, a princípio, potencial conflito não tem uma solução evidente não é suficiente para resignações absolutas. Nem todo caso difícil é um caso impossível. Ao navegar em águas profundas de territórios desconhecidos, o propósito normativo do Direito Internacional deve nos guiar como uma bússola.

NOTAS

1. ILC, International Law Commission; KOSKENNIEMI, Martti. Fragmentation of International Law: Difficulties Arising from the

Diversification and Expansion of International Law. Report of the Study Group of the International Law Commission - Finalized by

Martti Koskenniemi (A/CN.4/L.682), 58th Session, (Geneva, 1 May - 9 June and 3 July - 11 August 2006). 2006. Disponível em: <https:// legal.un.org/ilc/documentation/english/a_cn4_l682.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2020. 2. Para uma análise aprofundada da disputa, cf.: CHURCHILL, Robin R. MOX Plant Arbitration and Cases. In: WOLFRUM, Rüdiger (Org.). Max

Planck Encyclopedia of Public International Law, 2018. Disponível em: <https://opil.ouplaw.com/view/10.1093/law:epil/9780199231690/ law-9780199231690-e176?prd=EPIL>. Acesso em: 3 ago. 2020. 3. ITLOS, Mox Plant Case (Ireland v. United Kingdom), Provisinal Measures, Order, 12/03/2001. 4. A este respeito, cf.: MENEZES, Wagner. Tribunais Internacionais: Jurisdição e Competência. São Paulo: Saraiva, 2013. 5. ECJ, Commission v. Ireland (C-459/03), Judgment of the Court (Grand Chamber), 30/05/2006.

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